A inconstitucionalidade da idade mínima na aposentadoria especial restabelecida pela emenda constitucional nº 103/2019

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Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar as modificações trazidas pela Emenda Constitucional nº 103/2019, conhecida como Reforma da Previdência, à luz dos princípios fundamentais de proteção à dignidade da pessoa humana, especificamente no que diz respeito à introdução, no ordenamento jurídico brasileiro, do requisito da idade mínima para a concessão de aposentadoria especial. A metodologia utilizada é a revisão bibliográfica, da doutrina e da jurisprudência, baseando-se em artigos científicos e reportagens sobre o tema, assim como nos votos proferidos na Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 6309, que tramita junto ao Supremo Tribunal Federal. Pelo método indutivo, faz-se a análise de que a reforma ocorrida implica em efetivo retrocesso social, eivando o referido diploma de inconstitucionalidades.

Palavras-chave: Aposentadoria especial. Reforma da previdência. Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Abstract: This article aims to analyze the changes brought about by Constitutional Amendment nº 103/2019, known as Social Security Reform, in light of the fundamental principles of protection of human dignity, specifically with regard to the introduction, in the legal system Brazilian, of the minimum age requirement for granting a special retirement. The methodology used is the bibliographical, doctrine and jurisdictional review, based on scientific articles and reports on the subject, as well as on the votes cast in the Right Action of Unconstitutionality nº 6309, which is being processed by the Federal Supreme Court. By the inductive method, an analysis is made that the reform that took place implies an effective social setback, tainting the referred diploma of unconstitutionality.

Keywords: Special retirement. Social Security Reform. Direct Action of Unconstitutionality.

Sumário: Introdução. 1 A Aposentadoria Especial: aspectos gerais e evolução legislativa no Brasil. 2 As principais mudanças trazidas pela Emenda Constitucional nº 103/2019. 3 As modificações ocorridas na aposentadoria especial com o advento da Emenda constitucional nº 103/2019. 4 Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6309, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI) em Julgamento Pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Conclusão.

Introdução

Com o advento da Emenda Constitucional (EC) nº 103/2019, foram inseridas diversas regras para se obter acesso à aposentadoria, sobretudo a assustadora mudança no que diz respeito às regras de aposentadoria especial, criando-se uma regra de transição e outra, permanente, reintroduzindo no ordenamento jurídico o critério da idade mínima como um dos requisitos para a implementação do benefício, ou seja, o critério etário, para além da já determinada necessidade de se possuir, conforme o caso de atividade especial, o tempo de 25, 20 ou 15 anos de efetivo exercício na atividade.

É verdade que a reforma previdenciária criou regras de transição, que atenuam um pouco esse cenário, por meio do sistema de pontos, em que a pontuação e idade variam conforme o risco da atividade exercida, classificado como baixo, médio ou elevado.

Assim, no caso do risco baixo, será necessário ter 86 pontos, desde que o segurado tenha, no mínimo, 25 anos de atividade especial e 61 anos de idade. Já o risco médio exige 76 pontos (20 anos nocivos + 56 anos de idade). E, por fim, o risco elevado, 66 pontos (15 anos nocivos + 51 anos de idade).

O presente artigo busca responder as seguintes indagações: A reforma previdenciária faz com que o trabalhador se sujeite por mais tempo ao risco, potencializando que ele morra ou adoeça antes mesmo de ter acesso ao benefício previdenciário? Seria a EC nº 103, por ventura, inconstitucional, ao restabelecer a idade mínima no critério para aposentadoria especial?

Para tanto, inicia, no capítulo 1, com a apresentação da aposentadoria especial, elencando seus aspectos gerais e sua evolução na legislação brasileira.

Em seguida, o capítulo 2 elenca as mudanças mais relevantes trazidas pela EC 103/2019.

O capítulo 3 traz as modificações observadas no que toca à aposentadoria especial após a inclusão da referida emenda no ordenamento pátrio.

A Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6309 é objeto de estudo do capítulo 4, e busca mostrar o descontentamento da sociedade em face das violações propostas pela EC nº 103/2019, ao apresentar questionamentos, ao Supremo Tribunal Federal, ante a necessidade de se corrigir o que se entende como enorme retrocesso social

1 A Aposentadoria Especial: aspectos gerais e evolução legislativa no Brasil

A aposentadoria especial trata-se de um benefício da previdência que tem como objetivo compensar, com a antecipação da jubilação, o trabalhador que exerce atividade prejudicial à sua integridade física, em razão da sua exposição a agentes nocivos. Tal benefício foi instituído pela antiga Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) - Lei n° 3.807/60, e seu objetivo principal, em sua origem, era preservar a saúde daqueles trabalhadores, diferenciando-os dos demais ao permitir que se aposentassem mais cedo em relação aos das demais classes, depois de sua exposição a agentes nocivos que prejudicam a saúde, seja pelo período de 15,20 ou 25 anos.

Por certo, a medida encontra seu alicerce na necessária proteção do indivíduo, a ser garantida pelo Estado como o mínimo de segurança para a sociedade e, no contexto dos direitos previdenciários, é tida como direito fundamental de natureza social.

O risco que resulta das atividades insalubres é presente desde o primeiro momento de exposição do trabalhador, e invariavelmente, não o impossibilita de laborar, mas vai paulatinamente, muitas vezes, imperceptivelmente, se instalando para, mais tarde, transparecer em malefícios à saúde.

Schuster lembra que esse risco deve ser compartilhado com a sociedade, o que se faz com a concessão da aposentadoria especial, permitindo a atuação, por menor tempo, de trabalhadores cuja vida e saúde encontra-se em risco3.

Várias foram as mudanças ocorridas no Brasil acerca da aposentadoria especial ao longo do tempo.

Assim, 1964, a aposentadoria especial foi introduzida na legislação brasileira, com o fim primeiro de proteger trabalhadores expostos a agentes nocivos, entretanto, não havia, ainda, a previsão acerca do lapso temporal para sua concessão.

Em 1988, a Constituição Federal positivou o direito à aposentadoria especial, determinando sua concessão após 15, 20 ou 25 anos de contribuição, a depender da nocividade da atividade laborativa. Nesse sentido, o referido diploma destacou a saúde em seu art. 7º, inciso XXII, ao estabelecer que o trabalhador tem o direito de ter sua saúde protegida dos diversos malefícios provocados pelas condições adversas de trabalho, obrigando os empregadores e o Estado a fiscalizar, no que diz respeito as normas de segurança do trabalho, higiene e saúde.

A EC nº 20/1998 modificou aquele conteúdo, ao determinar o prazo mínimo de 25 anos de contribuição para a concessão da aposentadoria especial mas, na ocasião, propôs um período de transição para aqueles trabalhadores que já se encontravam em vias de obter o benefício, aumentando, de forma gradual, o tempo de contribuição.

Critérios mais específicos para a comprovação da exposição do trabalhador a agentes prejudiciais à saúde, assim como para a caracterização de tais agentes, foram introduzidos o ordenamento jurídico pela Lei 9.032, de 1995, diploma que pormenorizou a aposentadoria especial.

Mas foi a promulgação da EC nº 103/2019, conhecida como a Reforma da Previdência, que efetivamente transformou o sistema previdenciário pátrio, propondo mudanças significativas, até mesmo severas, dentre elas a exigência de idade mínima, a vedação de se converter o tempo especial em comum, além de se criar regras mais rígidas que, categoricamente, tornaram-se mais difíceis de serem alcançadas, inclusive na aposentadoria especial, objeto do presente estudo, conforme se verá adiante.

Tal emenda, conforme veremos adiante, trouxe inúmeros prejuízos, fazendo com que essa proteção original se desconfigurasse, haja vista a ausência de amparo à saúde do trabalhador, tendo, ao que parece, um objetivo financista, desprezado o critério protetivo que justificava a necessidade de existência do referido benefício.

Referidas mudanças têm refletido de forma prejudicial em face do trabalhador, violando direitos conquistados arduamente, ao longo da história, e ferindo a sua dignidade humana.

2 As principais mudanças trazidas pela Emenda Constitucional nº 103/2019

Não é novidade para ninguém que a famosa “reforma da previdência”, estabelecida pela EC nº 103/2019, alterou diversas regras, afetando diretamente a aposentadoria do brasileiro.

O cálculo do benefício é uma das modificações em comento. Assim, para determinar o valor do benefício a ser percebido não serão, como antes, consideradas apenas as 80% maiores contribuições do trabalhador, mas a média de todas aquelas realizadas ao longo de sua vida laborativa serão utilizadas no cálculo. Tal medida importa em significativo prejuízo aos dependentes previdenciários.

A referida legislação também traz regras de transição, a serem aplicados nos casos de trabalhadores que já vinham contribuindo antes da reforma, e inclui um sistema de pontos que considera a idade e o tempo de contribuição. Ainda, há a previsão de um pedágio sobre o tempo faltante para alcançar o tempo e contribuição mínimo.

Outra mudança foi o estabelecimento de restrição ao acúmulo de benefícios previdenciários. Com isso, não há mais o direito de recebimento de benefícios cumulativos com a renda mensal, na integralidade, exceto quando para benefícios com renda mensal no valor do salário mínimo.

No que toca à aposentadoria especial, as mudanças foram significativas e com grande impacto para o trabalhador.

De forma abreviada, é possível citar o estabelecimento da idade mínima, que varia de 55 a 60 anos; o tempo de contribuição, fixado em, no mínimo, em 25 anos de efetiva exposição do trabalhador a agentes nocivos, podendo, inclusive, ser exigido um tempo adicional, a depender do risco da atividade laborativa;

O assunto é tratado de maneira mais específica no capítulo que segue, haja vista a estreita relação com o tema central da pesquisa.

3 As modificações ocorridas na aposentadoria especial com o advento da Emenda constitucional nº 103/2019

Como já comentado, até a reforma da previdência, a aposentadoria especial era concedida ao trabalhador que laborasse em atividade especial pelo período de 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco ) anos, expondo-se à insalubridade, não sendo exigida idade mínima para tal, ou seja, para fazer jus ao benefício, os segurados deveriam provar estarem sujeitos a condições especiais, a algum agente nocivo, seja químico, biológico, ou físico, definidos pela legislação em vigor à época do trabalho realizado. Entretanto, a reforma trouxe a previsão de estabelecimento da idade mínima para efetiva implementação dos requisitos, podendo ser de 55, 58 ou 60 anos, a ser determinada a partir do grau de exposição e da atividade laboral exercida.

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Observa-se que a norma em comento estabeleceu o aumento progressivo da idade mínima, que aumentará a cada dois anos, até alcançar o limite máximo nela estabelecido

Desta forma, verifica-se, em um primeiro momento, que, com o advento da reforma em estudo, o viés protetivo do benefício foi colocado em xeque, haja vista a adoção de tratamento similar aos demais sistemas de aposentadoria, desconsiderando que, naquele tipo de aposentadoria, a idade, tanto do homem quanto da mulher era irrelevante, bastando a comprovação dos critérios de exposição aos agentes prejudiciais à saúde do trabalhador, isolada ou cumulativamente, cuja intensidade determinaria o risco da exposição, limitando-a ao tempo de 15, 20 ou 25 anos.

Ou seja, antes da entrada em vigor da EC nº 103/2019, os requisitos necessários para a concessão da aposentadoria especial eram, de fato, a efetiva exposição ao agente de risco, seja ele físico, químico ou biológico, pelos períodos de 15, 20 ou 25 anos, porém sem a previsão da idade mínima.

Todavia, a referida Emenda, no seu art. 19, §1º, alterou, de forma substancial, os requisitos materiais e cumulativos exigidos para a concessão da aposentadoria especial, vejamos:

“Art. 19. Até que lei disponha sobre o tempo de contribuição a que se refere o inciso I do § 7º do art. 201 da Constituição Federal, o segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social após a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional será aposentado aos 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, com 15 (quinze) anos de tempo de contribuição, se mulher, e 20(vinte) anos de tempo de contribuição, se homem.

§ 1º Até que lei complementar disponha sobre a redução de idade mínima ou tempo de contribuição prevista nos §§ 1º e 8º do art. 201 da Constituição Federal, será concedida aposentadoria: I

I - aos segurados que comprovem o exercício de atividades com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, durante, no mínimo, 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, nos termos do disposto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, quando cumpridos: a) 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 15 (quinze) anos de contribuição; b) 58 (cinquenta e oito) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 20 (vinte) anos de contribuição; ou c) 60 (sessenta) anos de idade, quando se tratar de atividade especial de 25 (vinte e cinco) anos de contribuição”; 4

O texto ora em destaque é claro ao vedar, expressamente, a caracterização da atividade especial por categoria profissional, além de reintroduzir o critério da idade mínima como condição de acesso ao benefício de aposentadoria especial.

Destaca-se que, dentre as inúmeras regras trazidas pelo diploma, o artigo 21 da EC nº 103/2019 trata, por exemplo, das chamadas regras dos pontos, os quais são obtidos com a somatória do requisito idade e tempo de contribuição, em anos. Assim, para implementar o benefício da aposentadoria especial, deve o trabalhador atingir a pontuação, que varia de acordo com a atividade e a exposição.

Art. 21. O segurado ou o servidor público federal que se tenha filiado ao Regime Geral de Previdência Social ou ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional cujas atividades tenham sido exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, desde que cumpridos, no caso do servidor, o tempo mínimo de 20 (vinte) anos de efetivo exercício no serviço público e de 5 (cinco) anos no cargo efetivo em que for concedida a aposentadoria, na forma dos Arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, poderão aposentar-se quando o total da soma resultante da sua idade e do tempo de contribuição e o tempo de efetiva exposição forem, respectivamente, de:

I - 66 (sessenta e seis) pontos e 15 (quinze) anos de efetiva exposição;

II - 76 (setenta e seis) pontos e 20 (vinte) anos de efetiva exposição; e

III - 86 (oitenta e seis) pontos e 25 (vinte e cinco) anos de efetiva exposição.

§ 1º A idade e o tempo de contribuição serão apurados em dias para o cálculo do somatório de pontos a que se refere o caput. 5

2º O valor da aposentadoria de que trata este artigo será apurado na forma da lei.

Nota-se, portanto, que o segurado só terá direito a aposentadoria especial na referida regra de transição, quando atingir, de forma cumulativa, 66 pontos para a atividade especial que demanda o tempo de 15 anos; 76 pontos para aquela que demande o tempo de 20 anos e, por último, o total de 86 pontos para a atividade especial de 25 anos.

Novas regras de cálculo dos benefícios previdenciários, de forma geral, também são temas da EC nº 103/2019.

Nesse contexto, a referida emenda inovou quanto ao critério de Renda Mensal Inicial6, a chamada RMI, que anteriormente à reforma, obedecia a uma regra de cálculo na qual o segurado tinha direito, na somatória, a um percentual de 100% da média aritmética dos 80% maiores salários de contribuição, sem portanto haver incidência do fator previdenciário ou qualquer outro critério redutor, fazendo com que as regras de cálculo anteriores à reforma se mostrassem mais benéficas ao segurado na ocasião de sua aposentaria.

Percebe-se, categoricamente, que, conforme disposto no art. 26 da emenda em estudo, houve uma unificação da regra de metodologia de cálculo dos benefícios previdenciários, dentre eles, a aposentadoria especial. Assim, com a nova regra de cálculo da RMI, limitou-se em 60% (sessenta por cento) do valor da média aritmética simples de todos os salários recebidos pelo segurado, acrescentando-se o percentual de 2% para cada ano de contribuição que excedesse a 20 anos para os homens e a 15 anos para as mulheres. Vejamos as alterações: “Art. 26. Até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações adotados como base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência.

§ 1º A média a que se refere o caput será limitada ao valor máximo do salário de contribuição do Regime Geral de Previdência Social para os segurados desse regime e para o servidor que ingressou no serviço público em cargo efetivo após a implantação do regime de previdência complementar ou que tenha exercido a opção correspondente, nos termos do disposto nos §§ 14 a 16 do art. 40 da Constituição Federal.

§ 2º O valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 60% (sessenta por cento) da média aritmética definida na forma prevista no caput e no § 1º, com acréscimo de 2 (dois) pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 (vinte) anos de contribuição nos casos:

- do inciso II do § 6º do art. 4º, do § 4º do art. 15, do § 3º do art. 16 e do § 2º do art. 18;

II - do § 4º do art. 10, ressalvado o disposto no inciso II do § 3º e no § 4º deste artigo;

III - de aposentadoria por incapacidade permanente aos segurados do Regime Geral de Previdência Social, ressalvado o disposto no inciso II do § 3º deste artigo; e IV - do § 2º do art. 19 e do § 2º do art. 21, ressalvado o disposto no § 5º deste artigo.

§ 3º O valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 100% (cem por cento) da média aritmética definida na forma prevista no caput e no § 1º:

I - no caso do inciso II do § 2º do art. 20;

II - no caso de aposentadoria por incapacidade permanente, quando decorrer de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho.

§ 4º O valor do benefício da aposentadoria de que trata o inciso III do § 1º do art. 10 corresponderá ao resultado do tempo de contribuição dividido por 20 (vinte) anos, limitado a um inteiro, multiplicado pelo valor apurado na forma do caput do § 2º deste artigo, ressalvado o caso de cumprimento de critérios de acesso para aposentadoria voluntária que resulte em situação mais favorável.

§ 5º O acréscimo a que se refere o caput do § 2º será aplicado para cada ano que exceder 15 (quinze) anos de tempo de contribuição para os segurados de que tratam a alínea "a" do inciso I do § 1º do art. 19 e o inciso I do art. 21 e para as mulheres filiadas ao Regime Geral de Previdência Social.” 7

Conforme destaca Ladenthin “A Emenda Constitucional 103/2019 desconfigura o benefício, altera significativamente a padronização anterior ao exigir idade mínima, regra transitória e de transição. Não tem mais o foco voltado ao trabalhador e, muito menos, na sua saúde. O objetivo agora, ao que nos parece, é apenas financista, desprezando os dados oficiais de ambientes laborais insalubres e perniciosos. O critério prevencionista, precaucional, que justificava a existência do beneficio deixa de existir e, em seu lugar, passam a valer regras mais rígidas e inflexíveis. A Emenda Constitucional 103/2019 fecha o ciclo de um período de aposentadoria especial sem idade mínima e integral, focada na proteção da saúde do trabalhador. A partir da publicação da mencionada EC, uma nova aposentadoria especial surge, com critérios diferenciados e sem tanta preocupação com os riscos do ambiente laboral pelos quais o segurado esteve exposto.” 8

Nota-se, com as inovações ocorridas no texto constitucional, a necessidade de efetiva exposição aos agentes nocivos e também a promoção da constitucionalização dos agentes físicos, químicos e biológicos ou a associação destes agentes, antes previstos na Lei de benefícios Lei nº 8.213/91. Outra mudança significativa é a expressa vedação ao enquadramento por categoria profissional ou ocupação, além de não apresentar diferença de gênero, significando que homens e mulheres se aposentarão com a mesma idade e mesmo tempo de trabalho e, claro, desde que estejam sob condições especiais que justifiquem esse tipo de benefício.

Percebe-se, portanto, um verdadeiro retrocesso, vez que, para atingir os requisitos necessários à aposentadoria, o segurado necessitará permanecer, de maneira mais prolongada, exposto a agentes de risco sejam físico, químicos ou biológicos, em franca inobservância ao previsão no texto constitucional, em especial o contido no art. 225 daquele diploma, de que “todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”9

4 Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6309, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI) em Julgamento Pelo Supremo Tribunal Federal (STF)

Conforme veiculado pela mídia, está em julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), sob a relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6309, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI)10.

Na referida ação, ajuizada no ano de 2020, a CNTI defende a inconstitucionalidade das regras da reforma que determinaram a instituição da idade mínima na aposentadoria especial, além do critério de pontuação mínima durante o período de transição e, ainda, questiona a conversão de tempo especial em comum.

A discussão do tema diz respeito às mudanças nesse tipo de aposentadoria, pelas novas regras trazidas pela EC nº 103/2019, no sentido de que a finalidade da aposentadoria especial nada mais é do que preservar o trabalhador exposto a agentes nocivos, os quais experimentarão a exposição por tempo muito superior ao que ele poderia suportar, colocando sua saúde, e mesmo sua vida, em risco. Com isso, é muito provável que as pessoas não consigam se aposentar, ou mesmo se aposentem por invalidez, inviabilizando, assim o descansa esperado com a aposentadoria.

Em seu relatório, o Ministro Barroso aponta que: “O estabelecimento de uma idade mínima para passar à inatividade de forma precoce – isto é, antes do tempo exigido dos trabalhadores em geral – não é uma exclusividade brasileira. Muito ao revés: essa já é uma realidade em vários países de longa data, havendo uma tendência global de que regimes especiais de aposentadoria se tornem cada vez mais excepcionais ou até mesmo desapareçam”11

Ainda de acordo com o relator Ministro Barroso: “O modelo brasileiro, de fato, requeria mudanças que aproximassem a situação dos segurados do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), sobretudo diante do peso financeiro que as aposentadorias especiais representam para o sistema”.12

Verifica-se, pelo voto do relator, seu apoio às regras questionadas, o qual sustenta que o modelo examinado é compatível com a Constituição pátria, vez que o diploma estatui o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência.

Tem-se, portanto, que o relator manifesta-se no sentido contrário ao que pretendia a CNTI, ou seja, decidiu que a fixação da idade mínima é constitucional, além de ter votado contra os demais pedidos.

Após o referido voto, o Ministro Ricardo Lewandowski pediu vistas dos autos para melhor analisar o caso. Nesse ínterim, o Ministro Edson Fachin antecipou seu voto, julgando procedente a ação e declarando, portanto, a inconstitucionalidade do inciso do art. 19; do § 2º do art. 25; e do inciso IV do § 2º do artigo 26, todos da Emenda Constitucional n.º 103, de 12 de novembro de 2019. Dando continuidade à votação, o Ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto do relator, enquanto a Ministra Rosa Weber antecipou seu voto para acompanhar o Ministro Fachin.

Caso a decisão do relator prevaleça, infelizmente, os segurados trabalhadores terão que amagar e conviver com todas as regras trazidas pela reforma, no que diz respeito à aposentadoria especial, lançando os trabalhadores em tamanho retrocesso social. Necessário esclarecer que, embora não tenha sido observado no entendimento do Ministro Relator, dentre as normas inerentes à condição humana está o principio da proibição ao retrocesso social, por meio do qual é vedada a retirada de direitos fundamentais.

Nesse sentido, disserta em artigo publicado em revista especializada o Advogado Marcelo Gonçalves da Silva13 que: “O princípio da proibição do retrocesso social apresenta dois sentidos: um positivo, representado pela ideia de progressão constante no nível de efetivação dos direitos sociais, e um negativo, que consiste no zelo por uma produção legislativa que não suprima ou reduza o nível de efetivação ou consistência normativa já alcançada. Assim, a observação do princípio universal de direitos humanos da proibição do retrocesso social protege o titular do direito a uma eventual eliminação de uma conquista jurídico social já inserida no ordenamento jurídico, uma espécie de proteção ao “direito social adquirido”.”

Certo é que os direitos sociais são considerados fundamentais porque, sem eles, a pessoa humana não consegue, sequer, existir, e não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida.14

Portanto, não se mostra, até então, acertado o voto do relator, que acena no sentido de validar as mudanças da reforma, haja vista que, no ordenamento jurídico brasileiro, uma interpretação sistêmica do texto constitucional permite inferir que o princípio da proibição ao retrocesso social foi adotado de modo implícito, cujos indícios mais evidentes são adoção da ideia de Estado Democrático de Direito e da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental.

Conclusão

Por todo o exposto ao longo do presente trabalho, restou claro que as alterações na Constituição Federal, produzidas pela EC nº 103/2019, precisam, de fato, serem reconhecidas como um verdadeiro retrocesso social.

Muitos de seus ditames farão com que inúmeros segurados venham a permanecer por mais tempo e expostos a mais agentes nocivos, sejam estes químicos, físicos ou biológicos, aumentando o risco social de incapacidade decorrente de acidentes ou sinistros laborais, retirando do segurado, de modo implícito, a garantia de proteção ao trabalho, fazendo com que as modificações trazidas pela referida emenda, de fato, acabem por tornar inútil a existência do instituto da aposentadoria especial, vez que, com a adoção dos severos critérios de faixa etária, com toda certeza, acabará ocasionando sinistros de natureza grave e prejudiciais à saúde dos segurados sujeitos a atividade especial, restando sem sentido a espera pelo descanso merecido trazido pela aposentadoria.

A reforma da previdência, de 2019, ao mudar as regras da aposentadoria especial, incluindo o critério da idade mínima para se aposentar, fragilizou o benefício, retirando-lhe a essência, já que a necessidade de trabalhadores se aposentarem pelo referido sistema – de aposentadoria especial – se faz necessário ante a nocividade de determinadas profissões, que expõem esses trabalhadores a risco de vida ou de adoecimento, o que torna o estabelecimento de critérios especiais imprescindível.

O projeto de instituir idades mínimas de 60 anos, 58 anos e 55 anos para quem comprovar, respectivamente, o exercício em atividade especial arriscada pelo tempo de 25 ,20 e 15 anos de contribuição faz com que o segurado fique sujeito a mais tempo de exposição ao agente nocivo.

Por fim, aguarda-se o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6309, proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), a ser enfrentada em evento próximo futuro, estando, portanto, nas mãos do Supremo Tribunal Federal promover a justiça em face dos aposentados especiais. Do contrário, julgando-se, de fato, pela constitucionalidade da emenda em estudo, conforme voto do Ministro Relator Barroso, a reforma da previdência de 2019 levará o trabalhador a se sujeitar a maior exposição a riscos, dificultando-se, assim, o seu acesso ao benefício previdenciário, uma vez que tais alterações promovidas retiram o status protetivo, e assume, categoricamente, o risco de se manter os trabalhadores expostos por mais tempo a agentes nocivos, prejudiciais à saúde.

Percebe-se que as reconfigurações no benefício promovido pela alteração no texto constitucional se deu com efetivo status econômico e financeiro, vez que não tem fundamento legal em nenhum estudo técnico ou científico quanto aos danos que poderão causar aos trabalhares em razão de sua manutenção por mais tempo em ambientes insalubres. Além disso, o advento do novo modelo de aposentadoria especial com regras praticamente inacessíveis dificultaram o acesso dos segurados ao benefício, retardando se por mais anos seu pedido de aposentadoria, uma vez que o direito adquirido só será possível para àqueles que completarem o tempo acima exigido isto é 15,20 ou 25 anos de tempo especial até a data de 12.11.2019.

Referências

BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Rio de Janeiro. Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituição/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 14 jul. 2023.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. Altera o sistema de previdência social e estabelece regras de transição e disposições transitórias. Diário Oficial, Brasília, 13 nov. 2019. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm. Acesso em: 14 jul. 2023.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6309/DF – Distrito Federal. Relator: Ministro Roberto Barroso. Pesquisa de Jurisprudência, Acórdãos, 12 jul. 2023. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5848987>. Acesso em: 14 jul. 2023.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1988.

DIARIO DO COMÉRCIO. STF começa a julgar idade mínima da aposentadoria especial do INSS. Até a reforma da Previdência, a aposentadoria especial era concedida ao trabalhador com 15, 20 ou 25 anos de exposição em área insalubre. Folhapress, 18 de março de 2023. Disponível em: <https://diariodocomercio.com.br/legislacao/stf-comeca-a-julgar-idade-minima-da-aposentadoria-especial-do-inss/#gref>. Acesso em: 14 jul. 2023.

GOMES, Paulo Francisco Silva; SILVA, José Eliabe da; HONORATO, Gustavo Henrique de SÁ. Emenda Constitucional 103/2019: principais mudanças e impactos na vida dos aposentados do RGPS. Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/ANIMA/22550/1/Artigo%20Cient%c3%adfico%20-%20EMENDA%20CONSTITUCIONAL%20103.2019.pdf. Acesso em: 18 jul. 2023.

HIGIDIO, José. STF suspende julgamento sobre idade mínima para aposentadoria especial. Revista Consultor Jurídico, 22 mar. 2023. Disponível em: tps://www.conjur.com.br/2023-mar-22/stf-suspende-analise-idade-minima-aposentadoria-especial. Acesso em: 14 jul. 2023.

LADENTHIN, Adriane Bramante de Castro et al. Reflexões sobre a aposentadoria especial na EC 103/2019. JusLaboris, v. 1. abr. 2020. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/172911. Acesso em: 28 ago. 2023

SILVA, Marcelo Gonçalves. EC 103 e a violação de uma conquista social: a inconstitucionalidade do restabelecimento da idade mínima para aposentadoria especial. Revista Brasileira de Direito Social - RBDS, Belo horizonte, v. 3, n. 2, p. 37-54, 2020.

SCHUSTER, Diego Henrique. Aposentadoria Especial e a Nova Previdência. Curitiba: Alteridade, 2021.

TEXTO CONFECCIONADO EM CONTAGEM – AGOSTO DE 2023.

Sobre os autores
Joseval Martins Vianna

Diretor Geral do Legale Educacional. Coordena também o Curso de Pós-Graduação em Direito Médico e da Saúde e ministra aulas nos cursos de Pós-Graduação de Direito Civil, Direito Processual Civil, Bioética, Biodireito e Linguagem Forense no Legale Educacional. Formado em Letras e em Direito.

Paulo Drummond Silva

Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais (PUC – Minas). Advogado inscrito na OAB/MG nº 185.359. Pós graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Legale.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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