Muitos negócios não são formalmente concretizados e finalizados pelo simples fato da morte de uma das partes: trata-se de uma ocorrência comum e previsível, embora indesejada, mas o questionamento que pode atormentar uns e outros ainda pode ser: e agora? Como fica a minha negociação, minha compra e venda? Não parece nem um pouco razoável e aceitável que quem vendeu - e recebeu o preço total pela coisa transacionada (ou mesmo seus herdeiros) - fique tanto com a coisa quanto com a quantia paga pelo comprador; e de fato não é justo mesmo. A melhor solução orienta que se de fato houve o pagamento pela coisa a mesma já não se encontra na esfera patrimonial do antigo titular, pendendo apenas a concretização das formalidades exigidas por Lei (Escritura e Registro) para que haja, no caso de uma Compra e Venda, a perfeita transferência, nos termos do art. 1.245 do CCB. O referido dispositivo legal - que deveria ser aprendido por todos ainda nos primeiros bancos escolares e não só nos bancos acadêmicos - revela uma "verdade cartorária" e secular: "SÓ É DONO QUEM REGISTRA". Reza o referido artigo:
"Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1º. Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel."
Portanto, não basta pagar o preço pelo imóvel: é preciso ESCRITURAR e REGISTRAR tal Escritura no Registro de Imóveis.
No que diz respeito a lote não desmembrado uma camada de dificuldade a mais parecer recair sobre o caso analisado, na medida em que a coisa prometida/vendida ainda pende de providência no registro imobiliário, qual seja, o "DESMEMBRAMENTO".
O Código de Normas Extrajudiciais do Estado do Rio de Janeiro (Provimento CGJ/RJ 87/2022) esclarece no par.2º do art. 1.320 que,
"§ 2. O desmembramento do solo urbano ocorrerá quando houver a DIVISÃO DA PROPRIEDADE EM LOTES destinados à edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, sem abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes".
Desmembramento, lado a lado com o"Loteamento"representam formas de parcelamento do solo urbano, conforme Lei Federal 6.766/79, sendo certo que há doutrina especializada (KUMPEL e FERRARI. Tratado de Direito Notarial e Registral. 2020) que ainda arrola o "desdobro" como uma terceira forma de parcelamento do solo urbano:
"O termo 'parcelamento do solo urbano' é gênero, do qual são espécies o loteamento, o desmembramento e o DESDOBRO, sendo que apenas os dois primeiros têm aparato legislativo. Todos são convergentes, na medida em que têm por finalidade formar lotes mediante a divisão de uma gleba maior, sempre com a aprovação do ente municipal. (...) Com efeito, a implantação do DESEMEMBRAMENTO, diferentemente do LOTEAMENTO, ocorre sem a abertura de novas vias e logradouros públicos, nem o prologamento, a modificação ou a ampliação dos já existentes, operando-se pelo aproveitamento do sistema viário existente, dentro do sistema urbanístico já implantado".
Vê-se, desde já, com essas linhas gerais que são providências que devem ser adotadas pelo proprietário do imóvel por inteiro para que então, resolvido o parcelamento, seja corretamente feita a venda do imóvel com Escritura e Registro - e desde já deve ser sublinhado que as regras do Código de Normas Extrajudicial incidente no caso concreto devem ser observadas e satisfeitas. Como fica, entretanto, quando ocorre o falecimento do vendedor sem que tudo isso tenha sido resolvido porém já tenha sido quitado o preço por parte do comprador que ainda não tem Escritura e muito menos Registro, junto ao Cartório do RGI, sobre o imóvel alienado?
A solução pode ser alcançada pela via judicial sim (prestigiada a inafastabilidade da jurisdição, nos termos do inc. XXXV do art. 5º da CRFB/88) mas não restam dúvidas que, havendo concordância dos interessados/envolvidos a solução pode ser alcançada pela via extrajudicial com muito mais vantagens (economia de tempo e recursos) e é muito importante que o ADVOGADO conheça as regras extrajudiciais, senão vejamos:
Toda obrigação pendente deixada por pessoa falecida pode ser resolvida pelos herdeiros, inclusive em sede extrajudicial como autoriza o art. 11 da Resolução 35/2007 do CNJ que teve louváveis modificações no ano de 2022 com a edição da Resolução 452/2022 do mesmo CNJ. Tal dispositivo reza:
"Art. 11. É obrigatória a nomeação de interessado, na escritura pública de inventário e partilha, para REPRESENTAR O ESPÓLIO, com poderes de inventariante, no cumprimento de OBRIGAÇÕES ATIVAS OU PASSIVAS PENDENTES, sem necessidade de seguir a ordem prevista no art. 617 do Código de Processo Civil.
(...)§ 2º.. O inventariante nomeado nos termos do§ 1ºº poderá representar o espólio na busca de informações bancárias e fiscais necessárias à CONCLUSÃO DE NEGÓCIOS essenciais para a realização do inventário e no levantamento de quantias para pagamento do imposto devido e dos emolumentos do inventário".
Todas as providências necessárias para a concretização do Desmembramento poderão ser resolvidas pelo INVENTARIANTE nomeado através de Escritura Pública, nos termos da Resolução 35 5/2007 do CNJ - já que possui poderes para tanto - sendo certo que inclusive a outorga da Escritura definitiva também poderá ser resolvida com base no mesmo dispositivo legal, sem a necessidade de intervenção judicial ("alvará"), desde que é claro estejam preenchidos os requisitos necessários e principalmente presente a CONCORDÂNCIA de ambas as partes.
A jurisprudência paulista há muito já se debruçou sobre caso semelhante, senão vejamos:
"TJSP. 0000228-62.2014.8.26.0073. J. em: 03/03/2015. REGISTRO DE IMÓVEIS - DÚVIDA - ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL PROMETIDO À VENDA PELO FALECIDO - EXIGÊNCIA DE ALVARÁ JUDICIAL AUTORIZANDO A OUTORGA - DESNECESSIDADE, EM RAZÃO DA LAVRATURA DE ESCRITURA PÚBLICA EM QUE SE NOMEOU PESSOA COM PODERES DE INVENTARÍANTE PARA CUMPRIR AS OBRIGAÇÕES PENDENTES DO DE CUJUS - RECURSO PROVIDO".
POR FIM, não custa recordar que a injusta recusa da outorga da Escritura pode ser resolvida atualmente inclusive através de ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA EXTRAJUDICIAL, nos termos do art. 440-A e seguintes do Código Nacional de Normas Extrajudiciais editado pelo CNJ (Provimento CNJ 149/2023), com assistência de ADVOGADO, sem processo judicial.