O papel da gestão de riscos no contexto da governança corporativa

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A governança corporativa desempenha um papel fundamental na estruturação e na gestão eficaz das organizações, visando garantir transparência, responsabilidade e equidade para todas as partes interessadas. Dentro desse contexto, a gestão de riscos emerge como uma componente crucial da governança, uma vez que busca identificar, avaliar e mitigar ameaças que podem afetar a consecução dos objetivos organizacionais.[1] Neste ensaio, exploraremos o papel da gestão de riscos no contexto da governança corporativa, analisando como ela contribui para a tomada de decisões informadas, a responsabilidade dos gestores e a criação de valor sustentável.[2]

Gestão de Riscos: Fundamentos e Objetivos

A gestão de riscos é um processo sistemático que envolve a identificação, avaliação, tratamento e monitoramento de riscos que podem afetar a organização. Seu objetivo é proporcionar às partes interessadas, incluindo acionistas, investidores, funcionários e comunidade, uma compreensão clara dos riscos que a organização enfrenta e das estratégias implementadas para mitigá-los.[3] Isso promove a confiança nas práticas da empresa[4] e contribui para a proteção do valor dos stakeholders[5].

Governança Corporativa: Garantindo a Eficiência e a Transparência

A governança corporativa é o conjunto de práticas, políticas e mecanismos que regem a maneira como as empresas são dirigidas e controladas.[6] Ela abrange a estrutura organizacional, os processos decisórios, a prestação de contas e a relação entre os diversos stakeholders. A gestão de riscos encontra um lugar central nesse contexto, fornecendo informações essenciais para o processo de tomada de decisões.

Uma das principais responsabilidades dos conselhos de administração e dos gestores é identificar e avaliar riscos que possam impactar a organização. A gestão de riscos fornece uma base objetiva para a alocação de recursos, a definição de estratégias e a monitorização do desempenho. Isso garante que as decisões sejam informadas e estejam alinhadas com os interesses dos stakeholders, promovendo a eficiência operacional e a transparência na gestão.[7]

Responsabilidade dos Gestores e Criação de Valor Sustentável

Os gestores têm a responsabilidade fiduciária de atuar no melhor interesse da empresa e de seus acionistas. A gestão de riscos desempenha um papel crucial nesse sentido, uma vez que ajuda os gestores a antecipar e mitigar possíveis ameaças que possam prejudicar a sustentabilidade dos negócios e a criação de valor a longo prazo.

A eficácia da gestão de riscos influencia diretamente a capacidade da empresa de enfrentar desafios e de capitalizar oportunidades emergentes. Ao adotar uma abordagem proativa para a identificação e avaliação de riscos, os gestores podem tomar decisões mais informadas, evitando perdas financeiras, danos à reputação e impactos negativos nos stakeholders.

Notas complementares: Stakeholders

Stakeholders, ou partes interessadas, são indivíduos, grupos ou entidades que têm interesse, influência ou afetam de alguma forma uma organização, projeto ou iniciativa. Eles desempenham um papel importante no contexto empresarial e têm diferentes expectativas e interesses em relação à organização.

Tipos de Stakeholders

Os stakeholders podem ser categorizados em grupos diversos, incluindo:

  • Internos: São os indivíduos ou grupos dentro da organização, como funcionários e gerentes.

  • Externos Diretos: Incluem clientes, fornecedores, acionistas, investidores e parceiros comerciais.

  • Externos Indiretos: Englobam grupos que podem ser afetados pelas atividades da organização, como comunidades locais, reguladores governamentais, grupos de defesa do consumidor e concorrentes.

  • Governo e Reguladores: Autoridades governamentais e reguladores que têm influência significativa sobre a organização, como órgãos reguladores da indústria e agências governamentais.

Importância dos Stakeholders

  •  Influência nas Decisões: Os stakeholders frequentemente têm influência sobre as decisões da organização por meio de suas demandas, interesses e poder de negociação.

  • Impacto na Reputação: As ações da organização podem afetar positiva ou negativamente a sua reputação junto aos stakeholders, o que pode ter implicações financeiras e operacionais.

  • Responsabilidade Social Corporativa: O envolvimento dos stakeholders é essencial para o desenvolvimento e a implementação de estratégias de responsabilidade social corporativa, que podem beneficiar a empresa e a sociedade.

  • Sustentabilidade e Crescimento: Manter um equilíbrio entre os interesses dos stakeholders internos e externos é fundamental para garantir a sustentabilidade e o crescimento a longo prazo da organização.

  • Gestão de Riscos: A consideração dos stakeholders auxilia na identificação de riscos potenciais e na preparação para enfrentar desafios inesperados.

Gestão de Stakeholders

 A gestão eficaz dos stakeholders envolve a identificação, o envolvimento, a comunicação e o atendimento às suas necessidades e expectativas. Isso pode incluir consultas regulares, feedback, relatórios de sustentabilidade e a inclusão de representantes de stakeholders em processos de tomada de decisão.

Em resumo, os stakeholders desempenham um papel vital na dinâmica das organizações e são essenciais para o sucesso a longo prazo e a sustentabilidade. Uma gestão cuidadosa e proativa dos interesses das partes interessadas é fundamental para construir relacionamentos positivos e atender às expectativas de todos os envolvidos.

Conclusão

A gestão de riscos desempenha um papel fundamental no contexto da governança corporativa, contribuindo para a eficiência operacional, a transparência, a responsabilidade dos gestores e a criação de valor sustentável. Através da identificação, avaliação e mitigação de riscos, as empresas podem fortalecer sua capacidade de tomar decisões informadas, proteger os interesses dos stakeholders e manter uma reputação sólida. A interconexão entre a gestão de riscos e a governança corporativa é um alicerce essencial para o sucesso das organizações em um ambiente empresarial em constante evolução.

Para obter uma compreensão mais completa e bem fundamentada, recomendamos considerar a leitura das seguintes obras suplementares:

CARVALHO, C. F.; JUNIOR, J. P. P. C. Gestão de Riscos Empresariais: Fundamentos e Técnicas. São Paulo: Atlas, 2012.

COOPER, R. G.; EDGETT, S. J.; KLEINSCHMIDT, E. J. Portfolio management for new product development: Results of an industry practices study. R&D Management, v. 31, n. 4, p. 361-380, 2001.

COSO - Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission. Enterprise Risk Management - Integrated Framework. Wiley, 2004.

ERICKSEN, J. Measuring and Managing Operational Risks in Financial Institutions: Tools, Techniques, and Other Resources. John Wiley & Sons, 2011.

FRASER, J.; SIMKINS, B. J. Implementing Enterprise Risk Management: Case Studies and Best Practices. Wiley, 2014.

FRENKEL, M.; HOMMEL, U.; RUDOLF, M. Risk management, capital budgeting and capital structure policy for insurers and reinsurers. The Geneva Papers on Risk and Insurance—Issues and Practice, v. 30, n. 1, p. 102-126, 2005.

HENDERSON, S.; VENKATRAMAN, N. Strategic Risk Management: A Practitioner's Guide. Business Horizons, v. 50, n. 4, p. 303-313, 2007.

HOPKIN, P. Fundamentals of Risk Management: Understanding, Evaluating and Implementing Effective Risk Management. Kogan Page, 2017.

HULL, J. C. Risk Management and Financial Institutions. Wiley, 2012.

KAPLAN, R. S.; MIKES, A. Risk Management and the Strategy Execution System. Harvard Business Review, 2012.

LAM, J. Enterprise Risk Management: From Incentives to Controls. Wiley, 2003.

LAM, J. Risk Management and the Post-Enron Corporation: A Managerial Challenge. Journal of General Management, v. 29, n. 3, p. 1-15, 2004.

MERNA, T.; Al-Thani, F. Corporate Risk Management. John Wiley & Sons, 2008.

ROBERT, Bruno. Direito de voto do acionista. Tratado de Direito Comercial. Fabio Ulhoa Coelho (coord.), volume 3: Sociedade Anônima. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 224.

TRIMBITAS, G.; SOOS, A.; MILITARU, G. A Framework for Strategic Risk Management. Management & Marketing, v. 10, n. 2, p. 197-210, 2015.

VAN GRONINGEN, C. Risk Management and Corporate Governance: Best Practices and Challenges. Journal of Risk Management in Financial Institutions, v. 4, n. 3, p. 257-267, 2011.



[1] Dentro do contexto que envolve a discussão sobre gestão, é apropriado destacar que os administradores das empresas de capital aberto desempenham um papel central na gestão da empresa. Eles representam a vontade da empresa como seus agentes, conforme a teoria organicista. De acordo com essa concepção, "os administradores são considerados órgãos da empresa, na medida em que os atos por eles praticados, dentro de seus poderes, são atos da própria sociedade. Seus poderes são derivados da lei e são uma consequência direta da existência da empresa. Eles têm plena autoridade para conduzir as atividades cotidianas da empresa, embora não possam promover mudanças substanciais na organização da sociedade. A Lei nº 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações) estabelece, nos artigos 145 a 159, as regras gerais aplicáveis a todos os administradores. Nesse contexto, a expressão "administrador" é utilizada de forma ampla para abranger os membros do conselho de administração e da diretoria."

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[2] A título de curiosidade é importante lembrar que todos os sócios devem estar sujeitos aos riscos da atividade empresarial, ou seja, compartilharão os lucros e prejuízos decorrentes das operações da empresa. Em regra, na ausência de disposições contratuais ou estatutárias específicas, a distribuição dos resultados entre os sócios é proporcional à contribuição de cada um para o capital social, conforme estabelecido pelo Artigo 1.007 do Código Civil. No entanto, é possível que o contrato ou estatuto estabeleça critérios diferentes para a distribuição de lucros e perdas entre os sócios. Apesar dessa flexibilidade, é importante ressaltar que o Artigo 1.008 do Código Civil considera inválida qualquer cláusula contratual que exclua um sócio da participação nos lucros e prejuízos. Assim, embora seja permitida uma divisão desigual, a exclusão da participação nos resultados não é aceitável.

[3] Em relação a esse tópico, é relevante mencionar a Lei nº 14.430/2022, que versa sobre a emissão de Letra de Risco de Seguro (LRS) pelas Sociedades Seguradoras de Propósito Específico (SSPE). Além disso, a lei estabelece diretrizes gerais para a securitização de direitos creditórios e a emissão de Certificados de Recebíveis, e introduz uma flexibilização no requisito de que apenas instituições financeiras podem prestar serviços de escrituração e custódia de valores mobiliários. Confira. Art. 2º A Sociedade Seguradora de Propósito Específico (SSPE) é a sociedade seguradora que tem como finalidade exclusiva realizar uma ou mais operações, independentes patrimonialmente, de aceitação de riscos de seguros, previdência complementar, saúde suplementar, resseguro ou retrocessão de uma ou mais contrapartes e seu financiamento por meio de emissão de Letra de Risco de Seguro (LRS), instrumento de dívida vinculada a riscos de seguros e resseguros. § 1º A SSPE captará para cada operação, por meio de emissão de LRS, recursos necessários como garantias a riscos de seguros, previdência complementar, saúde suplementar, resseguro ou retrocessão, denominados, para fins do disposto nesta Lei, riscos de seguros e resseguros. § 2º As garantias de que trata o § 1º deste artigo, em conjunto com o prêmio recebido, deverão corresponder, no mínimo, ao valor nominal total da perda máxima possível decorrente dos riscos de seguros e resseguros aceitos, acrescido de despesas que possam ser incorridas pela SSPE, e serão utilizadas exclusivamente para a cobertura dos riscos e o cumprimento das obrigações representadas na LRS emitida. § 3º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se contraparte a sociedade seguradora, o ressegurador, a entidade de previdência complementar, a operadora de saúde suplementar, ou a pessoa jurídica, de natureza pública ou privada, sediada ou não no País, que cede riscos de seguros e resseguros à SSPE, conforme critérios estabelecidos em regulamentação específica. Art. 3º A SSPE somente poderá ceder riscos em resseguro ou em retrocessão nas hipóteses e nas condições estabelecidas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP). Art. 4º Os contratos de cessão de riscos de seguros e resseguros à SSPE poderão utilizar, entre outros, critérios matemáticos objetivos baseados em índices ou parâmetros para a definição de valores garantidos e o acionamento de cobertura contratual. Art. 12. A Letra de Risco de Seguro (LRS) é um título de crédito nominativo, transferível e de livre negociação, representativo de promessa de pagamento em dinheiro, vinculado a riscos de seguros e resseguros. § 1º A LRS é de emissão exclusiva da SSPE de que trata esta Lei. § 2º A LRS deve possuir relação paritária com os riscos aceitos pela SSPE, que devem ser, integralmente e no mesmo montante, cobertos pela LRS emitida. § 3º Os contratos de transferência de risco da contraparte para a SSPE, bem como a LRS, devem garantir que a transferência de risco seja efetiva em todas as circunstâncias e que a extensão dessa transferência esteja claramente definida e seja incontroversa. § 4º O CNSP poderá definir requisitos para que os contratos de transferência de risco da contraparte para a SSPE prevejam uma data-limite para que os riscos sejam considerados cobertos. § 5º Os direitos dos investidores titulares das LRS estão, em todos os momentos, subordinados às obrigações decorrentes do contrato de cessão de riscos à SSPE. § 6º A obrigação representada pela LRS extingue-se pela inexistência de riscos a decorrer, de sinistros a pagar e de recursos a serem devolvidos aos seus titulares.

[4] Reconhecendo que, de acordo com o artigo 966 do Código Civil, uma empresa é uma atividade econômica, neste ensaio, optamos por simplificar a comunicação usando a terminologia "empresa" como sinônimo de "sociedade empresária".

[5] A interação entre os atores que compõem uma organização societária, seja em relações verticais (como controlador-controlado ou principal-agente), seja em interações horizontais (envolvendo acionistas e outros stakeholders), confere a essa sociedade uma dualidade, ao mesmo tempo política e econômica. Isso reforça a ideia de que uma organização societária pode ser vista como uma entidade política, além de seu papel econômico. Em decorrência, a concepção de uma organização tende a refletir a estrutura da sociedade civil, mas essa reflexão não é completa, devido à sua natureza voluntária e aos objetivos específicos, especialmente do ponto de vista econômico. Consequentemente, o conceito de democracia acionária tem mais um valor simbólico do que técnico na compreensão das organizações societárias. As premissas subjacentes à distribuição de poder dentro da empresa nem sempre coincidem com os valores de justiça e com os objetivos sociais que influenciam o modelo democrático na sociedade civil. ROBERT, Bruno. Direito de voto do acionista. Tratado de Direito Comercial. Fabio Ulhoa Coelho (coord.), volume 3: Sociedade Anônima. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 224.

[6] No âmbito da discussão sobre riscos, é válido destacar que o mercado de valores mobiliários é um ambiente no qual as sociedades anônimas negociam títulos, como ações e debêntures, para captar recursos e promover investimentos. Nesse cenário, a questão dos riscos desempenha um papel fundamental. Diferentemente do mercado de crédito, em que as instituições financeiras frequentemente assumem os riscos, no mercado de valores mobiliários, são os investidores que, como regra, suportam os riscos de inadimplemento. Isso faz com que a captação direta de recursos junto ao público investidor seja uma escolha estratégica para as empresas, muitas vezes mais vantajosa do que buscar empréstimos junto a instituições financeiras. A regulação desse mercado, em grande parte, é disciplinada pela Lei nº 6.385/76, que estabelece normas para o mercado de valores mobiliários e estabelece a Comissão de Valores Mobiliários como órgão regulador.

[7] Tendo em vista que estamos lidando com a questão dos riscos, é relevante notar que.o aspecto da avaliação de riscos é central na classificação dos Fundos pela Anbima e CVM. A criação de classificações tem como objetivo agrupar fundos semelhantes, possibilitando aos investidores a comparação de fundos de mesma espécie dentro de classes próprias. No primeiro nível de categorização, os fundos são agrupados com base em suas classes de ativos, que incluem Fundos de renda fixa, Fundos de ações, Fundos multimercados e Fundos cambiais. No segundo nível, a classificação depende do tipo de gestão, seja ela passiva ou ativa, com a gestão ativa subdividida de acordo com a sensibilidade à taxa de juros, gerando as categorias de Fundos indexados, Fundos ativos e Fundos de investimento no exterior. No terceiro nível, a classificação dos fundos é estabelecida de acordo com suas estratégias individuais, englobando fundos soberanos, fundos dinâmicos, setoriais e outras abordagens. Acesse em: https://www.anbima.com.br/data/files/B4/B2/98/EF/642085106351AF7569A80AC2/Cartilha_da_Nova_Classificacao_de_Fundos_1_.pdf

Sobre o autor
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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