Trata-se de um breve apontamento sobre o modelo trazido pela lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, conhecida como “lei anticorrupção” (que está completando 10 anos de vida) e a responsabilização da pessoa jurídica.
A lei anticorrupção, em seu art. 1º diz que:
“Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira..”
Vale mencionar que o Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção realizada pela Organização das Nações Unidas – ONU, oportunidade em que restou consignado que os participantes deveriam implantar medidas para dar mais efetividade ao combate à corrupção seja em seu território ou em outras nações.
Nesse sentido, o Brasil editou a lei nº 12.846/2013 acima citada, que tipifica diversas condutas lesivas que podem vir a ser praticadas pelas empresas e prevê punições como multa de até 20% de seu faturamento.
A lei contextua literalmente que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nela, praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.
A responsabilização de empresas é mais uma arma no combate à corrupção, permitindo a punição de pessoas jurídicas que corrompam agentes públicos, fraudem licitações e contratos ou dificultem atividade de investigação ou fiscalização de órgãos públicos, entre outras irregularidades.
Conforme o excelente artigo publicado na Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro nº 58, out./dez. 2015, o autor, Emerson Garcia, citando . LEVI e WALKER, 1990:6, diz que:
“Portanto, precisamos sempre lembrar que os fins a serem alcançados por uma lei serão influenciados pelas condições externas que permitam a sua realização e pela atividade desenvolvida pelo responsável pela individualização de suas normas. A ordem jurídica em muito se assemelha a uma rede de inter-relações formada a partir da aproximação, de um lado, da linguagem textual, e, do outro, das forças de natureza social, econômica, política e moral (Cf. LEVI E WALKER, 1990: 6).
Nessa esteira, o alcance dessa norma aflorou alguns pontos, que antes eram adormecidos, haja vista que se buscava a punibilidade do agente infrator, pessoa física, ficando a pessoa jurídica de fora dessa linha tênue da culpabilidade.
A norma federal anticorrupção definiu os atos lesivos à administração pública nacional ou estrangeira em seu art. 5º, nos termos abaixo, vejamos:
“Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:
I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;
III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
IV - no tocante a licitações e contratos:
a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;
b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;
c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;
d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;
e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;
f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou
g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;
V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.” (GRIFO NOSSO)
Como vemos acima, o rol dos possíveis atos lesivos à administração pública que as pessoas jurídicas possam praticar, são amplos.
Ressalva-se que a mesma lei traz à baila que os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade (§2º do art. 3º).
Nesse diapasão, foi criado o instituto jurídico chamado de Processo Administrativo de Responsabilização – PAR, que, como estamos falando, trata-se de procedimento previsto na lei anticorrupção, destinado à apuração da responsabilidade administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos à administração pública.
O regramento para o PAR está firmada no art. 8º da lei anticorrupção que regulamenta que a instauração e o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados o contraditório e a ampla defesa.
Vale ressaltar que no âmbito do Poder Executivo federal, a Controladoria-Geral da União - CGU terá competência concorrente para instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas ou para avocar os processos instaurados com fundamento nesta Lei.
Nas esferas estaduais ou distrital, a lei nº 12.846/2013 deve ser regulamentada por decreto, como por exemplo o Decreto nº 38.308/2018 e Decreto nº 37.296/2016, que regulamentam a lei anticorrupção no âmbito da Administração Pública do Estado da Paraíba e do Distrito Federal, respectivamente.
Segundo o manual da Controladoria Geral da União – CGU, temos um bom conceito do Processo Administrativo de Responsabilização – PAR, vejamos:
“O PAR é um processo administrativo sancionador de responsabilização de entes privados que tenham cometido atos lesivos previstos na LAC. A despeito de já ser instaurado com consistente conjunto de elementos de informação, é no PAR que se efetivará a produção de provas, garantido o exercício dos direitos ao contraditório e à ampla defesa. Caso, ao final, reste demonstrado o nexo causal da conduta da pessoa jurídica, por meio de seus prepostos, e o ato lesivo apurado, deverá ser aplicada a consequência legal, conforme caso concreto.” (https://repositorio.cgu.gov.br/bitstream/1/45546/8/Manual_Pratico_Multa_1.pdf)
Como todo processo, é necessário um procedimento de formalização, com atos subsequentes e concatenados, visando chegar numa conclusão, que in casu, é responsabilizar administrativamente a pessoa jurídica por infração aventada na norma.
Destarte, o objetivo do PAR é a apuração, sob rito contraditório, de modo que, ao final, possa emitir um juízo de valor quanto à existência de responsabilidade administrativa da pessoa jurídica e recomendar a aplicação de uma sanção, se for o caso.
A sanção imposta na norma para a pessoa jurídica, é a MULTA, nos exatos termos do art. 6º, vejamos:
“Art. 6º Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções:
I - multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação;”
Ademais, a função da multa é sancionar o descumprimento das obrigações, dos deveres jurídicos.
Porém, é de bom tom esclarecer que o PAR é um processo que, em tese, já existiria indícios suficientes dos atos lesivos à administração pública praticados por empresa privada.
Assim, se não dispuser o decreto local de forma diferente, seria necessário um relatório preliminar formal, levantando os indícios formais e materiais das infrações cometidas pela empresa privada perante à administração pública.
No âmbito do Estado da Paraíba, o Decreto Nº 38.308/2018, em seu artigo 2º dispõe que antes de ser formalizado o de Processo Administrativo de Responsabilização – PAR, é necessário haver um Procedimento de Investigação Preliminar – PIP, de caráter sigiloso e não punitivo.
Vejamos o que reza o art. 2º Decreto Nº 38.308/2018 da Paraíba sobre o PIP:
“Art. 2º A apuração da responsabilidade administrativa de pessoa jurídica que possa resultar na aplicação das sanções previstas no art. 6º da Lei Federal nº 12.846/13, será efetuada por meio de Processo Administrativo de Responsabilização – PAR, obrigatoriamente precedido de Procedimento de Investigação Preliminar - PIP, este de caráter sigiloso e não punitivo.”
Como vemos acima, o decreto da Paraíba regulamentou um procedimento preliminar ao PAR, que averigue os indícios citados.
O art. 3º do decreto paraibano reza que:
“Art. 3º O procedimento de investigação será destinado à averiguação de indícios de autoria e materialidade de todo e qualquer fato que possa acarretar a aplicação das sanções previstas na Lei Federal nº 12.846/13, e caberá exclusivamente ao órgão central do sistema de controle interno estadual.”
Não obstante, o decreto acima, vem na mesma linha da lei federal, trazendo o órgão central do sistema de controle interno estadual, no caso a Controladoria Geral do Estado da Paraíba – CGE/PB, como entidade importante nesse papel anticorrupção.
É bom destacar também, que ss atos previstos como infrações administrativas em outras leis de licitações e contratos da Administração Pública que também sejam tipificados como atos lesivos na Lei nº 12.846/2013, serão apurados e julgados conjuntamente, nos mesmos autos, observados o rito procedimental e a autoridade competente definidos na referida Lei anticorrupção
Outro ponto importante no PAR é que para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica será formalizada uma comissão designada pela autoridade instauradora, que terá o prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da data da publicação do ato que a instituir, apresentar relatório sobre os fatos apurados e eventual responsabilidade da pessoa jurídica, sugerindo de forma motivada as sanções a serem aplicadas.
Como reza o artigo 5º, LV da Constituição Federal, a pessoa jurídica terá direito à ampla defesa e contraditório, prazos e recursos.
Destarte, na forma do art. 12 da lei anticorrupção, o processo administrativo, com o relatório da comissão, será remetido à autoridade instauradora, na forma do art. 10, para julgamento.
Por fim, concluído o PAR e não havendo pagamento, o crédito apurado será inscrito em dívida ativa da fazenda pública.
Diante do exposto, ressaltamos que a lei nº 12.846/2013 trouxe um grande avanço para ampliar e combater a corrupção no Brasil, visando coibir a atuação de empresas em atos lesivos à administração pública, e assim, evitar que grandes prejuízo sejam causados aos cofres públicos.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
Constituição Da República Federativa do Brasil – Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
DECRETO Nº 38.308 DE 21 DE MAIO DE 2018. Publicado no DOE/PB em 22 de maio de 2018;
DECRETO Nº 37.296, DE 29 DE ABRIL DE 2016. Publicado no DODF/PB em 18 de maio de 2016;
LEI Nº 12.846, DE 1º DE AGOSTO DE 2013. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm
PROCESSO ADMINISTRATIVO DE RESPONSABILIZAÇÃO da CGU. Disponível em: https://repositorio.cgu.gov.br/bitstream/1/45546/8/Manual_Pratico_Multa_1.pdf