(Auto)Alienação parental

Leia nesta página:

Nos termos do art. 2º, caput, da Lei nº. 12.318/2010, constitui alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

Em outros termos, comete alienação parental aquele que, tendo a criança ou o adolescente sob seu poder de influência, usa-o para virar o menor contra genitor, visando minar vínculo afetivo existente entre eles, ou impedir que este vínculo se forme.

Trata-se de temática um tanto quanto sensível, tendo em vista que, ao mesmo tempo que a alienação parental fere direitos fundamentais da criança e do adolescente, a prática de tal conduta pode gerar a responsabilização civil e criminal de seus agentes, além de outras consequências específicas, trazidas no diploma referido.

O parágrafo único, do art. 2º., da Lei nº. 12.318/2010, em seus incisos traz algumas hipóteses de alienação parental:

Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;

II - dificultar o exercício da autoridade parental;

III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

Com efeito, nota-se que no dispositivo acima o legislador expressamente dispôs que “são formas exemplificativas de alienação parental” aquelas acima transcritas. Sintetizando, sempre que alguém que tenha, sob seu poder, criança ou adolescente, usar de sua influência sob o menor para afastá-lo do genitor, praticará alienação parental, mesmo que sua conduta não esteja incursa nas hipóteses textualizadas na Lei.

Diante desta janela aberta1 que o legislador deixou, sabiamente – porque não poderia ele antever todos os casos de alienação possíveis em meio aos diversos cenários familiares –, não tardou para que se teorizasse outras possíveis hipóteses de alienação parental.

É o caso da autoalienação parental, ou alienação parental inversa, ou alienação parental autoinflingida, que “diz respeito à situação na qual o próprio pai ou mãe, a partir de determinados comportamentos, chegam a provocar o afastamento do filho de si e terminam por acusar o outro por isso” (GALVÃO, 2022).

Esta forma alienação foi proposta por Rolf Madaleno. Explica ele que:

Neste caso é o próprio progenitor alienado quem provoca o afastamento da criança ou adolescente, a quem trata de maneira ríspida, por vezes cruel e desumana, ao imputar ao infante a culpa por se sentir afastado do processo de formação e de criação de seu filho. Em outros casos igualmente frequentes, exige que seus filhos convivam com sua atual companheira, a madrasta que, por sua vez, foi o pivô da separação dos pais do menor. Muitas vezes, o genitor exige, de forma imediata, uma adaptação dos filhos à sua nova companheira, ou, até mesmo, que tratem a madrasta como mãe. O autoalienador trata seus filhos de forma inadequada ou violenta, sem respeitar a inocência e vulnerabilidade de quem ama o genitor, não compreende sua gratuita violência verbal e é incapaz de se defender de outra forma que não seja se afastando deste progenitor, por medo e não por desamor (2015).

Conforme dito, a prática de alienação parental poderá ensejar, conforme o caso, responsabilização civil e criminal, além das consequências próprias da Lei nº. 12.318/2010.

Para Neves, “enquanto não houver um regramento específico à autoalienação parental, esta deverá ser reconhecida e punida, analogicamente, ao modelo clássico” (2021). A nosso ver, não se trata de aplicação analógica, tendo em vista que não se está diante de uma omissão legislativa, pois a própria Lei nº. 12.318/2010, expressamente, estabelece que suas disposições não limitam a existência de outras hipóteses de alienação parental não textualizadas nela.

Logo, a prática de autoalienação parental, assim como qualquer outra forma de alienação dos filhos em relação aos pais, enseja a aplicação da Lei nº. 12.318/2010.

NOTAS

1. Janela aberta é uma abertura, proposital, deixada pelo legislador, que permite a constante incorporação e solução de novos problemas, seja pela jurisprudência, pela complementação legislativa, pela produção doutrinária (MARTINS-CONSTA, 2002).

REFERÊNCIAS

GALVÃO, Edna Maria. Combate à Alienação Parental (podcast). In. IBDFAM. Combate à Alienação Parental: Autoalienação parental e importância da mediação são abordadas no terceiro episódio do podcast, Belo Horizonte, 2022. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/9572. Acesso em 28 jul. 2023.

MADALENO, ROLF. Autoalienação Parental ou Alienação Autoinflingida. Genjurídico, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: https://blog.grupogen.com.br/juridico/areas-de-interesse/civil/debate-oab-rj-autoalienacao-parental-ou-alienacao-autoinflingida/ . Acesso em: 28 jul. 2023

MARTINS-COSTA, Judith. O novo Código Civil Brasileiro: em busca da ética da situação. In. BRANCO, Gerson Luiz Carlos e MARTINS-COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro. São Paulo, 2002.

NEVES, Claudia. Autoalienação parental. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 26, n. 6698, 2 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/94462. Acesso em: 29 jul. 2023.

Sobre o autor
João Gabriel Fraga de Oliveira Faria

Advogado (OAB/SP n. 394.378). Especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra - Portugal. Especialista em Direito Constitucional Aplicado. Cursou especialização em Direito Público. É especialista em Direito Empresarial. Fez especialização em Direito e Processo Civil. É presidente da comissão de Direito de Família da 52º Subseção da OABSP. Foi membro da diretoria do núcleo regional (Lorena/SP) do IBDFAM. E-mail para contato: [email protected].

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos