Os efeitos do COVID-19 nas relações contratuais do direito civil sob o enfoque da teoria da imprevisão

Resumo:


  • O estudo analisa a teoria da imprevisão no direito brasileiro, destacando sua historicidade e aplicação em meio à pandemia de COVID-19, enfatizando a necessidade de equilíbrio nas relações contratuais em face de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.

  • Examina a evolução do instituto da imprevisão, desde suas raízes históricas até sua inclusão no Código Civil de 2002, e os requisitos legais para sua aplicação, como a excessiva onerosidade decorrente de eventos não previstos.

  • Reflete sobre os desafios impostos pela pandemia aos contratos, onde a imprevisão pode justificar a revisão ou resolução contratual, respeitando a excepcionalidade do instituto e a importância da obrigatoriedade contratual para a segurança jurídica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A análise do estudo envolve desde a conceituação até à aplicação e regulamentação da teoria da imprevisão no direito brasileiro, fazendo um paralelo com o atual panorama pandêmico. Para um melhor arranjo de ideias, o estudo inicia trazendo o contexto fático da pandemia, covid-19. Em seguida, há uma breve análise da origem e da evolução do instituto da imprevisão no mundo e no Brasil. Frisa-se também princípios relevantes à disciplina, assim como os importantes posicionamentos doutrinários sobre o instituto e os requisitos necessários para a sua aplicação de acordo com o ordenamento jurídico.

PALAVRAS-CHAVE: Contratos. Teoria da imprevisão. Pandemia. Covid-19.

O presente estudo tem por objetivo analisar o atual cenário das relações contratuais,

sob a perspectiva da teoria da imprevisão, destacando a historicidade do instituto, fazendo um paralelo ao contexto pandêmico que circunda o ano vigente. E, ainda, discorrer sobre a importância da aplicação da teoria da imprevisão de acordo com a legislação, dando ênfase ao caso concreto e ao estudo doutrinário.

No que tange às considerações iniciais, faz-se mister apresentar a relevância do contrato. O negócio contratual é um dos fatos humanos de extrema importância no Direito Civil brasileiro, pois gera obrigações no seio social, reverberando a atuação jurídica de maneira amiudada. Com o advento da pandemia, ocasionada pelo covid-19, houve um desequilíbrio nas relações contratuais, gerando a impossibilidade objetiva do adimplemento dos contratos com prestações diferidas ou continuadas, devido ao fato inesperado acarretar às partes da relação, a excessiva onerosidade. Diante disso, faz-se necessário explanar um importante instituto jurídico, responsável por trazer equilíbrio na sociedade em situações extraordinárias: teoria da imprevisão.

Para elaborar o presente artigo, utilizar-se-á a pesquisa teórico-dogmática, fazendo importantes abordagens de doutrinadores quanto a teoria, assim como a fundamentação legal oriunda do Código Civil de 2002 que prevê o instituto da imprevisão consolidado.

O primeiro semestre de 2020 foi marcado por muitas tragédias que modificou completamente, a nível global, as relações pessoais devido a um fato inesperado. A crise provocada pelo vírus, Covid-19. Inicialmente, acometeu apenas a área da saúde, mas, de forma desenfreada e sem precedentes, em um curto espaço de tempo, alcançou toda a dinâmica social e financeira. Provocando assim, severos desequilíbrios nas relações contratuais, levando grandes empresas e civis a reverem contratos e buscarem a renegociação ou até mesmo a resolução pelo inadimplemento dos contratos.

Tal propositura leva em conta, além da função social do contrato, também a teoria da imprevisão. O direito contemporâneo teve como base fundamental institutos jurídicos históricos como: Direito Romano, Canônico ou Moderno. Assim como estes institutos são memoriais e fontes de inspiração para a legislação atual, não se pode negar que a teoria da imprevisão foi muito relevante também, historicamente, possuindo como pedra fundamental a cláusula rebus sic stantibus. O instituto reporta-se ao período babilônico, sendo visualizado, antes mesmo da criação de Roma, no art. 48 do Código de Hammurabi, em que se admitia a imprevisão nas colheitas:

Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou destrói a colheita, ou por falta de água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por esse ano.

A teoria, no entanto, só ganhou relevância na Idade Média, sob a vigência do Direito Canônico. Todavia, com a ascensão do liberalismo, no período da idade moderna, o instituto

caiu em desuso, ressuscitando apenas no período da Primeira Guerra Mundial, em virtude de diversos conflitos ocorridos, principalmente na Europa.

Caso os contratos permanecessem da maneira como haviam sidos estabelecidos inicialmente, haveria o enriquecimento ilícito a uma das partes e uma extrema onerosidade para outra. Então, a França editou a Lei Failliot para regular os conflitos suscitados na época da guerra. Conforme Stolze (2019) a teoria da imprevisão foi desenvolvida com a finalidade de ressuscitar a obsoleta cláusula rebus sic stantibus do Direito Canônico, de maneira que deveria se averiguar se as condições econômicas do tempo de sua execução eram semelhantes às do tempo de sua celebração.

No Brasil, a teoria da Imprevisão não foi prevista no Código Civil de 1916, sua

entrada se deu, apenas, a partir da vigência do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, e, somente, em 2002 foi reconhecido pelo Código Civil de forma expressa na legislação.

Durante um longevo espaço de tempo, o princípio pacta sunt servanda que é responsável pelo estabelecimento da relação de obrigatoriedade entre as partes, no curso do contrato, se mostrou absoluto na legislação brasileira. Stolze (2019, p. 88) em sua obra, elucida que:

O princípio da força obrigatória, denominado classicamente pacta sunt servanda, traduz a natural cogência que deve emanar do contrato, a fim de que se lhe possa reconhecer utilidade econômica e social. De nada valeria o negócio, se o acordo firmado entre os contraentes não tivesse força obrigatória. Seria mero protocolo de intenções, sem validade jurídica.

Entretanto, apesar de ter perpetuado por muitos anos essa incolumidade na relação contratual, é válido ressaltar que “a nova concepção do contrato, suas novas funções desempenhadas na sociedade e no Estado modernos exigem, por exceção, uma atenuação do princípio geral”, de acordo com Venosa (2017, p. 87). Logo, defender a intangibilidade dos contratos de forma genérica, sem averiguar o caso concreto, facilita a opressão sócioeconômica, e produz ainda mais a disparidade entre os sujeitos fortes sobre os fracos que estão na relação jurídica.

Com base nisso, em condições atípicas, a doutrina e a jurisprudência, nos últimos anos, têm sido favoráveis a revisão dos termos contratuais por meio da intervenção judicial. Portanto, a determinação judicial supre, em caso excepcional, a vontade de um dos sujeitos do negócio jurídico.

Venosa (2017, p. 87) defende a revisão judicial como:

A possibilidade de intervenção judicial no contrato ocorrerá quando um elemento inusitado e surpreendente, uma circunstância nova, surja no curso do contrato, colocando em situação de extrema dificuldade um dos contratantes, isto é, ocasionando uma excessiva onerosidade em sua prestação. O que se leva em conta, como se percebe, é a onerosidade superveniente.

É importante observar que a relação de obrigatoriedade é de extrema relevância no Direito Civil para a segurança do ordenamento jurídico. O contrato não pode ser objeto de alteração por questões subjetivas que diz respeito apenas a uma das partes ou diante de situações que eram previsíveis.

Ao firmar um contrato, as partes costumam vislumbrar um momento futuro. Dessarte que a autorização para o judiciário intervir se dá apenas às situações fáticas imprevisíveis, impedindo, sob esse prisma, que a teoria da excessiva onerosidade sirva como remédio de defesa para mau pagador.

A aplicação do instituto está atrelada à presença de determinados requisitos, não

podendo ser aplicado a todos os contratos, tampouco a todas as circunstâncias que modifiquem as relações contratuais. O caso concreto, portanto, deve se adequar aos pressupostos legais suscitados no artigo 478, CC, que diz o seguinte:

Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da

citação.

A aplicabilidade do instituto se dá a partir da observância de respectivos requisitos: O acontecimento deverá ser anormal e imprevisível, sendo este superveniente à celebração do contrato; não poderá ser de execução imediata, devendo ser de trato sucessivo e de execução diferida. Em linha geral, não é permitido aos contratos aleatórios se beneficiar de tal teoria, pois a natureza destes contratos envolvem um risco, “sendo ínsita a eles a álea e a influência do acaso, salvo se o imprevisível decorrer de fatores estranhos ao risco próprio do contrato” (GONÇALVES, 2017, p. 245); a relação direta entre a circunstância superveniente e a mudança fática das condições econômicas objetivas no momento da execução, em confronto com o momento da celebração, obstando, assim, o cumprimento da obrigação para uma das partes: o acontecimento deverá ser responsável de forma direta e indireta pela onerosidade da prestação; devendo existir desequilíbrio das prestações contratuais e haver o excessivo prejuízo para uma das partes e enriquecimento para a outra.

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Conforme Venosa (2017, p. 88) “A imprevisão consiste em um fenômeno global, que atinja a sociedade em geral, ou um segmento palpável de toda essa sociedade. É a guerra, a revolução, o golpe de Estado, totalmente imprevistos.”

Fazendo um paralelo ao atual cenário pode-se dizer que muitos contratos, com base no caso concreto, podem se beneficiar do instituto, visto que a pandemia é um fenômeno imprevisível que afetou um conjunto social e em razão disso o poder público adotou medidas severas com vistas a reduzir a propagação do vírus causador da doença COVID-19. O mais aplicado e recomendado nos decretos do poder executivo foi o distanciamento social, que foi responsável por uma paralisação em diversos setores econômicos. Restringindo o funcionamento do comércio, indústrias e diversos estabelecimentos que, inicialmente, não estavam inseridos nos decretos governamentais como atividades essenciais.

Diante dessas medidas necessárias, infelizmente, muitas empresas chegaram a falência. Outras buscaram a revisão contratual para amenizar os efeitos da crise, nestas circunstâncias, as partes não tiveram o interesse de rescindir, mas sim, de fazer uma revisão com finalidade de colocar limites no cumprimento do contrato, visto que o momento em que as partes manifestaram interesse inicial é distinto do fato ulterior a pandemia, tal conduta está regulamentada no art. 479, CC.

Além da imprevisão, o código civil estabelece cumulativamente o requisito de que a prestação, em razão do fato, necessariamente, deve ter se tornado excessivamente onerosa, em que o credor está em situação de extrema vantagem em detrimento do devedor. A doutrina faz uma dura crítica quanto a injusta vantagem ou o lucro imotivado para o credor da obrigação em contraposição ao aumento do sacrifício a ser realizado pelo devedor para satisfazer a sua prestação, visto que esse pressuposto dificulta a aplicação do instituto, pois o devedor, ao buscar os meios judiciais para solucionar o conflito, deverá comprovar a vantagem obtida pelo credor assim como os demais pressupostos preconizados no artigo 478,CC. O legislador descartou a hipótese de que as partes da relação poderiam vir a sofrer prejuízos, inexistindo assim, vantagens para nenhum deles. Nesta perspectiva seria possível a aplicação da teoria? Conforme Stolze (2019, p. 302), descreve que:

Já criticamos, linhas atrás, a impropriedade de se considerar que a imprevisão exija relação causal entre enriquecimento e empobrecimento de uma parte e outra, uma vez que o fato posterior poderá onerar a ambas, caso em que, ainda assim, a teoria não poderia deixar de ser aplicada.

Efetivamente, com base no estudo se infere que o instituto da teoria da imprevisão e revisão contratual, apesar da previsão legal ser recente, já é muito amparado em nosso ordenamento jurídico. Entretanto, faz-se mister salientar da imprescindibilidade de um olhar subjetivo para a correta aplicação do instituto, posto que ainda persistem algumas incertezas. E, principalmente, no panorama correspondente a pandemia, Covid-19, que desde o seu desencadeamento, demonstra desafios a ser atingidos pela Jurisprudência, pelo Poder Judiciário e também o auxílio do Poder Legislativo e Executivo quanto a elaboração de leis que podem dissociar da hermenêutica jurisprudencial já consolidada.

Diante do que foi exposto em relação a teoria da imprevisão, pode se afirmar que o instituto reconhecido tem sua importância no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente, depois de sua consolidação no Código Civil de 2002.

Contudo, é importante enfatizar que a teoria deve atender apenas às situações excepcionais, devido a sua natureza de exceção ao princípio da obrigatoriedade que, apesar de não ser absoluto é tratado como regra nas relações contratuais por se tratar de um dos pilares fundamentais nos contratos do Direito Civil.

Em determinadas relações contratuais, a pandemia do coronavírus poderá ser classificada como fato imprevisível, em virtude de seus efeitos reflexos na sociedade, que geraram severos conflitos, impossibilitando o cumprimento de regras estipuladas em contratos. Beneficiando-se, assim, do instituto da imprevisão para resolução ou para modificação equitativa (revisão) do acordo. Tal instituto quando aplicado respeitando os ditames legais, garante o Estado Democrático de Direito.

ANDRADE, Gilberto Morelli de Andrade et al.. Os impactos da pandemia nas relações contratuais no Direito brasileiro. Revista Consultor Jurídico. 2020. Disponível em:

<https://www.conjur.com.br/2020-mai-06/opiniao-impactos-pandemia-relacoes-contratuais>. Acesso em: 12 set 2020.

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DAURIA, Thiago da Costa Queiroz. Aspectos da teoria da imprevisão no Direito Civil brasileiro. Jus.com.br.

2016. Disponível em:

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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 3 : contratos e atos unilaterais. 14. ed. – São Paulo : Saraiva, 2017.

LEAL, Augusto. A relação entre coronavírus e caso fortuito ou força maior. Migalhas. 2020. Disponível em:

<https://www.migalhas.com.br/depeso/322679/a-relacao-entre-coronavirus-e-caso-fortuito-ou-forca-maior>. Acesso em: 12 set 2020.

MAIA, Gabriela Gonçalves. Novo coronavírus e os impactos nos contratos privados. FIEMG. 2020. Disponível em: <https://m.fiemg.com.br/publicacoes-internas/contratos%20e%20coronavirus>. Acesso em: 12 set 2020.

SIDOU, José Maria Othon. Resolução judicial dos contratos e contrato de adesão no direito vigente e no projeto de Código Civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, volume 3 : contratos. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2017.

Sobre os autores
Alesandro Frota Sousa

Acadêmico(a) do curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão (FLF)

Dayse Alves Martins

Acadêmico(a) do curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão (FLF)

Ana Beatriz Albuquerque Parente

Acadêmico(a) curso de Direito da Faculdade Luciano Feijão (FLF)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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