Stock Options, Aspectos Jurídicos Contábeis

28/09/2023 às 09:32
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Entre as múltiplas consequências que a transformação digital traz está a necessidade de readequação das relações entre colaboradores e a empresa, na tentativa nem sempre assertiva de se estabelecer políticas de negócio com o objetivo de reter talentos, afinal quem não gostaria de ter entre os seus quadros, o elemento humano necessário para as mudanças que agreguem valor aos seus produtos e serviços, logo a implantação de uma política de Stock Options.

Como bem destaca Clemente da Nóbrega, em sua obra sobre transformação digital, “a transformação digital ocorre quando uma organização muda um ou mais elos de sua cadeia de valor por meio da tecnologia digital, de forma a caracterizar os seus ativos digitais como elementos geradores de valor”.

E em um cenário em que a mão de obra qualificada, promotora da transformação, é imensamente disputada, é preciso aperfeiçoar os instrumentos de retenção de capital intelectual, matéria prima principal na ampliação do valor do ativo intangível de um negócio.

Muitos desses instrumentos envolvem a entrega de elementos patrimoniais pela empresa contratante aos trabalhadores, que podem corresponder a ações e opções de compra de ações (stock options), além das units, ainda pouco utilizadas no Brasil, mas muito comuns no exterior, especialmente nos Estados Unidos. Essas entregas de patrimônio, podem ser gratuitas, como ocorre com as Restricted Stock Units (RSU), ou onerosas, como acontece nos planos de Employee Stock Purchase (ESPP).

A contabilidade denomina essas possibilidades, como pagamento baseado em ações, o que permite que os colaboradores tornem-se proprietários de parte do capital da empresa, com a principal finalidade de promover o alinhamento de seus interesses aos dos acionistas, mitigando conflitos e aperfeiçoando a assimetria informacional, além de gerar aumento de produtividade.

Existem diversas possibilidades de pagamento baseado em ações, sendo que a ESO (Employee Stock Options) a mais comum no momento, e que nesse momento gera diversas controvérsias envolvendo seu enquadramento contábil e tributário. Por meio dos planos de ESO, a empresa outorga opções de compra de ações a administradores e/ ou empregados, ou seja, concede aos trabalhadores o direito de, futuramente, adquirirem participação societária conforme um valor previamente estabelecido e após o cumprimento de determinadas condições. Destaco que essas opções de compra de ações são diferentes das call options negociadas no mercado de valores mobiliários, pois se destinam exclusivamente a administradores e empregados da empresa, pessoais, intransferíveis e outorgadas gratuitamente, ao passo que, no mercado, as opções estão disponíveis a todos, podem ser transferidas a terceiros e presumem o pagamento de prêmio para a aquisição do direito, o que já denota uma certa diferença.

Considerando que a transformação digital se dá de forma acentuada tendo três alternativas de estratégia de digitalização: mudança de modelo de negócio, mudança da experiência do cliente e mudança de operação. A retenção dos talentos e a estruturação jurídica desses benefícios estão voltadas para retenção desses talentos, ainda que não de forma exclusiva, uma vez que profissionais de outras áreas do negócio que agregam valor a ele devem e precisam estar no foco da retenção.

Aqui queremos abordar os aspectos jurídico contábeis, por isso lembramos que mesmo para aqueles que concordam com o reconhecimento das despesas, há muitos aspectos a serem debatidos envolvendo o tratamento contábil aplicável às ESO, como:

1)  Qual modelo de precificação das opções é o mais apropriado?

2)  Em que momento deve ocorrer a mensuração?

3)  Em que instante deve ocorrer o reconhecimento?

4)  Como essas despesas precisam ser lançadas na contabilidade?

Para Isabel Cristina Sartorelli, em dissertação de 2010 sobre o tema: “ Uma alternativa seria reconhecer a despesa com ESO diretamente no patrimônio líquido, como outros resultados abrangentes, ou seja, uma parcela do lucro que não decorreu das operações da empresa e não está à disposição dos acionistas”. Dessa forma, as stock options não impactariam o lucro líquido e a distribuição de dividendos, ainda que se possa questionar se sobre a subsunção das ESO ao conceito de despesa. O próprio tratamento como resultado abrangente poderia gerar questionamentos, uma vez que não pode abranger transações com acionistas. Outra opção seria a contabilização do custo de oportunidade, isto é, somente da diferença entre o valor de mercado da ação, que a empresa poderia receber negociando esse ativo fora do plano de stock options, e o valor recebido do administrador ou empregado como preço de exercício, inferior ao primeiro. Dada a dificuldade para a classificação das ESO como resultados abrangentes e a impossibilidade de contabilização do custo de oportunidade no resultado do exercício, de acordo com as normas contábeis vigentes;

Na mesma dissertação, Sartorelli, orientada em seu mestrado pelo prestigiado Eliseu Martins, propôs “o registro do custo de oportunidade diretamente no patrimônio líquido, apenas e exclusivamente para fins de divulgação ao mercado, mas em contas representativas das transações de capital com os sócios” (Sartorelli, 2010, p. 63) (o débito e o crédito, portanto, ocorreriam em contas do patrimônio líquido).”

Ao mesmo tempo no âmbito da normatização contábil, a Estrutura Conceitual aprovada pelo CPC dispõe que “despesas são reduções nos ativos, ou aumentos nos passivos, que resultam em reduções no patrimônio líquido, exceto aqueles referentes a distribuições aos detentores de direitos sobre o patrimônio. Esse conceito converge com o item 4.69 do Conceptual Framework for Financial Reporting, elaborado pelo IASB.

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Para Sérgio de Iudícibus (2021, p. 129) “o grande fato gerador de despesa é o esforço continuado para produzir receita”. Trata-se de conceito relacionado ao regime de competência, isto é, que atrela a aferição do lucro líquido à diferença entre as receitas registradas e as despesas incorridas.”

No CPC 10, “as despesas devem ser reconhecidas à medida que a empresa recebe os serviços prestados pelos administradores e empregados beneficiários do plano de stock options, isto é, ao longo do vesting period, em que algumas condições devem ser cumpridas para que o trabalhador possa exercer seu direito de compra das ações. A contrapartida corresponderá a um aumento do patrimônio líquido, pois a liquidação das ESO ocorre por meio de instrumentos patrimoniais. A mensuração deve ocorrer na data da outorga das ESO e observar o valor justo das opções de compra de ações concedidas, dada a impossibilidade de se mensurar com confiabilidade o valor justo dos serviços recebidos. Em razão das particularidades das ESO, mencionadas anteriormente, não há preço de mercado disponível para as opções, de modo que a entidade deve estimar o valor justo utilizando técnicas como o modelo binomial ou o método de Black-Scholes-Merton.”

Para quem não está envolvido diretamente com o tema, o que se questiona, ao menos o principal questionamento, é se esses valores destinados às ESO, seriam despesa, e logo afetariam o resultado da empresa, por isso a importância dessa discussão.

No artigo Polêmicas Contábeis e Tributárias sobre Employee Stock Options, no Livro Controvérsias Jurídico Contábeis (Bruno Meirelles, Fernando Dal-Ri e Thais Romero, fazem destaque “Para Martins, Diniz e Miranda (2020), a despeito da relação entre os conceitos de despesa e competência, supramencionada, uma transação somente atende à definição de despesa quando observada “a regra de vir a ser caixa algum dia ou [...] ter sido caixa no passado”, de modo que não haveria despesa genuína quando a empresa utiliza suas próprias ações para liquidar a obrigação. De acordo com esse racional, os ônus econômicos decorrentes das ESO são suportados pelos acionistas originais, que “verão outros sócios entrarem para a sociedade e pagarem valor inferior ao que essas ações valem”. Assim, os acionistas terão sua participação acionária diluída, em razão do exercício das opções, “transferindo uma parte da sua riqueza para os que ganharam o direito”.

A legislação brasileira segue o mesmo raciocínio, quando atribui à Assembleia Geral, e logo aos acionistas, a aprovação de estatuto social permitindo a outorga de ESO, bem como a elaboração do plano de stock options.  Assim, sob uma perspectiva econômica, a empresa suporta mero custo de oportunidade, pois poderia vender suas ações conforme o valor de mercado, superior ao preço de exercício previsto no plano de stock options, bem como poderia distribuir suas opções de forma onerosa no mercado, em vez de outorgá-las gratuitamente aos trabalhadores. Nesse sentido, a informação contábil produzida seria desconectada da realidade econômica, pois a IFRS 2 e o CPC 10 (R1) preveem a mensuração da despesa incorrida pela empresa não com base no referido custo de oportunidade, mas a partir do valor justo das ESO, que seria uma estimativa questionável, uma vez que essas opções não possuem liquidez, prejudicando a aplicação dos modelos de precificação existentes.”

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Dessa forma, as stock options não impactariam o lucro líquido e a distribuição de dividendos, mas as polêmicas conceituais aqui descritas não seriam solucionadas, pois ainda poderia ser questionada a subsunção das ESO ao conceito de despesa. O próprio tratamento como resultado abrangente poderia gerar questionamentos, uma vez que não pode abranger transações com acionistas. Outra opção seria a contabilização do custo de oportunidade, isto é, somente da diferença entre o valor de mercado da ação, que a empresa poderia receber negociando esse ativo fora do plano de stock options, e o valor recebido do administrador ou empregado como preço de exercício, inferior ao primeiro. Dada a dificuldade para a classificação das ESO como resultados abrangentes e a impossibilidade de contabilização do custo de oportunidade no resultado do exercício, de acordo com as normas contábeis vigentes.

Logo o fato de dar ao colaborador a possibilidade dele adquirir ações por um preço prefixado, muitas vezes por valores inferiores aos de mercado, ou seja, um programa de incentivo de longo prazo com base em ações, pensado para promover e engajar seus talentos, deve ser uma alternativa sempre presente nas estruturas societárias mais complexas, ainda que o mesmo precise de assessoria experiente nessa condução.

Porém é necessário transparência nas condições de aquisição para isso não virar frustração ou receber outras adjetivações menos ilustres. Ao mesmo tempo por parte do colaborador é preciso uma certa paciência para aguardar os lucros, que dependem da evolução da empresa.

Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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