O presente artigo tem como objetivo oferecer uma visão ampla e compreensível sobre os diversos regimes de bens contemplados no Código Civil brasileiro, bem como suas implicações na sucessão de bens, examinando se o patrimônio correspondente é compartilhado ou mantido individualmente após o falecimento de um dos cônjuges.
Introdução
No âmbito do direito civil, os regimes de bens estabelecidos legislação pátria representam pilares fundamentais para a organização patrimonial das relações conjugais. Esses regimes definem como os bens serão administrados e compartilhados entre os cônjuges durante o casamento e, igualmente importante, como essa dinâmica de propriedade será influenciada em caso de falecimento de um dos cônjuges.
Neste contexto, este estudo abordará os diferentes regimes de bens, explorando os impactos dessas escolhas na sucessão hereditária. A compreensão das implicações sucessórias dentro de cada regime permitirá uma apreciação mais abrangente das consequências jurídicas e financeiras que cada casal pode enfrentar ao longo da vida conjugal e no momento da sucessão.
Da conceituação de meação e herança
A meação instituto do direito de família, nas palavras de Silvio de Salvo Venosa pode ser definida como a metade dos bens comuns do casal, que será destinada a cada um dos cônjuges em caso de dissolução do casamento, seja pelo divórcio ou falecimento. O acesso ou restrição à meação dos bens depende do regime de bens escolhido durante o casamento ou união estável. As diferentes modalidades serão exploradas a seguir.
Por outro lado, a herança, uma figura do direito das sucessões, compreende o conjunto de bens deixados por alguém falecido. Trata-se do patrimônio total que será transmitido após o óbito de um indivíduo. Na ausência de testamento, a distribuição dos bens do falecido obedecerá às normas delineadas no artigo 1.829 do Código Civil, que declara o seguinte:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais.
No referido artigo denota-se que os ascendentes concorrem com o cônjuge supérstite, todavia o recebimento de parte da herança dependerá do regime matrimonial adotado.
Com efeito, de acordo com o artigo 1.829, I, do Código Civil, se o casal estiver unido sob o regime de comunhão universal de bens ou separação obrigatória, essa concorrência não se aplica. Além disso, se o falecido estiver casado pelo regime de comunhão parcial de bens e não possuir bens particulares, a concorrência na herança também é inexistente.
Dito isto, passa-se a explorar o panorama geral dos distintos regimes de bens estabelecidos no Código Civil brasileiro e como eles influenciam a sucessão hereditária.
Dos Regimes de Bens disciplinados pelo Código Civil
1. Comunhão Universal de Bens
Com relação ao Regime da Comunhão Universal de Bens, delineado nos artigos 1.677 e 1.668 do Código Civil, resulta na completa fusão (meação) de todos os bens, tanto móveis quanto imóveis, atuais e futuros. Isso implica na união patrimonial, com exceção das situações de bens incomunicáveis previstas por lei (artigo 1.668, I a V). Em um contexto prático, quando ocorre o falecimento de um dos cônjuges, a metade ideal (meação) é atribuída ao cônjuge supérstite, independentemente da origem da aquisição dos bens. A parcela restante do patrimônio, ou seja, a outra metade que compreende toda a herança do falecido, é dividida em partes iguais somente entre os filhos, conforme estabelecido no artigo 1.829, I, do Código Civil:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Isso implica que se a viúva ou viúvo já recebeu sua metade (meação) do patrimônio completo, incluindo possíveis bens adquiridos pelo falecido antes do casamento, não terá direito a concorrer na divisão da herança juntamente com os descendentes.
2. Comunhão Parcial de Bens
Em relação ao Regime de Comunhão Parcial de Bens, este é considerado o regime legal, ou seja, é aplicado automaticamente pela lei em situações em que os cônjuges não fazem uma escolha específica sobre a divisão do patrimônio, dispensando a necessidade de um pacto antenupcial. Além disso, esse regime resguarda o patrimônio prévio, ou seja, aqueles bens que os cônjuges possuíam antes do casamento.
Nesse contexto, podemos identificar três categorias de bens: os bens comuns (adquiridos durante o casamento), os bens da esposa (adquiridos antes do casamento) e os bens do marido (adquiridos antes do casamento). Quando o regime é encerrado, seja por separação ou divórcio, cada cônjuge mantém seus bens particulares, e os bens comuns são divididos entre ambos.
No caso de falecimento, o cenário é semelhante. O cônjuge sobrevivente receberá sua metade (meação) dos bens comuns, enquanto a parte do cônjuge falecido, ou seja, os 50% restantes (que correspondem à totalidade da herança), será partilhada apenas entre os filhos.
No tocante aos bens particulares, ou seja, aqueles adquiridos antes do casamento, o cônjuge sobrevivente não terá direito à meação. Nesse contexto, esses bens serão herdados em partes iguais pela(o) viúva(o) e pelos filhos do falecido.
3. Separação Convencional de Bens
Este é o tipo de regime em que o Código Civil oferece aos futuros cônjuges a liberdade de escolher o arranjo patrimonial que melhor se adapte às suas preferências. Concretamente, ao optar pelo regime de separação convencional de bens, os noivos buscam evitar que as questões financeiras do casamento afetem suas propriedades individuais.
De acordo com Maria Berenice Dias, ao elegerem o regime de separação de bens, os noivos demonstram a intenção de eliminar qualquer impacto financeiro do casamento.
Nessa toada, uma vez escolhido este regime, os cônjuges não compartilham um patrimônio comum. Isso viabiliza que cada um possa administrar seus próprios bens de maneira independente.
Na prática, em muitos casos, o regime de separação convencional de bens é selecionado por cônjuges que desejam evitar a mescla de bens entre diferentes famílias. Contudo, é notável a distância entre as preferências das partes e a interpretação da lei.
Isso ocorre porque, nesse regime, não há interação patrimonial que resulte em divisões, caso o casamento seja dissolvido em vida, o que sugere que os cônjuges também anseiam manter a separação de seus patrimônios no caso de falecimento.
Apesar disso, no regime de separação convencional de bens, de acordo com o artigo 1.829, I, mencionado alhures o cônjuge supérstite competirá por sua cota individual com os filhos na partilha da herança do falecido, ostentando a condição de herdeiro necessário.
Isso implica que o regime de separação convencional de bens estabelece a incomunicabilidade dos bens entre os cônjuges durante o casamento e, por conseguinte, durante o divórcio. Entretanto, quando um dos cônjuges falece, a regra muda, pois o cônjuge sobrevivente terá o direito aos bens particulares deixados pelo falecido, atuando como herdeiro.
4. Separação Obrigatória de Bens
Este é o regime que diverge da regra da autonomia de vontade. Com o objetivo de resguardar o patrimônio de um dos cônjuges, a lei impõe essa modalidade de regime a alguns indivíduos especificados do art. 1641, CC
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.344, de 2010) – redação atual (grifo nosso)
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal sustenta o entendimento de que o cônjuge terá direito à metade dos bens obtidos durante o período do casamento, Súmula 377:
“No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”
Todavia, a Segunda Seção do STJ fez uma releitura da Súmula 377 do STF, e, decidiu que, no regime de separação legal, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento (ou união estável) desde que comprovado o esforço comum para a sua aquisição (EREsp 1.623.858)
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. CASAMENTO CONTRAÍDO SOB CAUSA SUSPENSIVA. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS (CC/1916, ART. 258, II; CC/2002, ART. 1.641, II). PARTILHA. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. PRESSUPOSTO DA PRETENSÃO. MODERNA COMPREENSÃO DA SÚMULA 377/STF. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROVIDOS. 1. Nos moldes do art. 1.641, II, do Código Civil de 2002, ao casamento contraído sob causa suspensiva, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens. 2. No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição. 3. Releitura da antiga Súmula 377/STF (No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento), editada com o intuito de interpretar o art. 259 do CC/1916, ainda na época em que cabia à Suprema Corte decidir em última instância acerca da interpretação da legislação federal, mister que hoje cabe ao Superior Tribunal de Justiça. 4. Embargos de divergência conhecidos e providos, para dar provimento ao recurso especial.(STJ - EREsp: 1623858 MG 2016/0231884-4, Relator: Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), Data de Julgamento: 23/05/2018, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 30/05/2018 RSTJ vol. 251 p. 416) grifo nosso.
Assim, é possível mesmo no caso de separação obrigatória de bens, se ocorrer o falecimento de um cônjuge sob esse regime, o cônjuge viúvo sobrevivente tem direito à sua parte (meação) dos bens comuns, mediante comprovação de sua contribuição para a aquisição.
No que se refere especificamente aos bens de caráter particular, ou seja, aqueles obtidos antes do casamento, o Código Civil (artigo 1829, I) expressamente exclui o cônjuge casado sob esse regime da condição de herdeiro. O código estabelece que a sucessão ocorre de acordo com a seguinte ordem: "aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se este estava casado com o falecido sob o regime da comunhão universal ou separação obrigatória de bens".
Um assunto atual ligado à matéria que se faz importante mencionar é o Tema 1236 do STF - Regime de bens aplicável no casamento e na união estável de maiores de setenta anos. (Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1309642), tema este que se encontra em Repercussão Geral aguardando julgamento acerca da constitucionalidade do artigo 1641, II CC:
Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 1º, III, 30, IV, 50, I, X, LIV, 226, § 3º e 230 da Constituição Federal, a constitucionalidade do artigo 1.641, II, do Código Civil, que estabelece ser obrigatório o regime da separação de bens no casamento da pessoa maior de setenta anos, e a aplicação dessa regra às uniões estáveis, considerando o respeito à autonomia e à dignidade humana, a vedação à discriminação contra idosos e a proteção às uniões estáveis.
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Os defensores da tese entendem que a imposição de idade como critério determinante de incapacidade é categoricamente inaceitável em um Estado Democrático de Direito, pois carece de base legal para distinguir – ou discriminar – as decisões patrimoniais e matrimoniais de pessoas acima dos 70 (setenta) anos de idade.
A restrição estipulada pelo inciso II do artigo 1.641 do Código Civil claramente contraria os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e da igualdade, estabelecidos em normas constitucionais. Essa restrição introduz um preconceito em relação aos idosos, os quais, apenas por terem ultrapassado uma certa faixa etária, passam a ser presumidos como incapazes para certas ações.
5. Participação Final nos aquestos
O regime de participação final nos aquestos apresenta uma característica híbrida, incorporando elementos tanto do regime de separação de bens quanto do regime de comunhão parcial de bens.
Nesse contexto, os bens obtidos antes do casamento permanecem individualmente pertencentes a cada cônjuge e não são compartilhados. Durante o casamento, similarmente ao regime de separação total de bens, cada cônjuge mantém seu próprio patrimônio e tem o controle exclusivo sobre seus bens, incluindo os imóveis, desde que estipulado no acordo pré-nupcial.
Entretanto, no caso de dissolução do casamento, os aquestos relacionados aos bens adquiridos onerosamente pelo casal serão calculados. Isso difere um pouco da prática do regime de comunhão parcial de bens.
Na sucessão, a partilha de bens segue as diretrizes do Código Civil, levando em consideração a meação do cônjuge sobrevivente. Em outras palavras, é semelhante ao processo de divórcio: meação dos aquestos/bens comuns. Quanto ao restante do patrimônio do falecido, o cônjuge sobrevivente assume o papel de herdeiro, vejamos a legislação que trata da matéria:
Art. 1.672 CC. No regime de participação final nos aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento.
Art. 1.656 CC. No pacto antenupcial, que adotar o regime de participação final nos aqüestos, poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares.
Art. 1.685 CC. Na dissolução da sociedade conjugal por morte, verificar-se-á a meação do cônjuge sobrevivente de conformidade com os artigos antecedentes, deferindo-se a herança aos herdeiros na forma estabelecida neste Código.
Conclusão
Em suma, os diferentes regimes de bens previstos no Código Civil brasileiro desempenham um papel crucial na definição da forma como o patrimônio é compartilhado entre os cônjuges durante o casamento e também na sucessão hereditária após o falecimento de um dos cônjuges. Cada regime apresenta características distintas que refletem as escolhas dos indivíduos e suas intenções em relação à administração patrimonial conjugal.
A escolha do regime de bens pode ter implicações significativas nos direitos e responsabilidades de cada cônjuge, afetando não apenas o presente, mas também o futuro da relação e dos herdeiros. A análise detalhada dos regimes de comunhão universal, comunhão parcial, separação convencional, obrigatória e participação final nos aquestos revela a complexidade e as nuances das disposições legais que regem a divisão de propriedades.
Além disso, é evidente que a sucessão hereditária não ocorre de maneira isolada, mas sim em continuidade com as escolhas feitas durante o casamento. O entendimento dos reflexos desses regimes na sucessão é fundamental para se compreender como os bens serão divididos entre o cônjuge sobrevivente e os herdeiros, e como as opções legais podem influenciar o destino do patrimônio acumulado ao longo da vida.
Em última análise, a seleção do regime de bens deve ser uma decisão consciente e bem informada, considerando tanto as implicações atuais quanto as consequências futuras, especialmente no que diz respeito à sucessão hereditária. O equilíbrio entre os interesses e desejos dos cônjuges, aliado ao entendimento das disposições legais, contribui para a construção de relações e legados patrimoniais sustentáveis ao longo das gerações.
Referências
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. v. VII – Direito das Sucessões. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.13.BRASIL.
DIAS, Maria Berenice. Direito das sucessões e o novo código civil. Texto: Filhos, bens e amor não combinam. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
Código Civil. Lei 1046/2002. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em 06/08/2023.
REsp 1.623.858 - Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: agosto/2023. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.
Súmula 377 do STF – Disponível em <http://www.stf.jus.br> Acesso em: agosto/2023. BRASIL. Supremo Tribunal Federal
Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1309642- Disponível em <http://www.stf.jus.br> Acesso em: agosto/2023. BRASIL. Supremo Tribunal Federal
Tema 1236 STF- Disponível em <http://www.stf.jus.br> Acesso em: agosto/2023. BRASIL. Supremo Tribunal Federal