O Direito ao Financiamento Estudantil não pode ser condicionado à Imposição da Nota de Corte

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O Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) foi criado para permitir o acesso à educação superior por meio de financiamento estudantil, sem a obrigatoriedade de submissão ao Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) ou obtenção de nota mínima. Embora o Ministério da Educação administre o programa, suas regras devem estar alinhadas aos critérios definidos na lei, como renda familiar e avaliação do Ministério da Educação. Esta abordagem respeita o princípio da legalidade e contribui para um acesso mais amplo e igualitário ao ensino superior. 

Introdução 

A busca pela oportunidade de ingressar no ensino superior é um desafio enfrentado por muitos jovens em todo o mundo. No contexto brasileiro, iniciativas de apoio financeiro aos estudantes, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), têm desempenhado um papel essencial para tornar acessível a formação universitária a indivíduos de baixa renda. No entanto, a exigência da nota de corte, determinada com base na média das pontuações do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), tem gerado debates e suscitado questionamentos legais. 

O Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e seus Critérios de Acesso 

Por meio da Lei nº 10.260/2011, foi instituído o Fies, visando tornar possível o acesso à educação superior por meio de assistência financeira. No entanto, o texto dessa legislação não torna obrigatória a participação no Enem nem a obtenção de uma pontuação acima da nota de corte como condições para a obtenção desse benefício. A normativa estipula critérios como a renda familiar per capita e o reconhecimento positivo nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação.

Dentro desse contexto, o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, conhecido como FIES, foi estabelecido pela Lei nº 10.260/2001 e passou por modificações posteriores. No seu artigo 1º, a lei delineia o seguinte cenário: 

Art.1º É instituído, nos termos desta Lei, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), de natureza contábil, vinculado ao Ministério da Educação, destinado à concessão de financiamento a estudantes de cursos superiores, na modalidade presencial ou a distância, não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério, de acordo com regulamentação própria.

§ 1º O financiamento de que trata o caput deste artigo poderá beneficiar estudantes matriculados em cursos da educação profissional, técnica e tecnológica, e em programas de mestrado e doutorado com avaliação positiva, desde que haja disponibilidade de recursos, nos termos do que for aprovado pelo Comitê Gestor do Fundo de Financiamento Estudantil (CG-Fies) (...)

§ 6º O financiamento com recursos do Fies será destinado prioritariamente a estudantes que não tenham concluído o ensino superior e não tenham sido beneficiados pelo financiamento estudantil, vedada a concessão de novo financiamento a estudante em período de utilização de financiamento pelo Fies ou que não tenha quitado financiamento anterior pelo Fies ou pelo Programa de Crédito Educativo, de que trata a Lei no 8.436, de 25 de junho de 1992. 

Cumpre ressaltar, ademais, que o artigo 15-D, caput, da referida Lei, tendo sua redação alterada pela Lei nº 13.530-2017, estipula que "é estabelecido, conforme os termos desta Lei, o Programa de Financiamento Estudantil, destinado a fornecer financiamento a estudantes em cursos superiores não gratuitos, com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação, de acordo com regulamentação própria, e que também definirá as faixas de renda abrangidas por essa categoria do Fies".

Uma análise minuciosa dos dispositivos legais mencionados permite inferir que não é devidamente evidenciada a imposição de requisitos como a submissão do aluno ao Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM ou a obtenção da média mínima exigida nos regulamentos contestados no presente procedimento. Embora o artigo 3º da Lei nº 10.260/2011 determine que a administração do FIES seja incumbência do Ministério da Educação, conferindo-lhe a prerrogativa de estabelecer diretrizes para a seleção dos estudantes contemplados com o financiamento, tais diretrizes devem restringir-se aos critérios claramente definidos, como a consideração da renda familiar per capita em relação ao custo do curso desejado e outros elementos correlatos, bem como as normas ligadas à disponibilidade de vagas.

Todavia, é essencial enfatizar que os "outros requisitos" mencionados no mencionado dispositivo legal não podem ultrapassar os limites estipulados pela própria Lei que instituiu o FIES. A desconsideração dessa limitação resultaria em uma violação do princípio da legalidade, reconhecido no sistema jurídico, que estabelece que ninguém pode ser compelido a agir ou deixar de agir senão em virtude de uma lei específica (Constituição Federal, artigo 5º, inciso II). Essa premissa torna-se ainda mais saliente ao considerar o objetivo fundamental do financiamento estudantil em pauta, que é facilitar, sem restrições, o acesso ilimitado ao ensino superior.

Dessa forma, é incontestável que a interpretação e aplicação das regulamentações que regem o FIES devem estar em consonância com os princípios basilares que direcionam o sistema jurídico brasileiro, tais como a legalidade, a igualdade de oportunidades e o direito à educação. A imposição de critérios que não estão claramente estipulados na lei configuraria uma ampliação das competências reguladoras do Ministério da Educação, prejudicando o direito dos estudantes de buscarem aprimoramento educacional superior por intermédio do financiamento estudantil. 

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Decisão Embasada na Lei, Constituição e Pressupostos Processuais para concessão de tutela de urgência 

Assim, torna-se evidente, com base em fundamentos legais e constitucionais, o direito de buscar o financiamento estudantil, mesmo na ausência do alcance da nota de corte. Nessas circunstâncias, é perceptível a presença dos requisitos processuais do artigo 1019, I, do Código de Processo Civil (CPC), que justificam a concessão da antecipação da tutela recursal. Tais requisitos, vinculados à natureza cautelar e coerente com a tutela de urgência do agravo, têm por objetivo garantir a formalização de novos acordos de financiamento estudantil e preservar o acesso completo ao ensino superior.

O artigo 205 da Constituição Federal estabelece o direito à educação como uma responsabilidade tanto do Estado quanto da família. Portanto, é incontestável que a exigência da nota de corte no Enem não está contemplada na lei que estabelece o Fies. 

Conclusão 

Diante do apresentado, uma análise minuciosa dos dispositivos legais pertinentes evidencia que a imposição de uma pontuação mínima no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) como condição para obter o financiamento carece de respaldo na legislação que instituiu o programa.

A jurisprudência reforça a importância de garantir pleno acesso ao ensino superior como um direito fundamental, consagrado na Constituição Federal. A concessão da tutela de urgência enfatiza a necessidade de preservar a integridade desse direito, ao mesmo tempo em que respeita a discricionariedade administrativa e os desafios orçamentários do governo.

No cerne dessa discussão está o compromisso com a igualdade de oportunidades educacionais, bem como a busca pela formação acadêmica e profissional de indivíduos que, mesmo preenchendo os critérios estipulados pela legislação, poderiam ser injustamente excluídos devido a critérios não contemplados pela lei.

Portanto, ao dispensar a necessidade de atender à nota de corte do ENEM como pré-requisito para acessar o FIES, expande-se a perspectiva de uma democratização eficaz do ensino superior, assegurando que os estudantes que atendam aos critérios legais possam obter o suporte financeiro essencial para continuarem suas jornadas educacionais.

Sobre o autor
David Vinicius do Nascimento Maranhão Peixoto

Advogado. Sócio do Escritório Nascimento & Peixoto Advogados Associados. Bacharel em Direito e pós-graduado em Ciências Criminais. Atualmente cursando extensão em Processo Administrativo e bacharelado em Ciências Econômicas. Membro da Comissão de Ciências Criminais na Ordem dos Advogados do Distrito Federal. Começou sua atuação no mundo jurídico junto às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal, atuando nos ramos do direito penal, penal militar e direito civil e família. Atuou como assessor jurídico junto ao Núcleo de Atendimento de Brasília da Defensoria Pública do Distrito Federal. Além disso, tem notória atuação em casos que envolvem fraudes bancárias e também no combate a golpes aplicados no mercado financeiro. Advogado atuante em fraudes bancárias, telefone e WhatsApp (61) 99426-7511.  [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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