RESENHA CRÍTICA
Populismo e Tecnocracia: um desafio aos fundamentos da democracia partidária
CARAMANI, D. (2017). Will vs. Reason: The Populist and Technocratic Forms of Political Representation and Their Critique to Party Government. American Political Science Review, 111(01), 54–67.
INTRODUÇÃO
O populismo é um fenômeno que por anos vem sendo estudado, com delimitação histórica ainda referente ao século XIX e XX. Ao passo que a Tecnocracia advém da Revolução Industrial, datada do século XVIII. Embora haja esse contexto histórico, tanto o populismo quanto a tecnocracia são movimentos sociopolíticos que se configuram como poder e como representação política. Construída essa estrutura comum, esses dois fenômenos apresentam similaridades e divergências quanto à representação política ao governo partidário.
As duas formas de representação são baseadas em uma visão, não pluralista, não mediada e irresponsável do interesse geral da sociedade (CARAMANI, D., 2017). As características que os distinguem apontam que a tecnocracia enfoca em motivos de responsabilidade e confiança por parte do eleitorado sobre os especialistas – já que esses identificam o interesse geral da especulação racional. Já o populismo assume que os eleitores devam delegar sua autoridade aos líderes que igualam a uma vontade comumente aceita pelo povo.
Tratadas dessas questões, a presente crítica analisará cada um desses aspectos, com aplicação aos casos políticos atuais, com base no texto: “Will vs. Reason: The Populist and Technocratic Forms of Political Representation and Their Critique to Party Government”, de autoria de Daniele Caramani.
AFINAL, O QUE É O POPULISMO E A TECNOCRACIA?
O populismo surgiu ainda no século XIX, e tinha como principal objetivo defender a prevalência da vontade do povo, sem mediações ou mesmo controles institucionais. Desse modo, compreende-se que a representação política segue sem intermediários político-institucionais, sendo o líder populista aqueles que conduz as ações políticas com base na vontade da maioria.
A tecnocracia, por sua vez, admite que a razão é a norteadora das decisões políticas. Sendo necessário a atuação de pessoas com capacidade e expertise para tomar essas decisões, tendo um conhecimento e habilidade na aplicação de técnicas para propor soluções viáveis e racionais. Logo, assume-se que pessoas com baixa capacidade de conhecimento trazem impactos negativos na participação política, já que a vida política deve ser regida por experts.
ATÉ ONDE CAMINHAM O POPULISMO E A TECNOCRACIA?
Segundo o autor, os dois fenômenos compartilham algumas características comuns, a saber: (1) a vontade geral é unitária e deve ser respeitado e protegido; (2) se afastam dos ideais da democracia liberal, pois se atenda a vontade da maioria como a norteadora da ação política; (3) defendem a não intermediação entre os atores políticos e a sociedade, isto é, implica na resistência ao sistema institucional.
De qualquer, os fenômenos representativos excluem qualquer mecanismo de controle e de prestação de conta (accountability), excluindo o povo por considerar que as decisões passam pela elite política – ideia presente no populismo – ou mesmo porque cabe aos especialistas com alto nível de conhecimento e técnica reger as ações do Estado – ponto defendido pelos tecnocratas.
Da mesma forma que o autor destaca as similaridades, também pontua as diferenças entre o populismo e a tecnocracia. No populismo a relação entre o povo e os atores políticos é dinâmica, visto que o líder populista busca mobilizar o povo a fim de que a maioria ganhe cada vez mais corpo, forma e força – mesmo sendo uma tentativa comumente difícil de ser atingida.
Do outro lado, a tecnocracia aponta uma relação mais distante e em caráter excludente, já que a tecnocracia assume toda a participação política, desviando da sociedade. Isso é, o que guia a tecnocracia em relação à vontade geral é o raciocínio racional e o conhecimento técnico.
CONCLUSÃO
A crise de representatividade faz com que muitos indivíduos se afastem cada vez mais da participação política, visto que os partidos e os seus membros não conseguem expressar e representar a vontade do povo (CARAMANI, D. 2017). Isso tem consequências na vida social e política, isso porque, abre margem para a prevalência de líderes populistas que buscam representar o povo, mas sem intermediação de instrumentos institucionais, criando tensões e desafios para democracia e para a representatividade.
Ao redor do mundo é possível ver a ascensão de líderes populistas, como a líder francesa Marine Le Pen, e o Viktor Orban da Hungria, e o atual presidente do Brasil Jair Bolsonaro. São figuras que estão presentes na vida política e que assumem um discurso de representação, cuja comunicação deve ser livre de interferências e obstáculos, mas que defende um movimento anti-instituições.
Da mesma forma, que a tecnocracia é um movimento presente na realidade política brasileira, visto que ao assumir a presidência, o presidente Jair Bolsonaro atribui super-ministérios a grandes nomes, tidos como especialistas da sua respectiva área de atuação. Esses ministros assumiram as pastas ministeriais, e aplicaram um discurso para ação política baseada em conhecimento e técnicas, mas que tinham o principal objetivo de desnivelar a relação entre o povo e a elite representativa. Esse fato ficou conhecido, na fatídica reunião ministerial de abril de 2020, em que o então ministro do meio ambiente Ricardo Salles sugeriu “ir passando a boiada”, a fim de flexibilizar normas e regras ambientais, enquanto o foco da imprensa e da população estava na cobertura da pandemia da covid-19.
Diante disso, surge a seguinte pergunta: o populismo e a tecnocracia são um novo desafio para a democracia partidária brasileira? A consolidação da democracia advém da participação popular e de uma relação de equilíbrio entre o Estado forte, controlado e vigiado pela participação da sociedade, garantindo liberdade (ACEMOGLU, 2022) e representatividade.
BIBLIOGRAFIA
ACEMOGLU, D. et al. Como a história chega ao fim? In: _____. O Corredor Estreito: Estados, Sociedades e o Destino da Liberdade. 1a edição ed. São Paulo: Intrínseca, 2022.
PODER360. Salles sugere ‘ir passando a boiada’ para mudar regras durante pandemia… Disponível:(https://www.poder360.com.br/governo/salles-sugere-ir-passando-a-boiada-para-mudar-regras-durante-pandemia/). Acesso: 17 de outubro de 2022.