Nacionalidade e cidadania: aspectos jurídicos e políticos da condição do estrangeiro no Brasil

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RESUMO

Considerando a relevância da temática da cidadania e das medidas de retirada compulsória do estrangeiro no Direito brasileiro, destaca-se que a nacionalidade é um assunto historicamente exclusivo da jurisdição doméstica, sendo, no Brasil, regulado pela Constituição com contribuições jurisprudenciais e doutrinárias. A partir do vínculo jurídico-político existente entre um determinado Estado nacional e o indivíduo, reconhece-se que o indivíduo passa a ser integrante do povo. A cidadania é diferente da nacionalidade, pois se refere à capacidade de exercer direitos políticos. Nesse sentido, a cidadania é a capacidade de participar da vida política do país, seja por meio do voto ou de outras formas de participação. Nesse artigo, foi adotado o método de abordagem dedutivo, aliado ao procedimento de pesquisa bibliográfica, com foco em entendimentos constitucionais, legais e teóricos sobre o assunto. O objetivo é analisar variados aspectos relacionados à temática, tais como o conceito de nacionalidade, as formas de aquisição da nacionalidade e as medidas de retirada compulsória do estrangeiro. Em relação às formas de aquisição da nacionalidade, ressalta-se que existem diferentes modalidades, como a nacionalidade originária, que é adquirida por nascimento em território nacional ou por descendência; e a nacionalidade derivada, que é adquirida por meio de naturalização ou casamento. Por fim, é compreendida a importância das medidas de retirada compulsória do estrangeiro, que são previstas em casos específicos dispostos na lei. Essas medidas podem incluir a deportação ou expulsão do estrangeiro do território nacional.

Palavras-chave: Nacionalidade; cidadania; estrangeiro; retirada compulsória; direito brasileiro.

INTRODUÇÃO

A temática atinente à cidadania e às medidas de retirada compulsória do estrangeiro se mostra relevante no sentido de possibilitar a abordagem do tratamento que o Direito reserva àquele que, não sendo nacional, ingressa em território brasileiro.

Nesse sentido, o presente trabalho analisará variados aspectos que estão atrelados à temática, tais como o conceito de nacionalidade, as formas de aquisição da nacionalidade, bem como as medidas de retirada compulsória do estrangeiro.

Destaca-se que, para o desenvolvimento do presente trabalho, será adotado o método de abordagem dedutivo, aliado ao procedimento de pesquisa bibliográfica, dando-se enfoque aos entendimentos constitucionais, legais e teóricos sobre o assunto.

ASPECTOS GERAIS SOBRE A CONDIÇÃO JURÍDICA DO ESTRANGEIRO

Inicialmente, é importante salientar que “nacionalidade é um assunto historicamente exclusivo da jurisdição doméstica. Na tradição brasileira, o direito de nacionalidade é regulado na Constituição, com aportes jurisprudenciais e doutrinários” (MENDES; BRANCO, 2021, p. 810).

Na esteira do entendimento apresentado por Nápoli (2021), tem-se que a nacionalidade pode ser compreendida como um elo jurídico-político existente entre determinado Estado nacional e o indivíduo, sendo que, a partir desse vínculo, reconhece-se que o indivíduo passa a ser integrante do povo.

Não se deve confundir nacionalidade com cidadania. Segundo o escólio de Preti e Lépore (2021, p. 110), “cidadania é a capacidade de exercer os direitos políticos. É uma característica que tem por pressuposto a nacionalidade.”

Fernandes (2021, p. 995) aduz que:

Podemos entender a nacionalidade como o vínculo jurídico-político que liga o indivíduo a determinado Estado, ou seja, que faz desse indivíduo um integrante do povo do Estado, como sujeito de direitos e dotado de direitos e deveres, sendo, assim, um indivíduo nacional do Estado. O conceito de nacionalidade equivale ao conceito de povo, que é um conceito de viés jurídico, que é diferente do conceito de população. Esta (população) é um conceito geográfico econômico, sendo o conjunto de habitantes de determinado Estado, sendo eles nacionais ou estrangeiros.

A propósito, reconhece-se que “os elementos clássicos de um Estado são seu território, sua soberania e seu povo. Para a formação deste último, é necessário que se estabeleça um vínculo político e pessoal entre o Estado e o indivíduo” (MENDES; BRANCO, 2021, p. 809).

Nesse sentido, é justamente a nacionalidade que se afigura como o instrumento por meio do qual determinada pessoa estabelece um vínculo com uma comunidade política (NOVELINO, 2020).

Compreende-se que o povo integrante de determinado Estado é composto por indivíduos que possuem nacionalidade originária ou adquirida, razão pela qual se pode compreender que, mesmo fazendo parte da população brasileira, o estrangeiro que reside no país não pode ser considerado como integrante do povo nacional (PRETI; LÉPORE, 2021).

Ao discorrerem acerca da nacionalidade primária/originária e da nacionalidade secundária/adquirida, Mendes e Branco (2021, p. 809) complementam:

A nacionalidade pode ser adquirida de forma primária/originária ou secundária. Quando uma nacionalidade decorre do nascimento do indivíduo, independentemente de sua vontade, denomina-se originária ou primária. Já a secundária é a voluntariamente obtida pelo indivíduo, v.g., por meio do casamento.

Partindo-se dessa perspectiva, pode-se afirmar, conforme apontado por Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2018), que a nacionalidade primária decorre de um fato natural, isto é, origina-se do nascimento, ao passo que a nacionalidade secundária surge da vontade do indivíduo em adquirir a nacionalidade de determinado Estado.

Há também o que se denomina de “naturalização tácita”, sendo que essa modalidade se aplica às situações nas quais se verifica um número de nacionais inferior do que o intencionado. “Nesse caso, os estrangeiros residentes que não declararem, dentre de determinado período, o ânimo de permanecer com a nacionalidade de origem, automaticamente adquirem a nacionalidade do país em que residem” (NOVELINO, 2020, p. 550).

No que diz respeito às formas de aquisição da nacionalidade primária, utiliza-se dois critérios, quais sejam, o ius sanguinis e o ius soli. No primeiro caso, utiliza-se um critério sanguíneo, com a comprovação de que o indivíduo possui descendentes nacionais do país em que pretende adquirir a nacionalidade. No segundo caso, adota-se um critério territorial, de modo que o mero nascimento do indivíduo no país será suficiente para que ostente a qualidade de nacional, mesmo que seus ascendentes não o sejam (NÁPOLI, 2021).

No contexto do direito brasileiro, entende-se que o critério territorial foi utilizado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), em seu artigo 12, I, “a”, quando preconiza que será considerado como brasileiro nato aquele que for nascido no território nacional, mesmo que seja filho de estrangeiro (BRASIL, 1988).

Com relação ao critério sanguíneo, Novelino (2020, p. 549) anota o seguinte:

A Constituição brasileira adotou a nacionalidade dos pais como critério para atribuição da nacionalidade originária em três situações. Na primeira, considera como brasileiro nato o indivíduo nascido no estrangeiro, mas filho de pai brasileiro ou mãe brasileira a serviço da República Federativa do Brasil. Na segunda, a Constituição atribui a nacionalidade originária aos nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente. A terceira se refere aos filhos de brasileiros nascidos no estrangeiro e que não foram registrados na repartição brasileira competente.

Nesse sentido, a propósito, compreende-se pela possibilidade de que o indivíduo possua mais de uma nacionalidade. Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2018) afirmam que essa situação ocorrerá quando o brasileiro nacional, com escopo em critério sanguíneo, já adquire de forma natural a segunda nacionalidade, bem como no caso em que a aquisição da nacionalidade afigura-se como requisito de permanência em território estrangeiro.

Insta consignar que, em virtude de os países comumente adotarem critérios diferentes para fins de considerar quem é nacional e quem é estrangeiro, há a possibilidade de que surjam os conflitos de nacionalidade (LENZA, 2021).

Conforme posicionamento albergado por Bernardes e Fernandes (2016), os conflitos de nacionalidade podem ocorrer na modalidade positiva ou negativa. Tem-se que, na primeira hipótese, há situação de polipatridia, consistente no reconhecimento da condição de nacional por mais de um país. Na segunda espécie, a condição de nacional de determinado indivíduo é negada pelo país em que ele busca esse reconhecimento, denotando, pois, uma situação de apatridia.

“A fim de proteger os apátridas, existem documentos internacionais como o protocolo relativo aos casos de Apatridia, de 1930; a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954; bem como a Convenção sobre a Redução dos casos de Apatridia” (PRETI; LÉPORE, 2021, p. 111).

Feitas essas considerações gerais atinentes à nacionalidade, importa proceder a alguns aspectos introdutórios sobre o tratamento normativo do estrangeiro e, logo depois, discorrer acerca das medidas de retirada compulsória.

Conforme já foi possível inferir, a definição de estrangeiro pode ser feita através de um critério residual, tendo em vista que são considerados como todas as pessoas que, não sendo nacionais de determinado Estado, se encontram em seu território.

Nessa linha de raciocínio, cabe ponderar que “nenhum Estado tem obrigação de aceitar a entrada de um estrangeiro em seu território. Trata-se de decorrência da soberania de cada Estado” (PRETI; LÉPORE, 2021, p. 116).

MEDIDAS DE RETIRADA COMPULSÓRIA DO ESTRANGEIRO

Isto dito, saliente-se que, acerca da exclusão do estrangeiro do território nacional, são reconhecidas quatro situações possíveis: repatriação; deportação; expulsão e; extradição (BERNARDES; FERNANDES, 2016).

Quanto à repatriação, Mendes e Branco (2021, p. 817) afiança que:

A repatriação consiste em medida administrativa de devolução de pessoa em situação de impedimento ao país de procedência ou de nacionalidade. Em impedimento estão os estrangeiros que não reúnem as condições formais básicas para ingresso no país – v.g., visto ou passaporte inválido, anterior expulsão do país, enquanto vigorarem seus efeitos, nome incluído em lista de restrições por ordem judicial ou por compromisso assumido pelo Brasil perante organismo internacional. Trata-se de medida de retirada compulsória, assim como a deportação e a expulsão.

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Conforme arguido por Fernandes (2021), deve-se considerar que determinadas situações não admitem a incidência da repatriação, como, por exemplo, na hipótese em que a devolução do estrangeiro afigura-se como medida que coloca em risco sua vida, integridade física ou liberdade.

A deportação também se trata de medida administrativa, sendo que, por meio dela, o estrangeiro que se encontra em situação irregular no território nacional será retirado dele de maneira compulsória. Em todo caso, esta medida deve ser precedida de comunicação prévia o indivíduo a ser deportado, ocasião em que lhe será dada a oportunidade de em prazo não inferior a 60 (sessenta) dias regularizar a sua situação (LENZA, 2021).

Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2018) destacam que esse prazo dado ao estrangeiro irregular poderá ser prorrogado por igual período, através de decisão fundamentada pela autoridade competente, exigindo-se, para tanto, que o deportando mantenha seu endereço atualizado.

Discorrendo sobre a deportação, Preti e Lépore (2021, p. 121) complementam:

Os procedimentos conducentes à deportação devem respeitar o contraditório e a ampla defesa e a garantia de recurso com efeito suspensivo. Importante ressaltar que a medida da deportação não pode ser utilizada nos casos em que a legislação interna veda a medida de extradição, uma vez que se busca justamente proteger indivíduos que estejam em situação de maior vulnerabilidade.

Com relação à expulsão, esta se trata de outra medida administrativa que, para Mendes e Branco (2021, p. 817), “pode incidir sobre estrangeiro com sentença transitada em julgado relativa à prática de crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão.”

Também será possível a medida de expulsão nos casos de crime comum doloso sobre o qual possa incidir a pena privativa de liberdade. Para tanto, analisar-se-á a gravidade da conduta e a possibilidade de ressocialização do indivíduo no território nacional (NÁPOLI, 2021).

A vedação não será cabível nas hipóteses em que a lei veda a extradição; quando o indivíduo a ser expulso tem filho brasileiro sob sua guarda ou dependência, bem como cônjuge ou companheiro que resida no país; quando o expulsando tiver ingressado no território brasileiro até os 12 anos de idade e, desde então, reside no país; e quando o expulsando for pessoa com mais de 70 anos de idade, desde que resida no país há mais de 10 anos, devendo-se, em todo caso, considerar a gravidade da conduta e o fundamento da expulsão (FERNANDES, 2021).

Por fim, cabe mencionar acerca da extradição, a qual é considerada como uma “medida de cooperação internacional entre o Estado brasileiro e outro Estado pela qual se concede ou solicita a entrega da pessoa sobre quem recaia condenação criminal definitiva ou para fins de instrução de processo penal em curso” (PETRI; LÉPORE, 2021, p. 124).

Levando-se em conta esses aspectos, aduz-se que a extradição, na linha de intelecção aventada por Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2018), é medida cabível apenas quando da prática de atos ilícitos pelo indivíduo a ser extraditado, de modo que o ato permitirá a sua submissão às normais criminais do país ao qual será conduzido.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, foi possível compreender, em linhas gerais, que a nacionalidade se trata de uma medida por meio da qual o indivíduo estabelece vínculo com determinado Estado. O estabelecimento de vínculo, para fins de configuração da nacionalidade, pode se dar por meio do critério sanguíneo ou por meio do critério territorial, tendo-se apontando que, no âmbito do direito brasileiro, há a utilização dos dois critérios.

Acerca do regime jurídico do estrangeiro, apontou-se que este se trata de indivíduo que se encontra no território nacional, mas que não ostenta a qualidade de brasileiro, verificando-se, pois, nesse caso, um critério residual.

Nenhum Estado é obrigado a manter um estrangeiro em seu território e, nesse sentido, a propósito, analisou-se que existem medidas que pode gerar a retirada do estrangeiro do território nacional.

REFERÊNCIAS

BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Direito Constitucional. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/88. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 22 nov. 2021.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 13. ed. Salvador: Juspodivm, 2021.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

NÁPOLI, Edem. Direito constitucional. 9. ed. Salvador: Juspodivm, 2021.

NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 15.ed. rev. e atual. Salvador: Juspodivm, 2020.

PETRI, Bruno Del; LÉPORE, Paulo. Direito internacional público e privado. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2021.

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Direito Constitucional. 7. ed. ampl. São Paulo: Saraiva, 2018.

Sobre os autores
Sthefane Oliveira Andrade

Graduanda do Curso de Direito pelo Centro Universitário FIPMoc.︎

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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