1. INTRODUÇÃO
Francisco Carnelutti (1879-1965) além de advogado, professor e autor de mais de 40 obras jurídicas e humanísticas, foi um jurista de renome. Carnelutti nasceu em Udine na Itália e foi professor de diversas Universidades italianas, dentre elas a Universidade de Roma e Bocconi de Milão.
Carnelutti foi o principal inspirador do Código de Processo Civil italiano e criador da teoria da lide como o centro do sistema processual, onde chegou a renunciar o conceito do interesse de agir como condição da ação.
O presente artigo tem a intenção de observar, expondo a visão crítica do livro Il Problema della Pena, publicado no ano de 1945, onde, sob a ótica do referido autor, se entende a fundo a temática “pena”.
A pena trata-se da punição estabelecida em lei penal, em que o Estado constitui uma punição ao culpado pela prática da infração penal, consistente na restrição ou na privação de um bem jurídico, com finalidade de retribuir um mal injusto causado à vítima e à sociedade. O autor Cesare Beccaria (2005, p. 41) traz uma visão elucidativa sobre a pena:
Faziam-se necessários motivos sensíveis suficientes para dissuadir o espírito despótico de cada homem de novamente mergulhar as leis da sociedade no antigo caos. Esses motivos sensíveis são as penas estabelecidas contra os infratores das leis.
Francisco Carnelutti em sua obra discorre sobre a pena, dentre os temas abordados estão pena e delito, onde manifesta seu parecer sobre a matéria, levando o leitor a refletir sobre a complexidade do assunto, observando a evolução do Estado através dos séculos e como o sofrimento físico passa a não mais fazer parte dos elementos constitutivos da punição.
Ao referir-se ao sofrimento físico como elemento constitutivo da pena, não se pode deixar de citar o livro Vigiar e Punir do filósofo Michel Foucault (1987, p. 9), que em seu primeiro capítulo nos traz a história de Robert François-Damiens, um camponês francês acusado e condenado pelo crime de parricídio, ou seja, o ato de atentar contra a vida de seu próprio pai, Damiens atentou contra a vida do rei Luis XV - o rei considerava-se o pai de todos os franceses - e que resultou em sua execução pública, ato que era comum para a época:
[aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Grève, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento.
“A pena que lesa a alma é bem mais eficaz para a reeducação ou a reflexão da infração cometida do que uma punição corporal, que muitas vezes, senão todas, cria mais raiva e ódio no infrator”. A afirmação faz surgir a indagação de o porquê de as cadeias não caracterizarem um meio de ressocialização, mas sim espécies de “escolas do crime”, como afirmado pelo goleiro Bruno – condenado pelo assassinato de Elisa Samudio em 2010 - a revista Veja:
Se eu tivesse continuado no sistema, iria sair de lá uma pessoa muito pior do que quando entrei. O sistema hoje é uma escola para o crime. Quando fui para o sistema, sendo um criminoso por ter cometido um crime, não vivendo do crime, eu estava na faculdade para se tornar um bandido.
Trata-se claramente de uma forma de marginalização através do sistema prisional, onde o indivíduo contrai condutas ilícitas de um criminoso cotidiano, desenvolvendo seu caráter delituoso.
São afirmações como essas que geram interrogações sobre a maneira como as penas são aplicadas atualmente realmente evoluíram a ponto de regenerar o indivíduo que cometeu a infração ou como já abordado, a pena apenas deixou de ser aplicada através do suplício, onde o corpo era o principal objeto de punição, para ser aplicada na alma. Em nosso Código, podemos encontrar no artigo primeiro da Lei de Execução Penal o real objetivo da pena:
Art. 1º - Execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.
Dessarte, de nada adianta castigar os encarcerados sem dar a eles condições para a sua reintegração na sociedade de maneira efetiva. Dessa maneira, tem-se que ressignificar a finalidade adquirida pelos presídios ao longo do tempo, buscando entregar à sociedade um cidadão produtivo que dificilmente reincidirá e não uma cadeia que estigmatiza o recluso, como dito por Mirabete em seu livro “Execução Penal”.
A respeito do tema, Julio Fabbrini Mirabete (2002, p.24) afirma:
A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. Os centros de execução penal, as penitenciárias, tendem a converter-se num microcosmo no qual se reproduzem e se agravam as grandes contradições que existem no sistema social exterior (…). A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social. A prisão não cumpre a sua função ressocializadora. Serve como instrumento para a manutenção da estrutura social de dominação.
A pena, quando individualizada, não ressocializa ninguém, são imprescindíveis meios mais “humanos” para que, de fato, o indivíduo, ao sair e reencontrar o mundo exterior, tenha pensamentos e ações distintas àquelas que o levaram à prisão.
O jurista argentino Eugênio Raúl Zaffaroni, um dos principais nomes do Direito Penal, afirma na Teoria Agnóstica da Pena que o Estado não possui mecanismos para proporcionar uma reintegração do preso à sociedade. Para essa teoria, a pena apenas cumpre a função de degenerar aqueles que são a ela submetidos, já que haveria uma comprovação empírica quanto à impossibilidade de ressocialização.
É invisível aos olhos da sociedade e de sua tartufice que o criminoso não é apenas aquele que mata, rouba ou trafica, o criminoso também se utiliza de arquivos baixados ilegalmente na internet, dirige após beber uma ou duas taças de vinho, o criminoso não utiliza o cinto de segurança, dentre outros vários crimes que cometemos sem ao menos se dar contar. Não estamos imunes ao jus puniendi do Estado. Como bem demonstra o professor Evinis Talon: “Todos podem cometer crimes. Muitos já cometeram!”
2. PENA E DELITO
Carnelutti, em seu primeiro capítulo, inicia exemplificando a pena de maneira prática quando diz que não há uma criança que não reaja diante de uma ofensa, pois, de imediato, a criança tem uma única reação, devolver a ofensa que recebeu. Ainda, segue dizendo que, ao receber uma ofensa, estamos justificando a ofensa recebida e que se deve haver uma reflexão a respeito disso, de modo que, a segunda ofensa, assim como a primeira, também é um mal: “Se a quem me dirige uma palavra injuriosa lhe respondo com a mesma palavra, cada um de nós faz exatamente a mesma coisa.”
O autor segue dizendo que as ofensas primária e secundária são dois males simultâneos, o delito é um prius e a pena um posterius, pois a alegação que a criança faz, diante da injúria recebida, não está em seu controle, que não fez mais do que dar continuação a um ato que não começou, por isso conclui-se não ter culpa do que ocorreu. De fato, a injúria proferida em resposta a uma primeira não caracteriza culpa de alguém, mesmo que, o mal não se combata com o mal, não sendo penalmente correto a substituição de uma pena pública, que deveria ser aplicada pelo Estado, por uma pena privada, onde todos são juízes e promotores, sem que se tenha defesa.
De igual maneira, em O Problema da Pena, Francisco Carnelutti também dá a natureza da pena como restauração da ordem, relacionando-a com as leis, pois quando a lei atua, a ordem se cumpre e diferentemente desta ordem, o delito faz referência à desordem, ou seja, a violação das leis estabelecidas. Isto posto, a pena consiste no restabelecimento da ordem que fora violada
Além de reprimir violações cometidas contra a ordem legal, a pena também tem caráter repressivo, de modo que, vá impedir as suas ulteriores violações.
3. PENA E LIBERDADE
No segundo capítulo de seu livro, intitulado “Pena e Liberdade”, Carnelutti nos traz a Lei de Talião, onde o delito resolvia-se com o sofrimento do ofensor idêntico ao sofrimento do ofendido, em outras palavras: “olho por olho, dente por dente”. Uma solução primitiva, vingativa e que não tinha nenhuma outra função a não ser a de castigar severamente.
Os primeiros indícios da existência da Lei de Talião foram encontrados no Código de Hamurabi, em 1780 a.C, no reino da Babilônia. O Código de Hamurabi consistia em punir o agressor com sofrimento proporcional ao que causou na vítima. Apesar de antiga, a Lei de Talião é muito mais atual do se imagina, acontece todos os dias e a “pena” estabelecida por pessoas comuns que não detém o poder do jus puniendi – este poder concedido somente ao Estado - muitas vezes é mais violenta que do o próprio crime original. Muitas vezes, a vítima de um crime desabafa ensejar pelo que ela acha ser justiça, porém, o que constata-se é que, para a vítima que sofreu uma violência, justiça é a punição severa através do corpo de seu agressor. Naquele momento, a justiça, camuflada por ávidos pedidos de uma punição justa, nada mais é do que o desejo de vingança. O Código Penal brasileiro reprime e estabelece uma pena a justiça/vingança privada em seu artigo 345:
Art. 345 – Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítimo, salvo quando a lei o permite.
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
O sociólogo americano Edward Aslowth Ross, uma figura importante da criminologia primitiva, em seu parecer afirma que o ser humano herda quatro instintos: simpatia, sociabilidade, senso de justiça e ressentimento ao mau trato. Como uma operação matemática, a junção de senso de justiça + ressentimento ao mau trato, nos dá a ideia de que a única solução plausível para tudo isso é o próprio conceito que está na cabeça de cada um de justiça/vingança.
Tal-qualmente, Carnelutti deixa claro que: “O erro da Lei de Talião está, pois, em somar os dois males em lugar de subtrair o segundo do primeiro.” Os dois males a que Carnelutti se refere é delito + pena. Francisco Carnelutti segue dizendo que a lei moderna – a única lei capaz de amparar a sociedade de modo justo e civilizado – está abandonada.
Em regra, o ordenamento jurídico brasileiro não comporta a pena de morte. A última execução realizada pelo Brasil como forma de punição ocorreu em Pilar, no Estado de Alagoas, em 28 de abril de 1876 e tinha um escravo, denominado Francisco, como condenado. A última execução de um homem livre foi em 1861, por enforcamento. Já a última execução de uma mulher, foram das escravas Peregrina e Rosa em Sabará, Minas Gerais, ambas executadas em 14 de abril de 1858, o carrasco também era um escravo.
Desde a Proclamação da República, em 1889 o Brasil não utilizou a pena de morte. Através da Constituição Federal de 1988, a pena de morte foi abolida para todos os crimes civis e atualmente há casos, bem limitados, em que é possível aplicá-la, mas todos esses de caráter militar, sendo possível ser aplicada em casos de traição, assassinato, genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e terrorismo, estes podem ser encontrados no inciso 47 do artigo 5º da Constituição Federal:
Art. 5º, § XLVII – Não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada.
Apesar disso, o Brasil não possui pena de morte ou de caráter perpétuo para crimes civis, sendo um dos poucos países a abolir essa prática. O artigo 75 do Código Penal previa a pena máxima aplicada no Brasil que era de 30 anos, e após o Pacote Anticrime transformou-se em 40 anos com a Lei 13. 694/2019.
No Brasil há pessoas a favor e contra a pena de morte na legislação atual, o que é totalmente normal, porém, devemos ter cautela ao exigir que tipos de punição como esses sejam inseridos sem debatermos os prós e os contras. O que se percebeu nas pesquisas realizadas pelo Datafolha em 2018 foi que 57% dos entrevistados eram favoráveis a pena capital, o maior índice desde 1991. Diversos são os motivos dados para que se tenha a pena de morte, debates acalorados e repletos de repetições de palavra como “justiça” e como afirmado nos parágrafos acima, a justiça clamada muitas vezes é apenas o desejo de vingança de uma sociedade farta de impunidade.
Não basta apenas querer “eliminar” o problema tirando a vida do indivíduo acusado de cometer o crime, pois precisa-se analisar a raiz do problema, será que as cadeias realmente não são eficazes para a ressocialização, desde que essa dê todas as oportunidades possíveis para isso. Em países que adotam sistemas tão rígidos, não se pode ter nenhuma dúvida quanto a autoria do crime, a periculosidade do infrator e se tudo o que será feito será mesmo benéfico para a sociedade. Um país como o Brasil precisa aprender, já que constantemente vemos casos de pessoas que passaram 10, 20, 30 anos encarcerados e após todo esse período, descobriu-se um grave erro judiciário.
É impossível falar em erro judiciário e não citar Sebastião e Joaquim Naves, vítimas do maior erro judiciário da história do Brasil. Em 1937, os irmãos Naves foram acusados de roubar e matar seu próprio primo e com isso, foram torturados, ameaçados e humilhados, além de, depois de duas absolvições, mesmo assim serem considerados culpados, tudo isso em um processo recheado de falhas e irregularidades. Por esse e outros motivos que o Brasil não tem capacidade alguma de sustentar penas tão severas.
Em seu livro, Francisco Carnelutti diz algo que traduz toda essa problemática a respeito da pena de morte: “Matando um homem, à diferença de um animal, não se corta somente uma vida, mas se antecipa o termo fixado por Deus para o desenvolvimento de um espírito, ou seja, para a conquista de uma liberdade.” No sistema carcerário brasileiro a legislação não impõe a pena de morte, mas isso não quer dizer que não tenha, tendo em vista que, o Brasil constantemente vivencia rebeliões atrozes, que se transformam em terríveis massacres. Podemos citar o massacre ocorrido no Carandiru em 1992, onde 111 detentos foram assassinados e os que sobreviveram foram “convocados” a empilhar os corpos dos mortos.
Em 14 de outubro de 1992 o jornal Veja relatava:
Foi um ataque brutal. Em meia hora de terror, policiais armados com escopetas, metralhadoras, revólveres e facas acuaram os detentos e deixaram um rastro de 111 mortes, com abundantes sinais de execução.
Na mesma edição do jornal ainda temos o trecho estarrecedor:
Os presos correm entre as celas. Xingam os policiais. “Aqui é o choque”, anunciam os soldados no 2º pavimento. "Chegou a morte", gritam, raivosos e ameaçadores (...) "O guarda chamou um carioca e encostou o revólver na cabeça dele", relata Dionísio. “Perguntou se ele estava assustado, e ele respondeu pedindo pelo amor de Deus para não morrer.” O PM atira três vezes. Dionísio sobreviveu. “Eu fiquei embaixo do ‘Zé’ e do Antônio”, ele lembra. No meio da fuzilaria, Dionísio ouve a voz de um dos amigos. “Didi, eu estou morrendo”, diz um dos homens sob o qual se esconde. “Me socorre, me ajuda”, implora. Didi responde num sussurro: “Não posso. Se eu levantar os homens me matam”. Não há mais resistência na Casa de Detenção. Só fuzilamentos.
A Lei de Execução Penal em seu artigo 10 diz que:
Art. 10 - a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Dentre as penas citadas, Carnelutti também lembra das “Medidas de Segurança Pecuniárias”, onde obtém-se do infrator uma soma de dinheiro como forma de reparação do dano causado. O autor afirma que esse tipo de punição se trata mais de uma forma prevenção de novos delitos do que pena. Ainda, Francisco Carnelutti fala sobre um contraestímulo causado pela pena pecuniária ao réu, e que somente ele seria capaz de conter a criminalidade.
De fato, as penas pecuniárias, além de parcialmente eficazes – pois somente com a adição de outras medidas pode-se considerar efetiva de fato -, tem como um de seus destinos ajudar na ressocialização de detentos e egressos do sistema prisional, ajudar no combate à criminalidade e dar suporte às vítimas dos crimes.
“A pena deve servir não para tirar, mas para dar liberdade.” A frase do livro O Problema da Pena nos traz novamente o que foi dito nos parágrafos acima, todas as possibilidades e oportunidades devem ser dadas àquele cujo objetivo primário é o restabelecimento da ordem estatal através da ressocialização do indivíduo. Carnelutti afirma que o afastamento da sociedade e a vida dura de quem está recluso é necessária para que se tenha eficácia, porém, a dor que essas medidas trazem podem piorar o espírito do recluso se este não aceitar a pena que está sendo imposta e por isso o autor nos diz que além do sofrimento da pena de reclusão, é de grande importância uma assistência moral ao recluso. Do texto podemos tirar uma frase interessante: “O condenado é um náufrago destinado a afundar. Para salvá-lo, é necessário que alguém, lançando-se ao mar, o alcance, o socorra e o traga à praia.”
4.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista os aspectos apresentados, Carnelutti manifesta de forma maestral o seu parecer sobre um tema tão complexo quanto a pena, tornando indubitável que, mesmo uma obra publicada em 1945, traz consigo ensinamentos demasiadamente relevantes aos dias atuais.
A obra, em sua integralidade, aborda de maneira coerente diversos pontos sobre a forma de execução da pena, pois o autor enxerga as penas severas como contendo pouca eficácia para a ressocialização do indivíduo criminoso, e mais uma vez está coberto de razão. De fato, as penas precisam de mais humanização e menos castigo se o objetivo final é a recuperação do indivíduo.
Cabe ressaltar a situação dos presídios, como já afirmado neste texto alhures. Atualmente, as cadeias não conseguem oferecer o mínimo exigido para que se tenha a tão almejada ressocialização do indivíduo. Não parece ser lógico largar uma pessoa numa cela estreita, sem água, comida e higiene, em meio a ratos e baratas, onde o ócio domina a todos e no final esperar que essa mesma pessoa, que agora além do delito primário, adquiriu em sua passagem pelo presídio novas características criminosas, ao reencontrar o mundo exterior, não pratique novamente infrações penais. Carnelutti diz que a pena é uma soma.
Desse mesmo modo, a ressocialização também é uma soma, pena + humanização, a agregação dessas formas de executar a pena teria bem mais eficácia do que a de uma justiça que só preocupa-se em prender e esquecer que ali tem uma pessoa que pode ser recolocada na sociedade como um indivíduo capaz de contribuir, se ressocializado da maneira correta.
Espera-se que todo sujeito que tenha cumprido pena retorne a sociedade como se aquele momento tenha sido apagado da memória de todos, inclusive de sua própria. A sociedade que afirma que a mudança deve partir de quem quer mudar, é a mesma que nega emprego a um ex-apenado que precisa alimentar a sua família.
A dificuldade em conseguir emprego quando se tem a sua vida reduzida a uma frase numa ficha é imensa. Faz-se necessários projetos de leis que abordem com mais intensidade o tema, pois estamos falando de 7773.151 pessoas privadas de liberdades em todos os regimes, de acordo com o Infopen 2019.
O ordenamento brasileiro, como em um lampejo de esperança, nos traz a Lei 8.666/93 como uma forma de ressocialização verdadeiramente eficaz.
Em seu artigo 7º, a Lei 8666/93 diz:
Art. 7º-A. Nos contratos celebrados pelos órgãos e entidades da Administração Pública com pessoas jurídicas para contratação de obras e serviços deverá constar cláusula que assegure a reserva do percentual de cinco por cento da mão de obra a ser utilizada no cumprimento do respectivo objeto para egressos do sistema penitenciário e apenados em regime semiaberto e aberto.
Francisco Carnelutti em livro fala que: “No presídio, pois, não estão nem poderão estar nunca somente homens que pagam as suas culpas, mas outros que não têm culpas a que pagar [...]”.
A frase dita por Carnelutti é ainda mais atual, mesmo passados 70 anos da publicação da obra. O reconhecimento por fotografia vem sendo motivo de debate, tendo em vista que, jovens são reconhecidos indevidamente por crimes que nunca praticaram e sem qualquer investigação, são presos e muitas vezes, condenados. 83% destes jovens, negros e pobres.
Em muitas codificações, a figura do inocente é destaque por impressionar quando o assunto é injustiça, e impressiona ainda mais quando nos damos conta de que qualquer um poderia estar sujeitos àquilo, até nós mesmos. Voltaire, importante filósofo francês, em uma de suas muitas frases célebres, afirma que: “É melhor correr risco de salvar um homem culpado do que condenar um inocente.” E sim, indubitavelmente, salvar um inocente é preferível. Um criminoso que escapa de sua pena tem meios para que se ressocialize, mesmo que seja um número inexpressivo.
Em síntese, Carnelutti aborda muito bem os tópicos e subtópicos em seu livro, trazendo reflexão sobre as injustiças e severidades, nos levando a enxergar de maneira mais sensível e indulgente o apenado, ex-apenado e o infrator penal. Não pode-se, nem deve-se, apenas ver naquele emaranhado, o criminoso cruel que merece ser punido, deve-se ir mais além.
REFERÊNCIAS
FOUCALT, Michel. O Problema da Pena. 1ª edição. Editora Pillares, 2019.
FOUCALT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Editora Vozes, 1987.
BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos Delitos e das Penas. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. (Clássicos).
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MARQUES, Hugo. Presídios são ‘escolas para o crime’, diz goleiro Bruno. Disponível em: https://veja.abril.com.br/brasil/presidios-comuns-sao-escolas-do-crime-diz-goleiro-bruno/. Acesso em: 26 abr. de 2021.
TALON, Evinis. Todos podem cometer crimes. Muitos já cometeram! 2017. Disponível em: http://evinistalon.com/todos-podem-cometer-crimes-muitos-ja-cometeram/. Acesso em: 29 abr. 2021.
EMÍDIO, Victor. O problema da pena é a hipocrisia que habita em nós. Disponível em: https://emidiovictor.jusbrasil.com.br/artigos/731748254/o-problema-da-pena-e-a-hipocrisia-que-habita-em nos#:~:text=O%20Direito%20Penal%20e%20o,submetido%20ao%20crivo%20da%20ingenuidade. Acesso em: 29 abr. 2021
NASCIMENTO, Luciano. Brasil tem mais de 773 mil encarcerados, maioria no regime fechado. Disponível em: ://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-02/brasil-tem-mais-de-773-mil-encarcerados-maioria-no-regime-fechado. Acesso em: 04 maio de 2021
ORTEGA, Flavia. Afinal, existe pena de morte no Brasil? Disponível em: https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias/382781050/afinal-existe-pena-de-morte-nobrasil#:~:text=Apesar%20de%20abolida%2C%20pena%20de,tem%20aplica%C3%A7%C3%A3o%20prevista%20no%20Brasil.&text=O%20inciso%2047%20do%20artigo,C%C3%B3digo%20Penal%20Militar%2C%20de%201969. Acesso em: 06 maio de 2021
JELIN, Daniel. Carandiru 1992: “Aqui é choque. Chegou a morte. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/reveja/carandiru-1992-8220-aqui-e-o-choque-chegou-a-morte-8221/. Acesso em: 10 maio de 2021.