A nobreza da função pública reside no ato de doar de corpo e alma o seu trabalho para o atendimento dos interesses da coletividade; servir ao povo é ato de grandeza; a conduta de servir ao povo pode ser por meio de ato voluntário ou oneroso; em qualquer hipótese, quem serve a coletividade, acaba por praticar atos nobres.
RESUMO. O presente texto tem por finalidade precípua apresentar comentários perfunctórios sobre as condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais, sobretudo, as definidas no artigo 73, incisos I usque VIII, da Lei nº 9.504, de 1997, a chamada Lei das Eleições. Visa, ainda, analisar os princípios da legalidade administrativa, moralidade e impessoalidade administrativa tão importantes para o processo de lisura nas ações dos agentes públicos.
Palavras-chave. Direito; eleitoral; agentes; públicos; condutas; vedadas; consequências.
INTRODUÇÃO
Existe uma frase no Brasil que seguramente pode ser utilizada a qualquer tempo, lugar ou ocasião, que jamais estará desatualizada. Por aqui, o obsoletismo não existe, tudo é real, sendo o futuro logo ali, tão perto, e tão presente. Assim, pode-se afirmar: daqui a pouco teremos novas eleições no país. Coligações, alianças partidárias, plenárias, CANDIDATOS em campanha, o povo nas ruas, santinhos, panfletos, novas promessas de um lado, pesquisas, compromissos assumidos, planos de governos nas campanhas, entrevistas em rádio, redes sociais em alta, pedidos de apoio, afirmações que farão tudo diferente, agressores, troca de acusações, impugnações na justiça, inumações de fatos antigos, reuniões partidárias, pedidos de patrocínio, doações, renovação de sonhos e esperança, um cenário bem diferente daquilo que se costuma presenciar em tempos de normalidade numa sociedade. A isso chamamos de ELEIÇÕES.
O tempo passa velozmente e daqui a pouco mais uma eleição se aproximada no Brasil. Inicialmente, depois de muitos avanços e ajustes políticos, os competidores começam a pré-campanha de acordo com o calendário eleitoral divulgado em TSE em Resolução regulamentadora, e necessariamente, os mais atentos num dado momento da caminhada passarão a invocar a temática do texto do artigo 36-A, da Lei nº 9.504, de 97, acrescido pela Lei nº 13.165, de 2015, segundo o qual, não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:
I - a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;
II - a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária;
III - a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos;
IV - a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos;
V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais;
VI - a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias.
VII - campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4o do art. 23 desta Lei.
Mais tarde um pouco vão aparecer as convenções partidárias, escolhas de candidatos, registros, e início das propagandas eleitorais. E logo, diversos órgãos estarão divulgados cartilhas de orientações para nortear seus agentes públicos daquilo que pode e o que não pode nas eleições. Assim, um dos temas de maior relevo nas eleições são justamente as condutas vedadas aos agentes públicos durante o processo de realização das eleições.
De plano, importa salientar que a legislação eleitoral é formada por um conjunto de normas que regulam a realização das eleições, dizem respeito aos partidos políticos, enumeram causas de inelegibilidade, e em última análise, dizem respeito ao sistema político brasileiro. Assim, o aparato normativo-eleitoral é formado pelo Código Eleitoral, pela lei dos Partidos Políticos, Lei das Eleições, e pela Lei Complementar nº 64 de 1990, que trata em especial da inelegibilidade. As eleições servem para escolher os representantes do povo, por meio de pleitos que garantam oportunidade iguais para todos os concorrentes. A busca do equilíbrio nas disputas eleitorais é sempre um princípio a ser perseguido.
Todo cidadão, agente público ou não, pode participar das eleições, alguns como candidato, dirigentes, torcedores, mas é preciso obedecer rigorosamente, as normas postas para jogo político. A participação em campanhas eleitorais é direito de todos os cidadãos. Portanto, não é vedado aos agentes públicos participar, fora do horário de trabalho, de eventos de campanha eleitoral, devendo observar, no entanto, os limites impostos pela legislação, bem como os princípios éticos que regem a Administração Pública.
A máquina administrativa não pode ser posta a serviço de candidaturas lançadas no processo eleitoral. As ações estatais devem focar seus objetivos para o atendimento ao bem comum, sob pena de inverter a lógica da finalidade dos órgãos e agentes públicos; agir com ética e respeito à coisa pública é dever inalienável de todo agente público; colocar os serviços públicos no interesse particular é ferir violentamente a finalidade teleológica da administração pública, além de provocar desequilíbrio das disputas do processo eleitoral.
Assim, a Lei nº 9.504, de 1997 define as condutas vedadas aos agentes públicos, sendo assim, um conjunto de ações proibidas previstas em especial no rol do artigo 73 da Lei das Eleições, portanto, condutas vedadas porque possuem a capacidade de interferir na lisura e no equilíbrio das eleições, afetando a igualdade de oportunidades entre os candidatos.
O princípio da legalidade é previsto no artigo 5º, inciso II da Constituição da República de 1988, segundo o qual, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. Trata-se de direito fundamental.
É relevante acentuar o agente público deve obedecer ao princípio da legalidade administrativa ou estrita. Assim, para o particular vigora o princípio da legalidade ampla; ou seja, o particular faz tudo aquilo que a lei não proíbe. Por sua vez, o agente público somente pode fazer aquilo que a lei permite ou determina, pois o que vigora para o servidor é o princípio da legalidade administrativa.
Sobre o princípio da legalidade administrativa, seria inútil fazer quaisquer comentários sobre o assunto se não houvesse a situação das posições dos professores Caio Tácio e Hely Lopes Meirelles. Para o primeiro, a ideia central pode ser assim resumida:
“Ao contrário da pessoa de direito privado, que, como regra, tem a liberdade de fazer aquilo que a lei não proíbe, o administrador público somente pode fazer aquilo que a lei autoriza expressa ou implicitamente.” Revista de Direito Administrativo, nº 206, 1996.
Por sua vez, o festejado professor Hely Lopes Meirelles, ensina com autoridade sobre o princípio da legalidade:
Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim” (Malheiros, 2016)
Em comentário ao art. 37, cabe relembrar o que escreveu o jurista e professor Hely Lopes Meirelles:
A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. Direito Administrativo Brasileiro (Editora Malheiros, 2016)
Outro princípio balizador das ações do sistema jurídico é o super-princípio republicano, considerado a matriz de todo fundamento ético na construção de ideias e normas regentes da sociedade. Assim, no Brasil, a forma republicana de governo foi adotada em 15 de novembro de 1889.
A atual Carta Magna de 1988 anuncia a forma republicana no texto preambular e logo nos artigos exordiais, em especial, no artigo 1º ao mencionar os seus fundamentos, no artigo 3º ao citar os seus objetivos e no artigo 4º ao anunciar os princípios de relação internacional.
Importante frisar que o princípio Republicano deve orientar todo o ordenamento jurídico a partir do ângulo de visão segundo o qual em qualquer situação jurídica, deve sempre prevalecer o Interesse da Maioria, sendo, portanto, eleito como o princípio dos princípios. Funciona como matriz político-ideológica do ordenamento e vincula todas as outras normas jurídicas.
1. EVOLUÇÃO DO MODELO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL
É possível classificar a administração pública em três momentos distintos no país. Assim, a doutrina administrativa classifica a administração pública em: Patrimonialista, Burocrática e Gerencial.
Ab initio, é possível afirmar que o gestor público faz administração da coisa do povo, buscando sempre o desenvolvimento social, a realização de políticas públicas, tudo isso com a utilização dos bens públicos. O patrimônio público deve ser gerido no interesse da coletividade. Não pode ser usado para satisfazer a interesses privados, sob pena de desvio de finalidade. Quando o administrador não consegue separar bem os interesses particulares e públicos, pode conduzir a uma forma de administração pública ultrapassada e obsoleta, aquilo que se chama de administração pública do tipo patrimonialista. Assim, o veículo pertencente ao poder público, de uso exclusivo em serviço, não pode ser usado para satisfazer a interesses privados. Quando o gestor não sabe diferenciar bem o uso dos bens públicos, logo pode incorrer em improbidade administrativa ou crime de responsabilidade a teor do Decreto-lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967.
Discorrendo sobre o tema em testilha, BRAVO ensina com tecnicismo esmerado acerca das modalidades de administração pública. Assim, pontua:
No patrimonialismo, o aparelho estatal funciona como uma extensão do poder do soberano e de seus interesses particulares. res publica não é diferenciada das res principis. Em consequência, a corrupção e o nepotismo são intrínsecos a esse tipo de administração. Verifica-se a confusão patrimonial entre patrimônio público e patrimônio do administrador, na qual a coisa pública é utilizada em benefício do próprio governante e de terceiros por ele favorecidos. Dessa forma, ocorre favorecimento de poucos em detrimento dos interesses públicos, isso é, de toda a sociedade. Nesse modelo de administração pública, princípios administrativos consagrados como a indisponibilidade do interesse público, impessoalidade, isonomia, legalidade e publicidade, são maculados e desprezados pelo administrador, dando margem a atos de corrupção, nepotismo e, dilapidação do patrimônio público. No Brasil, o modelo patrimonialista vigorou desde o período colonial até a década de 1930, carregando consigo todas as características mencionadas. Apesar de esse não ser o modelo atual do Estado brasileiro, podemos observar evidentes resquícios da administração patrimonialista na Administração Pública brasileira, coexistindo com os modelos burocrático e gerencial.1
O citado autor faz também uma síntese das modalidades de administração pública: a burocrática e a gerencial.
Administração Pública Burocrática: surge na segunda metade do século XIX, como forma de combater a corrupção e o nepotismo patrimonialista. Constituem princípios orientadores do seu desenvolvimento a profissionalização, a ideia de carreira, a hierarquia funcional, a impessoalidade, o formalismo e o poder racional-legal. Busca satisfazer os primados do Estado de Direito. Os controles administrativos visando evitar a corrupção e o nepotismo são sempre a priori, pois parte-se de uma desconfiança prévia quantos aos administradores públicos. Por isso são sempre necessários controles rígidos dos processos, como por exemplo na admissão de pessoal, nas compras e no atendimento a demandas. Evidencia-se a necessidade de diferenciação e segregação do patrimônio público do privado, a fim de proteger os interesses coletivos e o patrimônio público contra a corrupção, clientelismo e interesses particulares. Contudo, não é imune a críticas, sendo que as principais são a respeito de seu formalismo exagerado e preocupação excessiva com controles, o que tornaria a administração pública rígida, engessada e pouco eficiente.
Administração Pública Gerencial: construída sobre bases que consideram o Estado uma grande empresa cujos serviços são destinados aos seus clientes (cidadãos). Busca-se maior eficiência dos serviços, avaliação de desempenho e controle de resultados. Ou seja, o foco principal é a eficiência da administração pública, a necessidade de reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços.2
2. DAS CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS EM CAMPANHAS ELEITORAIS
Assim, faz-se mister abordar essas condutas que violam vários princípios que orientam a boa Administração Pública. A Carta Magna, enumera os princípios reitores no artigo 37, afirmando que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Importa salientar que a Lei de Improbidade Administrativa, relaciona em seu artigo 11 os atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública, e logo de partida anuncia que constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das 12 (doze) condutas relacionadas, prevendo como consequência as penalidades do artigo 12, III, da Lei nº 8.429, de 1992, sobretudo, o pagamento de multa civil de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 4 (quatro) anos.
A Lei das Eleições fornece o conceito autêntico contextual de agente público, no artigo 73, § 1º, a saber:
Reputa-se agente público, para os efeitos deste artigo, quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta ou fundacional.
Verifica-se que a definição dada pela Lei é a mais ampla possível, de forma que estão compreendidos:
• os agentes políticos (Presidente da República, Governadores, Prefeitos e respectivos Vices, Ministros de Estado, Secretários, Senadores, Deputados federais e estaduais, Vereadores etc.);
• os servidores titulares de cargos públicos, efetivos ou em comissão, em órgão ou entidade pública (autarquias e fundações);
• os empregados, sujeitos ao regime estatutário ou celetista, permanentes ou temporários, contratados por prazo determinado ou indeterminado, de órgão ou entidade pública (autarquias e fundações), empresa pública ou sociedade de economia mista;
• as pessoas requisitadas para prestação de atividade pública (p. ex.: membro de Mesa receptora ou apuradora de votos, recrutados para o serviço militar obrigatório etc.);
• os gestores de negócios públicos;
• os estagiários;
• os que se vinculam contratualmente com o Poder Público (prestadores terceirizados de serviço, concessionários ou permissionários de serviços públicos e delegados de função ou ofício público).3
Cabe alertar que o Tribunal Superior Eleitoral entende que:
“a configuração das condutas vedadas prescritas no art. 73 da Lei nº 9.504/97 se dá com a mera prática de atos, desde que esses se subsumam às hipóteses ali elencadas, porque tais condutas, por presunção legal, são tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos no pleito eleitoral, sendo desnecessário comprovar-lhes a potencialidade lesiva.” (REsp nº 45.060, Acórdão de 26/09/2013, relatora Ministra Laurita Hilário Vaz).
“[...] A aferição do abuso do poder econômico, político ou do uso indevido dos meios de comunicação social independe do resultado do pleito, devendo ser aferida de acordo com a gravidade da situação revelada pela prova dos autos. [...]” (Ac. de 7.2.2017 no RO nº 138069, rel. Min. Henrique Neves da Silva.)4
Conforme o Tribunal Superior Eleitoral, “As condutas vedadas (Lei das Eleições, art. 73) constituem-se em espécie do gênero abuso de autoridade. Afastado este, considerados os mesmos fatos, resultam afastadas aquelas. O fato considerado como conduta vedada (Lei das Eleições, art. 73) pode ser apreciado como abuso do poder de autoridade para gerar a inelegibilidade do art. 22 da Lei Complementar no 64/90. O abuso do poder de autoridade é condenável por afetar a legitimidade e normalidade dos pleitos e, também, por violar o princípio da isonomia entre os concorrentes, amplamente assegurado na Constituição da República.” (ARO nº 718, Acórdão de 24/05/2005, relator Ministro Luiz Carlos Madeira).5
2.1 Breve análise das hipóteses vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais
O artigo 73 da Lei nº 9.504, de 1997, elenca 08 (oito) hipótese de condutas proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária.
Não se pode ceder nem usar os bens pertencentes à estrutura da administração pública para a disputa eleitoral. Faz-se mister separar os bens públicos daqueles utilizados durante a campanha do processo eleitoral. A administração do tipo patrimonialista ficou para trás; de reminiscências longínquas; de tristes lembranças; hoje há uma nítida separação dos bens públicos e particulares.
Trata-se de desdobramento dos princípios republicano, da moralidade e da impessoalidade administrativa e eleitoral. Busca-se aqui a observância da igualdade entre os candidatos, partidos políticos e coligação. Quem cede ou usa os bens públicos em campanhas eleitorais comete ato de improbidade. Os bens públicos devem ser utilizados no interesse da coletividade. Dentro ou fora de campanhas eleitorais, os bens públicos não podem servir à interesses privados.
O texto do artigo 73, inciso I, comporta apenas uma exceção. Cessão ou uso dos bens da administração direta ou indireta para a realização de convenção partidária (art. 73, inc. I, da Lei nº 9.504/97).
II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram.
Em princípio, é autorizado o uso de materiais e serviços custeados pelo Governo ou pelas Casas Legislativas, nos limites previstos nos regimentos e normas internas, sendo proibido apenas o abuso dessas prerrogativas. Contudo, o disposto no art. 73, inc. II, da Lei nº 9.504/1997 deve ser interpretado em conformidade com os princípios republicano, da moralidade pública e isonomia. Desse modo, não está autorizado o uso eleitoral dos materiais e serviços custeados pelo erário, mas sim o uso cotidiano, na medida em que as prerrogativas inerentes a cada cargo possibilitem.6
III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;
Servidor público é pago pelo erário para servir à coletividade. Se o candidato, partido político ou coligação deseja contratar algum colaborar, que o faça usando os fundos legais para isso. Portanto, o art. 73, inc. III, da Lei das Eleições proíbe peremptoriamente a utilização do trabalho de servidor público ou empregado da administração em favor dos interesses partidários durante seu horário de expediente. Se o servidor ou empregado estiver de folga, de férias ou licenciado ele pode prestar serviços a quem lhe aprouver, desde que a licença não seja para tratar de problemas de saúde. Neste caso, se o motivo da licença o impede de prestar serviços públicos, também não poderá prestar serviços particulares.
IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público.
Aqui a norma também protege os princípios da impessoalidade e moralidade. Portanto, esta regra do artigo 73, inciso IV, da Lei 9.504, de 97, proíbe o uso da estrutura administrativa em favor de partido, candidato ou coligação, por meio da vinculação promocional da distribuição de um bem ou serviço de caráter social custeado ou subvencionado pelo Poder Público a qualquer desses sujeitos da disputa eleitoral.
A norma alcança também o uso promocional de bens e serviços de caráter social custeados pela Administração quando fornecidos a título oneroso, mas a contraprestação possuir apenas valor simbólico ou em confronto com o valor econômico do bem.
Frise-se que o Tribunal Superior Eleitoral aplica a norma com temperamentos de proporcionalidade, permitindo que o Chefe do Executivo participe de campanhas de utilidade pública, como campanhas de vacinação, mesmo em contexto de candidatura à reeleição (Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 24.989/2015).7
V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:
O artigo 73, inciso V, da Lei das Eleições proíbe nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, a nomeação ou contratação ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito. A norma vista manter o equilíbrio das eleições, e a moralidade pública. O texto faz as seguintes ressalvas:
a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;
b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;
c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;
d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;
e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários.
VI - nos três meses que antecedem o pleito:
A norma do artigo 73, inciso VI, proíbe nos três meses que antecedem o pleito as seguintes condutas:
a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública;
b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;
c) fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo;
VII - empenhar, no primeiro semestre do ano de eleição, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a 6 (seis) vezes a média mensal dos valores empenhados e não cancelados nos 3 (três) últimos anos que antecedem o pleito;
O artigo 73, inciso VII, da Lei das Eleições possui norma proibitiva. Assim, durante a primeira metade do ano em que ocorre a eleição, é proibida a realização de despesas com publicidades dos órgãos públicos ou das entidades da administração direta em valor superior à média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos que antecedem ao pleito. Como se percebe, o objetivo desta regra é proibir os gastos com publicidade institucional evitando que sirvam para dar visibilidade aos ocupantes de mandatos eletivos ou aos seus grupos políticos, com graves ofensa ao princípio da impessoalidade administrativa.
VIII - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.
Neste caso, a lei proíbe que o gestor faça revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda os parâmetros legais, justamente porque geralmente o candidato a reeleição costume fazer esses reajustes bem próximo das próximas eleições, e a lei quer evitar essas medidas eleitoreiras, o que pode provocar desequilíbrio nas disputas. Seria a utilização da máquina pública para impulsionar determinados políticos que já estão no poder e mesmo que não seja caso de reeleição, o candidato pode tomar essas medidas extemporâneas para favorecer candidatos que apoiarão nas eleições.
A jurisprudência atual do Tribunal Superior Eleitoral se fixou no sentido de que “as hipóteses de condutas vedadas previstas no art. 73 da Lei nº 9.504/97 têm natureza objetiva. Verificada a presença dos requisitos necessários à sua caracterização, a norma proibitiva reconhece-se violada, cabendo ao julgador aplicar as sanções previstas nos §§ 4º e 5º do referido artigo de forma proporcional” (Ação Cautelar nº 18692 - 02/05/2016). Desse modo, a mera prática dos atos proibidos enseja a incidência na conduta vedada, a princípio, não importando a efetiva capacidade de influência no resultado das eleições. Este elemento – potencialidade lesiva ou proporcionalidade – é analisado apenas para mensurar a pena a ser aplicada.8
3. OUTRAS DISPOSIÇÕES SOBRE CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS NAS CAMPANHAS ELEITORAIS
Importante frisar que a Lei nº 9.504, de 97, expressamente define como ato de improbidade administrativa as condutas vedadas previstas no caput do artigo 73, sendo, portanto, atos que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública, cominando no pagamento de multa civil de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 4 (quatro) anos.
Salienta-se que o descumprimento das normas do artigo 73 da Lei nº 9.504, de 1997, acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa, aplicando também as sanções cominadas aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem. Outra disposição relevante, a prevista no § 10 do artigo 73, onde no ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.
Quanto à apuração de eventuais violações das condutas vedadas, a representação contra a não observância do disposto no artigo observará o rito processual previsto no artigo 22 da Lei Complementar nº 64 de 1990, e poderá ser ajuizada até a data da diplomação. O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial.
Ainda sobre as condutas vedadas, o artigo 75 da Lei das Eleições, prescreve que nos meses que antecederem as eleições, na realização de inaugurações é vedada a contratação de shows artísticos pagos com recursos públicos, cujo descumprimento, sem prejuízo da suspensão imediata da conduta, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma. O ressarcimento das despesas com o uso de transporte oficial pelo Presidente da República e sua comitiva em campanha eleitoral será de responsabilidade do partido político ou coligação a que esteja vinculado.
Outra disposição muto importante que tem acarretado consequências danosas nas eleições é a prevista no artigo 77 da Lei das Eleições. Assim, é proibido a qualquer candidato comparecer, nos 3 (três) meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas, cuja inobservância desta norma imperativa sujeita o infrator à cassação do registro ou do diploma.
REFLEXÕES FINAIS
Princípio da moralidade e ética das condutas dos agentes públicos: “(...) Desde que o princípio da moralidade foi elevado ao patamar constitucional, ‘como um daqueles a que todos os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, devem obedecer no exercício de suas atividades administrativas’, a ética passou a gozar de status jurídico e interessar diretamente ao Estado, posicionando-se no ‘centro das considerações jurídicas da conduta humana’ (palavras do Presidente Américo Lacombe, na apresentação do CCAAF)” (Protocolo nº 26.318/2015. Relator: Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires. 160ª Reunião Ordinária da Comissão de Ética Pública, realizada no dia 31 de agosto de 2015).9
O agente público deve fazer somente aquilo que a lei autoriza. O mandamento legal respalda toda conduta do gestor público, que não pode agir segundo as suas convicções, mas segundo a vontade do poder público que serve de fio condutor no atendimento do interesse da conectividade. Se a lei manda ou autoriza o agente público realiza; o agente público é um verdadeiro instrumento de realização da vontade pública; mesmo em atos discricionários deve o agente público agir em conformidade da supremacia do interesse público. Assim se a lei prevê condutas proibidas então o agente público deve se abster de realizar a conduta sob pena de ser responsabilizado por seus atos lesivos.
Desta forma, o capítulo das condutas proibidas dos agentes públicos previsto na Lei nº 9.504, de 1997 é um freio de contenção de ações de agentes públicos eufóricos, sem noção, e que não sabem a nobreza de servir ao público com zelo e espírito de comprometimento; todo cidadão é livre para fazer aquilo que tem vontade de fazer, dentro do seu espírito de livre arbítrio; mas para toda ação há uma sempre consequência, virtuosa ou não, e quando essa ação atinge os valores morais da Administração Pública, nasce para o povo, legítimo proprietário do poder, as ações de repulsas, porque o agente público não deve agir segundo as suas convicções pessoais; pelo contrário, suas atitudes representam a vontade do povo, e a sociedade não confere poderes aos agentes públicos para agir contrário a sua vontade; neste momento entra em cena os princípios da legalidade administrativa, da moralidade, impessoalidade e o princípio republicado, em que separa o público do privado, a fim de obstar o uso do poder político e econômico não somente durante o processo eleitoral, mas durante todo o tempo em que o agente público estiver no exercício de uma função pública.
Assim, é preciso lembrar sempre à guisa de exemplos que os bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, são de propriedade exclusiva do povo que os adquire mediante o recolhimento pontual de sua elevada carga tributária, e assim, nenhum agente público possui outorga de procuração do povo para ceder ou usar esses bens que não sejam em benefício direto da coletividade, durante ou fora do processo eleitoral, sob pena de configurar prática de ato improbidade administrativa, a teor da Lei nº 8.429, de 92, ou incidir em crime de responsabilidade ou até mesmo crime de peculato uso de acordo com a hipótese de cabimento; nessa mesma linha de pensamento é correto afirmar sem receios que nenhum servidor público, destaca-se, sem nenhuma exceção, pode ser colocado a serviço estranho de sua função que não seja no legítimo interesse da coletividade. E assim, arremata-se, o servidor público é pago exclusivamente com o dinheiro público ou do povo para cumprir expediente no órgão público ou noutro lugar, mas sempre no insofismável interesse exclusivo da administração pública.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República de 1988. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 18 de setembro de 2023.
BRASIL. Lei das Eleições. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9504.htm. Acesso em 18 de setembro de 2023.
BRASIL. Lei dos Partidos Políticos. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9096.htm. Acesso em 18 de setembro de 2023.
BRASIL. Lei Complementar nº 64 de 1990. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm. Acesso em 18 de setembro de 2023.
BRASIL. Lei de Improbidade Administrativa. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm. Acesso em 18 de setembro de 2023.
BRASIL. Código Eleitoral. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4737compilado.htm. Acesso em 19 de setembro de 2023.
BRAVO. Rafael. Defensor Público Federal. bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, mestre em Direito Constitucional e Teoria Geral do Estado pela PUC-Rio, membro suplente da Banca de Direito Penal, Processo Penal e Penal Militar do 5º Concurso Público para ingresso na carreira de Defensor Público Federal - DPU/2015.
FACHINI. Tiago. O Princípio da Legalidade: o que é e como ele se aplica na prática. Disponível em https://www.projuris.com.br/blog/principio-da-legalidade/?amp. Acesso em 19 de setembro de 2023, às 02h42min.
MANUAL de Orientações. LEI DAS ELEIÇÕES. Condutas vedadas. Orientações aos servidores públicos à luz da Lei nº 9.504/97. Disponível em https://www.portaldoservidor.ma.gov.br/arquivos/cartilha_pge_eleicoes.pdf. Acesso em 18 de setembro de 2023.
BRAVO. Rafael. Defensor Público Federal. bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, mestre em Direito Constitucional e Teoria Geral do Estado pela PUC-Rio, membro suplente da Banca de Direito Penal, Processo Penal e Penal Militar do 5º Concurso Público para ingresso na carreira de Defensor Público Federal - DPU/2015.︎
BRAVO (2021)︎
UNIÃO. Advocacia Geral. Condutas Vedadas aos Agentes Públicos federais. 2022.︎
UNIÃO (2022)︎
UNIÃO (2022)︎
Manual de Orientações. LEI DAS ELEIÇÕES. Condutas vedadas. Orientações aos servidores públicos à luz da Lei nº 9.504/97. Disponível em https://www.portaldoservidor.ma.gov.br/arquivos/cartilha_pge_eleicoes.pdf. Acesso em 18 de setembro de 2023.︎
Manual de Orientações (2018)︎
Manual de Orientações. (2018)︎
UNIÃO (2022)︎