RESUMO
O projeto de lei no 6204/2019, tema a ser abordado nesse artigo, é considerado constitucional, uma vez que a desjudicialização das execuções civis é uma escolha legislativa e não viola nenhuma garantia constitucional. Na verdade, o direito básico de obter jurisdição (CF, Artigo 5, XXXV) adquiriu um novo significado no sistema atual, não mais limitado às atividades exclusivas do judiciário. Pode-se entender que, ao confiar a jurisdição do juiz nacional, ao notário de protesto (doravante denominado agente de aplicação da lei) que é muito habilitado na prática em títulos de dívida, além de possuir a habitual conduta impecável, e ações administrativas relacionado ao programa. Vale destacar que, esse projeto de lei baseia-se no modelo português de sucesso, desenvolvido de acordo com as necessidades do Brasil, valendo- se primeiro da experiência de notários protestantes, que se destacam por prestar um serviço diferenciado e de elevada qualidade, consistente com o que tem acontecido nos últimos 15 anos. No Brasil, as autorizações de atividades "administrativas" básicas eram anteriormente executadas por juízes nacionais, tais como (Lei 10.931 / 2004), inventário, separação e divórcio (Lei 11.441 / 2007), retificação de registro civil (Lei no 13.484 / 2017) e usucapião prevista no CPC / 2015 (art. 1.071-LRP, art. 216-A).
Palavras-chave: Hiperjudicialização, desjudicialização, execução civil, acesso à justiça.
INTRODUÇÃO
Nosso ordenamento jurídico vem sofrendo uma crise que afeta a efetividade da prestação da tutela jurisdicional devido ao aumento da litigiosidade e a demora nos trâmites e resoluções processuais, prejudicando principalmente a morosidade processual, o que gera um prejuízo alto tanto para o Estado como para as partes.
Deste modo, o Poder Judiciário têm-se buscado mudanças nos trâmites civis, com tentativa de solucionar o congestionamento nas vias judiciais e garantir a celeridade processual, desafogando o sistema judicial. Daí surgiu projeto de Lei nº 6204/2019, inspirado em experiências do direito europeu visando mudanças na área do processo de execução no Brasil. Se trata de uma desjudicialização na fase executiva do processo, delegando as funções até então do Juízo competente para um tabelião de protesto, com o objetivo de instituir um processo de execução mais célere e econômico.
Porém, alguns acreditam que esse projeto de lei fere o princípio do juiz natural e a vedação aos tribunais de exceção resguardados pelo art. 5º, incisos XXXVII e LIII da Constituição Federal de 1988 (RAVENNY, 2020). Ainda, há um questionamento sobre a possibilidade de uma maior onerosidade com adoção desse procedimento, levando se em conta os altos custos dos procedimentos em cartório e sobre como se dará a comunicação entre tabelionato e juízo, uma vez que, o novo procedimento institui para alguns casos uma dependiosidade de comunicação entre estes agentes.
Tendo como base a realidade processual brasileira, a situação socioeconômica da população, as falhas nos meios alternativos de solução de conflitos e artigos voltados a observância dos impactos da desjudicialização da execução em Portugal, o presente trabalho se volta a análise dos questionamentos já suscitados e traz como indagação se vale a pena adotar a espécie de desjudicialização da execução no Brasil, com base no projeto de lei nº 6204/2019.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. NOÇÕES GERAIS SOBRE O PROJETO LEI N° 6204/2019: ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA LEI.
O projeto de lei nº 6204/2019, de autoria da Senadora Soraya Thronicke (PSL/MS), dispõe sobre a desjudicialização da execução civil de título executivo judicial e extrajudicial, propondo atribuir ao tabelião de protesto o exercício das funções de agente de execução. O projeto da Senadora tem por base o modelo Português e leva em consideração que os tabeliães de protesto prestam um serviço de qualidade, seguindo a linha do que já vem sendo realizado no Brasil acerca da delegação de atividades como a extrajudicialização da retificação do registro imobiliário (Lei 10.931/2004), do inventário, da separação e do divórcio (Lei 11.441/2007) e da retificação de registro civil (Lei 13.484/2017).
O Projeto de Lei surge com o condão de combater a crise em que se encontra a jurisdição estatal devido aos inúmeros processos congestionando o judiciário. Ainda, visa proporcionar uma redução nas despesas estatais podendo ajudar a impulsionar a economia nacional. A proposta prega um procedimento extrajudicial que seja mais econômico, célere, simples, eficaz e com a observância das garantias constitucionais. No entanto, se faz oportuno analisar não apenas os benefícios que o projeto de lei pode proporcionar, como também enclaves que podem surgir com a sua adoção.
2.2 OS EFEITOS DO INSTITUTO DA DESJUDICIALIZAÇÃO NO PROCESSO DE EXECUÇÃO EM PORTUGAL.
A Doutora Flávia Ribeiro Pereira trouxe em seu artigo de Doutorado apontamentos sobre como se deu a desjudicialização do processo de execução em Portugal e como este poderia ser instaurado no Brasil, devido a semelhança entre o sistema de execução de matriz judicial que existia Portugal e o existente no Brasil. Artigo esse utilizado como parâmetro para a criação do Projeto de Lei nº 6204/2019.
Em Portugal, inicialmente adotou-se no ano de 2003 um modelo que previa nas mãos do Juiz um "poder geral de controle", poder esse exercido sobre os a gentes de execução e o procedimento executivo. Posteriormente, em 2008 para se evitar o desgaste jurisdicional esse poder foi mitigado, sendo possível apenas em situações específicas descritas em lei. No entanto, essa abolição do poder geral é criticada por muitos estudiosos portugueses a exemplo do professor Miguel Teixeira de Sousa. Conforme exposto por Flávia Ribeiro (2012. Pág. 138) "O professor demonstrou preocupação com a abolição do poder geral de controle do Juiz, informando que fazia parte de uma comissão de estudos para o reestabelecimento desse controle".
Esse modelo de sistema desjudicializado e privatizado é marca registrada de muitos países europeus, como França e Holanda. Contudo, vale ressaltar, países estes economicamente superiores a situação brasileira. Implementar um sistema judicial privatizado em um país que a maioria das pessoas não tem considerável poderio econômico e que em boa parte são beneficiários de gratuidade da justiça, seria mitigar o acesso à justiça aos cidadãos, o que feriria direitos básicos assegurados pela Constituição Federal de 1988.
2.3 A DESJUDICIALIZAÇÃO E A AUTOCOMPOSIÇÃO NO BRASIL
A justiça brasileira é conhecida por ser lenta e cara. Cultivamos uma cultura litigiosa que vem sobrecarregando os tribunais, os dados do CNJ com relação ao congestionamento dos processos são perturbadores, e com isso, o legislativo vem buscado cada vez mais alternativas para sanar ou ao menos amenizar esse problema.
O crescente processo de desjudicialização se deu com a edição da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996), esse instituto do Direito é fundado na livre manifestação da vontade das partes e prevê que eventual controvérsia contratual seja sanada de forma extrajudicial por meio de um árbitro, esse ensejará decisão com força de sentença judicial.
3 DISCUSSÃO DO TEMA
Segundo o ministro Humberto Martins:
Nesse sentido, pôde-se afirmar que mediante o cenário jurídico atual já é possível consolidar a extrajudicialização que funcionará como possibilidade para a execução judicial.
Além disso, a “troca” de funções entre os juízes e os tabeliões de protesto possui regras estabelecidas em lei onde há preservação a aplicação subsidiária do Código do Processo Civil, onde os cartórios já atuam em ações protagonizantes no contexto desjudicializante como exemplo registros tardios de nascimento sem intervenção judicial.
Humberto Theodoro Junior destaca, com propriedade, que a tutela jurisdicional pode ser prestada por agentes externos ao Poder Judiciário:
“É certo que o acesso à tutela jurisdicional tem caráter de garantia fundamental. O que, entretanto, não mais prevalece é que essa tutela seja prestada exclusivamente pelo Poder Judiciário. O Poder Público não pode deixar de propiciá-la ao titular do direito lesado ou ameaçado, o que, entretanto, poderá ser feito tanto pela justiça estatal como por outros organismos credenciados pela lei. É claro que, afinal, o Poder Judiciário conservará o controle de legalidade sobre a atuação desses organismos extrajudiciais”
A judicialização é um fenômeno claro, que dispensa apresentações. Comparativamente, o direito brasileiro ainda é tímido no debate sobre a desjudicialização, uma ferramenta bastante ativa em muitos ordenamentos jurídicos estrangeiros para solucionar controvérsias sem a necessidade de provocar nem sobrecarregar a jurisdição formal"
O acesso à justiça passa, assim, a evoluir lado a lado com o fenômeno da desjudicialização da solução dos conflitos, que tem como marca distintiva a possibilidade de que os litígios sejam solucionados por agentes que não integrem os quadros do Poder Judiciário.
4 CONCLUSÃO
O presente artigo inicia-se explicando que, nos dias atuais há um verdadeiro congestionamento do Judiciário, dessa forma, é necessário que haja manobras para desafogar esse sistema. Assim, fora criado um Projeto Lei 6.204/19, que visa justamente a desjudicialização da execução civil. Esta deve, em tese, ter o serviço dos notariais e registrais sendo exercidos em caráter privado, a partir de delegação do Poder Público, após aprovação em concurso público de provas e títulos, cabendo ao Poder Judiciário a sua fiscalização.
Dessa forma, os cartórios extrajudiciais passam a ter à sua frente profissionais concursados resguardando assim a sua capacidade técnica. Fica a encargo do Judiciário, juntamente ao juiz, realizar a fiscalização, assim como deve haver uma estreita cooperação entre o agente da execução e o juízo competente.
Diante do exposto, assim como nos processos judiciais o devido processo deve ser respeitado, nos processos extrajudiciais também devem ser zelados, adaptando-os às suas peculiaridades. A premissa de que há a aplicação do devido processo é a imparcialidade do terceiro encarregado de gerir o procedimento.
Por fim, fica claro que o processo de desjudicialização levanta diversas dúvidas sobre sua eficácia, por isso, desde que haja a correta formação desses agentes, haverá qualidade nos serviços prestados pelos tabelionatos de protestos, pois serão rigorosamente e permanentemente controlados pelas Corregedorias dos Tribunais de Justiça e pelo CNJ, garantindo um resultado transparente e eficaz.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..
2FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA....
2.1 NOÇÕES GERAIS SOBRE O PROJETO LEI N° 6204/2019: ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA LEI..
2.2OS EFEITOS DO INSTITUTO DA DESJUDICIALIZAÇÃO NO PROCESSO DE EXECUÇÃO EM PORTUGAL....
2.3 A DESJUDICIALIZAÇÃO E A AUTOCOMPOSIÇÃO NO BRASIL..
3 DISCUSSÃO DO TEMA..
4 CONCLUSÃO..
REFERÊNCIAS....