Considerações sobre a Responsabilidade Civil do Advogado e a Teoria da Perda da Chance

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O presente artigo tem como objetivo trazer, em linhas gerais, uma análise sobre a Responsabilidade Civil do Advogado frente a Teoria da Perda de uma chance, critérios de aplicação da teoria no Contexto Jurídico Brasileiro e exploração dos critérios empregados pelos tribunais para quantificação dos danos.

Introdução

A relação entre advogados e seus clientes é pautada na confiança, na busca pela justiça e na busca por resultados favoráveis. No entanto, como em qualquer profissão, erros podem ocorrer. Quando um advogado comete um erro que resulta na perda de uma oportunidade real para o cliente, surge a questão da responsabilidade civil do advogado e a aplicação da Teoria da Perda da Chance. Este artigo explora a responsabilidade civil dos advogados e como a Teoria da Perda da Chance pode ser aplicada nesse contexto.

Teoria da Perda da Chance

A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma oportunidade teve origem na França (perte d'une chance) durante os anos 1960. Seu propósito era estabelecer a responsabilidade de um médico que, ao equivocar-se no diagnóstico, eliminou as possibilidades de sobrevivência para a vítima.

Atualmente essa teoria é amplamente reconhecida no ordenamento jurídico pátrio, atuando como um elemento definidor de dano no âmbito da responsabilidade civil. Mesmo diante da incerteza quanto à efetiva materialização do benefício esperado pela vítima, sua aplicação no ordenamento brasileiro é delineada pela doutrina e jurisprudência, frequentemente com base em paralelos estabelecidos no direito comparado.

Responsabilidade Civil do Advogado

A responsabilidade civil do advogado se refere à obrigação legal que os profissionais do direito têm de agir com diligência, competência e cuidado em relação aos seus clientes. Quando um advogado não atende a esses padrões e comete um erro que prejudica o cliente, pode ser considerado responsável pelos danos resultantes desse erro. A responsabilidade civil do advogado baseia-se na premissa de que os clientes têm o direito de confiar nas habilidades e no profissionalismo de seus advogados.

Aplicação da Teoria da Perda da Chance na Advocacia

Iniciamos a nossa análise a partir da decisão proferida pela 3ª Turma do STJ no Recurso Especial 1.877.375/RS que trata da responsabilidade do advogado e a conduta culposa ante a não defesa dos interesses do cliente adequadamente, vejamos:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. AUSÊNCIA DE HABILITAÇÃO. AUSÊNCIA DE DEFESA. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS. CONDENAÇÃO DOS CLIENTES. RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE. CARACTERIZAÇÃO. DANO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1 - Recursos especiais interpostos em: 13/5/2019, 15/5/2019 e 16/5/2019. Conclusos ao Gabinete em: 5/6/2020. 2 - O propósito recursal consiste em dizer se: a) o acórdão recorrido conteria omissão; b) se estaria cristalizada a responsabilidade civil por perda de uma chance em virtude da falha na prestação de serviços advocatícios caracterizada pela ausência de qualquer atuação na demanda para a qual os serviços foram contratados, culminando com a condenação dos clientes ao pagamento de vultosa quantia; c) estaria caracterizada a responsabilidade civil por danos morais em virtude de falha na prestação de serviços advocatícios; e d) se o valor arbitrado a título de compensação pelos danos morais seria exorbitante. 3 - A falha na prestação de serviços advocatícios, caracterizada pela ausência de qualquer atuação do advogado na demanda para a qual foi contratado pode, em tese, caracterizar responsabilidade civil pela perda de uma chance, desde que houvesse efetiva probabilidade de sucesso, não fosse a conduta desidiosa do causídico. 4 - Na hipótese dos autos, partindo do arcabouço fático-probatório delineado pelas instâncias ordinárias, é forçoso concluir que se encontram cristalizados os requisitos indispensáveis à configuração da responsabilidade civil pela perda de uma chance, máxime porque a incontroversa desídia dos réus - que deixaram a ação de prestação de contas tramitar por quase três anos sem qualquer intervenção, culminando com a condenação dos autores ao pagamento de vultosa quantia - retirou destes a chance real e séria de obterem uma prestação jurisdicional que lhes fosse mais favorável. 5 - Para fixação do quantum indenizatório, tendo em mira o interesse jurídico lesado - perda da chance de obter resultado mais favorável em ação de prestação de contas - e tendo em vista, ainda, o elevado grau de culpa dos réus, que a probabilidade era de 50% de sucesso na referida demanda, que houve a demonstração do dano efetivo, consubstanciado na condenação dos autores ao pagamento de R$ 947.904,20 (novecentos e quarenta e sete mil, novecentos e quatro reais e vinte centavos) em virtude da desídia dos causídicos, tudo sopesado tem-se por razoável que a indenização deve corresponder a R$ 500,000,00 (quinhentos mil reais) tudo observada a proporcionalidade na fixação do dano material com fundamento na responsabilidade pela perda da chance. 6 - Na hipótese sob julgamento, não restou caracterizada a ofensa a direitos da personalidade por causa da má prestação dos serviços advocatícios contratados, motivo pelo qual não cabem danos morais. 7 - Recurso especial de ANDRÉ LUIZ ANTON DE SOUZA e RAJA ADMINISTRAÇÃO COMÉRCIO E TECNOLOGIA LTDA, parcialmente provido. Recursos especiais de EMILSON CESAR COLETO FERNANDES e de LINI & PANDOLFI ADVOGADOS ASSOCIADOS, EYDER LINI e MARCOS EVALDO PANDOLFI, dou-lhes provimento, apenas para afastar a condenação ao pagamento por dano moral. (STJ - REsp: 1877375 RS 2019/0303737-9, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 08/03/2022, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/03/2022)

Quando da celebração do contrato de prestação de serviços, o advogado se obriga a empregar todos os meios disponíveis para que o objetivo da parte seja atingido, atentando que se trata de uma obrigação de meio e não de resultado.

Assim, a responsabilização ocorrerá somente após uma análise da conduta profissional do advogado, com o fito de se apurar eventual culpa. Desta feita, se o profissional utilizou-se de todos os meios que dispunha para a defesa dos direitos do seu cliente, de forma diligente não há que se falar em responsabilidade, uma vez que como dito alhures não há qualquer obrigação quanto a resultado satisfatório para o cliente, limitando-se a uma obrigação de meio.

Todavia existem concausas que podem afetar no resultado que podemos exemplificar como posicionamentos jurisprudenciais, documentos apresentados pela parte adversa. E estas concausas não podem ser ignoradas, de modo que é preciso analisar se no momento da conduta culposa haveria probabilidade de se obter um resultado favorável ou não.

A teoria da perda de uma chance é aplicada quando durante o desenrolar dos eventos há indicação de que chegaria a uma vantagem esperada, mas que não ocorreu em razão da prática de um ato jurídico que culminou na interrupção indevida.

Nas palavras de Rafael Peteffi Silva não há nexo causal entre a antijuridicidade e o resultado obtido ao final (dano final), mas há causalidade com a probabilidade perdida (dano chance). Por isso, a sua nomenclatura "perda de uma chance", uma vez que se entende que há uma chance que foi perdida em virtude da conduta de outrem.

Assim, esta é a base da teoria da perda de uma chance, cuja aplicação já é consagrada na jurisprudência brasileira, que de acordo com Glenda Gonçalves Godim "desde que efetivamente comprovadas a probabilidade de ser alcançada a vantagem esperada, acaso o desencadeamento natural dos fatos não tivesse sido interrompido"

Com efeito, no caso de sequer ter sido proposta a demanda, a probabilidade de êxito fica mais difícil de ser comprovada, uma vez que não há citação da parte, contraditório, e a decisão judicial para ser prolatada depende de eventos que acontecem no decorrer do processo. Entretanto, tal premissa não é absoluta, uma vez que há temas que permitem avaliar a viabilidade de serem acolhidos com base nas evidências disponíveis na época e nas posições já estabelecidas pelos Tribunais.

O mesmo princípio pode ser aplicado quando se trata da omissão em interpor um recurso, que em teoria estaria enquadrado como negligência pela falta de cuidado ao não aproveitar os meios disponíveis (a possibilidade de apelar). No entanto, se não estiver claro que a decisão teria sido revertida, a compensação pelo dano resultante não se aplica. Deve-se avaliar a probabilidade de sucesso do recurso e essa probabilidade é o que merece ser reparado. Quando não há certeza sobre um resultado favorável, a certeza de um resultado desfavorável também não está presente.

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A mesma abordagem é relevante quando se trata da ausência de apresentação de uma defesa ou, se apresentada, da inadequação da mesma. Nesse contexto, além da limitação quanto à análise posterior dos argumentos, há a oportunidade de examinar as chances de sucesso em refutar o pedido feito, caso argumentos adequados ou uma defesa adequada tivessem sido apresentados.

E é justamente neste sentido o decisum proferido pelo STJ da lavra da Ministra Nancy Andrighi, no qual foi constatada a antijuridicidade devido a inércia dos advogados, que, mesmo devidamente contratados, não empreenderam qualquer esforço em defesa de seu cliente. A partir dessa falta de defesa ou representação em nome do cliente, examinou-se qual seria a viabilidade de sucesso se a atuação tivesse sido conduzida de maneira diligente, vejamos:

“(...) se encontram cristalizados os requisitos indispensáveis à configuração da responsabilidade civil pela perda de uma chance, máxime porque a incontroversa desídia dos réus - que deixaram a ação de prestação de contas tramitar por quase três anos sem qualquer intervenção, culminando com a condenação dos autores ao pagamento de vultosa quantia - retirou destes a chance real e séria de obterem uma prestação jurisdicional que lhes fosse mais favorável (...)”.

Uma vez identificada essa possibilidade, emerge a aplicação da teoria da perda de oportunidade. De um lado, temos a conduta inadequada do advogado que, embora devidamente contratado, permaneceu inerte, sem sequer apresentar a peça de contestação para a defesa do cliente. Por outro lado, é conhecido que a ausência de uma defesa reduz drasticamente as perspectivas de alcançar êxito na proteção dos interesses, quando existentes. No caso em questão, chegou-se à conclusão de que havia uma chance mais favorável que não pôde ser aproveitada devido à negligência dos advogados, o que caracteriza a perda da oportunidade.

Superada a fase de reconhecimento da aplicação da Teoria da Perda de uma chance, a sentença deve ponderar o dano a partir das probabilidades examinadas e confirmadas no caso específico. Isso ocorre porque o dano a ser compensado é o dano à oportunidade perdida, e não o dano final sofrido. No caso sob análise, a condenação dos advogados foi acertadamente estabelecida em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), embora o prejuízo suportado pelo cliente devido à negligência dos advogados tenha totalizado R$ 947.904,20 (novecentos e quarenta e sete mil, novecentos e quatro reais e vinte centavos).

Desta feita, há a aplicação do art. 403 do CC: "(...) as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual." E assim a indenização fica adstrita à chance perdida e não em razão da vantagem esperada e não alcançada.

Importante destacar que a aplicação desta teoria não exclui eventual responsabilização do advogado pelo resultado, mas esta só existirá quando se constatar que a conduta culposa do profissional resultou no prejuízo total suportado pelo cliente.

Portanto, fica evidente a viabilidade da aplicação da teoria da perda de uma chance na prática advocatícia, sempre que a conduta negligente for comprovada, juntamente com a perda de uma probabilidade substancial. Isso ocorre uma vez que uma chance concreta, real e efetiva se configura como um dano passível de reparação.

Conclusão

A responsabilidade civil do advogado é uma consideração importante na prestação de serviços jurídicos. A Teoria da Perda da Chance oferece uma abordagem valiosa para casos em que um cliente perde uma oportunidade real devido a uma conduta antijurídica. Embora a aplicação dessa teoria na advocacia possa ser desafiadora, ela reflete a importância de que os advogados atuem com o mais alto padrão de cuidado e competência em benefício de seus clientes. Em última análise, a responsabilidade civil dos advogados e a Teoria da Perda da Chance contribuem para a manutenção da confiança e integridade no sistema legal.

Referências 

  • BRASIL. Código Civil. Lei 1046/2002. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 05/08/2023.

  • Recurso Especial nº 1.877.375/RS - Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: agosto/2023. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.

  • SILVA, Rafael Peteffi. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2007, p. 13

  • GONDIM, Glenda Gonçalves. A reparação civil na teoria da perda de uma chance. São Paulo: Editora Clássica, 2013, p. 97.

  • https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/369112/responsabilidade-do-advogado-sob-lentes-da-teoria-da-perda-de-chance

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