A interrupção da prescrição do crédito tributário: uma análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e dos Tribunais Superiores.

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RESUMO

A presente pesquisa tem por objetivo analisar a interrupção da prescrição do crédito tributário, tendo em vista que o Código Tributário Nacional não disciplinou, como foi feito no Código Civil de 2002, acerca do número de vezes em que a prescrição do crédito tributário poderia ser interrompida. Nesse sentido, há uma divergência na jurisprudência, e principalmente na 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em ora julgar que a interrupção da prescrição do crédito tributário deve ocorrer uma única vez, aplicando por analogia o Código Civil, e ora segue a jurisprudência dos Tribunais Superiores, ao julgar acerca da impossibilidade de aplicar por analogia o referido código, uma vez que há uma ordem expressa na Constituição Federal de 1988, dispondo que somente uma lei complementar poderá regular a prescrição do crédito tributário.

PALAVRAS-CHAVE:

Constituição, Prescrição tributária, Interrupção do prazo prescricional; Código Tributário Nacional, Código Civil.

1 - INTRODUÇÃO:

A lacuna na lei tributária, leva ao questionamento sobre a aplicação do artigo 202 do Código Civil de 2002, onde a interrupção do prazo prescricional será de uma única vez. Sendo assim, diante de inúmeros parcelamentos tributários dentro do Fisco, e pela lacuna no Código Tributário Nacional, resta a dúvida se a interrupção do prazo prescricional poderá ocorreu mais de uma vez no âmbito tributário.

Para execução do presente artigo científico foi realizado um levantamento bibliográfico e jurisprudencial acerca do tema a ser desenvolvido. A bibliografia referente à temática em pauta foi pesquisada em obras doutrinárias na área em questão, na legislação e nos sites eletrônicos do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

2 - CAPÍTULO 1 – DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA E DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO:

2.1 – DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA:

A relação entre o sujeito ativo (Fisco) e o sujeito passivo (Contribuinte) é uma relação obrigacional constituída pela própria lei, vejamos:

A obrigação tributária é espécie do gênero obrigação jurídica, não se assentando, no dizer de José Washington Coelho, em diferenciações quanto aos essentialia da obrigação civil, porque tanto uma, quanto a outra, alicerçam-se num tripé: causa, sujeitos e objeto. Entretanto, a obrigação tributária tem suas peculiaridades que lhe asseguram a autonomia. Tem como causa, invariavelmente, a lei e não a convergência de vontades, essencial na obrigação de natureza civil. A obrigação tributária é sempre ex lege. (Harada, 2020, p.305).

Apesar de Kiyoshi Harada defender um conceito autônomo para as relações jurídicas tributárias, o jurista Luciano Amaro, também entende pela autonomia do Direito Tributário. Mas, para ele, o conceito da relação obrigacional não difere muito da relação comum.

Por conseguinte, a obrigação, no direito tributário, não possui conceituação diferente da que lhe é conferida no direito obrigacional comum. Ela se particulariza, no campo dos tributos, pelo seu objeto, que será sempre uma prestação de natureza tributária, portanto um dar, fazer ou não fazer de conteúdo pertinente a tributo. (Amaro, 2019, p.337).

Sabemos que a obrigação tributária decorre de lei. Logo, o Código Tributário Nacional traz duas espécies de obrigação tributária em seu art. 113, sendo elas a Obrigação Principal que objetiva a entrega de dinheiro, de uma relação que resultou um tributo ou uma penalidade pecuniária.

Já a obrigação acessória, ela pode ser exigida independente da obrigação principal, por exemplo, as entidades que possuem imunidade devem manter a escrituração fiscal. E, caso haja o descumprimento, poderá gerar uma penalidade pecuniária, ou seja, a multa.

O art. 113 do CTN classifica a obrigação tributária em principal e acessória, prescrevendo que a primeira surge com a ocorrência do fato gerador e tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (§ 1 o), ao passo que a segunda decorre da legislação tributária 5 e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos (§ 2 o). Acrescenta o seu § 3 o que a obrigação acessória pelo simples fato de sua inobservância converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária. (Harada, 2020, p.306).

Em síntese, a obrigação tributária decorre do fato gerador. Segundo (Harada, 2020, p.305) “costuma-se definir o fato gerador como uma situação abstrata, descrita na lei, a qual, uma vez ocorrida em concreto enseja o nascimento da obrigação tributária.”.

O nascimento da obrigação tributária independe de manifestação de vontade do sujeito passivo dirigida à sua criação. Vale dizer, não se requer que o sujeito passivo queira obrigar-se; o vínculo obrigacional tributário abstrai a vontade e até o conhecimento do obrigado: ainda que o devedor ignore ter nascido a obrigação tributária, esta o vincula e o submete ao cumprimento da prestação que corresponda ao seu objeto. Por isso, a obrigação tributária diz-se ex lege. (Amaro, 2019, p.338).

É no fato gerador, que a lei irá definir quais as situações que constituirá a obrigação tributária. O art. 114 do CTN dispõe que: “Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.”. Basicamente, a lei diz que a ocorrência do fato gerador é suficiente para que constitua a obrigação tributária. Pois, sem a ocorrência do fato gerador, não haverá obrigação tributária.

2.2 – DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO:

Como foi visto, a relação entre o Contribuinte (sujeito passivo) e o Fisco (sujeito ativo), nasce com a ocorrência do fato gerador definido em lei. Porém, o crédito fruto da obrigação tributária só poderá ser exigido, quando o Fisco efetuar seu lançamento.

De acordo com o art. 139 do CTN, “O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta”. Sendo assim, o crédito tributário advém após obrigação tributária e é extinto com o adimplemento da obrigação.

De fato, ocorrida, concretamente, a situação legislativa surge a obrigação tributária. A ocorrência do fato gerador instaura o vínculo jurídico entre os sujeitos ativo e passivo, cabendo ao primeiro a apuração do quantum da prestação devida, através do lançamento fiscal previsto no art. 142 do CTN. (Harada, 2020, p.316).

Nesse sentido, Harada entende que a obrigação tributária nasce com a ocorrência do fato gerador. Logo, quando a situação fática definida em lei é praticada pelo sujeito passivo, denominado fato gerador, será instituída a relação jurídica entre o sujeito ativo (Fisco) e o sujeito passivo (Contribuinte).

O crédito tributário representa o momento de exigibilidade da relação jurídico-tributária. Seu nascimento ocorre com o lançamento tributário (art. 142 do CTN), o que nos permite defini-lo como uma obrigação tributária “lançada” ou, com maior rigor terminológico, obrigação tributária em estado ativo (Sabbag, 2015, p. 819).

Posto isto, a doutrina parece ser pacífica nesse tema. Por esse motivo, é necessário distinguir a obrigação tributária do crédito tributário.

Sabbag ainda colaciona um julgado do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido, vejamos:

“o crédito tributário não surge com o fato gerador. Ele é constituído com o lançamento (artigo 142 do CTN)”. (REsp 250.306/DF, 1ª T., rel. Min. Garcia Vieira, j. 06-06-2000).

Contudo, ambos juristas defendem a importância do lançamento do crédito tributário. Pois, somente após a ocorrência do fato gerador e o seu lançamento, o Fisco poderá adotar as medidas necessárias para o adimplemento da obrigação.

Segundo Sabbag: “Desse modo, o crédito tributário é a obrigação tributária tornada líquida e certa por intermédio do lançamento.” (Sabbag, 2015. p. 819).

Segundo Harada: “O crédito tributário nada mais é do que a própria obrigação tributária principal formalizada pelo lançamento, ou seja, tornada líquida e certa pelo lançamento.” (Harada, 2020, p.316).

Dada a explicação acima, a autoridade administrativa deve efetuar o lançamento do crédito, conforme art. 142 do CTN, ou seja, enquanto o Fisco não efetuar o ato jurídico de lançamento, dando ciência ao Contribuinte que uma obrigação deve ser cumprida, o Fisco não poderá cobrar o crédito. Por exemplo, na propriedade de um imóvel, o Contribuinte estará obrigado ao pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU. Ele só estará obrigado ao pagamento do tributo, quando o Poder Público Municipal efetuar o lançamento do crédito tributário. Perceba, o fato gerador do IPTU é a propriedade urbana de um imóvel. Portanto, a lei constitui a relação jurídica entre o Poder Público Municipal e o Contribuinte detentor do imóvel. Além do mais, a Súmula nº 397 do Superior Tributal de Justiça – STJ, indica qual é o momento em que o Contribuinte é notificado do lançamento, observe:

“O contribuinte do IPTU é notificado do lançamento pelo envio do carnê ao seu endereço.”

Segundo (Amaro, 2019, p.337) “O administrador fiscal não é titular (credor) da obrigação; credor dessa obrigação é o Estado (ou a entidade a que a lei atribui a condição de sujeito ativo, no caso das contribuições parafiscais).”

Significa dizer que a autoridade administrativa tem o dever de efetuar o lançamento dos tributos. Inclusive, o parágrafo único do art. 142 do CTN, ainda dispõe sobre a possibilidade de responsabilidade funcional, em caso de omissão do lançamento por parte da autoridade administrativa.

Por fim, há de se observar o prazo decadencial para o lançamento da obrigação tributária. De acordo com o art. 173 do CTN “O direito da Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I- do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;”.

Se o lançamento é condição de exigibilidade do crédito tributário, a falta desse ato implica a impossibilidade de o sujeito ativo cobrar o seu crédito. Por isso, dando-se a decadência do direito de o sujeito ativo lançar o tributo, nem sequer se deverá cogitar da prescrição, que só teria início com o lançamento. (Amaro, 2019, p.547).

2.3 – COBRANÇA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO:

Após o vencimento do crédito tributário, a Procuradoria Municipal, a Estadual, a Distrital ou da Fazenda Nacional, observado a natureza crédito ou a competência tributária, fará a inscrição do crédito em dívida ativa.

O crédito tributário, uma vez esgotado o prazo de pagamento fixado pela lei ou por decisão administrativa de que não caiba mais recurso, é inscrito no Livro de Inscrição da Dívida Ativa pela Procuradoria da Fazenda. Essa inscrição constitui-se no ato de controle administrativo da legalidade, conferindo ao crédito tributário a presunção de liquidez e certeza, que lhe atribui força executiva, bem como o efeito de prova pré-constituída, conforme dispõe o art. 204. O parágrafo único do art. 201 acrescenta que a incidência de juros de mora não prejudica essa presunção de liquidez e certeza, pois, por simples cálculo aritmético é possível encontrar o quantum debeatur no dia da satisfação do crédito tributário. (Harada, 2020, p.347)

Portanto, depois do lançamento e em caso de inadimplemento, o crédito será inscrito em dívida ativa, nos termos dos arts. 201 e 202 do CTN. Após essa inclusão, a Procuradoria do Ente Federado competente para arrecadação, efetuará os meios necessários para o adimplemento da obrigação.

Uma das modalidades de cobrança é através da Execução Fiscal, que é regida pela Lei nº 6.830 de 22 de setembro de 1980. E, no seu art. 1º, é trazido a legitimidade ativa para propositura da execução.

Art. 1º - A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.

Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

A leitura do art. 2º da Lei de Execução Fiscal, mostra ser importante, pois é apontado que os créditos não tributários também serão regidos pelo diploma legal supracitado.

Sabemos que a Constituição Federal de 1988, trouxe expressamente que matéria tributária deverá ser regida por lei complementar. Não obstante, Código Tributário Nacional é uma lei ordinária, mas foi recepcionado pela CF/88 com status de lei complementar. Diante disso, devemos nos atentar na aplicação de alguns dispositivos materiais da LEF. Pois, a Lei nº 6.830/1980 é uma lei ordinária. Então, o procedimento que será feito a cobrança, descrito em alguns artigos da LEF, só poderá ser aplicada em créditos não tributários. Visto que, os créditos tributários devem obedecer ao CTN, por conta da vontade expressa do Poder Constituinte na CF/88.

Art. 146. Cabe à lei complementar:

III- estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

  1. Definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

  2. Obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

O procedimento judicial aplicado na LEF será o mesmo para ambos os créditos. Ainda assim, a doutrina indica que os créditos não tributários também seguem os princípios gerais aplicados aos créditos tributários.

O procedimento administrativo de constituição do crédito não tributário segue, em linhas gerais, a mesma sistemática administrativa a plicada ao crédito tributário devendo obediência, portanto, a todos os princípios básicos que também orientam o procedimento fiscal tributário, em especial, o devido processo legal. (Filho, 2015, p.36).

Com este entendimento doutrinário, o art. 2º, §5º, da LEF e o art. 202, do CTN, apontam as determinações a serem seguidas para inscrever o crédito em dívida ativa. Que, basicamente, é indicar o nome do devedor ou corresponsáveis, quantia devida, juros de mora, natureza do crédito, data da inscrição e número do processo administrativo, caso tenha sido necessário. Perceba, a lei indica o mesmo procedimento para os créditos não tributários e tributários.

Sucintamente, não é tão difícil diferenciar os créditos não tributários dos tributários. Sendo os créditos tributários, descritos no art. 5º do CTN, os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria.

Já os créditos não tributários, a doutrina explica da seguinte forma:

A dívida ativa não tributária, conforme o nome já esclarece, compõe-se de crédito que não possui natureza tributária, inscrita pelo setor administrativo legalmente competente para execução do ato, após a devida apuração na forma prevista em lei, cuja origem decorre do exercício do poder de império, na modalidade de poder de polícia, ou de atividade legalmente conferida à autoridade de direito público. (Filho, 2015, p.35)

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Em síntese, os créditos não tributários são aqueles que decorrem de uma obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais, multas, despesas processuais e outros. Ou seja, os créditos não tributários, como explica João Aurino de Melo Filho, derivam da atuação legal do Estado, em que uma autoridade aplica uma penalidade de multa. Nesse caso, o Estado está exercendo seu poder penalizar quem deu causa a uma infração. Logo, a natureza da multa é de um crédito não tributário.

Por fim, a petição inicial de cobrança do crédito, através do procedimento da LEF, é bem simples. O próprio art. 6º do mesmo diploma legal dispõe da seguinte forma:

art. 6º. A petição inicial indicará apenas:

I- O Juiz a quem é dirigida;

II- O pedido; e

III- O requerimento para citação.

§ 1º- A petição inicial será instruída com a Certidão da Dívida Ativa, que dela fará parte integrante, como se estivesse transcrita.

§ 2º- A petição inicial e a Certidão de Dívida Ativa poderão constituir um único documento, preparado inclusive por processo eletrônico.

§ 3º- A produção de provas pela Fazenda Pública independe de requerimento na petição inicial.

§ 4º- O valor da causa será o da dívida constante da certidão, com os encargos legais.

O procedimento da LEF é bem simplificado. A Fazenda Pública apenas indica o juízo na sua petição inicial e junta a Certidão de Dívida Ativa. Em seguida, o juízo manda citar a parte, para que ela pague o crédito em 5 dias ou nomeie bens que possam ser penhorados. Enfim, não há tanta distinção entre créditos tributários e não tributários. Mas sim uma determinação de obediência ao CTN para os créditos tributários e a observação dos princípios gerais dos créditos não tributários.

3 - CAPÍTULO 2 - DA PRESCRIÇÃO:

3.1 - CONCEITO DA PRESCRIÇÃO:

Em suma, a prescrição é uma causa extintiva da relação jurídica. A lei, doutrina e jurisprudência, conceituam a prescrição como perda da pretensão pelo não exercício durante determinado tempo fixado pela norma, ou seja, a presentão é a possibilidade do credor ingressar perante o Poder Judiciário e cobrar o adimplemento de uma obrigação. Porém, uma vez consumada a prescrição, o credor não terá mais o direito de exigir sua pretensão no Poder Judiciário.

Sendo assim, de acordo com Pontes de Miranda (Miranda, apud Gonçalves, 2016, p.414), “a prescrição seria uma exceção que alguém tem contra o que mão exerceu, durante um lapso de tempo fixado em norma, sua pretensão ou ação.”

Logo, a expressão em latim “Dormientibus Non Socurrit Jus!”, traz uma reflexão bem importante sobre a prescrição. Pois, a falta do interesse de agir do titular da pretensão, acarretará a impossibilidade da cobrança no meio judicial. Deste modo, Amaro esclarece: “Por isso, esgotado certo prazo, assinalado em lei, prestigiam-se a certeza e a segurança, e sacrifica-se o eventual direito daquele que se manteve inativo no que respeita à atuação ou defesa desse direito” (Amaro, 2019, p.533)

De acordo com o conceito de Eduardo Sabbag, ele pontua a força destrutiva da prescrição. Até mesmo pela segurança jurídica, a inexistência da prescrição, implicaria em uma cobrança sem fim.

Se há prescrição, desaparece o direito de pleitear a intervenção do Judiciário, diante da falta da capacidade defensiva, que lhe foi retirada em consequência do não uso dela durante certo interregno, atingido pela força destrutiva da prescrição. (Sabbag, 2015, p.864)

De maneira geral, o conceito da prescrição parece ser o mesmo para os outros ramos do Direito, mas como todo ramo do Direito é autônomo e possui peculiaridades próprias, este trabalho se limitará no conceito dado pelo Código Civil de 2002 e pelo CTN.

3.1.1 – PRESCRIÇÃO NO DIREITO CIVIL:

O Direito Civil é um ramo do Direito Privado, que visa regular as relações jurídicas entre pessoas naturais e jurídicas. De acordo com o art. 189 do Código Civil, “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”

Para que a pretensão seja atingida pela prescrição, é necessário a violação do direito, a inércia do titular da pretensão e o decurso do tempo fixado em lei.

Segundo Tartuce, podemos extrair a seguinte concepção:

“Desse modo, se o titular do direito permanecer inerte, tem como pena a perda da pretensão que teria por via judicial. Repise-se que a prescrição constitui um benefício a favor do devedor, pela aplicação da regra de que o direito não socorre aqueles que dormem, diante da necessidade do mínimo de segurança jurídica nas relações negociais.” (Tartuce, 2020, p.460)

O CC, em seus arts. 205 e 206, fixa uma regra geral de 10 (dez) anos, quando a lei não determinar um prazo menor. Ainda no mesmo diploma legal, o CC aponta alguns prazos menores, que podem ser de 1 (um) ano, 2 (dois) anos, 3 (três) anos, 4 (quarto) anos e 5 (cinco) anos. Em cada um deles, a lei indica as hipóteses em que a prescrição se consumará antes do prazo geral de 10 (dez) anos.

Sendo assim, uma vez consumada a prescrição, o credor não perde o seu direito ao crédito, mas sim de ingressar no Poder Judiciário. Inclusive, o Código de Processo Civil de 2015, aponta a possibilidade dos magistrados julgar liminarmente improcedente os pedidos já prescritos, vejamos:

Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:

(...)

§ 1º O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição.

Nas relações civis atingidas pela prescrição, o CC no aponta a renúncia dela, em seu art. 191.

Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição consumar; tácita é a renúncia quando se presume fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.

Nesse sentido, Flávio Tartuce traz a seguinte definição:

Inicialmente, essa renúncia à prescrição poderá ser expressa, mediante declaração comprovada e idônea do devedor, sem vícios. Pode ocorrer ainda a renúncia tácita da prescrição, por condutas do devedor que induzem a tal fato, como o pagamento total ou mesmo parcial da dívida prescrita, que não pode ser repetida, exemplo que é de obrigação natural (art. 882 do CC). (Tartuce, 2020, p.467)

Portanto, a própria lei trouxe as duas espécies de renúncia a prescrição civil, podendo ser a renúncia expressa ou tácita. No que toca a renúncia tácita, a norma a obrigação natural, que pode ser identificada através do art. 882 do CC, “Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.”

Trata-se de obrigação sem garantia, sem sanção, sem ação para se fazer exigível. Nessa modalidade o credor não tem o direito de exigir a prestação, e o devedor não está obrigado a pagar. Em compensação, se este, voluntariamente, efetua o pagamento, não tem o direito de repeti-lo. (Gonçalves, 2015, p.179)

A prescrição atinge apenas a pretensão do titular, contudo, o direito em si permanecerá. Podendo, ainda, o titular da obrigação recebê-lo em caso de pagamento voluntário do devedor, que será tratado como o cumprimento de uma obrigação natural, conforme aponta Carlos Roberto Gonçalves. Dentro da lógica prescricional, o devedor não é obrigado ao pagamento do crédito e não pode ser cobrado judicialmente, mas pela vontade própria vontade do devedor, poderá efetuar o pagamento em benefício do credor.

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3.1.2 – PRESCRIÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO:

Na seara tributária, o conceito não é muito diferente da matéria civil. Porém, há algumas peculiaridades do Direito Civil que não podem ser aplicadas no Direito Tributário. Dessa forma, o CTN tratou a prescrição no capítulo IV, como modalidade de extinção do crédito tributário, vejamos:

Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

(...)

V- a prescrição e a decadência;

Eduardo Sabbag aponta o seguinte conceito:

A prescrição tributária é o fato jurídico que implica a perda do direito de ajuizamento da ação de execução fiscal. Insere-se a prescrição no bojo do direito processual. Verificada a sua ocorrência, nula será a ação executiva (art. 618, I, do CPC), e extinto estará o crédito tributário (art. 156, V, do CTN). (Sabbag, 2015, p.140)

Logo, passados 5 (cinco) anos desde a constituição definitiva do crédito tributário, sem a ação de execução fiscal proposta pelo Fisco, a relação jurídica entre o Fisco e o Contribuinte será extinta pelo surgimento da prescrição, nos termos do art. 156, V, do CTN.

No que toca ao prazo de consumação da prescrição, diferentemente do CC, o CTN indica o único prazo de 5 (cinco) anos para a ocorrência da prescrição, conforme o art. 174, do mesmo diploma legal. “A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contatos da data da sua constituição definitiva”.

Para entender o momento da constituição definitiva do crédito tributário, Eduardo Sabbag explica da seguinte forma:

O prazo para a contagem do quinquênio prescricional tem início no momento da constituição definitiva do crédito tributário, conforme reza o art. 174 do CTN. Em outras palavras, pode-se dizer que o termo a quo decorre do momento em que o crédito tributário se torna indiscutível, ou seja, quando não se admitir qualquer recurso administrativo a seu respeito. (Sabbag, 2015, p.141)

Neste sentido, a súmula nº 622 do STJ indica que:

Súmula nº 622 – A notificação do auto de infração faz cessar a contagem da decadência para a constituição definitiva do crédito tributário; exaurida a instância administrativa com o decurso do prazo para a impugnação ou com a notificação de seu julgamento definitivo e esgotado o prazo concedido pela Administração para o pagamento voluntário, inicia-se o prazo prescricional para a cobrança judicial.

Aparentemente, a doutrina e a jurisprudência são pacíficas sobre o momento da constituição definitiva do crédito tributário. Portanto, exaurida as vias recursais administrativas ou esgotado o prazo para pagamento voluntário, inicia-se o prazo prescricional para a Fazenda Pública, nos termos da LEF, a execução do crédito tributário. E, quando consumado o prazo prescricional de 5 (cinco) anos, sem que tenha sido proposta ação de execução fiscal ou outra forma que possa interromper ou suspender o prazo prescricional, o crédito será extinto.

Outra peculiaridade do Direito Civil, é no tocante da obrigação natural. Dentro do Direito Tributário, não há obrigação natural entre o Contribuinte e o Fisca. Uma vez que ocorrido o fenômeno da prescrição tributária, nos termos do art. 156, V, do CTN, o crédito tributário é extinto. Inclusive, é uma questão que já foi decidida pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, observe:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA. DECURSO DE MAIS DE 5 ANOS ENTRE A CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO E O AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO. PARCELAMENTO POSTERIOR. RESTAURAÇÃO DA EXIGIBILIDADE DO TRIBUTO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 267, V DO CPC/1973. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ. AGRAVO INTERNO DO ESTADO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. O art. 267 do CPC/1973 carece do necessário prequestionamento, requisito indispensável ao acesso às instâncias excepcionais.

Incide, no caso, a Súmula 211/STJ, segundo a qual inadmissível Recurso Especial quanto à questão que, a despeito da oposição de Embargos Declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo.

2. O acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência do STJ, que já orientou que o parcelamento postulado depois de transcorrido o prazo prescricional não restabelece a exigibilidade do crédito tributário. Isso por que (a) não é possível interromper a prescrição de crédito tributário já prescrito; e (b) a prescrição tributária não está sujeita à renúncia, uma vez que ela não é causa de extinção apenas do direito de ação, mas, sim, do próprio direito ao crédito tributário (art. 156, V do CTN).

3. Agravo Interno do Estado a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp n. 1.156.016/SE, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 1/6/2020, DJe de 4/6/2020.)

Além do mais, em uma recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais - TJMG, julgado em conformidade com a jurisprudência do STJ, pois a prescrição atinge o próprio direito do Fisco na cobrança do crédito tributário.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL - EXTINÇÃO DO FEITO POR FALTA DE INTERESSE - PARCELAMENTO ADMINISTRATIVO - TESE DE DEFESA - OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO ANTES DO ACORDO - INTERESSE PRESENTE - SENTENÇA CASSADA - JULGAMENTO IMEDIATO PELA INSTÂNCIA RECURSAL - CABIMENTO - APLICAÇÃO DO ART. 1.013, §3°, DO CPC - INTEMPESTIVIDADE DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO - REJEIÇÃO - IPTU - REVISÃO DO TRIBUTO - CABIMENTO - PRESCRIÇÃO - NÃO OCORRÊNCIA.
Para opor-se à execução de título extrajudicial é cabível a veiculação de embargos à execução, que deve ser oposto no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data da intimação da penhora, do depósito ou da juntada da prova da fiança bancária ou do seguro garantia, nos termos do art. 16 da Lei de Execução Fiscal (Lei Federal 6.830/80).
Conforme entendimento firmado pelo STJ, "o parcelamento postulado depois de transcorrido o prazo prescricional não restabelece a exigibilidade do crédito tributário. Isso por que (a) não é possível interromper a prescrição de crédito tributário já prescrito; e (b) a prescrição tributária não está sujeita à renúncia, uma vez que ela não é causa de extinção apenas do direito de ação, mas, sim, do próprio direito ao crédito tributário (art. 156, V do CTN)." (AgInt no AREsp 1156016/SE).
Se a tese defensiva é a ocorrência da prescrição antes do parcelamento, afigura-se presente o interesse do embargante no julgamento da lide.
Encontrando-se o processo em condições de imediato julgamento, pode a instância recursal decidir o mérito da demanda, conforme preconiza o art. 1.013, § 3º, do Código de Processo Civil.
Nos termos do precedente firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, o parcelamento do débito na seara administrativa apenas acarreta a extinção dos embargos à execução se houver renúncia expressa do direito sobre o qual se funda a ação.
O Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp nº 1.130.545/RJ, sob a ótica dos repetitivos, firmou a seguinte tese: "a retificação de dados cadastrais do imóvel, após a constituição do crédito tributário, autoriza a revisão o lançamento pela autoridade administrativa (desde que não extinto o direito potestativo da Fazenda Pública pelo decurso do prazo decadencial), quando decorrer da apreciação de fato não conhecido por ocasião do lançamento anterior, ex vi do disposto no artigo 149, inciso VIII, do CTN".
O lustro prescritivo para cobrança judicial de IPTU "começa a fluir somente após o transcurso do prazo estabelecido para o vencimento da exação (pagamento voluntário pelo contribuinte), não dispondo o Fisco, até o vencimento estipulado, de pretensão executória legítima para ajuizar execução fiscal objetivando a cobrança judicial" (REsp 1641011/PA).  (TJMG - Apelação Cível 1.0000.21.119577-1/001, Relator(a): Des.(a) Leite Praça, 19ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/03/2022, publicação da súmula em 31/03/2022)

A jurisprudência do TJMG ainda prevê a possibilidade de uma ação de repetição indébito, quando um tributo prescrito for pago indevidamente.

REEXAME NECESSÁRIO - APELAÇÃO - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - CRÉDITO TRIBUTÁRIO PRESCRITO - IPTU - PRECEITO DO § 3º, DO ARTIGO 2º DA LEI 6.830/80 - INCABÍVEL - PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL DO DIREITO À RESTITUIÇÃO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONSIGNADOS NA EXECUÇÃO FISCAL
- O preceito do § 3º, do artigo 2º da Lei 6.830/80, que prevê a suspensão prescricional entre a inscrição em dívida ativa e a execução fiscal, somente se aplica aos créditos não tributários da Fazenda Pública.
- Segundo jurisprudência do STJ, é direito do contribuinte a repetição do indébito, quando pago indevidamente um crédito tributário prescrito.
- O prazo prescricional para se pleitear a repetição do indébito é de cinco anos, contados a partir da data em que se deu o pagamento do tributo, nos termos do art. 168, I, do CTN e art. 1º do Decreto 20.910/32.
- Devem ser restituídos ao contribuinte os honorários advocatícios pagos em razão de execução fiscal de crédito prescrito.
- Em reexame necessário, reformada parcialmente a sentença. Prejudicados os recursos voluntários.  (TJMG - Apelação Cível 1.0433.13.012941-7/001, Relator(a): Des.(a) Maurício Soares, 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/02/2016, publicação da súmula em 04/03/2016)

Considerando a jurisprudência dos Tribunais, podemos entender que a prescrição tributária extingue o próprio direito ao crédito tributário, ou seja, a prescrição tributária não se admite renúncia caso o Contribuinte faça um pagamento voluntário indevido ou um parcelamento junto ao Fisco. Perceba, na seara cível a prescrição atinge a pretensão do direito de ação. Já no âmbito tributário, a prescrição atinge não só o direito de ação, mas também o próprio crédito tributário. Afinal, diante da literalidade do caput do art. 156 do CTN, “Extingue o crédito tributário:”, quando consumada a prescrição, o crédito estará extinto. Logo, o pagamento ou parcelamento feito pelo Contribuinte será considerado ilegítimo.

3.2 – INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO NO CÓDIGO CIVIL:

A doutrina majoritária conceitua a interrupção, usando o parágrafo único do art. 202 do Código Civil. Nesse sentido, segundo Gonçalves:

O efeito da interrupção da prescrição é, portanto, instantâneo: “A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para interromper” (art. 202, parágrafo único).” (Gonçalves, 2016, p.425)

A interrupção do prazo prescricional decorre de fatos previstos em lei. Logo, o art. 202 do Código Civil indica as hipóteses de interrupção.

Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:

I- por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;

II- por protesto, nas condições do inciso antecedente;

III- por protesto cambial;

IV- pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;

V- por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

VI- por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe no reconhecimento do direito pelo devedor.

Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.

No que toca aos incisos I a V, trata-se de um comportamento ativo do credor, ou seja, são atos que o credor pratica, mostrando que não está inerte, para que o seu crédito seja adimplido. Já no inciso VI, é a única hipótese de interrupção, que depende de um comportamento do devedor. Por exemplo, os pagamentos parciais ou pedido de prorrogação do prazo para pagamento, pedidos de parcelamentos e pagamento de juros.

Porém, é importante notar o caput do art. 202 do mesmo diploma legal, quando, expressamente, preconiza que a interrupção ocorre uma única vez. Dessa forma, Gonçalves aponta o seguinte:

A restrição é benéfica, para não se eternizarem as interrupções da prescrição. Como o art. 172 do Código de 1916 silenciava a esse respeito, admitia-se que a prescrição fosse interrompida mais de uma vez, salvo se a reiteração caracterizasse abuso. A inovação é salutar porque evita interrupções abusivas e a protelação da solução controvérsias. (Gonçalves, 2016, p.425)

Nesse sentido, a doutrina aponta que, antes da vigência do Código Civil de 2002, poderia ocorrer mais de uma vez. Logo, tornou-se necessário que a lei, expressamente, determinasse quantas vezes poderia ocorrer a interrupção.

3.3 – INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL:

O efeito da interrupção é o mesmo que ocorre no Código Civil. Segundo Sabbag:

O art. 174, parágrafo único, I a IV, do CTN prevê situações em que o prazo de prescrição será interrompido, zerando-se a contagem do quinquênio, com a integral devolução do tempo ao interessado, sendo a causa interruptiva o dies a quo do novo prazo de prescrição. (Sabbag, 2015, p.877)

Nesse sentido, o art. 174, parágrafo único, incisos I a IV, do CTN, indica as hipóteses em que ocorrerá a interrupção do prazo prescricional.

Art. 174. A ação para cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.

Parágrafo único. A prescrição se interrompe:

I- pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;

II- pelo protesto judicial

III- por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

IV- por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.

No Código Tributário, os incisos I a III, necessitam de algum ato do sujeito ativo. Nas hipóteses dos incisos mencionados, o Fisco sempre tomará alguma atitude, mostrando que não está inerte, perante o Poder Judiciário.

Agora, o inciso IV, decorrem de atos praticados pelo próprio devedor, ou seja, é a única hipótese que ocorre em vias administrativas. Por esse motivo, esse inciso IV contém uma omissão legislativa que será analisado no próximo capítulo.

Sendo assim, quando o devedor pede o parcelamento do débito, reconhece em petição ou carta o débito, pede compensação, entre outras situações, são atos que o próprio devedor reconhece sua dívida junto ao Fisco.

Nesse sentido, chamo a atenção que nos atos de parcelamentos, o sujeito passivo sempre deve anuir, ou seja, ele mesmo deve requerer o parcelamento ao Fisco. Quando o parcelamento for feito de ofício pelo Fisco, não haverá a ocorrência da interrupção. Pois, o devedor não anuiu com o parcelamento. Sendo esta, uma situação já foi pacificada pelo STJ:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. IPTU. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. DIA SEGUINTE AO VENCIMENTO DA EXAÇÃO. PARCELAMENTO DE OFÍCIO DA DÍVIDA TRIBUTÁRIA.
NÃO CONFIGURAÇÃO DE CAUSA SUSPENSIVA DA CONTAGEM DA PRESCRIÇÃO.
MORATÓRIA OU PARCELAMENTO APTO A SUSPENDER A EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. NECESSÁRIA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DO CONTRIBUINTE. PARCELAMENTO DE OFÍCIO. MERO FAVOR FISCAL. APLICAÇÃO DO RITO DO ART. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015. ART. 256-I DO RISTJ.
RECURSO ESPECIAL DO MUNICÍPIO DE BELÉM/PA A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Tratando-se de lançamento de ofício, o prazo prescricional de cinco anos para que a Fazenda Pública realize a cobrança judicial de seu crédito tributário (art. 174, caput do CTN) referente ao IPTU, começa a fluir somente após o transcurso do prazo estabelecido pela lei local para o vencimento da exação (pagamento voluntário pelo contribuinte), não dispondo o Fisco, até o vencimento estipulado, de pretensão executória legítima para ajuizar execução fiscal objetivando a cobrança judicial, embora já constituído o crédito desde o momento no qual houve o envio do carnê para o endereço do contribuinte (Súmula 397/STJ). Hipótese similar ao julgamento por este STJ do REsp. 1.320.825/RJ (Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe 17.8.2016), submetido ao rito dos recursos repetitivos (Tema 903), no qual restou fixada a tese de que a notificação do contribuinte para o recolhimento do IPVA perfectibiliza a constituição definitiva do crédito tributário, iniciando-se o prazo prescricional para a execução fiscal no dia seguinte à data estipulada para o vencimento da exação.
2. O parcelamento de ofício da dívida tributária não configura causa interruptiva da contagem da prescrição, uma vez que o contribuinte não anuiu.
3. A liberalidade do Fisco em conceder ao contribuinte a opção de pagamento à vista (cota única) ou parcelado (10 cotas), independente de sua anuência prévia, não configura as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário previstas no art. 151, I e VI do CTN (moratória ou parcelamento), tampouco causa de interrupção da prescrição, a qual exige o reconhecimento da dívida por parte do contribuinte (art. 174, parág. único, IV do CTN).
4. O contribuinte não pode ser despido da autonomia de sua vontade, em decorrência de uma opção unilateral do Estado, que resolve lhe conceder a possibilidade de efetuar o pagamento em cotas parceladas.
Se a Fazenda Pública Municipal entende que é mais conveniente oferecer opções parceladas para pagamento do IPTU, o faz dentro de sua política fiscal, por mera liberalidade, o que não induz a conclusão de que houve moratória ou parcelamento do crédito tributário, nos termos do art. 151, I e VI do CTN, apto a suspender o prazo prescricional para a cobrança de referido crédito.
Necessária manifestação de vontade do contribuinte a fim de configurar moratória ou parcelamento apto a suspender a exigibilidade do crédito tributário.
5. Acórdão submetido ao regime do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 (art. 256-I do RISTJ, incluído pela Emenda Regimental 24 de 28.9.2016), cadastrados sob o Tema 980/STJ, fixando-se a seguinte tese: (i) o termo inicial do prazo prescricional da cobrança judicial do Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU inicia-se no dia seguinte à data estipulada para o vencimento da exação; (ii) o parcelamento de ofício da dívida tributária não configura causa interruptiva da contagem da prescrição, uma vez que o contribuinte não anuiu.
(REsp 1658517/PA, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/11/2018, DJe 21/11/2018)

Logo, os atos inequívocos tratados no inciso IV do art. 174 do CTN, deverão ser praticados apenas pelo devedor, de acordo com a jurisprudência do STJ. Além disso, é muito comum o Fisco disponibilizar o pagamento à vista ou parcelado nos débitos de IPTU. Portanto, tais parcelamentos de ofício, não configuram hipótese interruptiva.

4 - CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DAS DECISÕES JUDICIAIS:

4.1 – DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL NA SEARA TRIBUTÁRIA:

Conforme foi visto, o art. 174, parágrafo único, IV do CTN, é a única hipótese de interrupção na órbita administrativa.

Quando o devedor reconhece sua dívida através de um parcelamento, sabemos que o prazo prescricional será interrompido. Porém, diante da omissão legislativa, quantas vezes poderá ocorrer a interrupção do prazo prescricional?

O CC, expressamente, dispõe que a interrupção ocorrerá uma vez só. Contudo, é muito comum que o sujeito passivo faça diversos parcelamentos, referentes ao mesmo crédito tributário. Sendo assim, o Código Tributário Nacional não aponta em quantas vezes a interrupção do crédito tributário poderá acontecer.

Além disso, de acordo com o que já foi analisado acima, a CF/88 indica, expressamente, que as matérias tributárias deverão ser regulamentadas por lei complementar, vejamos:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

(...)

III- estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

(...)

  1. obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

A partir disso, podemos concluir que somente lei complementar poderá regulamentar a matéria da prescrição. Sendo assim, diante da omissão legislativa, nos resta buscar o fundamento na jurisprudência. Pois, se a vontade do Constituinte Originário foi de tratar a matéria tributária por lei complementar, nós não podemos aplicar o art. 202, do CC, que estabelece a interrupção do prazo prescricional em uma única vez. Porém, o Código Civil foi aprovado como uma lei ordinária.

Em 2008, o Supremo Tribunal Federal – STF decidiu, nos termos do texto constitucional, acerca da reserva de lei complementar, feita pela CF/88, para matéria de prescrição e decadência tributária.

EMENTA: PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. MATÉRIAS RESERVADAS A LEI COMPLEMENTAR. DISCIPLINA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 45 E 46 DA LEI 8.212/91 E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º DO DECRETO-LEI 1.569/77. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. I. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. As normas relativas à prescrição e à decadência tributárias têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada a lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (art. 18, § 1º, da CF de 1967/69) quanto sob a Constituição atual (art. 146, III, b, da CF de 1988). Interpretação que preserva a força normativa da Constituição, que prevê disciplina homogênea, em âmbito nacional, da prescrição, decadência, obrigação e crédito tributários. Permitir regulação distinta sobre esses temas, pelos diversos entes da federação, implicaria prejuízo à vedação de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente e à segurança jurídica. II. DISCIPLINA PREVISTA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. O Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), promulgado como lei ordinária e recebido como lei complementar pelas Constituições de 1967/69 e 1988, disciplina a prescrição e a decadência tributárias. III. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES. As contribuições, inclusive as previdenciárias, têm natureza tributária e se submetem ao regime jurídico-tributário previsto na Constituição. Interpretação do art. 149 da CF de 1988. Precedentes. IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. Inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91, por violação do art. 146, III, b, da Constituição de 1988, e do parágrafo único do art. 5º do Decreto-lei 1.569/77, em face do § 1º do art. 18 da Constituição de 1967/69. V. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. SEGURANÇA JURÍDICA. São legítimos os recolhimentos efetuados nos prazos previstos nos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 e não impugnados antes da data de conclusão deste julgamento.

Nesse sentido, a 3ª Câmara Cível do TJMG, já decidiu o seguinte:

TRIBUTÁRIO - APELAÇÃO - EXECUÇÃO FISCAL - AUSÊNCIA DE CITAÇÃO VÁLIDA - PARCELAMENTOS SUCESSIVOS - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - ART.146, III, ""a"" DA CF/88. A teor do disposto no art. 174, caput, do CTN, a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos contados de sua constituição definitiva. O mesmo dispositivo legal elenca as hipóteses em que tal lapso é interrompido, dentre as quais a citação pessoal do devedor e o parcelamento. A ocorrência de parcelamentos sucessivos resulta em nova interrupção do prazo prescricional, haja vista não se aplicar no âmbito tributário, a limitação contida no art. 202 do Código Civil. O art. 146, III, ""a"" DA CF/88 atribuiu à Lei Complementar a regulamentação de matéria relativa à prescrição tributária. Razoável, então, é considerar as regulamentações previstas no Código Tributário Nacional, o qual não prevê a vedação prevista no diploma civil, podendo a prescrição interromper-se por diversas vezes, desde que presentes uma das causas do art. 174 do CTN.  (TJMG - Apelação Cível 1.0024.04.215265-2/001, Relator(a): Des.(a) Dídimo Inocêncio de Paula, 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/05/2008, publicação da súmula em 10/07/2008)

Em conformidade com a jurisprudência do STF, a 3ª Câmara do TJMG entendeu que o CC não pode ser aplicado, pois a Constituição Federal atribuiu à lei complementar a regulamentação da matéria tributária. Logo, mesmo que o sujeito passivo realizasse parcelamentos sucessivos, resultaria em novas interrupções do prazo prescricional. Contudo, a 3ª Câmara Cível do TJMG parece ter mudado o entendimento, e aplicou o art. 202, do CC no julgado a seguir:

EMENTA: APELAÇÃO - EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - INTERRUPÇÃO - ARTIGO 202 CÓDIGO CIVIL. De acordo com a sistemática adotada no Código Civil de 2002, conforme previsto no caput do seu art. 202, a prescrição somente se interrompe uma única vez. Nos termos do Recurso Especial nº 1.340553-RS, caracterizada a inércia do exequente, diante da paralisação do processo por cinco anos, sem que se procedesse à efetiva constrição de bens suficientes para garantir a execução, deve ser extinto o feito. Nos termos do Incidente de Uniformização de Jurisprudência n° 1.0344.04.015669-9/002, a prescrição intercorrente relativa às execuções fiscais também pode ser reconhecida em decorrência da desídia do Fisco na busca do crédito tributário.  (TJMG - Apelação Cível 1.0704.01.007584-1/001, Relator(a): Des.(a) Luzia Divina de Paula Peixôto, 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/02/2021, publicação da súmula em 09/03/2021)

Portanto, houve uma virada na jurisprudência da 3ª Câmara Cível do TJMG, visto que em 2008 o entendimento seguiu as decisões dos Tribunais Superiores, mas agora, a referida Câmara, aplica o art. 202, do CC para que a interrupção do crédito tributário aconteça uma única vez, contrariando a exigência constitucional de lei complementar acerca do tema.

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Em respeito a vontade do Poder Constituinte Originário, devemos tratar a matéria tributária, somente com à lei complementar. Inclusive, foi a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal.

Dessa forma, enquanto não sobrevier uma alteração legislativa, no que toca a interrupção do prazo prescricional tributário, não parece ser adequado usar a uma interrupção dada pelo Código Civil.

O Código Civil de 1916 também foi omisso, acerca da interrupção do prazo prescricional, e por sua vez o Código Civil de 2002 adotou, expressamente, que a interrupção aconteceria uma única vez.

A relação jurídica-tributária é constituída pela lei. Então nada mais justo e legal, regular a matéria no próprio Código Tributário Nacional, para as decisões dos tribunais sejam uniformes e permitindo uma maior segurança jurídica. Afinal, da mesma forma que não é correto sucessivas interrupções prescricionais no âmbito cível, também não é certo manter interrupções contínuas na seara tributária.

6 – REFERÊNCIAS

Amaro, Luciano Direito tributário brasileiro / Luciano Amaro. – 23. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, pág. nº 1, 11 de janeiro de 2002.

BRASIL, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, pág. nº 1, 17 de março de 2015.

BRASIL, Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispões sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. DOFC 24 09 1980 019051 1.

BRASIL, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de Direito Tributário aplicáveis a União, Estados e Municípios. Diário Oficial da União, pág. nº 12452, 27 de outubro de 1966.

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, pág. nº 1, 5 de outubro de 1988.

Execução Fiscal Aplicada: análise pragmática do processo de execução fiscal / Coordenador João Aurino de Melo Filho, autores Augusto Newton Chucri et al. – 4. Ed. ver. Ampl. e atual. – São Paulo: Juspodivm, 2015.

Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações / Carlos Roberto Gonçalves. – 12. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2015.

Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil, 1: esquematizado: parte geral: obrigações e contratos / Carlos Roberto Gonçalves; coordenador Pedro Lenza. – 6. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2016.

Harada, Kiyoshi Direito Financeiro e tributário / Kiyoshi Harada. – 29. ed. – São Paulo: Atlas, 2020.

Sabbag, Eduardo de Moraes. Direito Tributário Essencial / Eduardo Moraes Sabbag. – 3. Ed. Ver., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.

Sabbag, Eduardo. Manual de direito tributário / Eduardo Sabbag. – 7. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2015.

Tartuce, Flávio Manual de direito civil: volume único / Flávio Tartuce. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.

Sobre o autor
Luis Guilherme Fonseca Ferreira

Graduado em Direito na Universidade Salgado de Oliveira, Juiz de Fora.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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