Análise sobre a previdência social através da teoria geral do direito internacional

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ANÁLISE SOBRE A PREVIDÊNCIA SOCIAL ATRAVÉS

DA TEORIA GERAL DO DIREITO INTERNACIONAL

Tatiana Conceição Fiore de Almeida1

RESUMO: Com as reformas, refletir o Acordo Multilateral da Seguridade Social do MERCOSUL, que têm a finalidade de romper barreiras territoriais e políticas como forma de conceder estabilidade social e econômica aos seus cidadãos/migrante.

Palavras-Chaves: Direito Internacional, Direito Fundamental, Direito da Seguridade Social, Direito Social, Direitos Humanos, Acordo Multilateral da Seguridade Social do MERCOSUL, Direito dos Migrantes.

“Well, when you look into infinity, you realize that there are more important things than what people do all day.” (Calvin and Hobbes)

INTRODUÇÃO.

A globalização da economia é umas das principais causas da migração de cidadãos para outros países, mais de três milhões de brasileiros vivem no exterior e cerca de um milhão de estrangeiros moram no Brasil, e para proteger essas pessoas é que as nações começaram a firmar acordos de reciprocidade de tratamento em matéria de Previdência Social.

O MERCOSUL que fora criado em 26 de setembro de 1991, em Assunção cujos países participantes são a Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, conta ainda com outros Estados como associados, que são: Chile, Bolívia, Venezuela, Peru, Colômbia, Equador e Venezuela, com a integração esses países visaram através da aliança comercial dinamizar a economia, pois seus membros partilham valores que refletem suas sociedades democráticas, pluralistas, defensoras das liberdades fundamentais, dos direitos humanos, da proteção ao meio ambiente, e do desenvolvimento sustentável. Partilham, ainda, seu compromisso com a consolidação da democracia, com a segurança jurídica, com o combate à pobreza e com o desenvolvimento econômico e social com equidade.

Importante destacar que o Acordo Multilateral da Seguridade Social do MERCOSUL é  o primeiro acordo internacional brasileiro em matéria previdenciária beneficiando também os funcionários públicos pertencentes ao Regime Próprio de Previdência Social.

O Acordo Multilateral, por envolver mais de dois países, foi celebrado em 15 de dezembro de 1997, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 451 de 14 de novembro de 2001, em vigor a partir de 1º de maio de 2005, e substituiu os acordos bilaterais anteriormente existentes entre os países abrangidos em outro pacto, sem prejudicar direitos adquiridos2, pois será aplicado o ajuste que venha ser mais favorável ao beneficiário, já que os acordos anteriores não foram revogados.

Com este Acordo cerca de 2,1 milhões de trabalhadores foram beneficiados, sendo que o Brasil possui aproximadamente 730 mil trabalhadores estrangeiros, sendo que cerca de 370 mil são oriundos da América do Sul3.

Para que este Acordo tenha efetividade foi desenvolvido uma Comissão Permanente que é integrada por três membros de cada país e composta por grupos em áreas específicas, como saúde, legislação e informática. Esta comissão tem como objetivo verificar a aplicação do acordo e demais instrumentos complementares, planejar as eventuais mudanças e resolver divergências na aplicação do acordo. 

Por este acordo o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai têm os seguintes benefícios assegurados: Pensão por Morte, Aposentadoria por Idade, Aposentadoria por Invalidez e Auxílio-Doença.

Permite a totalização de períodos contributivos nos países acordantes para as seguintes espécies de benefícios: aposentadoria por idade voluntária ou compulsória, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e a pensão por morte.

Outra proteção prevista é a isenção de contribuição no país de destino durante o deslocamento temporário inferior a doze meses, prorrogável por igual período, desde que autorizado pelo país de destino. Em tal período o trabalhador mantém seu vínculo e direitos sempre no país de origem, não necessitando, portanto, requerer esse tempo trabalhado na forma do acordo.

  1. Proteção dos Direitos Sociais.

Considerando a Seguridade Social como Direito Social, e sob a perspectiva da concepção contemporânea de direitos humanos, por este traduzir processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana, e invoca uma plataforma emancipatória voltada a proteção da dignidade e à prevenção do sofrimento humano.

Para realizar uma análise do Acordo Multilateral da Seguridade Social do MERCOSUL, faz-se necessário apreciar a experiência sul-americana de proteção dos direitos sociais, e as peculiaridades de cada região, tendo em vista a América Latina ser a região com o mais elevado grau de desigualdades do mundo em termos de distribuição de renda4.

A esse elevado grau de exclusão e desigualdade social somam-se democracias em fase de consolidação. A América latina ainda convive com as reminiscências do legado dos regimes autoritários ditatoriais, com uma cultura de violência e de impunidade, com a baixa densidade de Estados de Direitos e com a precária tradição de respeito aos direitos humanos no âmbito doméstico5.

À luz do contexto, do Acordo Multilateral da Seguridade Social do MERCOSUL ser um ajuste de Direitos Sociais, à incorporação dos tratados internacionais de proteção de direitos humanos, observa-se que, em geral, as Constituições latino-americanas conferem a estes instrumentos uma hierarquia especial e privilegiada distinguindo-se dos tratados tradicionais.

Nesse sentido merece destaque o artigo 75, 22, da Constituição Argentina, que expressamente atribui hierarquia constitucional aos mais relevantes tratados de proteção de direitos humanos e o artigo 5º, parágrafos 2º e 3º da Constituição Brasileira, que incorpora estes tratados no universo dos direitos fundamentais constitucionalmente protegidos.

É importante observar que as Constituições latino-americanas estabelecem cláusulas constitucionais abertas, que permitem a integração entre a ordem constitucional e a ordem internacional, especialmente no campo de direitos humanos, ampliando e expandindo o bloco de constitucionalidade.

Hans Kelsen, em Teoria Geral do Estado, 5.ed., SP. Martins Fontes, ano 2005, afirma que o ordenamento jurídico se apresenta como um conjunto hierarquizado de normas jurídicas estruturadas em forma de uma pirâmide abstrata, cuja norma mais importante, que subordina as demais normas jurídicas de hierarquia inferior é a norma fundamental da qual as demais retiram seu fundamento de validade.

No Direito Interno as normas são hierarquizadas estando a CF no ápice da pirâmide.

Já no Direito Internacional não há hierarquia de normas, com exceção das chamadas normas ‘jus cogens’ (normas imperativas). No contexto internacional a coordenação é o princípio basilar das relações interestatais. Na ordem interna todos são jurisdicionados prevalecendo à condição de subordinação.

1.1 Direito dos Migrantes Mercosulinos

A regulamentação migratória brasileira estava prevista no Estatuto do Estrangeiro, norma pautada em ideias de segurança nacional, organização institucional, interesses políticos, socioeconômicos e culturais do país, bem como na defesa do trabalhador nacional.

A promulgação da Constituição Federal de 1988 representou o ponto alto da redemocratização do Brasil, bem como de abertura e maior afirmação de direitos ao estrangeiro, tornando muitos dos preceitos do Estatuto do Estrangeiro incompatíveis com a nova ordem constitucional.

O descompasso entre Constituição e legislação tornou necessária a criação de uma nova lei que refletisse e permitisse a maior implementação dos preceitos constitucionais, e que representa uma tentativa de promoção e defesa dos Direitos Humanos.

Muito embora no Brasil reconheça-se ampla gama de direitos fundamentais ao estrangeiro, os direitos políticos não se enquadram nesse âmbito, por serem derivados do vínculo de nacionalidade e entendidos como direitos de cidadania, salvo aos portugueses beneficiários do Estatuto da Igualdade.

O reconhecimento de direitos ao estrangeiro, com a restrição no plano político, está presente também em diplomas internacionais.

A abertura constitucional não se limita ao reconhecimento de direitos ao estrangeiro, mas amplia-se ao reconhecimento de direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais e à “integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações” (art. 4o, § único).

Nesse sentido, o tratado de Assunção de 1991, que institui o MERCOSUL, enquadra-se como uma importante iniciativa para a efetivação do dispositivo constitucional.

  1. A Previdência Social no Plano Internacional

Em nível internacional, a previdência social teve maior destaque através das diversas normas internacionais que a incluíam no rol de direitos de todos os cidadãos. Aventa-se a urgência de se “constitucionalizar” as relações internacionais para enfatizar a sociabilidade existente, e para tornar possível elaborar regras que garantam uma convivência internacional harmoniosa.

Um dos primeiros ordenamentos legais a dispor sobre a previdência social foi o alemão, editado por Otto Von Bismarck, em 1883, garantiu, em um primeiro momento, o seguro-doença e, posteriormente, demais benefícios, como o seguro contra acidente de trabalho, o seguro invalidez e o seguro velhice.

Acompanhando as ideias alemãs, a Inglaterra promulgou, nos anos seguintes, leis sobre a cobertura nos casos de acidentes de trabalho, invalidez, doença e aposentadorias, tonando-se, na época, o país mais evoluído na matéria previdenciária.

Apesar das inovações ocorridas na Europa, a Constituição Mexicana de 1917, considerada a primeira constituição social do mundo, sendo também a pioneira quando se trata de previdência social, visto que foi a primeira a incluí-la em suas normas.

Seguindo os mandamentos da Carta Magna Mexicana, a Constituição de Weimar, na Alemanha, dava cobertura aos trabalhadores em diversos casos, como invalidez e riscos de saúde.

Dentre outras normas relevantes, podemos citar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), onde o tema foi evidenciado no art. 25, e dispõe que, entre outros casos, todo cidadão terá direito a segurança em casos de velhice e doença. Nota-se que, no referido artigo, a previdência social vem implicitamente prevista através da segurança à velhice e à doença, onde a segurança se dá, respectivamente, através da aposentadoria e do auxílio-doença.

A previdência social foi reconhecida também como direito de toda pessoa, através do art. 9º do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Salienta-se que referido pacto é também adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU), e veio a ser sancionado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, através do Decreto nº 591. Mais adiante feito referência ao pacto no art. 9º do Protocolo de San Salvador, no ano de 1988.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é de extrema importância para a previdência social, que através de convenções regulamentou a nível mundial várias normas sobre a matéria, das quais podemos mencionar a Convenção 102, que normatizou as normas mínimas da seguridade social, e a Convenção 118, que regulamentou a igualdade de tratamento previdenciário entre nacionais e estrangeiros, tornando-se um marco para a previdência social.

Dentre outras entidades, há que se destacar também a Associação Internacional de Seguridade Social (AISS) que ampliou e consolidou o amparo aos cidadãos, tendo como finalidade o auxílio internacional para a ascensão e o desenvolvimento da seguridade social em várias nações, através de avanços técnicos e administrativos, visando assim a melhoria das condições sociais e econômicas da população.

Por fim, cabe ainda evidenciar os inúmeros acordos internacionais, que tratam da previdência social, que o Brasil celebrou com o bloco econômico do MERCOSUL e com países como Portugal, Itália e Espanha, visando assim garantir igual tratamento previdenciário entre os trabalhadores dos países acordantes. Porém destacamos a matéria desse trabalho que é o Acordo Multilateral de Seguridade Social.

  1. A Teoria Geral do Direito Internacional

No limiar do século XX, Georg Jellinek expressou que o Estado seria tanto uma construção social quanto uma construção jurídica. Social no sentido que o Estado seria uma estrutura (histórica) a qual agrupa indivíduos em um dado território, exercendo sob eles dominação, com o objetivo de defender a vontade coletiva (temporalmente variável); e jurídica, pois relacionada ao reconhecimento do Estado como sujeito de Direito que institucionaliza o poder político e que encontra limites (jurídicos) por si criados no exercício de sua soberania.

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Resumidamente, se para a corrente do Direito Natural a soberania derivava do poder e da dominação (através dos ‘contratos sociais’ firmados), para o autor Jellinek, ela derivaria do Direito.

Assim, ao tecer que a soberania seria a limitação jurídica dos poderes do Estado, ele confirmou o Estado como sendo uma figura jurídica abstrata de direito público que não está acima do Direito, porém, que é operada por ele.

Deste modo, torna-se essencial para o autor alemão a existência de uma ordem jurídica que limite a conduta (o poder de decisão) do Estado, o que se consubstancia em uma autolimitação, haja vista que o Estado é quem estabelece a própria ordem jurídica que o operacionalizará. Por isso, “a teoria da autolimitação leva à concepção de que não há Direito anterior e superior ao Estado”.

Acerca da autolimitação, José Luís Muñoz Simón explica que “em virtude da autolimitação, o Estado se auto restringe e ao fazê-lo se ‘juridifica’ e se autodetermina” outorgando “à sua vontade um conteúdo concreto, vinculante a todos os súditos” e inclusive a si.

E uma vez que essa autolimitação seria imposta a todos os sujeitos de Direito, os quais abarcam os súditos e o próprio Estado, distanciar-se-ia da autolimitação existente no Direito Natural.

Ademais, se no caso do Direito Natural a autolimitação teria sempre natureza real ou moral, na tese de Jellinek, ela teria natureza jurídica, isso porque “todas as garantias do Direito Público conduzem, em primeiro lugar, a assegurar a subordinação do poder do Estado às formas fixadas por ele”.

O Direito Internacional Público é o ramo do Direito que tem como objetivo regular por meio de princípios e normas convencionais ou consuetudinárias as relações internacionais, as quais, à época do livro de Jellinek, eram compostas apenas por Estados soberanos.

Nesse sentido, podemos dizer que o Direito Internacional é o Direito que obriga os Estados [...] quando este[s] opera[m] fora de suas fronteiras e é, por conseguinte, um Direito objetivo.

De modo que a diferença entre direito objetivo e direito subjetivo para Jellinek pode ser assim explicada: direito subjetivo “é o poder da vontade [humana –singular a cada sujeito que vive na comunidade] dirigido até um bem ou interesse reconhecido e protegido pela ordem jurídica”; enquanto o direito objetivo seria a norma jurídica (formal) que considera o interesse da comunidade, formando um imperativo do dever, uma convicção jurídica que serve de baliza para as condutas na comunidade como um todo.

Os partidários da teoria dualista (também conhecida como pluralista ou paralela) é que defendem a completa separação entre os sistemas jurídicos interno e internacional, tecendo que o Direito Internacional e o Direito Nacional funcionariam em separado, constituindo círculos jurídicos que não se interceptam, possuindo cada qual a sua própria ordem jurídica. Logo, de acordo com essa corrente, cujo expoente mais proeminente fora Carl Henrich Triepel, o fundamento do Direito Internacional seria distinto daquele formado pelos Estados no seu plano doméstico.

Apesar de não mencionar a existência de uma ordem acima dos Estados, no dualismo, a fonte do Direito Internacional estaria pautada na vontade coletiva dos Estados sobre um conteúdo comum, a qual é ajustada “exclusivamente sobre o acordo formulado entre os Estados”– sejam eles escritos (sob a forma de traité-loi) ou não (oriundos do costume) – e que os Estados, ao participarem da sua formação, não poderiam mais dela discordar, obtendo, portanto, força obrigatória (acima da convicção que formam as regras no/do Estado).

Afirmação essa que é adversa à defendida por Jellinek, para quem “o Estado pode com o Direito modificar toda norma jurídica”, o que inclui as regras concernentes a si, as quais são sempre formadas por convicções jurídicas próprias.

Note-se, ainda, que a vontade coletiva de Triepel não seria a mesma vontade exarada pelos Estados no âmbito interno, uma vez que “a vontade de qualquer Estado particular não poderia criar Direito Internacional”, por ela ser formada apenas por suas próprias convicções e por ser direcionada aos seus indivíduos.

Triepel assim afirma: o Direito Internacional rege relações diferentes das que são regidas pelo Direito Interno.

Por Direito Interno, nós compreendemos todo Direito estabelecido no interior de uma comunidade nacional, nada importando que sejam leis do Estado, ou regras de Direito Costumeiro, regras decorrentes da autonomia das comunas, ou de outras corporações públicas. [...] Ora, cada Estado regula, por seu sistema jurídico, as relações entre os súditos que ele considera como lhe sendo submetidos. Esses súditos são, em primeiro lugar, indivíduos nacionais, ou estrangeiros, que estão sujeitos à soberania do Estado, em razão apenas do fato de sua permanência em seu território.

Em vista disso, uma vez diferentes as expressões de vontade em cada campo e, logo, não havendo nenhuma dependência entre as regras de Direito Internacional e o Direito Interno para a sua validade, distintas seriam as obrigações geradas por elas.

Conforme Triepel, “não se pode naturalmente falar de recepção do Direito Internacional pelo Estado, a não ser que o conteúdo da regra de Direito Interno corresponda exatamente ao conteúdo da regra jurídica internacional. Toda, modificação do direito exclui a noção de recepção jurídica. É impossível, ainda que se faça isto frequentemente, designar pelos nomes de aceitação, apropriação, incorporação, o processo pelo qual o Estado, para cumprir deveres internacionais, publica regras correspondentes ao direito internacional, porque quase sempre essas regras são ordens dadas aos indivíduos; e portanto não são puras reproduções de regras internacionais”.

Apesar disso, a partir da sua tese, fala-se da ‘teoria da incorporação’ segundo a qual se transformaria o Direito Internacional em Direito Interno, concebendo uma nova norma [interna], a qual teria validade apenas nesse campo, forte na sua fonte que agora seria distinta daquela oriunda do plano internacional, podendo, então, gerar algum tipo de conflito normativo.

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Sustentando esse raciocínio, por conseguinte, a tese Dualista acaba confrontando a autolimitação de Jellinek, uma vez que para este a vontade é uma só –particular de cada Estado –não podendo haver uma vontade comum (civitas maxima) distinta daquela exarada pelos países ao manifestarem seus interesses particulares perante os outros, o que para Triepel, o Estado é membro da comunidade dos Estados, e se fosse uma vontade desta o Direito, ela necessitaria ser uma comunidade e possuir uma vontade que estivesse sobre os Estados particulares, com a qual a antiga concepção de civitas máxima ganharia uma nova forma, e todo o processo que se conduziu para o reconhecimento da soberania seria negado.

Sendo assim, compreendo que se o Estado não se submete a nada, não havendo nenhuma ordem superior que limite ou induza a sua vontade senão a sua própria convicção (da qual se origina o Direito), não há como negar a relação dessa tese com a teoria da autolimitação elucubrada por Jellinek, quando diz que o Estado soberano é o único que pode, dentro dos limites jurídicos que a si mesmo formulou, ordenar, de uma maneira plenamente livre, o campo de sua atividade.

É, portanto, impossível limitar juridicamente a própria vontade mediante um poder estranho.

  1. Acordo Multilateral de Seguridade Social

Em virtude de sua qualidade de sujeito do Direito das Gentes, o Estado possui capacidade para celebrar tratados, o que consiste em uma manifestação de sua personalidade jurídica internacional.

Como muito bem salientado por Lila E. García, no artigo Outra versión de “Nuestro” mundo contra el “Suyo”. La legítima defensa contra la migración em los Estados Unidos post 911, na Obra Justificar la Guerra? Dirigido por Emiliano Jerónimo Buis, 1ª ed., Eudeba, Buenos Aires página 177, vejamos:

“La historia e las migraciones indicaria que migraciones”hubo siempre”, frente a aquellos que para los cuales industrialización, capitalismo Y migración son indisociables. Para ser exactos/as, deberíamos decir que lo que “hubo siempre” fuero movimentos de personas, mas la identificación com lo que hoy entendemos por migraciones surgió contemporaneamente com el capitalismo: lo que hoy señalamos com migraciones em tanto objeto de estúdio fue uma diferenciación a partir de um hecho que “repentinamente” es señalado y recortado como tal dentro del norma desarrollo de la vida humana.(...) Surge así la persona como objeto de disciplinamento Y la población como cuerpo vivo cuyas aleatoriedades (epidemias, nacimientos, muertes y movimento espacial) hay que regular.”.

Considerando Tratado como todo acordo formal concluído entre sujeitos de direito internacional público, destinado a produzir efeitos jurídicos. Podem ser bilaterais e multinacionais, sendo o primeiro válido quando ambas as partes trocam o contrato e, o segundo, quando forem passados a um depositário, e os Tratados criam direitos e deveres recíprocos, obrigando as partes envolvidas a cumprirem as regras neles estipuladas, podendo ser permanentes ou temporários.

 O Acordo Internacional prevê o instituto do deslocamento temporário que permite ao trabalhador continuar vinculado à previdência social do país de origem quando deslocado para outro país, por período pré-estabelecido no referido Acordo.  Ao empregado será fornecido Certificado de Deslocamento Temporário, mediante solicitação de sua empresa, visando à isenção de contribuição destes Acordos Internacionais de Previdência Social no País Acordante onde for trabalhar a serviço de seu empregador, na forma prevista em cada Acordo, a fim de que o mesmo permaneça sujeito à Legislação Previdenciária do país de residência e tenha garantidos os seus direitos no outro país.

  1. Do Direito de Integração

 O Decreto Legislativo nº 451/2001 aprovou o texto do Acordo Multilateral de Seguridade Social do Mercado Comum do Sul e seu Regulamento Administrativo, celebrados em Montevidéu, em 15 de dezembro de 1997, e o Direito Previdenciário, dentro do Direito de Integração, aprovado pelo Acordo Multilateral de Seguridade Social do MERCOSUL/CMC/Dec. n. 19/973, que estabelece, em seu artigo 2º, números 1 e 2, o seguinte:

“ARTIGO 2º

1. Os direitos à Seguridade Social serão reconhecidos aos trabalhadores que prestem ou tenham prestado serviços em quaisquer dos Estados Partes, sendo-lhes reconhecidos, assim como a seus familiares e assemelhados, os mesmos direitos e estando sujeitos às mesmas obrigações que os nacionais de tais Estados Partes com respeito aos especificamente mencionados no presente Acordo.

2. O presente Acordo também será aplicado aos trabalhadores de qualquer outra nacionalidade residentes no território de um dos Estados Partes, desde que prestem ou tenham prestado serviços em tais Estados Partes.”

A legislação aplicável será a do Estado Parte em cujo território o trabalhador exerça a sua atividade laboral, exceto nos seguintes casos:

a) trabalhador com tarefas profissionais de pesquisa, científicas, técnicas ou de direção, ou de atividades similares e outras que poderão ser definidas por uma Comissão Multilateral Permanente;

b) pessoal de voo e de trânsito terrestre;

c) membros de tripulação de navio de bandeira de um dos Estados Partes.

O Acordo Multilateral de Seguridade Social do MERCOSUL representa um importante avanço em se tratando de garantia de proteção social aos trabalhadores em fluxo migratório de trabalho temporário e permanente entre os países, sendo importante ao trabalhador a garantia de uma boa qualidade de vida para sua saúde e para saúde de sua família em países em que são considerados estrangeiros e que não estão cobertos por todos os benefícios que os cidadãos comuns.

 A Autoridade competente no Brasil é o Ministro de Estado de Previdência Social, e, no Ministério da Previdência Social, a assessoria de Assuntos Internacionais, a Secretaria Executiva, é o órgão responsável pela celebração dos Acordos Internacionais e pelo acompanhamento de sua operacionalização.

 Inserido no contexto da política externa brasileira, conduzida pelo Ministério das Relações Exteriores e resultam de esforços do Ministério da Previdência Social e de entendimentos diplomáticos entre governos, têm por objetivo principal a garantia dos direitos de seguridade social previstos nas legislações dos países envolvidos em relação aos respectivos trabalhadores e dependentes legais, residentes ou em trânsito no país.

 O Acordo Multilateral de Seguridade Social do MERCOSUL, especificamente, estabelece uma relação de prestação de benefícios previdenciários, não implicando na modificação da legislação vigente no país, cumprindo a cada Estado contratante analisar os pedidos de benefícios apresentados e decidir quanto ao direito e condições, conforme sua própria legislação aplicável.

  1. O Sistema de Previdência Social na Argentina

 Ao longo da história da previdência social na Argentina, os princípios e os impactos distributivos do sistema foram alterados, e após um período caracterizado pela estratificação ocupacional, a previdência social foi estendida para incluir todos os trabalhadores formais em condições mais homogêneas.

No entanto, a concepção contributiva foi segmentando a população entre aqueles que estavam dentro e aqueles que estavam fora do sistema em função de suas carreiras, assim a população empregada no mercado de trabalho informal e suas famílias, bem como os trabalhadores desempregados por muito tempo e os trabalhadores familiares – especialmente, as mulheres ocupadas no trabalho doméstico, ficaram desprotegidos.

Essa evolução da política previdenciária argentina a partir da perspectiva histórica merece especial atenção para as duas recentes reformas estruturais – a privatização de 1993-1994 e a estatização de 2008

A reforma da década de 19906, que substituiu o sistema financeiro de repartição por um sistema misto, com capitalização individual, consolidou o aspecto contributivo do sistema. Os benefícios passaram a estar mais fortemente associados à capacidade de poupança previdenciária de cada um – e, portanto, ao salário e ao histórico contributivo.

Em 20087, uma nova reforma eliminou o sistema de capitalização, mantendo o subsistema público, contributivo, com benefícios proporcionais aos salários, como o único pilar do sistema previdenciário vigente. Estas e outras medidas, relacionadas aos mecanismos de obtenção, cálculo e indexação das aposentadorias, influenciaram a atual distribuição de direitos e benefícios.

 

  1. O Sistema de Previdência Social no Uruguai

 A atual reforma do sistema previdenciário do Uruguai teve a sua guinada com a posse de Julio María Sanguinetti em 1994, após várias tentativas de reforma do sistema previdenciário frustradas.

Com a ajuda de uma equipe técnica multipartidária sólida, Sanguinetti lançou uma proposta de reforma mais profunda baseada em um diagnóstico mais completo dos problemas do sistema previdenciário e uma análise cuidadosa de cada um dos obstáculos às mudanças.

 A reforma substituiu a antiga estrutura previdenciária por um sistema híbrido que combina a poupança pessoal – os trabalhadores têm suas próprias contas e sabem o quanto depositaram nelas – com o princípio de solidariedade e benefícios públicos.

O Banco da Previdência do Uruguai continua a administrar um pacote básico de benefícios que está disponível para todos os cidadãos, enquanto uma combinação de companhias públicas e privadas de administração de fundos de pensão administram contas individuais.

Os contribuintes podem escolher qual dessas companhias, conhecidas como fundos de arrecadação previsional (AFAP) pelas suas iniciais em espanhol, irá administrar suas contas.

Culminando na Lei n. 16.713/1995, o sistema previdenciário uruguaio, conforme estabelece o caput do artigo 4º da referida legislação, é misto, compreendendo o regime contributivo de repartição, administrado pelo Banco de Previdência Social, e o regime de capitalização individual, administrado por empresas privadas, de forma combinada em três diferentes níveis.

 1º - de natureza solidária e estatal, financiado por empregados e empregadores, esse nível é complementado por um esquema redistributivo, direcionado aos grupos de menor renda não integrados ao mercado formal de trabalho.

2º - poupança individual obrigatória inclui os que percebem renda determinada entre dois valores, também recebendo contribuições do empregador e do empregado e sendo gerido por administradoras de fundos de pensão.

3º - é voluntário, destinando-se àqueles que possuem rendas altas (valores estipulados pelo ‘Instituto de Seguridad Social’).

 O alcance da reforma na Previdência Social se dá a todos os cidadãos menores de quarenta anos de idade em 1º de abril de 1996. Os maiores de quarenta anos de idade deveriam optar para o novo sistema até 20 de dezembro de 1996. No caso de falta de opção formal, vinculam-se ao regime de transição.

O sistema é regulamentado, estando sob supervisão de um órgão especial chamado Órgão de Previdência Social do Uruguay - Banco de Previsión Social.

De modo resumido os benefícios são os seguintes: Benefício por Morte; Benefício por Idade; Benefício por Invalidez; Benefício por Acidente do Trabalho; Benefício por Doença Profissional; Benefício por Enfermidades e Acidentes Comuns; Prestações Familiares; Assistência médica.

Podemos ainda concluir que a reforma no Uruguai não aconteceu como deveria dentro de um contexto de consulta, discussões e negociações como seria o caso ideal, porém, não significa excluir as responsabilidades que cabem ao movimento sindical e político e as suas representações, no que diz respeito à não aproveitar devidamente as escassas oportunidades geradas.

Também é certo, que a representação dos trabalhadores, reconhece que se iniciam neste momento os processos que permitem uma reação séria e uma proposta viável, e que no setor paraestatal, foi previsto legalmente (Lei 16.713) que a reforma do sistema geral, em seu artigo 1º, que teria um ano para apresentar um projeto de lei modificativa.

 

  1. O Sistema de Previdência Social no Paraguai

 O Instituto de Previdência Social paraguaio (IPS), principal órgão previdenciário, regulamenta e abrange duas áreas; a) aposentadorias e pensões; b) saúde da população.

 A Constituição Paraguaia de 1992 determina que a lei estabeleça o sistema obrigatório e integral de seguridade social para o trabalhador e sua família, que poderão ser públicos, privados ou mistos sendo, em qualquer caso, supervisionados pelo Estado.

A baixa adesão ao sistema previdenciário no Paraguai é um dos grandes problemas a ser enfrentado, especialmente em razão da alta informalidade de seu mercado de trabalho, ou ainda a sonegação e subdeclaração de valores recebidos.

 O sistema paraguaio previsto na Lei 98/1992 é contributivo, a aposentadoria ordinária, para os contribuintes com no mínimo 60 anos de idade e 25 de serviço comprovado, aposentadoria por invalidez decorrente de doença comum, aposentadoria por invalidez decorrente de acidente ou doença profissional, além da pensão por morte, sendo pago pelo trabalhador e pelo empregador, na ordem de 9% e 14%, respectivamente.

 O que se discute muito no Paraguai é a iniciativa de mudança do modelo previdenciário para o que vem sendo aplicado no Chile, ou seja, para um sistema de capitalização ou, pelo menos, o que para que se avance para um sistema parecido com o que ocorre no Uruguai e na Argentina, com sistemas mistos.

  1. O Sistema de Previdência Social no Brasil

 No Brasil o sistema de Previdência Social é contributivo e de repartição simples, este último que significa um fundo único que atende aos benefícios de qualquer segurado que atenda aos requisitos previstos pela legislação, tem intensa participação do Estado em sua composição orçamentária e é de participação obrigatória dos trabalhadores.

Estes benefícios se resumem a: Pensão por Morte; Aposentadoria por Idade; Aposentadoria por Invalidez; Aposentadoria por Invalidez por Acidente de Trabalho; Auxílio-Doença; Auxílio-Doença por Acidente do Trabalho; Assistência médica; Aposentadoria por Tempo de Contribuição.

No Brasil, ainda para cada benefício dependendo do período existe uma regra a ser aplicada, das quais se denominam de direito adquirido, regra de transição e regra atual.

Existe também uma segunda forma de previdência, mas está é facultativa, que tem o caráter de complementar, a chamada previdência privada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Devido ao grande fluxo migratório atual, as nações vêm buscando apostar no sucesso dos acordos de reciprocidade previdenciária como forma de conceder esta estabilidade social e econômica aos seus cidadãos, instituindo proteções comuns entre os países signatários, de maneira a equiparar os trabalhadores nacionais aos estrangeiros, de maneira a respeitar ainda o direito fundamental, que em nível internacional ganha status de direitos humanos.

Verifica-se que os sistemas previdenciários no MERCOSUL iniciaram com um mesmo modelo de repartição, entretanto, é da própria natureza dos sistemas previdenciários a mutabilidade, adaptável às mudanças sociais, econômicas e, principalmente, demográficas, ao passo que são mais facilmente previstas.

Embora seja nítido o avanço instituído pelo Acordo, suas regras não são claras e aprofundadas, de forma que o próprio trabalhador imigrante desconhece os seus direitos previdenciários, decorrentes da reciprocidade entre os países, não atingindo sua finalidade, pois para serem colocados em praticas existem regras que são impostas por cada país, respeitando sempre a legislação local, a igualdade de tratamento entre os trabalhadores de cada país, e toda uma estrutura que funciona para que haja a aplicabilidade dos acordos internacionais, como é o caso dos organismos de ligação.

Como se observa tecer um acordo é muito complicado, pois demora muitas vezes para ser discutido, decidido e também ratificado, o que dificulta ainda mais a ampliação dos direitos, a guisa de ilustração o Acordo Multilateral de Seguridade Social do MERCOSUL que foi celebrado em 15 de dezembro de 1997, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 451 de 14 de novembro de 2001, em vigor a partir de 1º de maio de 2005, visto que o Paraguai veio a ratificar a lei somente no de 2004 (art. 17, 1 do Acordo, este somente teria vigência após todas as nações signatárias o ratificarem).

Por ser uma área do direito que ainda é pouco pesquisada e estudada, observo sua importância mitigada minimizando sua abrangência, os Ministérios dos países que compõem o bloco econômico do MERCOSUL deveriam ser mais ativos a fim de agilizar e concretizar cada vez mais os direitos da seguridade social, ou quiçá fomentassem a elaboração de regras comuns de concessão de benefícios previdenciários assegurando a proteção mínima quantos os infortúnios morte, invalidez, incapacidade, velhice.

No entanto, falta muito para alcançarmos o ideal, já que nem todos os países têm boas relações internacionais e diplomáticas, o que dificulta esta universalização dos direitos sociais, que são abrangidos pelos acordos internacionais, mediante a teoria da autolimitação de Georg Jellinek e da teoria da vontade coletiva de Carl Heinrich Triepel, onde o Estado é soberano.

Por fim o desejo de promover um sistema previdenciário internacional fundado nos princípios do multilateralismo, regido por regras de aplicação universal elaboradas em comum e mecanismos de vigilância e de arbitragem multilaterais, traduz o verdadeiro engajamento em favor da globalização organizada no sentido do direito e da justiça.

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Sobre a autora
Tatiana Conceição Fiore de Almeida

Advogada (OAB/SP 271162), Doutorando Em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires (UBA), Coordenadora do Núcleo de Direito Previdenciário da ESA.OAB/SP; Relatora da 4ª Turma de Benefícios da CAASP; Membro Efetivo das Comissões de Direito do Trabalho, Direito Previdenciário, Perícias Médicas; Membro Convidada da Comissão de Direito Desportivo da OAB/DF; Articulista/Investigadora da equipe internacional Latin-Iuris (Instituto Latinoamericano deInvestigación Y Capacitación Jurídica); Articulista e Coordenadora de Obras Jurídicas; Coautora em diversas Obras Coletivas; Professora; Membro da Comunidad para la investigación y el estúdio laboral y ocupacional-CIELO; Coordenadora do Livro Previdenciário um olhar Crítico sobre Constitucionalidade e as Reformas (2016); Um Olhar Crise além dos Direitos Sociais (2019); e Previdenciário: Novas Tecnologias e Interações entre o Direito, a Saúde e a Sociedade; Participou como membro convidado da CPI da Previdência (ano 2017).︎

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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