Tutela Executiva

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Quando pensamos em atividade jurisdicional, ou seja, a atividade prestada pelo Estado para garantir direitos, há preocupação em assegurar o acesso ao Poder Judiciário com respostas efetivas e em tempo razoável para garantir a satisfação do direito pleiteado. Contudo, é certo que o direito reconhecido judicialmente precisa ser efetivado para produzir reflexos e consequências no mundo real, e isso acontece através da atividade executiva. Trata-se a atividade executiva da busca no patrimônio do devedor para a satisfação do credor.

O atual Código de Processo Civil traz mecanismos para garantir uma maior efetividade à atividade executiva.

Também, pensando na efetividade da execução, o juiz pode criar medidas executivas sob medida para serem aplicadas no caso concreto. A previsão ampla para aplicação de medidas atípicas na execução está prevista no artigo 139 do CPC que prevê que o juiz deve determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.

O enunciado 12 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), dispõe: “a aplicação das medidas atípicas sub-rogatórias e coercitivas é cabível em qualquer obrigação no cumprimento de sentença ou execução de título executivo extrajudicial. Essas medidas, contudo, serão aplicadas de forma subsidiária às medidas tipificadas, com observação do contraditório, ainda que diferido, e por meio de decisão à luz do art. 489, § 1º, I e II”.

ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA

O Código de Processo Civil determina que se considera atentatória à dignidade da justiça a conduta comissiva ou omissiva do executado que, intimado, não indica ao juiz quais são e onde estão os bens sujeitos à penhora e os respectivos valores, nem exibe prova de sua propriedade e, se for o caso, certidão negativa de ônus.

Uma vez o executado citado e transcorrido o prazo sem o devido pagamento e quedando-se inerte, entende-se, então, que ele está praticando ato atentatória à dignidade da justiça. Abre-se, portanto, a possibilidade de o credor pedir que o Juiz fixe multa em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do débito em execução, a qual será revertida em proveito do exequente.

Quando o executado é intimado para cooperar indicando bens à penhora, demostrando boa-fé e fazendo valer o princípio da menor onerosidade, o credor está se preservando de uma posterior alegação por parte do executado de que a execução não está sendo feita pelo modo menos gravoso.

PENHORA DE QUOTAS SOCIAIS

É certo que o devedor responde por suas dívidas com todos os seus bens presentes e futuros. Sendo ele sócio de uma sociedade empresarial, a execução poderá atingir essa pessoa jurídica.

A penhora das quotas de uma sociedade empresarial está prevista no artigo 861 do CPC, o qual prevê que, penhoradas as quotas ou as ações de sócio em sociedade simples ou empresária, o juiz assinará prazo razoável, não superior a 3 (três) meses, para que a sociedade: (a) apresente balanço especial, na forma da lei, para apuração de quanto valem as referidas cotas sociais; (b) ofereça as quotas ou as ações aos demais sócios, observado o direito de preferência legal ou contratual; (c) não havendo interesse dos sócios na aquisição das ações, proceda à liquidação das quotas ou das ações, depositando em juízo o valor apurado, em dinheiro.

O credor, quando do pedido de penhora de quotas sociais, deve pedir a apresentação do balanço especial e, também, que a empresa seja intimada para informar se existe lucro e/ou dividendo a distribuir ao sócio executado e, se a resposta for positiva, que deposite em juízo até o patamar da dívida.

Decorrido o prazo para que a empresa apresente as informações e a documentação exigida pelo juízo, sem que ela cumpra a decisão, pode-se pedir o reconhecimento de ato atentatório à dignidade da justiça e a aplicação de multa em favor do exequente a ser paga pela pessoa jurídica – aqui, a aplicação da multa não será em desfavor do sócio executado e sim para a sociedade empresarial que não cumpriu a ordem judicial. Executa-se, então, a multa contra a pessoa jurídica que não é executada.

Para os fins da liquidação das quotas, o juiz poderá nomear administrador, que deverá submeter à aprovação judicial a forma de liquidação. O administrador irá verificar quanto valem as cotas do sócio executado para serem alienadas, seja para outros sócios ou em eventual leilão judicial.

PENHORA DE FATURAMENTO

Sendo o executado uma pessoa jurídica e se ele não tiver outros bens penhoráveis ou se, tendo-os, esses forem de difícil alienação ou insuficientes para saldar o crédito, o juiz poderá ordenar a penhora de percentual de faturamento de empresa.

É nomeado um administrador, o qual submeterá à aprovação judicial a forma de sua atuação e prestará contas mensalmente, entregando em juízo as quantias recebidas, com os respectivos balancetes mensais, a fim de serem imputadas no pagamento da dívida.

Em 23/11/2020, a 4ª turma do STJ, no julgado do AgInt no AREsp 1.664.898/SP, relator Ministro Raul Araújo, decidiu que: “Nos termos da jurisprudência desta Corte, é cabível a penhora sobre o faturamento da empresa, quando ofertados bens de difícil liquidez ou não encontrados bens do devedor para satisfazer o crédito exequendo. Precedentes”. Também, em 08/06/2020, a 4ª turma do STJ, no julgamento do AgInt no AREsp 1.552.288/SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, decidiu que: "A jurisprudência desta Corte Superior é assente quanto à possibilidade de a penhora recair, em caráter excepcional, sobre o faturamento da empresa, desde que observadas, cumulativamente, as condições previstas na legislação processual e que o percentual fixado não torne inviável o exercício da atividade empresarial”.

Entende-se, portanto, que a penhora do faturamento é uma medida subsidiária, possível em situações em que o credor já tentou receber o crédito por outros meios executivos, mas não obteve sucesso.

Além disso, a penhora deve acontecer em cima do lucro líquido da empresa em percentual que propicie a satisfação do crédito em tempo razoável, mas que não torne inviável o exercício da atividade empresarial.

PENHORA DE RECEBÍVEIS DE CARTÃO DE CRÉDITO OU DÉBITO

Aqui, pede-se para o juiz oficiar às operadoras de cartão de crédito a penhora dos recebíveis da pessoa jurídica executada e as operadoras irão fazer os pagamentos na forma de depósito judicial. Assemelha-se à penhora de faturamento, uma vez que o objeto da constrição é o produto da operação empresarial que será recebida por meio de cartão de crédito ou débito. Não é necessária a nomeação de administrador judicial.

O STJ, no julgamento do Agravo em Recurso Especial Nº 886894, entendeu que “a penhora de créditos da parte executada, junto às administradoras de cartões de crédito, reclama a demonstração efetiva de que foram esgotados todos os meios disponíveis para a localização de outros bens penhoráveis e que os recebíveis de operadoras de cartão de crédito equiparam-se ao faturamento da empresa e, por isso, devem ser restringidos, de forma a viabilizar o regular desempenho da atividade empresarial”.

PEDIDO DE FALÊNCIA BASEADO EM EXECUÇÃO FRUSTRADA

A Lei 11.101/2005 que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário, em seu artigo 94, inciso II, determina que será decretada a falência do devedor que executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal.

Tem-se aqui duas ações distintas: primeira a ação de execução de título extrajudicial ou o cumprimento de sentença e, depois, com a frustação da execução, a ação requerendo a falência. Quando do pedido de falência, é necessária a suspensão da execução para que não ocorra o reconhecimento de bis in idem. Nesses termos é a súmula 48 do TJSP: “Para ajuizamento com fundamento no art. 94, II, da lei nº 11.101/2005, a execução singular anteriormente aforada deverá ser suspensa”.

MEIOS EXECUTIVOS ATÍPICOS

A Terceira Turma do STJ, por ocasião do julgamento do REsp n. 1.782.418/RJ, indicando normas a serem consideradas na aplicação do art. 139, IV, do CPC/2015, ponderou que: "a adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade".

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Verifica-se que para a aplicação das medidas atípicas de execução, tem-se a necessidade de preenchimento de alguns requisitos. Vejamos.

O primeiro requisito é a não violação de direito fundamental – a medida deve ser coerente, razoável e não ofender a dignidade do devedor.

O segundo requisito necessário é o prévio esgotamento de todos os meios executivos previstos na legislação. Trata-se de uma medida de exceção, somente aplicada quando outras medidas de penhora foram infrutíferas.

Também, é necessário a oportunidade de contraditório prévio para o executado.

Por fim, o juiz deve fazer uma análise da medida atípica requerida conforme o caso concreto. O credor deve fazer prova de que o executado está ocultando patrimônio, deve-se mostrar que não há outra alternativa que não o deferimento do pedido de medida atípica para recebimento do crédito. O credor pode desmontar, por exemplo, por meio de postagens em redes sociais, que o devedor tem condições de pagar a dívida, mas que oculta patrimônio.

As medidas atípicas de execução mais comumente pedidas são: bloqueio de CNH do devedor com a entrega em juízo do documento; bloqueio dos cartões de crédito atrelados ao CPF ou CNPJ do devedor; a entrega de passaporte do devedor para obstar que ele viaje para o exterior; bloqueio de cartão de crédito do devedor; bloqueio de restituição do imposto de renda.

Essas medidas não são taxativas, o credor pode inovar e pedir com coerência e de acordo com o caso concreto.

Contudo, conforme já mencionado, a medida atípica não pode ser concedida quando violar direito fundamental. Com isso, discute-se se as medidas atípicas referidas violam os direitos do executado. Por exemplo, bloquear e apreender a CNH violaria o direito de ir e vir – direito fundamental – do devedor? A doutrina e jurisprudência entendem que deve ser analisado o caso concreto. Nessa situação, verifica-se, por exemplo, se o executado utilizaria o passaporte para viajar a passeio, hipótese em que é viável o bloqueio do documento, ou se ele utilizaria para viajar a trabalho, tornando inviável a apreensão. Por isso a importância do contraditório prévio.

O Ministro Marco Buzzi, em março de 2022, decidiu pela afetação do Tema de Recursos Repetitivos nº. 1137 que versa sobre “a possibilidade ou não do magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos, de acordo com o artigo 139, inciso IV do CPC”. A decisão foi proferida em relação ao REsp nº. 1955539/SP, no qual se busca a suspensão da carteira nacional de habilitação (CNH), bem como do passaporte e cartões de crédito dos executados (meios atípicos), diante das tentativas frustradas de satisfação da obrigação.

No habeas corpus Nº 711.194 – SP a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que os meios executivos atípicos devem perdurar pelo tempo necessário para que se verifique, na prática, a efetividade da medida e a sua capacidade de dobrar a renitência do devedor, sobretudo quando existente indícios de ocultação de patrimônio. Com esse entendimento, o STJ negou habeas corpus ao credor que queria reaver o seu passaporte apreendido há dois anos. Segundo a relatora Nancy Andrighi, as medidas atípicas "devem ser deferidas e mantidas enquanto conseguirem operar, sobre o devedor, restrições pessoais capazes de incomodar e suficientes para tirá-lo da zona de conforto, especialmente no que se refere aos seus deleites, aos seus banquetes, aos seus prazeres e aos seus luxos, todos bancados pelos credores".

Em fevereiro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 59412 que questionava a constitucionalidade de quatro medidas atípicas: apreensão da carteira nacional de habilitação e/ou suspensão do direito de dirigir; a apreensão de passaporte; a proibição de participação em concurso público e a proibição de participação em licitação pública. Na decisão, o Ministro Luiz Fux considerou constitucional as medidas coercitivas indicando que “o argumento da eventual possibilidade teórica de restrição irrazoável da liberdade do cidadão, por meio da aplicação das medidas de apreensão de carteira nacional de habilitação e/ou suspensão do direito de dirigir, apreensão de passaporte, proibição de participação em concurso público e proibição de participação em licitação pública, é imprestável a sustentar, só por si, a inconstitucionalidade desses meios executivos, máxime porque a sua adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito apenas ficará clara à luz das peculiaridades e provas existentes nos autos” (...) “não se pode concluir pela inconstitucionalidade de toda e qualquer hipótese de aplicação dos meios atípicos indicados na inicial, mercê de este entendimento, levado ao extremo, rechaçar quaisquer espaços de discricionariedade judicial e inviabilizar, inclusive, o exercício da jurisdição, enquanto atividade eminentemente criativa que é. Inviável, pois, pretender, apriorística e abstratamente, retirar determinadas medidas do leque de ferramentas disponíveis ao magistrado para fazer valer o provimento jurisdicional.”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil, 7ª edição. Ed. Forense, 2019.

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado,

12ª ed., São Paulo, Editora Saraiva, 2021.

Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo / coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier – 1º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

SCARPINELLA BUENO, Cassio. Manual de Direito Processual Civil– Vol. único. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

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