Passado, ao que tudo indica, o primeiro momento da perplexidade geral – no país e no mundo; até o Papa Francisco enviou mensagem à nossa nação – diante da catástrofe causada em cidades gaúchas com as tempestades que se iniciaram no início de setembro, este é o momento de racionalmente repensarmos muita coisa em termos de organização das nossas cidades, além da indispensável reorganização de todo o sistema de prevenção e de alerta em casos destes eventos naturais.
Comoveu amplamente a todos os brasileiros, e muito particularmente a nós gaúchos, ver os verdadeiros exemplos de solidariedade nos dias seguintes ao referido fenômeno climático. Milhares de pessoas dedicando-se à solidariedade social, verdadeiro valor motivador da nossa sociedade.
Além disso, observamos também várias instituições atuando de modo efetivo e concreto nas ações que buscavam amenizar a dor de milhares de pessoas através de doações de água, de alimentos, de vestimentas, de material de limpeza, dentre tantos outros itens.
Destaca-se ainda a atuação de conselhos, órgãos de classe e de seus filiados: da Advocacia, da Medicina, da Enfermagem, da Engenharia, do Serviço social, entre tantos outros. Some-se a isso, a clara conjunção vista de articulações entre as três grandes dimensões de nossa organização político-administrativa: União, Estado, Municípios.
Agora, o segundo momento, é o de superar a insegurança com ações; é o ensejo das políticas públicas. Em um primeiro instante, surgiram as críticas de instituições e profissionais avalizados – como os da área hidrológica -, se, de fato, algumas das drásticas consequências dos fenômenos climáticos em debate poderiam ter sido ao menos amenizados, a exemplo de alerta feito algumas horas antes na cabeceira dos rios de que se tratava de precipitação pluviométrica efetivamente acima da normalidade.
Também é perceptível certo negacionismo visto nesta dimensão, como daqueles que ainda insistem em não admitir o apontado efeito estufa e, com ele, o aquecimento global, ou do El Niño. Situações e realidades já estudadas e apontadas à fartura por institutos e pesquisadores de notável credibilidade.
Assim, sendo claro, o fenômeno foi excepcional, sem dúvida. Mas, em muitos aspectos e itens, a prevenção, o planejamento, as ações públicas e também privadas poderiam ter se feito presente de forma mais imperativa.
Agora, a ocasião exige não somente serenidade, concentração e ponderação, mas também foco, evoluindo da tristeza às políticas públicas. Não adianta construir-se o novo alicerçado por visões e ações ultrapassadas. É necessária para este desiderato uma nova perspectiva político-administrativa.
É imprescindível – mesmo neste momento de reconstrução -, dispormos dos especialistas, dos técnicos das mais variadas áreas atinentes ao problema em questão. Peritos com experiências consolidadas nestas soluções e em visão predominantemente interdisciplinar.
Todos sabemos como foram sendo erigidas as nossas cidades, muitas vezes sem maior planejamento, com a ocupação desordenada e, não raras vezes, ainda vinculadamente aos interesses da especulação e da ganância imobiliária.
É verdade, entretanto, que nos últimos tempos – mormente no pós-Constituição Federal de 1988 -, ocorreram diversos movimentos de progresso neste campo, como também na esfera infraconstitucional, como no Estatuto das Cidades, por exemplo. O próprio artigo 45 do Estatuto das Cidades indica de maneira expressa este caminho de ação e de atuação. A gestão urbana deve ser democrática, pública, transparente, participativa. Nisso todos os mandamentos são unânimes. Do constitucional ao infraconstitucional.
Temos, mesmo em terras sulinas, casos de ações e políticas públicas que foram efetivas e eficazes no controle das cheias oriundas de enchentes em rios, a exemplo do dique que amenizou as consequências das cheias no Rio dos Sinos, no Município de São Leopoldo. No mundo não é diferente, como – ao mero sabor da argumentação -, em Berlim, Copenhague e Nova York. Várias são as iniciativas, no Brasil e no mundo.
E não se alegue aqui o surrado argumento da questão orçamentária para que não avancemos. É hora da criatividade, da busca de convênios com associações das mais variadas matizes, de sair da inação à concretização plena de projetos, inclusive para protocolos e procedimentos conjuntos com a iniciativa privada, se for o caso. Também para isso boa parcela dos gestores foi eleita, para apresentar soluções.
Trata-se então, de repensarmos não somente a cidade em si, mas o direito à cidade como um direito fundamental, no cariz sustentado por autores como Henri Lefebvre. É claro que não é unicamente a cidade como espaço físico ou territorial. É aquele local de viver-se bem e dignamente.
Vamos então aos debates, ao diálogo, à harmonização das ações, às audiências públicas. Que, em eventuais futuros eventos climatológicos, possamos comemorar as soluções e não chorar a devastação e as vidas perdidas.