Em linhas gerais, a revelia é a presunção sobre a veracidade dos fatos narrados em um processo. É ato-fato advindo da inércia da parte que não se manifesta contrariamente ao pedido elaborado.
Vinculada de modo mais incisivo ao Processo Civil, tem sua ideia centrada na necessidade de se marchar para frente, sem que retrocessos sejam permitidos junto às atividades do órgão estatal.
No campo do direito sancionador, entretanto, mesmo nas hipóteses de um revel, não é dado se falar em confissão ficta ou presumida, devendo a acusação desimcumbir-se de sua carga probatória:
"Quando o artigo 367 do Código de Processo penal permite o andamento sem a presença do acusado, por exemplo, essa omissão gera tão somente um risco. Não se há falar em prejuízo processual, porquanto não há carga, não se podendo presumir algo em sentido diverso da inocência do acusado. Contexto diferente do processo civil, no qual se operam distribuições de cargas e a decorrente necessidade de liberar-se delas (LOPES JUNIOR, 2018)".
Aos olhos do Supremo Tribunal Federal, há obrigatoriedade de defesa técnica durante todo o processo acusatório, decorrência lógica do artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República.
Pelo caráter punitivo ali analisado, mais do que simplesmente se abrir ao acusado a chance de defesa, é preciso que ela seja realmente exercida.
A defesa deve ser, assim, ampla e plena.
Desse contexto nasce a ideia da Súmula 523\STF, in verbis:
“No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.
A fim de trazer efetividade aos parâmetros do constituinte originário, surge ainda a figura do Dativo, notadamente quando não há Defensoria constituída junto ao órgão ou advogados particulares habilitados.
É o que se denota, por exemplo, dos processos administrativos disciplinares que tramitam na Ordem dos Advogados do Brasil - OAB (art. 73, §4º, Lei 8906\94):
"Art. 73. (...)
§ 4º Se o representado não for encontrado, ou for revel, o Presidente do Conselho ou da Subseção deve designar-lhe defensor dativo;
Ou seja, para que o contraditório e a ampla defesa sejam amplos, o acusado deve ser de fato defendido.
No caso dos Tribunais de Contas, o efeito da revelia tem sido adotado de modo mitigado. Não tão brando quanto o processo penal, mas não tão rígido quanto o processo civil.
Em suma, as provas devem ser analisadas à miúde e as decisões tomadas com assento no princípio da busca da verdade real.(TCU. Processo nº 033.484/2018-0. Acórdão nº 4117/2019 – Primeira Câmara. Relator: ministro Vital do Rêgo.)
Mas quando há revelia, o certo é que não se tem nos autos do processo administrativo de controle externo um contraponto formalizado.
Deste modo, para que se chegue ao devido processo legal em sentido material, com o contraditório e a ampla defesa buscados pelo Supremo Tribunal Federal, é preciso pensar nas atribuições do Defensor Dativo também junto ao Controle Externo.
Isto porque, analisando detidamente os cadernos de contas, percebe-se que a mora para a conclusão da instrução muitas vezes leva o gestor à desistência de sua própria defesa, à medida que ela se torna praticamente impossível frente a falta de acesso aos elementos de prova que tardiamente são requisitados pelo controle.
Citados, assim, tornam-se revéis.
Tal postura acaba restringindo a percepção de matérias de órdem pública, como por exemplo as ausências de citação, a prescrição e decadência, a inauguração de novas teses após a fase instrutória, as multas imputadas acima de limitações legislativas, entre outras.
Por óbivo, estes detalhes também são de conhecimento do relator da matéria que, ao percebê-los, pode prontamente excluir a responsabilidade do gestor.
Ocorre que pelo grande volume de processos enfrentados diariamente, não é incomum verificar que algumas destas teses acabam passando desapercebidas justamente porque não foram contra argumentadas em algum petitório nos autos.
O gestor revel, assim, é condenado.
A condenação é significativa e além de afetar a parte financeira igualmente impõe impedimentos de candidatura que poderiam ter sido evitados.
Outrossim, quando alguns recursos conseguem êxito, acabam fazendo retroceder o andamento do processo, tornando inserviveis os trabalhos até ali praticados pela Administração.
O desperdício de força de trabalho e de tempo, assim, poderia ser evitado.
Entrementes, defende-se a ideia de que um setor específico nos Tribunais de Contas fique responsável pela defesa destes gestores, reveis, dando-se mais um passo ao caminho da materialidade do devido processo legal perseguido pela alta Corte do país.
Em que pese não obrigatória, a medida agrega e contribui para a justiça das decisões das Instituições Constitucionais de Controle.
Como não poderiam ser exercidas pelos Auditores, notadamente vinculados à fiscalização, conforme princípio da segregação de funções, imagina-se que caberia ao órgão jurídico da Corte dar o suporte necessário.
Note-se que haveria similaridade da matéria, impulsionando com celeridade a análise, tanto pela acusação quanto pelas teses de defesa, as quais seriam mais minuciosamente analisadas e replicadas por este setor, especializado, contribuindo para o devido processo legal material.
Em suma, então, buca-se com este pequeno ensaio demonstrar que, apesar de o processo de controle não depender expressamente da figura do defensor dativo para as defesas dos revéis, seria interessante sua implantação através de aplicação subsidiária do artigo 341, parágrafo único, da Lei n.º 13.105\2015 ou, de outro modo, pela inserção literal de sua figura junto ao Regimento Interno da Corte de Contas.
Diego Antônio Diniz Lima. Consultor Jurídico do TCE\RN. Advogado. Graduado em Direito, pós graduado em Direito Constitucional, Direito Administrativo, Controle Externo e Políticas Públicas.