Resumo: Este artigo trata da necessidade de pacientes com câncer em fase terminal continuarem sendo considerados sujeitos de direitos ainda que no fim da vida e a prática da ortotanásia como alternativa aos métodos desproporcionais de retardamento da morte. A ideia da santidade da vida ainda faz com que a morte seja um problema moral para grande maioria de pessoas. E se ela já não é muito bem aceita, o processo que a antecede, nos casos de doenças incuráveis em estado terminal, mostra-se ainda mais controverso. Uma porque se tem em mente que ninguém merece o sofrimento advindo da consciência da proximidade de seu próprio fim. E outra porque a possibilidade da qualidade de vida dessa pessoa diminuir nesse período por tratamentos médicos é muito grande. Desse modo, será apresentada uma reflexão sobre que tipo de “vida” é aquela protegida pela Constituição de 1988 e como deve se dar a aplicação dos princípios da dignidade da pessoa humana e o da autonomia privada nos casos de câncer em fase terminal. Para tanto, identifica o conceito da ortotanásia e a concepção do cuidado a partir da multidimensionalidade do enfermo. E, por fim, analisa o panorama jurídico brasileiro acerca do tema.
Palavras-chave: Doença Terminal; Qualidade de Vida; Biodireito;Panorama Jurídico Brasileiro.
Sumário: Introdução. 1. Princípios e direitos que norteiam a morte digna 1.1. O direito à vida e o princípio da dignidade humana 1.2. O direito à saúde 1.3. O direito à liberdade e o princípio da autonomia privada 2. Considerações acerca da Bioética e do Biodireito 2.1. Bioética 2.1.1. Princípios da Bioética 2.2. Biodireito 3. As diferentes perspectivas sobre a terminalidade da vida 3.1. Eutanásia 3.2. Distanásia 3.3. Ortotanásia 3.3.1. Cuidados Paliativos no auxílio de um processo de morrer dignamente 4. Panorama normativo brasileiro 4.1. Lei Estadual nº 10.241/99 (Lei Mário Covas) 4.2. Resolução nº 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina 4.3. Resolução nº 1.931/2009 – Código de Ética Médica 4.4. Anteprojeto do Código Penal (Projeto de Lei do Senado nº 238/2012) Conclusão. Referências.
Introdução
Derivado do termo em latim mors (REZENDE; BIANCHET, 2014, p. 389), a palavra “morte” impacta definitivamente a compreensão de vida de todos os indivíduos do mundo. Isso porque nada nem ninguém foi capaz de mudar o curso natural da biologia humana. E, por conta desse desconhecimento, a maioria dos seres humanos repulsam voltar seus pensamentos para esse assunto.
Gilberto Gil em sua obra “Não tenho medo da morte” (2008) diferencia a morte do morrer. Para o autor, a morte é o que vem depois de morrer porque “morrer ainda é aqui/na vida, no sol, no ar/ainda pode haver dor/ou vontade de mijar”. Embora muitas vezes usados como sinônimos, morrer e morte possuem suas diferenças semânticas. Podemos dizer que o processo de morrer ainda faz parte do ciclo de existência humana, enquanto que a morte já é além. E, enquanto estamos em vida, ainda que no final desta, ainda somos capazes de compreender certos sentidos e gozar de certos direitos.
Ainda que a medicina não tenha evoluído ao ponto de desnudar de vez o mistério sobre o fim da vida, ela nos proporcionou novas possibilidades de lidar com o processo do morrer, algumas de forma efetiva e outras apenas protelatórias. O Conselho Federal de Medicina (Resolução CFM Nº 1.805/2006), por exemplo, confirma que os avanços biotecnológicos possibilitaram que o óbito após a instalação de enfermidade grave, que no início do século XX dava-se em até cinco dias, passasse a ser dez vezes mais distante já no início do século XXI.
A partir disso, faz-se necessário pensar no aspecto qualitativo desse proceso que precede a morte. A demanda da manutenção da vida de um paciente com uma doença grave ou incurável deixou de lado uma reflexão mais aperfeiçoada sobre a qualidade desse feito. O assunto, ainda pouco discutido em ambientes acadêmicos, por esbarrar em questões éticas, morais e religiosas, merece mais destaque não só pela sua singularidade, mas também pela necessidade de adequação do Direito com a evolução da sociedade.
Mediante o exposto, o presente artigo possui a finalidade de, à luz do Biodireito e da Bioética, proceder ao estudo da relação entre a ortotanásia e os direitos dos pacientes com câncer em fase terminal no fim de suas vidas, partindo do pressuposto que morrer dignamente é garantido pela Constituição de 1988 tal qual viver dignamente.
Princípios e direitos que norteiam a morte digna
O Brasil promulgou em 1988 a Constituição Cidadã, que foi cunhada com esse termo pois avançou na garantia aos brasileiros de transformá-los em sujeitos de direitos e objetivou a construção de uma sociedade justa e solidária. Nas palavras de Maria Celina Bodin de Moraes (2006, p. 4), o direito constitucional representa atualmente o conjunto de valores sobre os quais, se constrói, na atualidade, o pacto de convivência coletivo. É o que se observa ao longo do corpo da Carta Magna: regras e princípios que norteiam as relações socias em nosso Estado com vistas a garantir uma existência sadia, minimizando ou dando soluções a possíveis conflitos.
A despeito de haver posições divergentes, Barroso e Barcelos (2003, p. 150) afirmam que, superando a crença de que os princípios teriam uma dimensão puramente axiológica, o que se entende hoje é que regras e princípios desfrutam igualmente do status de norma jurídica e integram, sem hierarquia, o sistema referencial do intérprete constitucional. Nesta senda, no presente capítulo será feita a análise da temática do processo da morte, especificadamente da prática da ortotanásia, a partir do que o sistema jurídico brasileiro nos oferece como normas, sejam elas regras, aqui direitos, ou princípios constitucionais.
1.1. O direito à vida e o princípio da dignidade humana
O primeiro direito a ser estudado é o da vida, considerado como a nascente de todos os demais. Do ponto de vista de Azevedo (2002, p. 10), a vida genericamente considerada consubstancia o valor de tudo que existe na natureza pois esse valor existe por si, ele independe do homem. A Constituição brasileira, em seu artigo 5º, assegurou a inviolabilidade do direito à vida a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil. O Estado Democrático de Direito, portanto, por considerar a vida um bem jurídico essencial a todos, o supervalorizou. E por via de consequência, tornou-o um direito básico. No entanto, a elevação a esse status quo não vem, necessariamente, da positivação no Direito, mas sim de uma decorrência lógica do direito natural.
A questão, portanto, parte do seguinte questionamento: o que seria vida? Conforme aponta o Dicionário Michaelis, um conjunto de propriedades, atividades e funções que caracterizam e distinguem um organismo vivo do morto. Contudo, o ordenamento pátrio não nos dá uma conceituação que nos sirva de resposta e sim “apenas consequência a este fato, como jurídicos, no sentido de atribuir poderes e deveres às pessoas de determinada relação jurídica, onde ocorrem” (DODGE, 1999, p. 113). É o que ocorre, por exemplo, quando o Código Civil de 2002 estabelece que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas não conceitua o que seria a vida. Assim, a compreensão desse direito parte de uma noção dilatada do objeto.
Segundo Alexandre de Moraes (2020, p. 113), o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui como pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos. De acordo com o jurista, ainda, a Constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência.
Entende-se, pois, que a dimensão do direito à vida não é absoluto. Assim, na perspectiva da terminalidade da vida, não se mostra cabível a utilização de métodos desproporcionais ou impiedosos de prolongamento artificial de vida como justificativa desse direito, uma vez que este está necessariamente ligado à garantia da aplicação e do exercício da dignidade da pessoa humana, atentando-se às limitações e necessidades dos indivíduos.
A dignidade humana é uma referência obrigatória e, assim como o direito à vida, encontra-se resguardada pela Constituição Federal, mas classificada como princípio fundamental do Estado. Para Miguel Reale (1986, p. 60), princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade. A dignidade humana, portanto, seria nada menos que um dos pilares fundacionais da nossa ordem jurídica que se irradia por ela, subordinando-a.
Esse princípio, em si, é polissêmico “e, muito embora não sendo possível nem desejável reduzi-lo a um conceito fechado e plenamente determinado, não se pode escapar da necessidade de lhe atribuir sentidos mínimos” (BARROSO; MARTEL, 2010, p. 249). Para Barroso (2013, p. 274), o conteúdo da dignidade humana é dividido em três: valor intrínseco da pessoa humana, autonomia de cada indivíduo e o valor comunitário que impõe restrições legítimas a esta autonomia.
Assim, conforme a autor, o primeiro elemento trata da afirmação da posição especial da pessoa humana no mundo, que a distingue dos outros seres vivos e das coisas. As coisas têm preço, mas as pessoas têm dignidade. Já a autonomia, é o elemento ético da dignidade, ligado à razão e ao exercício da vontade em conformidade com determinadas normas (2013, p. 275), envolvendo uma dimensão privada, outra pública, tendo, como pressuposto necessário, a satisfação do mínimo existencial. Por fim, o terceiro elemento refere-se ao que é moldado pelos valores compartilhados pela comunidade, destinando-se a promover a proteção dos direitos de terceiros, do indivíduo contra si próprio e de valores sociais. Portanto, podemos concluir que a dignidade trata sobre a moral e ética de uma pessoa que guia a sua autodeterminação consciente e responsável em suas escolhas de vida.
Se antes vimos que o direito à vida possui dois sentidos, sendo um deles a vida digna, podemos concordar que a vida é muito mais do que um funcionamento biológico do corpo humano. Para além disso, se considerarmos que morte é intrínseca à vida, o mesmo valor que se dá a um deve se dar a outro, não sendo possível qualquer discussão sobre ela sem que seja levado em conta o caráter contínuo dessa relação.
Em um ponto da música “Não tenho medo da morte”, Gilberto Gil aponta que a diferença entre a morte e o morrer é o instante em que elas ocorrem. Em outros termos, morrer significa ainda estar vivo, mas no fim de uma vida. E por o corpo ainda estar em atividade, ainda que não no seu potencial máximo, o ser humano continua sendo um sujeito com vontades e necessidades inerentes a seu corpo. Já a morte é algo posterior, além, que corresponde à ausência definitiva de si. Para o compositor, o que causa medo é não saber se o processo de morrer será o melhor vivido. E é aí que entra a importância da observância da aplicação da dignidade humana nos casos de pacientes terminais. Afinal, não é direito do indivíduo, especialmente de um paciente com um quadro médico irreversível, viver o desfecho sua vida sem que seja levado em consideração a vulnerabilidade na qual se encontra?
Os aprimoramentos dos métodos e procedimentos médicos trazidos pelos avanços tecnológicos geraram duas escolhas na vida dos pacientes terminais e de suas famílias: a possibilidade do prolongamento da vida a todo custo e a minimização do sofrimento e dor de enfermos no fim de suas vidas. In casu, podemos considerar este último como aplicação da dignidade humana: a escolha por cuidados garantidores de qualidade de vida e assistência integral aliado com a recusa a tratamentos sofríveis incapazes de reverter um quadro iminente de morte.
Nessa linha de raciocínio, não se deve deixar de lado e muito menos esquecer que aquele enfermo ainda está vivo, e por conta disso a qualidade dessa vida deve importar mais do que o seu aspecto quantitativo. Assim, “a pessoa humana e sua dignidade constituem fundamento e fim da sociedade e do Estado, sendo o valor que prevalecerá sobre qualquer tipo de avanço científico e tecnológico” (DINIZ, 2017, p. 41). Nesse sentido, tal qual entendeu a autora Luciana Dadalto (2019, p. 8), a dignidade no morrer deve ser perseguida pelo operador e intérprete do direito, assim como se persegue a dignidade no nascer e no viver.
O direito à saúde
O artigo 6º da Constituição Federal disciplina sobre os direitos sociais e, dentre eles, está a saúde. Esse grupo de direitos busca concretizar a isonomia substancial e social entre os cidadãos. Levando-se em consideração que saúde é um direito fundamental de segunda geração – que transcende a individualidade –, sua garantia depende de um ato positivo do Estado, ou seja, uma prestação intervencionista. Significa dizer que a inércia do Poder Público caracterizaria uma grave violação na garantia dessa prerrogativa.
Ainda que a Carta Magna não tenha sido clara na especificação do objeto do direito à saúde, seu artigo 196 disciplina que se trata de um direito de todos e um dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).
Sobre isso, Moura (2013, p. 1) afirma que dentre os direitos sociais, o direito à saúde foi eleito pelo constituinte como de peculiar importância e está intimamente atrelado ao direito à vida, manifestando a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana. Diante disso, tem-se que saúde como direito equivale a bem-estar, o que está intimamente ligado também à dignidade humana.
Nesse mesmo sentido é o conceito de saúde definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 1948): um estado de completo bem-estar físico, não consistindo apenas na ausência de doença ou de enfermidade. Dessa maneira, a proteção da saúde está vinculada à possibilidade de oferecer ao indivíduo, mesmo enfermo, conforto e cuidado, observando a proporção da sua vulnerabilidade e afastando “ações médicas que não são capazes de modificar o quadro mórbido” (DINIZ, 2006, p. 1741). Nos casos específicos dos pacientes com câncer em estágio terminal, a ortotanásia, através dos cuidados paliativos, mostra-se como instrumento de eficácia para o alcance de uma saúde digna ao passo que leva em conta a necessidade de garantir àquele indivíduo um bem-estar de forma universal.
Elaborada pelo Ministério da Saúde junto do Conselho Nacional de Saúde a partir de seis princípios fundamentais para assegurar o acesso digno a sistemas de saúde (público ou privado), a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde estabelece direitos e deveres dos cidadãos no tocante ao acesso à saúde no Brasil. Dentre eles, fica garantido a informação a respeito de diferentes possibilidades terapêuticas, de acordo com a condição clínica de cada usuário, com direito à recusa, atestado na presença de testemunha, o direito à escolha de alternativa de tratamento, quando houver, e à consideração da recusa de tratamento proposto. Então, o primeiro passo para a proteção de uma saúde digna é a garantia de uma relação de transparência e confiança entre o médico e o seu paciente terminal.
Debater sobre a garantia à saúde é também se referir à saúde no limiar da vida. Contudo, em 2010, constatou-se que o Brasil estava em 38º lugar no ranking geral produzido pelo The Economist com a finalidade de classificar 40 países de acordo com a qualidade e disponibilidade de cuidados de fim de vida - The Quality of Death Index. A pesquisa atentou-se para quatro fatores: ambiente para cuidados básicos de fim de vida, disponibilidade de serviços de cuidados de fim de vida, custo e investimento nos cuidados de fim de vida e qualidade dos cuidados de fim de vida. Assim, forçoso reconhecer duas questões: 1) saúde em casos de enfermidades terminais está atrelada a cuidados paliativos e 2) o Brasil, ainda que assegure, de forma expressa, saúde de forma digna, está longe de garantir o ideal existencial para pacientes terminais.
Dessa maneira, ainda que no Brasil o avanço da tecnologia na medicina contribua sobremaneira para o acesso ao direito à saúde em diversas searas, como, por exemplo, nos casos de transplantes pulmonares em pacientes acometidos pela Covid-191, os profissionais de saúde precisam voltar seus olhos para aqueles que, ainda vivos, são subvalorizados. Esse é o pensamento de Arantes (2016, p. 108), na terminalidade humana, é comum que todos ao redor da pessoa que morre a observem como se ela já estivesse morta.
Saúde, como vimos, não diz respeito somente a diagnosticar doenças para tratá-las e curá-las. Garantir saúde também é, frente à consciência da morte de um paciente, saber cuidar e escolher os instrumentos adequados, na medida da condição de cada um, para enfrentar aquele caminho, de modo a se garantir um bem-estar multidimensional. Isso porque pode não haver tratamentos disponíveis para a doença, mas há muito mais a fazer pela pessoa que tem a doença (ARANTES, 2016, p.46).
Assim como o direito à vida deve ser aplicado em consonância com o princípio da dignidade humana, a proteção à saúde também está vinculada a padrões mínimos existenciais pois, segundo Fernandes et al (2013, p. 2.592), o paciente não deve ser considerado apenas como um corpo doente, mas como uma pessoa que carrega consigo uma história de vida constituída de medos, anseios e desejos. Por isso, pessoas com câncer em fase terminal, frente à certeza da proximidade da finitude, buscam na ortotanásia a garantia de cuidados que tornem essa fase de transição menos amedrontadora e mais humanizada. E cabe a equipe médica, através da utilização dos métodos paliativos, oferecer ao paciente uma boa morte.
O direito à liberdade e o princípio da autonomia privada
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, período pós Segunda Guerra, quando o mundo ainda estava abalado com os horrores ocorridos naquele período. Apesar de não possuir obrigatoriedade legal, o documento traçou diversos direitos humanos básicos e declarou logo em seu artigo primeiro que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, sendo dotados de razão e consciência e devendo agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Estabelecia-se, então, uma noção de supremacia da ética e o fortalecimento dos direitos humanos.
A liberdade, prerrogativa presente no artigo 3º da DUDH, foi internalizada em nosso sistema normativo e hoje é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal. Está atrelada à possibilidade do Estado em garantir a exteriorização da vontade interna de um indivíduo. É importante ressaltar, contudo, que o exercício desse direito não deve se dar de forma ilimitada. Assim, a garantia da busca da satisfação pessoal deve estar de acordo com os ditames legais e tal satisfação não pode causar prejuízo a outrem.
Podemos também relacionar o direito à liberdade com o princípio bioético da autonomia. Para Barroso e Martel (2010, p. 254 apud DINIZ et. al, 2008 p. 153), a autonomia figura como princípio fundamental, por ser um modelo baseado no livre consentimento e esclarecido dos sujeitos. Nessa senda, conforme apontou Maria Helena Diniz (2017, p. 39), autonomia seria a capacidade de atuar com conhecimento de causa, e sem qualquer coação ou influência externa. Depreende-se, então, que a autonomia do indivíduo possui três requisitos cumulativos: liberdade para agir, capacidade de escolha e conhecimento objetivo acerca do assunto.
Passada a discussão sobre o direito à liberdade de agir, devemos nos debruçar sobre as demais condições.
O Código Civil, em seu artigo 1º, preceitua que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. E essa capacidade que nos foi conferida se divide em duas: capacidade de direito e de fato. In casu, para o presente estudo, ainda que nos importa mais a segunda, é importante a conceituação das duas. Nesse sentido, podemos dizer que, enquanto a capacidade de direito é aquela inerente à personalidade civil de todos os sujeitos de direito, a capacidade de fato se refere àquela necessária para o desempenho, por si só, dos atos da vida civil. Uma pessoa pode possuir as duas (quando ocorre a capacidade plena) ou possuir a primeira e não a segunda. É o que ocorre com uma criança, que é legitimada para herdar mas não para constituir um testamento.
Já em relação à autonomia de pacientes com câncer em fase terminal que usam a ortotanásia como meio de buscar um fim de vida digno, para que esse indivíduo a exerça, ele deve ser capaz juridicamente de agir ou escolher conforme sua vontade, sob pena de nulidade do ato jurídico celebrado.
Quanto ao terceiro requisito, é de notório saber que nos últimos anos houve uma mudança – ou tentativa – de paradigma na relação médico-paciente no que se refere ao processo de tomada de decisões. A cada dia que passa, o modelo verticalizado da medicina vem dando espaço para um mais horizontal, onde os dois agentes da relação se mantêm no mesmo nível. Nesse sentido, Diaulas Costa Ribeiro (2006, p.1.749) fala sobre o apoderamento sobre a saúde, o que chamou de empowerment health, ou seja, a conquista do paciente em tomar decisões sobre a sua saúde e sua vida, passando de sujeito passivo para o titular do direito.
O artigo 4º da Portaria 1.820/09, que dispõe sobre os direitos e deveres dos usuários da saúde, vai ao encontro dessa ideia e disciplina que toda pessoa tem direito ao atendimento humanizado e acolhedor, além de lhe ser garantida a informação a respeito de diferentes possibilidades terapêuticas, de acordo com sua condição clínica, baseado nas evidências científicas, e a relação custo-benefício das alternativas de tratamento, com direito à recusa, atestado na presença de testemunha. Para Ribeiro (2006, p. 1.752), trata-se de iniciativa histórica a afirmar o consentimento livre e esclarecido como substituto do paternalismo nas relações de saúde.
Nessa perspectiva, ao passo que a equipe médica informa, de maneira clara e responsável, ao paciente de câncer em fase terminal acerca da sua situação de saúde e dos tratamentos cabíveis, oferece a esse indivíduo a possibilidade de compressão e conhecimento objetivo do que pode lhe ser oferecido para o fim de sua vida. O poder decisório de seguir ou não a indicação do nosocômio pertence apenas e exclusivamente ao paciente (DADALTO; CARVALHO, 2016, p. 34).
Portanto, a fim de que se tenha uma decisão autônoma legítima, o paciente deve ser livre para agir, na medida de sua capacidade e orientação passada pelo médico responsável por ele. Assim, quanto mais liberdade e conhecimento se garante ao enfermo, ainda capaz juridicamente, mais soberana será sua decisão.
Considerações acerca da Bioética e do Biodireito
As discussões acerca da ortotanásia atravessam, necessariamente o estudo da Bioética e do Biodireito e, por isso, esse capítulo foi separado para analisar a relação entre essa prática com valores morais e éticos que envolvem o processo de morrer e a normatização jurídica das regras advindas disso.
As relações humanas com a morte, doenças, cuidados médicos e avanços tecnológicos na saúde sempre passam pelo juízo da admissibilidade. É justo uma pessoa continuar sofrendo por uma doença que não há mais cura? Até que ponto um médico pode manter um remédio que já não provoca mais o efeito desejado pelo paciente? Não há uma resposta certa para essas e para várias outras perguntas que são cotidianamente feitas, no entanto, o que se tem são pontos de partida éticos e limites jurídicos.
Para tanto, devemos conceituar cada um desses institutos a fim de diferenciar as suas naturezas. Em um mundo onde os progressos científicos avançam diariamente, a bioética serve para propor soluções éticas aos dilemas biotecnológicos que aparecem através das avaliações racionais feitas pelos agentes da relação médico-paciente. Já o biodireito está em outro campo, no campo das leis, das normas jurídicas e possui o papel de, à luz da dignidade humana, regulamentar o desenvolvimento tecnológico sustentável na medicina.
Além disso, é necessário entender que falar em ortotanásia e cuidados médicos em pacientes sem possibilidade de cura é falar também de como a moralidade dos profissionais de saúde é afetada com o estágio da doença de seus pacientes. Isso se explica da seguinte forma:
“Os profissionais de saúde são socializados em um ethos que, erroneamente, associa a morte ao fracasso. O paradoxo dessa associação moral é que se, por um lado, são os profissionais de saúde os que mais intensamente lidam com o tema da morte, por outro lado, são eles também os que mais resistem a reconhecer a morte como um fato inexorável da existência.” (DINIZ, 2006, p. 1.742)
Dessa forma, a bioética possui o papel de ajudar aqueles que participam do processo de morrer a lidar com a realidade complexa que é uma morte inevitável.
Por outro lado, o biodireito estabelece paradigmas jurídicos para as práticas e métodos usados pelos profissionais da medicina que agem – ou deveriam agir – com vistas a garantir um cuidado mais humanizado para os pacientes com câncer em fase terminal.
Assim, em busca da valorização do direito a um fim de vida digno é que as reflexões éticas e jurídicas acerca da prática da ortotanásia devem ser realizadas.
2.1. Bioética
Etimologicamente, a palavra “ética” está relacionada a padrões e valores morais de um indivíduo que influenciam na sua forma de agir2. Para a filosofia, é a área que busca entender o comportamento, as ações do ser humano, a partir do que ele entende como certo ou errado, justo ou injusto e bom ou mau.
O bioquímico Van Rensselaer Potter é considerado o pai do termo “bioética” pela maioria da doutrina pois publicou um livro em 1971 e inaugurou a palavra em seu título “Bioética: ponte para o futuro” (em inglês, Bioethic: bridge to the future). Na opinião de Cunha, o autor
“indicou a bioética como um campo interdisciplinar do conhecimento direcionado a garantir a sobrevivência da humanidade frente aos riscos causados por ações humanas e por desordens naturais. (...) partia do pressuposto de que a sobrevivência da humanidade estava em risco devido à incapacidade de estruturar uma área do conhecimento voltada a estabelecer parâmetros éticos para o desenvolvimento civilizacional.” (CUNHA, 2016, p. 2.393)
Nessa perspectiva, tendo em vista que o sentido para o termo foi se moldando com o tempo, podemos hoje entender a bioética como o estudo da ética dentro da biologia, ou seja, a aplicação prática da moral nas condutas dos indivíduos dentro das relações advindas do avanço da ciência biológica.
A Bioética contemporânea possui fortes raízes na perspectiva racional do Iluminismo que, por sua vez, possui base na valorização da razão e crescente fragmentação da subordinação à moralidade religiosa comum. No lugar da obediência incondicional às teorias religiosas, entra a busca pela pluralidade de pensamentos e o avanço tecnológico e científico. Partindo desse pressuposto, tendo em vista a ideia de liberdade e progresso desse movimento filosófico, o entendimento principal sobre a bioética é de que não existe uma ética – como moral – única para toda e qualquer circunstância, muito pelo contrário, a bioética “não tem, como missão, fornecer soluções definitivas do que venha a ser correto, mas, sim, oferecer as condições necessárias para se estabelecer um diálogo pluralista do ponto de vista moral” (LUMERTZ E MACHADO, 2016, p. 110).
Desde sempre houveram preocupações acerca do que seria admissível ou não na aplicação da medicina, no entanto foi entre o final do século XX e início do século XXI que os debates morais e éticos em relação às experiências científicas, procedimentos médicos e tratamentos de saúde afloraram entre juristas, médicos, filósofos e aqueles interessados e afetados pelo assunto. E isso se deu por todo o desenvolvimento ocorrido nessa nova era, como o início da doação de órgãos e da reprodução humana assistida (fertilização in vitro). Além disso, a atenção para o assunto se deu especialmente após as barbáries e técnicas médicas e biológicas utilizadas pelos alemães nazistas na Segunda Guerra e a necessidade de regulamentações e limitações gerais.
2.1.1. Princípios da Bioética
Em 1978 foi emitido, pela Comissão Nacional para a Proteção de Sujeitos Humanos de Pesquisa Biomédica e Comportamental dos Estados Unidos, o Relatório Belmont (Belmont Report) que, segundo Diniz (2017), tinha o objetivo de levar a cabo um estudo completo que identificasse os princípios éticos básicos que deveriam nortear a experimentação dos seres humanos nas ciências do comportamento e na biomedicina com vistas a garantir a manutenção do respeito ao ser humano e de sua dignidade. Conforme Lumertz e Machado (2020, p. 2.018),
“cabe aos princípios obter um grau de generalidade mais considerável que a norma para buscar uma solução. Isso porque eles são capazes de exercer funções caracterizadas como verdadeiros mandamentos de otimização. E essa potencialidade está vinculada ao fato de procurarem ordenar determinada situação para que algo seja realizado da melhor forma possível, levando em consideração as condições jurídicas e fáticas presentes”.
Assim, três eram os princípios: o do respeito às pessoas, o da beneficência e o da justiça.
Em relação ao primeiro, de acordo com o Relatório, o princípio do respeito às pessoas é feito de duas convicções éticas básicas: que o indivíduo deve ser tratado como um agente autônomo e que a pessoa, cuja autonomia está reduzida, possui direito à proteção. Por agente autônomo, devemos entender aquele indivíduo capaz de deliberar sobre seu destino, considerações pessoais e agir na direção dessas escolhas. Desse modo, um paciente que não possui conhecimento de causa para ser capaz de consentir ou não acerca do procedimento do qual é alvo não é um indivíduo plenamente autônomo. Como exemplo da aplicabilidade desse princípio, o Código de Ética Médica brasileiro, em seu artigo 24, veda que o médico deixe de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem- estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.
Sobre o princípio da beneficência, este deve ser entendido além de uma mera obrigação, no sentido de não se referir apenas ao respeito às decisões das pessoas e protegê-las de possíveis danos, mas tem a ver também a esforçar-se a para garantir o seu bem-estar. Em outros termos, na práxis médica, deve-se evitar que ocorram males ou danos às pessoas e maximizar possíveis benefícios, minimizando riscos.
Por fim, o princípio da justiça diz respeito ao critério de tratamento aplicado aos indivíduos. Nas palavras de Barboza (2000), na distribuição dos riscos e dos benefícios, não pode uma pessoa ser tratada de maneira distinta de outra, salvo haja entre ambas alguma diferença relevante. Sendo assim, o atendimento aos pacientes deve se dar de modo justo, imparcial e equitativo, de modo que os profissionais de saúde não devem atuar com preconceito ou qualquer outra forma de preferência.
No entanto, posteriormente, Beauchamp e Childress publicaram o seu livro Principles of Biomedical Ethics3 e consideraram que, na verdade, quatro seriam os princípios: além dos supracitados, haveria também o da não-maleficência. De acordo com os autores, esse princípio requer apenas que os operadores de saúde intencionalmente se abstenham de executar ações que causem danos aos seus pacientes (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002, p. 212).
Faz-se forçoso dizer, ainda, que os princípios aqui citados e que servem de base da bioética se complementam de modo que, dependendo do caso concreto é que iremos saber qual a formulação adequada – no sentido de prevalência – para a conclusão da controvérsia.
Nessa perspectiva é que se tem a base da Bioética atual: propor, a partir de prerrogativas pré-estabelecidas, soluções éticas acerca de dilemas morais que surgem referentes a doenças, condutas dos profissionais de saúde com os seus pacientes e desenvolvimento da medicina de forma que sempre se preserve a dignidade humana. Para Rivabem (2017, p. 283), a bioética não tem como meta o triunfo de teses particulares, mas a redução dos conflitos de modo que se privilegie a coexistência da humanidade.
No Brasil, devido às transformações da sociedade e a necessidade de estabelecer direitos e limites na relação médico-paciente, o Conselho Federal de Medicina aprovou um novo, e mais recente, Código de Ética Médica em 2018. É importante esclarecer que o documento possui o condão de estabelecer diretrizes norteadoras para a prática da medicina, conferindo proteção tanto para os pacientes quanto para os médicos.
Sobre a última versão, podemos observar que, tal qual o anterior, se deu maior importância aos cuidados que devem ser prestados aos indivíduos com enfermidade terminal:
“Art. 4º - (...)
Parágrafo único - Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”.
Desse modo, a prática da ortotanásia em pacientes com câncer sem possibilidade de cura deve se dar a partir da nova perspectiva da saúde trazida pelas reflexões feitas pela bioética. E como consequência disso é que devemos analisar o biodireito pois, ainda que a ética venha antes do direito, eles estão intrinsicamente ligados um ao outro.
2.2. Biodireito
Assim como não podemos negar que o desenvolvimento da tecnociência promoveu melhorias nas relações médicas, não devemos nos furtar da ideia de que para tudo há limites legais. Ainda que um profissional de saúde ache que determinada pesquisa científica ou tratamento médico seja admissível, ele deve se atentar se o Direito segue a mesma interpretação. É nesse sentido o pensamento de Maria Helena Diniz (2017, p. 42):
“Logo, nem tudo que é cientificamente possível é moral e juridicamente admissível. Realmente, de Hipócrates à época atual, com as Ordens de Médicos e os Conselhos de Medicina, consagrou-se a concepção válida para toda ciência: o conhecimento deve estar sempre a serviço da humanidade.”
Com o passar do tempo, as disciplinas clássicas do Direito como Constitucional, Administrativo ou Civil já não se mostravam mais suficientes para a solução de questões legais advindas da complexidade da relação médico-paciente e do avanço biotecnológico e, com isso, o ordenamento jurídico buscou criar normas para evitar excessos no desenvolvimento tecnocientífico que envolvessem as relações pessoais com doenças, vida e morte, aborto etc. Isso porque o Direito não pode se manter inerte diante da evolução da sociedade com o perigo de perder sua finalidade precípua de regulador das relações humanas.
O Biodireito, autônomo em sua natureza, ajudou a derrubar a divisão tradicional existente entre Direito Público e o Direito Privado e é constituído de capilaridades que compõem o seu funcionamento mas não a definem em sua completude. Além disso, ele não deve ser entendido como um campo fechado, restrito pois ele se comunica externamente com diversas outras áreas de conhecimento (ciências da vida e exatas) e, internamente, com diversos ramos do direito. Afinal, como discutir sobre disposição do próprio corpo por um paciente terminal considerado incapaz pelo Código Civil sem envolver o Direito Civil, por exemplo? Desse modo, podemos dizer que a disciplina aqui estudada possui método próprio dada a sua interdisciplinaridade.
É importante ressaltar que a atuação desse instituto se dá através da criação de resposta jurídica própria aos conflitos morais decorrentes da mudança do comportamento humano com os sistemas vivos. Significa dizer que, apesar de se tratar de uma normatização de regras, a disciplina não prevê resultados únicos a todos problemas que aparecem ou, nas palavras de Rivabem (2017, p. 287), “suas normas jurídicas não podem ser fechadas; ao contrário, devem ser abertas e flexíveis o suficiente para garantir a atualidade e eficiência das normas diante dos progressos científicos”. Isso porque, tal qual ocorre com a bioética, o biodireito deve tentar abarcar a tamanha complexidade causada pela evolução tecnocientífica.
Ante o exposto, verifica-se que enquanto a bioética “almeja analisar conflitos e controvérsias relacionados com a ciência jurídica e médica, passando pelo campo da moral, para servir como fundamentação às decisões que impliquem qualquer vínculo com a vida e a saúde” (LUMERTZ E MACHADO, 2016, p. 108), o biodireito é a regulamentação do conjunto de normas ético-morais voltadas para a ciência da vida. Assim, o objetivo daquela é construir respostas éticas, ao passo que o objetivo deste é ser um balizador jurídico dos desafios trazidos pelos progressos ocorrido na área da medicina.
A importância do biodireito se mostra na necessidade de preservação de valores e direitos que se mostram essenciais aos indivíduos frente ao desenvolvimento tecnológico. Nesse sentido, é imperioso destacar que o Biodireito brasileiro atua a partir dos princípios da Bioética e dos preceitos da Constituição Federal com o principal objetivo de preservação da dignidade humana. Para Maria Helena Diniz (2017, p. 31),
“A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, IX, proclama a liberdade da atividade científica como um dos direitos fundamentais, mas isso não significa que ela seja absoluta e não contenha qualquer limitação, pois há outros valores e bens jurídicos reconhecidos constitucionalmente, como a vida, a integridade física e psíquica, a privacidade etc., que poderiam ser gravemente afetados pelo mal uso da liberdade de pesquisa científica. Havendo conflito entre a livre expressão da atividade científica e outro direito fundamental da pessoa humana, a solução ou o ponto de equilíbrio deverá ser o respeito à dignidade humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, previsto no art. 1º, III, da Constituição Federal”.
Assim, ainda que jovem, o biodireito já possui uma grande importância em nossa sociedade perante os dilemas provocados pelas novas realidades tecnocientíficas, propondo respeito e promoção de valores que servem de base a toda humanidade (presente e futura), organizando liberdades e educando para a preservação de valores essenciais (Rivabem, 2017, p. 288).
As diferentes perspectivas sobre a terminalidade da vida
Estudar sobre o fim da vida é saber que se está lidando com um tema polêmico em diversas dimensões pois cada cultura, religião e cada indivíduo entende a vida e a morte a partir de uma perspectiva própria, ainda mais quando se está relacionada a doenças incuráveis em estágio terminal.
Portanto, diante da subjetividade que esse assunto carrega, o presente capítulo servirá para distinguir os três tipos de terminalidade da vida (eutanásia, ortotanásia e distanásia) a fim de sabermos sua relação com o princípio da dignidade humana e entendermos como eles são tratadas pelo Direito brasileiro.
3.1. Eutanásia
A palavra “eutanásia” vem do grego e pode ser traduzida como boa (eu) morte (thanatos)4. A sua primeira aparição é datada de 1623, quando o filósofo Francis Bacon utilizou o termo em sua obra Historia Vitae et Mortis. Para o autor, uma boa morte significava uma morte livre da dor e do sofrimento, como objeto das habilidades médicas (HORTA, 1999, p. 3). No entanto, ainda que não fosse denominada dessa forma, o direito de antecipar o fim da vida já estava presente na Antiguidade e desde então vem criando um debate intenso em seu entorno.
Segundo Maria Helena Diniz (2017, p. 262), o Senado, em Atenas, ordenava a eliminação de anciões doentes ministrando-lhes veneno (cicuta) em banquetes. Podemos identificar a prática da eutanásia também nos tempos passados da Índia, onde pessoas consideradas inúteis ou com doenças incuráveis morriam afogadas ao serem jogadas no rio Ganges. Mais recentemente, esse ato de terminalidade serviu como ferramenta eugenista do programa nazista conhecido como Aktion t4 para matar aqueles considerados inferiores, como judeus, negros, indivíduos com algum transtorno mental e deformidades físicas.
Depreende-se, portanto, que a eutanásia, propriamente dita, é a promoção do óbito. No entanto, o significado dessa prática mudou com o passar do tempo. Hoje a prática da eutanásia possui a finalidade precípua de promover uma morte indolor do paciente com uma condição ou enfermidade incurável ou terminal a fim de acabar com o seu sofrimento. Na perspectiva daquela pessoa, o ato de ter sua morte antecipada é gozar, pela última vez, da dignidade que lhe é garantida. Para tanto, devemos levar em conta a autodeterminação desse paciente e sua vontade de morrer.
Defende Raquel Dodge (1999, p. 117) que “A eutanásia não significa um tratamento, e sim uma ação única. É a conduta (ação ou omissão) do médico que emprega (ou omite) meio eficiente para produzir a morte em paciente incurável e em estado de grave sofrimento, diferente do curso natural, abreviando-lhe a vida”.
A partir disso, para um melhor entendimento, devemos dividir a eutanásia quanto ao ato: ativo e passivo. Quanto à eutanásia ativa, trata-se do evento morte resultante de uma ação direta de um terceiro movido por compaixão. Já a eutanásia passiva, conforme BARROSO e DADALTO (2010, p. 239), se dá por uma conduta omissiva/negativa pois há a supressão ou interrupção dos cuidados médicos que oferecem o suporte indispensável à manutenção vital. Muitos autores entendem que a ortotanásia é um exemplo dessa última, mas, como veremos a seguir, trata-se de um equívoco.
Há ainda a eutanásia de duplo efeito, que ocorre quando a morte é o resultado involuntário das condutas médicas de aliviar a dor do paciente terminal, conforme Francisconi e Goldim (1997 - 2003). Note-se que a vontade do agente, nesse caso, é livrar o doente da dor, mas sem a intenção de tirar-lhe a vida para esse fim (VILLAS-BÔAS, 2008, p. 65). E, por isso, não devemos confundi-la moral e juridicamente com a eutanásia ativa.
Ademais, quanto à voluntariedade, a eutanásia pode se dar de duas formas. Na primeira, temos a eutanásia voluntária, que acontece com o consentimento expresso do paciente. Já a segunda é a involuntária, ocorrendo sem o consentimento do paciente, o que, na prática, pode corresponder a um ato criminoso.
Aos olhos do Direito, a eutanásia ativa e passiva são ilegais na maioria dos países do mundo, incluindo o Brasil. Apesar da inexistência de um tipo penal próprio, pois essa prática é classificada como homicídio para o ordenamento penal brasileiro, entende-se ela, conforme aponta a Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal5, como um exemplo de homicídio privilegiado, causando diminuição de pena do artigo 121 por relevante valor social ou moral.
Em relação à eutanásia de duplo efeito, devemos tê-la como impunível pois o objetivo principal das condutas médicas não é a aproximação da morte, mas sim o alívio das dores resultantes da doença terminal. Dessa maneira, estando ausente o animus necandi das ações dos profissionais, não há o que se falar em crime.
Distanásia
Se por um lado o avanço tecnológico promoveu a possibilidade de se abreviar a morte sem dor, a biotecnologia também garantiu que uma equipe médica mantenha um paciente em estágio terminal vivo indeterminadamente. Assim, a palavra “distanásia” trata-se de um neologismo de origem grega, em que o prefixo dys tem o significado de “ato defeituoso” (Pessini, 2007, p. 30).
Na prática conhecida como distanásia ou obstinação terapêutica, em linhas gerais, temos a morte depois de seu tempo natural de evolução. Há um excesso do médico em retardar, artificialmente, a morte de um paciente que se encontra em estado de morte iminente e irreversível através de meios médicos desproporcionais. Essas abordagens, ora insuficientes, ora exageradas e desnecessárias, quase sempre ignoram o sofrimento e são incapazes, por falta de conhecimento adequado, de tratar os sintomas mais prevalentes, sendo o principal sintoma e o mais dramático, a dor (CARVALHO; PARSONS, 2012, p. 23).
Tal fato se dá pois somos socialmente influenciados a deixar de lado a discussão sobre a morte, por ser considerado um tabu, o que dificulta os profissionais de saúde a lidar com a morte de seus pacientes e os próprios pacientes a lidarem com a sua própria terminalidade. Assim, a necessidade que sentem em manter a vida biológica a qualquer custo faz com que muitos sejam submetidos à obstinação terapêutica, aumentando as chances desses enfermos sentirem mais dores além daquelas próprias da doença.
Destarte, ao fazermos um paralelo com a eutanásia, compreendemos que a distanásia opõe-se brutalmente no que tange o sentido, objetivo da prática. Tal fato se dá porque aqui o que temos é o prolongamento eticamente injustificado do processo de uma morte eminente e não uma garantia a um fim de vida indolor como é a ideia da eutanásia.
Nessa perspectiva, devemos ter em mente que no conflito entre a vida e a dignidade humana, aquela sempre se fundamenta nesta, o que faz com que, em todos os nossos atos, a dignidade da pessoa deve ser priorizada. Afinal, do que adianta manter-se vivo mas sem dignidade?
Portanto, ao se tratar de um procedimento que provoca dor e sofrimento em pacientes, podemos dizer que a distanásia fere a proteção da dignidade da pessoa humana, garantido na Constituição Federal em seu artigo 1º, inciso III. Nesse mesmo viés, também devemos mencionar que essa (má) prática não observa a proibição contida no artigo 5º, inciso III no tange a não submissão à tortura nem a tratamento desumano ou degradante.
3.3. Ortotanásia
Supor que o que resta para um paciente terminal são apenas a morte abreviada, advinda da eutanásia, e a prolongada, promovida pela distanásia, é tratar o tema do fim da vida de forma leviana e rasa, especialmente se colocarmos no debate os frutos positivos colhidos pelo avanço da tecnociência. Isso porque devemos olhar para o processo da terminalidade da vida de modo menos reducionista e a partir de um novo valor para a existência humana.
Além da sua etimologia (morte correta), devemos tratar a ortotanásia como morte no momento certo pois essa prática presume a aceitação da morte no tempo e modo em que ela se apresenta. Quem vai ditar sobre sua duração será a própria enfermidade e a evolução desta no corpo do paciente, sem qualquer procedimento interventivo que usurpe seu desenvolvimento natural.
Villas-Bôas conceituou a prática da seguinte forma:
“A ortotanásia, aqui configurada pelas condutas médicas restritivas, é o objetivo médico quando já não se pode buscar a cura: visa prover o conforto ao paciente, sem interferir no momento da morte, sem encurtar o tempo natural de vida nem adiá-lo indevida e artificialmente, possibilitando que a morte chegue na hora certa, quando o organismo efetivamente alcançou um grau de deterioração incontornável.” (VILLAS- BÔAS, 2008, p. 64)
Desse modo, iniciado o processo do morrer, suspende-se a realização de qualquer tipo de tratamento que se mostre inútil ou agressivo para que sejam ministrados os cuidados proporcionais às necessidades do paciente. Portanto, não se trata de uma omissão, de modo que não podemos relacionar esse procedimento com a eutanásia passiva. Muito pelo contrário, diante da aceitação da condição terminal da doença, praticar a ortotanásia significa garantir ativamente uma sobrevida ao paciente com o máximo de qualidade possível.
Para muitos, a ortotanásia é o procedimento que garante o nível mais alto de dignidade para um paciente que possui uma doença incurável em estágio terminal, pois, segundo Martin (1999), implica a busca de minimização do sofrimento e garantia de conforto espiritual e familiar ao paciente, que deve viver seus últimos momentos próximo a seus familiares e amigos, sem que se apresse ou busque a morte, mas tão somente a sua humanização (apud DADALTO; CARVALHO, 2016, pag. 30).
Assim, a ortotanásia entende a multidimensionalidade da doença terminal, leva em consideração os temores do paciente, e, a partir do conjunto de técnicas terapêuticas disponíveis, devolve a ele a oportunidade de percorrer o caminho final de sua vida de forma digna. Segundo Léo Pessini (1996, p. 37),
“Algumas implicações tornam-se evidentes. Cuidar dignamente de uma pessoa que está morrendo num contexto clínico significa respeitar a integridade da pessoa. Portanto, um cuidado clínico apropriado busca garantir, pelo menos: 1. Que o paciente seja mantido livre de dor tanto quanto possível, de modo que possa morrer confortavelmente e com dignidade. 2. Que o paciente receberá continuidade de cuidados e não será abandonado ou sofrerá perda de sua identidade pessoal.3. Que o paciente terá tanto controle quanto possível no que se refere às decisões a respeito de seu cuidado e lhe será dada a possibilidade de recusar qualquer intervenção tecnológica prolongadora de "vida". 4. Que o paciente será ouvido como uma pessoa em seus medos, pensamentos, sentimentos, valores e esperanças. 5. Que o paciente será capaz de morrer onde queira morrer”.
Nesse sentido, devemos entender a intrínseca relação entre a ortotanásia e a utilização dos cuidados paliativos para a promoção de uma sobrevida digna aos pacientes.
3.3.1. Cuidados Paliativos no auxílio de um processo de morrer dignamente
Tem-se, portanto, que a ortotanásia é um método que possui como objetivo tornar – ou tentar tornar – o processo da morte mais humanizado. E para que o processo que antecede a morte se dê de acordo com essa ideia, os cuidados paliativos possuem grande importância em todas as fases de uma doença incurável, especialmente na final.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde,
“Cuidados paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, por meio de identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais (OMS, 2002, p. 84)”.
Dessa conceituação, extraímos três importantes noções: i) há uma mudança de perspectiva sobre a terminalidade da vida, de modo que a busca, sem precedentes, a se viver mais tempo dá lugar ao viver com mais qualidade; ii) não são somente o paciente e os profissionais de saúde os agentes envolvidos na terapia paliativa; e iii) paliar é, antes de tudo, entender a multidimensionalidade dos efeitos de uma doença.
Falar sobre cuidados paliativos em pacientes terminais é, obrigatoriamente, apontar a necessidade de mudança de paradigma sobre a terminalidade da vida e a garantia da dignidade humana nesse processo. Isso porque, conforme aponta Carvalho e Parsons (2012, p. 415), a luta contra a morte, obstinada e sem limites, em quaisquer circunstâncias, não pode mais ser considerada como um dever absoluto dos médicos, que, antes, devem compreender a dimensão da existência e da dignidade humana diante dos limites da medicina e da ciência. Desse modo, esses profissionais devem sempre se valer do progresso biotecnológico de forma mais prudente a fim de que a dignidade seja preservada, e não visando somente o aspecto quantitativo de uma vida.
Para além da relação médico-paciente, os cuidados paliativos acolhem também os familiares dos enfermos na problemática do fim da vida iminente durante o processo e após. E o motivo disso se mostra muito claro pois, diante de uma doença grave e de um caminho inexorável em direção à morte, a família adoece junto (ARANTES, 2016, p. 45). Então como deixar de lado aqueles tem que lidar diariamente com a doença do outro e ficaram aqui lidando com a ausência do paciente após a sua morte?
Além disso, da mesma forma que entendemos que todas as dimensões de um indivíduo são afetadas com o diagnóstico de uma doença incurável ou com a consciência da sua morte iminente, devemos ter em mente que todas elas devem ser tratadas. Assim, paliar significa garantir ao paciente conforto não só no aspecto físico, mas sim nos mais variados níveis, como também psíquico, social ou espiritual.
Para Ana Cláudia Quintana Arantes,
“cuidados paliativos oferecem, então, não apenas a possibilidade de suspender tratamentos considerados fúteis, mas a realidade tangível de ampliação da assistência oferecida por uma equipe que pode cuidar dos sofrimentos físicos, sintomas de progressão da doença ou das sequelas de tratamentos agressivos que foram necessários no tratamento ou no controle da doença grave e incurável.” (ARANTES, 2016, p. 44)
Então, podemos concluir que o objetivo principal da terapia paliativa é garantir ao paciente qualidade e conforto no fim da vida, tratando e controlando os sintomas e incômodos gerais da doença sem métodos invasivos ou inúteis. Trata-se, pois, de um instrumento para um processo de morrer menos doloroso, sofrível – nos mais diferentes espectros – e mais digno.
Quanto à legalidade da prática da ortotanásia, a discussão atravessa muitas camadas, mas fato é: proibida ou não, ela já vem acontecendo por décadas. No entanto, diante da incerteza jurídica que a permeia, algumas foram as tentativas para regulamentá-la.
Desse modo, devemos aqui apontar cinco grandes momentos normativos no que tange o tema da ortotanásia e que serão analisados melhor no próximo capítulo.
4. Panorama normativo brasileiro
4.1. Lei Estadual nº 10.241/99 (Lei Mário Covas)
Em março de 1999, o então governador de São Paulo, Mário Covas, sancionou a Lei nº10.241 que tratava sobre os direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde no Estado. A lei é conhecida com o nome do político pois, além de ter sido ele quem a consagrou, foi ele também um dos que a utilizou. Isso porque Covas, ao se deparar com a morte iminente advinda da fase crítica do câncer que o acometera, decidiu viver seus últimos momentos com a assistência integral proporcionada pelos cuidados paliativos, julgando ser essa maneira de se morrer dignamente.
Apesar da referida norma não dispor expressamente sobre a prática da ortotanásia, ela serviu para embalar a mudança de paradigma no ordenamento jurídico brasileiro acerca do direito de um paciente ter autonomia sobre o tratamento que julgar ser o mais digno a ser submetido no final de sua vida.
Os incisos I, VII, XXIII e XXIV do artigo 2º da referida norma estabeleciam o seguinte:
“Artigo 2º - São direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado de São Paulo:
I - ter um atendimento digno, atencioso e respeitoso; (...)
VII - consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados; (...)
XXIII - recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida; e
XXIV- optar pelo local de morte.” (São Paulo, 1999)
Assim, verifica-se que a lei possuiu elevada importância no que tange à (ausência de) reprovabilidade das condutas adotadas pelos médicos que suspendem, a pedido de seus pacientes, os procedimentos invasivos característicos da obstinação terapêutica, pois não deixa espaços para que esses profissionais respondessem por crimes como homicídio ou omissão de socorro.
Além disso, protegeu também o paciente que, caso não quisesse mais sofrer com tratamentos desnecessários, poderia optar por um processo de morrer menos agressivo, tendo por base a proteção da dignidade humana.
E foi nesse sentido e espírito que o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução nº 1.805/2006 que estudaremos a seguir.
4.2. Resolução nº 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina
Em razão do polêmico tema que é o uso da ortotanásia no processo de morrer em casos de doenças terminais, o Conselho Federal de Medicina (CFM), com forte influência das disposições trazidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a terminalidade da vida de pacientes com doenças com irreversibilidade do quadro clínico e a importância dos cuidados paliativos, publicou, em novembro de 2006, a Resolução nº 1.805/2006.
Assentada a partir do pilar constitucional que é a dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º, inciso III da CRFB/88, e da proibição à tortura, tratamento desumano e degradante, prevista no art. 5º, inciso III da mesma norma, a referida Resolução entendeu que o mais adequado a se fazer em casos de doenças terminais é garantir a qualidade de sobrevida daquele paciente, e não o prolongamento artificial.
Ao fazermos uma análise do dispositivo, verifica-se que, além do apontado anteriormente, há também as presenças do direto à liberdade e da garantia à autonomia do paciente, quando a norma se refere ao respeito da “vontade da pessoa e ou de seu representante legal”. Assim, não caberia somente ao médico decidir arbitrariamente sobre a conduta a ser adotada no fim da vida do paciente terminal.
Além disso, depreende-se que a prática da conduta médica restritiva6 vincula a necessidade do uso da terapia paliativa para o alívio da dor e para a promoção do bem-estar multidimensional.
A Resolução se trata de um ato administrativo de autarquia federal (CFM) com vistas a atender o interesse público, o que faz com que se entenda pela sua presunção de legitimidade, ao menos. Dessa maneira, possuindo um status infraconstitucional, a Resolução nº 1.805/2006 deve estar em conformidade com as leis e com a Lei Maior de nosso país, quer seja, a Constituição Federal. Nesse ponto, vejamos o que disse José dos Santos Carvalho Filho (2017, p. 110):
“Essa característica não depende de lei expressa, mas deflui da própria natureza do ato administrativo, como ato emanado de agente integrante da estrutura do Estado. Vários são os fundamentos dados a essa característica. O fundamento precípuo, no entanto, reside na circunstância de que se cuida de atos emanados de agentes detentores de parcela do Poder Público, imbuídos, como é natural, do objetivo de alcançar o interesse público que lhes compete proteger. Desse modo, inconcebível seria admitir que não tivessem a aura de legitimidade, permitindo-se que a todo momento sofressem algum entrave oposto por pessoas de interesses contrários. Por esse motivo é que se há de supor que presumivelmente estão em conformidade com a lei”.
Contudo, por se tratar de ato administrativo com presunção iuris tantum (relativa), após a referida norma entrar em vigor e uma onda de dúvidas e incertezas crescer na sociedade, incluindo nos setores jurídicos, o Ministério Público Federal (MPF) do Distrito Federal ajuizou a Ação Civil Pública (ACP) nº 2007.34.00.014809-37 em maio de 2017 com vistas a ser reconhecida a nulidade da Resolução e, alternativamente, sua alteração para que fossem definidos critérios para a prática da ortotanásia.
Três foram os argumentos utilizados pelo MPF para o ajuizamento da ação. O primeiro foi que o Conselho Federal de Medicina não teria poder regulamentar para estabelecer como conduta ética uma conduta que é tipificada como crime. Em segundo lugar, aduziu-se que o direito à vida é indisponível, de modo que só poderia se restringido por lei em sentido estrito. Por fim, para o parquet, o contexto socioeconômico brasileiro, a ortotanásia poderia ser utilizada indevidamente por familiares de doentes e pelos médicos do Sistema Único de Saúde e da iniciativa privada.
Apenas cinco meses depois do ajuizamento da ACP, o juiz decidiu por suspender liminarmente a norma.
Sobre a situação, Villas-Bôas (2008, p. 77) emitiu a seguinte opinião:
“a rigor, a resolução sequer era necessária. Ela não "permite" nada. Só ratifica o já permitido. Vem, apenas, dirimir algumas das dúvidas mais comuns dos médicos, no lidar com pacientes em final de vida, ao assentar a conclusão – algo óbvia – de que ninguém é obrigado a morrer intubado, usando drogas vasoativas e em procedimentos dialíticos numa UTI”.
Em vista disso, para a autora, a suspensão da Resolução não gerou consequências de fato.
A problemática somente foi solucionada em dezembro de 2010, quando o juiz federal da 14ª Vara Federal de Brasília, Roberto Luis Luchi Demo, após o Conselho Federal de Medicina e o próprio MPF pugnarem pela improcedência do pedido, julgou dessa forma o pedido do MPF, revogando, por via de consequência, a antecipação de tutela anteriormente concedida.
O i. magistrado entendeu que a Resolução nº 1.805/2006 não ofende o ordenamento jurídico brasileiro e, valendo-se das palavras da Procuradora da República Luciana Loureiro Oliveira, pois a instituição – em alegações finais – mudou de posicionamento acerca do tema, justificou a sentença.
Nesta senda, foram postas as seguintes ideias na sentença:
“Considera-se eutanásia a provocação da morte de paciente terminal ou portador de doença incurável, através de ato de terceiro, praticado por sentimento de piedade. Na hipótese, existe doença, porém sem estado de degeneração que possa resultar em morte iminente, servindo a eutanásia, para, justamente, abreviar a morte, por sentimento de compaixão.
A eutanásia não conta com autorização legal em nosso país, configurando a prática o crime de homicídio doloso, podendo ser tratado como modalidade privilegiada, em razão do vetor moral deflagrador da ação.
Já a distanásia é o prolongamento artificial do estado de degenerescência. Ocorre quando o médico, frente a uma doença incurável e ou mesmo à morte iminente e inevitável do paciente, prossegue valendo-se de meios extraordinários para prolongar
o estado de "mortificação" ou o caminho natural da morte. A distanásia é, frequentemente, resultado da aplicação de meios não ortodoxos ou usuais no protocolo médico, que apenas retardarão o momento do desenlace do paciente, sem trazer-lhe chances de cura ou sobrevida plena, e, às vezes, provocando-lhe maior sofrimento.
No meio das duas espécies, figura a ortotanásia, que significa a morte "no tempo certo", conceito derivado do grego "orthos" (regular, ordinário). Em termos práticos, considera-se ortotanásia a conduta omissiva do médico, frente a paciente com doença incurável, com prognóstico de morte iminente e inevitável ou em estado clínico irreversível.
Neste caso, em vez de utilizar-se de meios extraordinários para prolongar o estado de morte já instalado no paciente (que seria a distanásia), o médico deixa de intervir no desenvolvimento natural e inevitável da morte. Tal conduta é considerada ética, sempre que a decisão do médico for precedida do consentimento informado do próprio paciente ou de sua família, quando impossível for a manifestação do doente. Tal decisão deve levar em conta não apenas a segurança no prognóstico de morte iminente e inevitável, mas também o custo-benefício da adoção de procedimentos extraordinários que redundem em intenso sofrimento, em face da impossibilidade de cura ou vida plena”.
Assim, a conclusão sobre a tipicidade da prática da ortotanásia foi de que a conduta médica de deixar de adotar procedimentos terapêuticos excepcionais que prolonguem artificialmente o processo de morte do paciente terminal é atípico e por isso não pode ser confundido nem como homicídio privilegiado nem como omissão de socorro. E por via de consequência, uma vez atípica, o Conselho Federal de Medicina possui competência para tratar do assunto, já que a autarquia não exorbitou de seu poder regulamentar, certo que tem atribuição legal para expedir normas disciplinares da profissão e da conduta médica.
Nessa perspectiva, reconheceu-se a legitimidade da Resolução nº 1.805/2006 e a possibilidade de recusa a procedimentos biotecnológicos dolorosos que não sejam capazes de mudar o quadro de irreversibilidade de uma doença e que impossibilitam um fim de vida digno. Em síntese, não se trata de suspensão arbitrária ou utilitarista de recursos úteis a pacientes terminais, mas de análise de sua falta de efetividade no caso concreto, permeada pelo diálogo e informação ao paciente e à família, mantendo-se todo o apoio necessário ao conforto dos mesmos (VILLAS-BÔAS, 2008, p. 77).
Desse modo, com forte influência desse entendimento jurídico e de forma inédita, o Código de Ética Médica publicado através da Resolução nº 1.931 em 2009, estabeleceu, no parágrafo único do seu artigo 41 que, nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer os cuidados paliativos no lugar de ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.
4.3. Resolução nº 1.931/2009 – Código de Ética Médica
Após a vigência de quase 20 anos do Código de Ética Médica (CEM) de 1988 e em razão das condutas médicas deverem se adequar às necessidades e imposições da sociedade, o CFM publicou em setembro de 2009, através da Resolução nº 1.931, o novo CEM11.
Segundo Pessini e Hossne (2010, p. 127), com o novo Código, houve
“o surgimento da identidade do médico como orientador e parceiro do paciente, a partir de uma visão não só biológica, mas fundamentalmente humanista. Para tanto, será preciso que o médico esteja preparado para o atendimento ao paciente, enxergando-o como ser integral, dotado de sentimentos, expectativas e com direitos a decisões que lhe garantam dignidade na vida e no processo de morrer”.
Assim, vemos a influência do entendimento jurídico visto anteriormente (ACP nº 2007.34.00.014809-3) e a mudança de paradigma no que tange à terminalidade da vida.
A referida resolução não conceitua expressamente a prática ortotanásia. No entanto, diante do que estudamos, vemos que a prática se mostra a mais adequada para o dilema ético e moral que é o processo de morrer dignamente nos casos de doentes terminais. Como exemplo disso, o vigésimo segundo princípio do documento dispõe que, nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados.
Além disso, ao apontar, em seu artigo 41º, que a abreviação da vida do paciente é vedada, ainda que a pedido deste e de seu representante legal – se referindo claramente à prática da eutanásia –, no parágrafo único desse mesmo artigo indica que, nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer os cuidados paliativos no lugar de ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.
Desse modo, cabe a reflexão de Pessini e Hossne (2010, p. 127):
“Se olharmos o Código de Ética Médica de 1988, entre os seus 19 princípios fundamentais, o doente nunca morre! Estamos num momento cultural de negação de uma das verdades mais sacrossantas de nossa existência humana, ou seja, a de que somos mortais. Sem dúvida, um dos pontos de avanço do novo Código de Ética Médica, agora com 25 princípios, é o de assumir o princípio da finitude humana e propor cuidados paliativos. Evita-se, assim, a prática da obstinação terapêutica (distanásia), o tratamento fútil e inútil que mais que prolongar vida, prolonga o processo do morrer, impondo sofrimentos desnecessários para o doente, familiares e também para o próprio médico”.
Nesse sentido, a importância do CEM de 2009/2010 é tamanha, uma vez que foi a partir dele que as incertezas acerca dos procedimentos no fim da vida começaram a ser mais bem compreendidas e solucionadas. Isso não significa que desde então não houveram mais dilemas sobre as condutas médicas, mas sim que se eles aparecem os profissionais terão uma coerência ética-disciplinar para lidar com o assunto.
4.4. Anteprojeto do Código Penal (Projeto de Lei do Senado nº 238/2012)
Em junho de 2012, uma comissão formada por quinze juristas elaborou o Anteprojeto do Código Penal e fez nascer o Projeto de Lei do Senado nº 238 de 20128 com vistas a atualizá- lo. A necessidade da reforma do referido regulamento se dá pois, assim como a sociedade evolui diariamente, o ordenamento jurídico não pode manter-se ultrapassado, especialmente em se tratando de um Código datado dos anos 40.
Assim, conforme apontado em Relatório final, a comissão atuou com os seguintes objetivos: a) modernizar o Código Penal; b) unificar a legislação penal esparsa; c) estudar a compatibilidade dos tipos penais hoje existentes com a Constituição de 1988, descriminalizando condutas e, se necessário, prevendo novas figuras típicas; d) tornar proporcionais as penas dos diversos crimes, a partir de sua gravidade relativa; e e) buscar formas alternativas, não prisionais, de sanção penal.
Ao tratar sobre os procedimentos de terminalidade da vida, o relatório propôs que a eutanásia admitisse tipicidade própria, configurando-se como o ato de matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave. Contudo, foi formulado um parágrafo tratando da possibilidade do perdão judicial dependendo das circunstâncias fáticas do caso, bem como para aquele que praticar a conduta em razão da relação de parentesco ou estreitos laços de afeição com a vítima.
Já em relação à ortotanásia, os juristas foram categóricos em diferenciá-la da eutanásia, uma vez que esta se trata da ação causadora do resultado morte, enquanto a primeira implica somente na conduta médica restritiva a procedimentos invasivos e inúteis que se inicia já quando o processo da morte já está em curso.
Desse modo, valendo-se das disposições da Resolução 1.805/2006, a comissão entendeu pela licitude da prática da ortotanásia. Isso porque, valer-se da obstinação terapêutica para manter um paciente vivo implicaria na impossibilidade desse indivíduo em decidir sobre o fim de sua vida de forma lúcida. E essa retirada de escolha sobre o seu próprio fim fere a garantia da dignidade da pessoa humana.
Isto posto, na mesma linha do que foi decidido em sede administrativa, a ortotanásia deve considerada legal desde que a circunstância da doença grave irreversível esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente para suspender os meios artificiais de prolongamento de vida, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.
Entretanto, convém mencionar que, por conta da demora legislativa, a tentativa do legislador brasileiro de encerrar de vez a polêmica acerca da licitude da prática da ortotanásia encontra barreiras.
Ao analisarmos a tramitação do PLS 236 no site do Senado9, verifica-se que, após a apresentação do Relatório final criado pela comissão, o Parecer nº 1.576 da Comissão Temporária de Estudo, elaborado em 2013, foi favorável ao projeto de Lei do Senado nº 236 que reforma o Código Penal e às inovações trazidas no que tange a ortotanásia.
Posteriormente, em sede de Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, permaneceu, entre idas e vindas de Audiências Públicas, oitenta e três emendas, manifestações sobre a matéria de diversos setores da sociedade e relatores, até hoje onde a matéria foi redistribuída, após mudança de relator, para que seja emitido um novo relatório. Convém mencionar, ainda, que nenhuma dessas emendas trataram sobre a prática da ortotanásia, o que faz com que ela ainda se encontre como excludente de ilicitude e com essa natureza que deverá ser examinada.
Nessa perspectiva, faz-se forçoso reconhecer que, ainda que haja jurisprudência e atos administrativos a favor da eticidade da prática, a morosidade do nosso sistema legislativo contribui para que tal assunto ainda seja considerado um fantasma jurídico.
Conclusão
Ao mesmo tempo em que se faz presente diariamente na sociedade, a morte ainda não ocupa o espaço de debate em nossas vidas que lhe é devido. O assunto encontra obstáculos religiosos, morais e éticos e falar sobre ele, e consequentemente sobre os tipos de terminalidade da vida, torna-se complexo – o que é deveras curioso pois se temos uma certeza sobre a nossa vida é de que ela acaba.
O avanço tecnológico na medicina trouxe para a nossa sociedade debates latentes sobre a vida, como a manipulação genética, e sobre o fim da vida, como a obstinação terapêutica. Assim, ainda que muitos escolham continuar não olhando para o seu fim, a relevância da temática, ultimamente, tem superado debatedores, incluindo aqueles que já estão entre a vida e a morte. Afinal, é necessário o questionamento: vale de tudo para se manter vivo?
Desse modo, o presente artigo busca analisar, a partir de pacientes com câncer em fase terminal, a questão do fim de vida digno e a sua relação com a prática da ortotanásia no Brasil.
Inicialmente, devemos ter em mente que o direito à vida, garantido pela Constituição Federal em seu artigo 5º, caput, não diz respeito ao dever em viver. Isso porque viver está intrinsicamente ligado a usufruir da dignidade humana, fundamento do nosso Estado. Assim, valer-se de procedimentos incapazes de mudar um quadro de irreversibilidade de cura e que podem gerar sofrimento – nos mais diversos âmbitos – no paciente com o objetivo insensato de manutenção daquela vida parece-me uma clara violação à nossa Carta Magna. Isso porque, assim como nos é garantida uma vida digna, também nos é assegurado morrer dignamente.
No que tange o direito à saúde, como vimos anteriormente, esse também deve ter como perspectiva a proteção à dignidade humana no fim da vida. Significa dizer, com isso, que o propósito da medicina atual não deve ser a cura da doença, pois conforme estabeleceu a própria OMS, o conceito de saúde ultrapassa esse limite. O foco, portanto, nos casos em que a cura já não se faz mais possível e a morte é iminente, deve ser o bem-estar e controle ou alívio de dores e sintomas advindos da doença terminal. Desse modo, cuidando multidimensionalmente dos efeitos da doença, estar-se-ia cuidando do indivíduo de uma outra perspectiva – a devida.
A indisponibilidade da cura, pois, não nega a promoção da assistência integral aos pacientes em estágio terminal. Nesses casos, viver com saúde e dignamente é viver o máximo de qualidade de vida que a medicina pode proporcionar. E isso se dará através da ortotanásia, que através dos cuidados paliativos, funciona como instrumento de assistência integral ao enfermo e seus familiares.
De outro ponto, faz-se mister lembrar que, como sujeitos de direitos que ainda somos no fim da vida, a nossa liberdade e autonomia devem ser respeitadas. Dessa maneira, as concepções dos pacientes acerca de sua própria terminalidade, como deseja viver sua doença, cuidados, desejos, anseios etc. devem ser sempre levados em consideração pela equipe médica que lhe cuida. Contudo, para tanto, a relação dos profissionais de saúde com seus pacientes deve ser a mais franca possível, de modo que todas as informações sobre a enfermidade, suas consequências, possibilidades de procedimentos e seus efeitos sejam esclarecidas.
A presente pesquisa possui importância pois é a partir dos dilemas morais e éticas que fazemos o direito. As normas jurídicas de um ordenamento nascem a partir das necessidades dos indivíduos e possuem o papel de regulamentar a nossa sociedade a fim de que a ordem seja mantida. Nesse contexto, a bioética tentou apontar diretrizes para o uso da tecnologia nas relações pessoais e na medicina. Contudo, como vimos, apesar da importância, a disciplina não é suficiente para sanar lacunas no âmbito jurídico. E, assim, temos o biodireito, nascido para acompanhar, dar saídas concretas e legais para os conflitos éticos da medicina e, se necessário, impor limites no uso da evolução tecnocientífica nas relações médicas.
Fez-se igualmente necessário explicar, brevemente, sobre os tipos de terminalidade da vida e suas consequências jurídicas no Brasil. Tal fato se deu porque é notória a confusão conceitual que a grande maioria das pessoas, incluindo estudantes de direito, possuem quando falamos em eutanásia, distanásia e ortotanásia. Além disso, o nosso estudo não seria completo se não observássemos o que a Constituição Brasileira e as normas infraconstitucionais dizem a respeito da temática.
Nesse sentido, observamos a prática da ortotanásia a partir da interpretação do ordenamento jurídico brasileiro, como as Resoluções do CFM, Códigos de Ética Médica e projetos de leis. A partir disso, foi possível compreender que a definição da prática ainda não se encontra expressa em nenhum lugar, o que pode gerar certa insegurança jurídica para os pacientes e para aqueles que os assistem. Ainda que seja eticamente aceitável e, até mesmo, devida a escolha da ortotanásia para o tratamento de pacientes terminais, falta uma maior garantia – jurídica – para os sujeitos dessa relação.
Concluímos, a partir disso, que a ortotanásia mostra-se como o melhor caminho para que pacientes com doenças graves e terminais tenha um processo de morrer de forma mais digna – entendendo como dignidade bem-estar multidimensional e a ausência de dor. E, por essa importância, uma vez havendo a lacuna jurídica que existe, a nebulosidade que paira sobre os dilemas éticos do fim da vida permanecerão sem solução.
Referências
ARANTES, A. C. Q. A morte é um dia que vale a pena viver. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2016.
NÃO TENHO MEDO DA MORTE. Intérprete: Gilberto Gil. Compositores: LIMINHA; GIORDANO, Fafá; SAMPAIO, Júlia. In: BANDA LARGA CORDEL. [S.l.]: Warner Music
Brasil, 2008, 1 CD, faixa 8.
BARBOSA, Heloisa Helena. Princípios da Bioética e do Biodireito. Revista Bioética [online], v. 8, n. 2, 2000, p. 209-2016. Disponível em: https://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/276/275. Acesso em 18 nov. 2022.
BARROS, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 7. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
BARROSO, Luís Roberto; MARTEL, Letícia de Campos Velho. A Morte como ela é: Dignidade e Autonomia Individual no Final da Vida. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, [S. l.], v. 38, n. 1, 2010. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/revistafadir/article/view/18530. Acesso em 18 nov. 2022.
BEAUCHAMP, Tom L; CHILDRESS, James F. Princípios da Ética Biomédica. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.805, de 28 de novembro de 2006. Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 28 nov. 2006. Disponível em:
<https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2006/1805>. Acesso em: 15 nov. 2022.
BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.931, de 24 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 24 set. 2009. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/etica-medica/codigo-2010/. Acesso em: 15 nov. 2022.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 5 nov. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 16 nov. 2022.
BRASIL. Senado Federal. Projeto de lei do Senado nº 236, de 09 de julho de 2012. Reforma o Código Penal Brasileiro. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg- getter/documento?dm=3515262&ts=1645029382318&disposition=inline. Acesso em: 15 nov. 2022.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Ação Civil Pública nº 2007.34.00.014809-
3. Brasília, 1 dez. 2010. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj- ac/1178102780/inteiro-teor-1178102781. Acesso em: 15 nov. 2022.
BRAUNER, Maria Claudia Crespo. Direito, sexualidade e reprodução humana: conquistas médicas e o debate bioético. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
CARVALHO, Ricardo Tavares de; PARSONS, Henrique Afonseca (org.). Manual de Cuidados Paliativos ANCP. 2. ed. São Paulo: s.n., 2012.
DADALTO, Luciana; CARVALHO, Carla Vasconcelos. Em busca de um consenso jurídico acerca da limitação de hidratação e nutrição nos cuidados com fim da vida. Revista Brasileira de Direito Civil, [S. l.], v. 10, n. 04, 2017. Disponível em: https://rbdcivil.ibdcivil.org.br/rbdc/article/view/43. Acesso em: 18 nov. 2022.
DADALTO, Luciana. Morte digna para quem? O direito fundamental de escolha do próprio fim. Revista de Ciências Jurídicas Pensar, Fortaleza, v. 24, n. 3, 2019.
DINIZ, Débora. Quanto a morte é um ato de cuidado: obstinação terapêutica em crianças. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, p. 1741-1748, 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/r5yQ6CLZ8F4gKqNsR4TMDhC/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 18 nov. 2022.
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 10ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2017.
DODGE, Raquel. Eutanásia – Aspectos Jurídicos. Revista Bioética, v. 7, n. 1, p. 113-120, 1999. Disponível em: https://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/299. Acesso em 18 nov. 2022.
ECONOMIST INTELLIGENCE UNIT. The quality of death: ranking end-of-life care across the world. London: Economist Intelligence Unit, 2010. Disponível em: <http://graphics.eiu.com/upload/eb/qualityofdeath.pdf>. Acesso em: 23 out. 2022.
FERNANDES, M. A. et al. Percepção dos enfermeiros sobre o significado dos cuidados paliativos em pacientes com câncer terminal. Ciência & Saúde Coletiva [online]. v. 18, n. 9, p. 2589-2596, 2013. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000900013>. Acesso em: 21 jan. 2022.
FRANCISCONI, Carlos Fernando; GOLDIM, José Roberto. Classificações Históricas de Eutanásia. 1997 – 2003. Disponível em: https://www.ufrgs.br/bioetica/eutantip.htm#:~:text=Eutan%C3%A1sia%20volunt%C3%A1ria%3A%20quando%20a%20morte,posi%C3%A7%C3%A3o%20em%20rela%C3%A7%C3% A3o%20a%20ela. Acesso em: 05 dez. 2022.
HORTA, Márcio Palis. Eutanásia – Problemas éticos da morte e do morrer. Revista Bioética, v. 7 n. 1, 1999, p. 27-33, 1999. Disponível em: https://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/290. Acesso em 18 nov. 2022.
JUNGES, J. R.; CREMONESE, C.; DE OLIVEIRA, E. A.; DE SOUZA, L. L.; BACKES, V. Reflexões legais e éticas sobre o final da vida: uma discussão sobre a ortotanásia. Revista Bioética. v. 8, n. 2, p. 275-288, 2010.
JUNQUEIRA DE AZEVEDO, A. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, [S. l.], v. 97, p. 107- 125, 2002. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67536. Acesso em: 20 out. 2022.
KAPPAUN, N. R. C.; GOMEZ C. M. O trabalho de cuidar de pacientes terminais com câncer.
Ciência & Saúde Coletiva [online]. v. 18, n. 9, p. 2549-2557, 2013. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/S1413-81232013000900009>. Acesso em: 22 jan. 2022.
LONGUINHO, Daniela. Brasil já realizou oito transplantes de pulmão devido a covid-19. 2021. Disponível em:https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia- nacional/saude/audio/2021-11/brasil-ja-realizou-oito-transplantes-de-pulmao-devido-covid-
19. Acesso em: 24 out. 2022.
LUMERTZ, Eduardo Só dos Santos; MACHADO, Gyovanni Bortolini. Bioética e Biodireito: origem, princípios e fundamentos. Revista do Ministério Público de Rio Grande do Sul. Porto Alegre, n. 81, p. 107-126, 2016. Disponível em: https://www.revistadomprs.org.br/index.php/amprs/article/view/168. Acesso em: 18 nov. 2022.
MACÊDO, Manoel Antônio Silva. Análise do direito subjetivo à morte digna como corolário da autonomia privada: a partir do caso José Ovídio González. Revista Juris UniToledo. Araçatuba, SP, v. 05, n. 03, p. 19-36, 2020. Disponível em: http://ojs.toledo.br/index.php/direito/article/view/3532. Acesso em: 06 dez. 2022.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 36 ed. São Paulo: Atlas, 2020.
MORAES, Maria Celina Bodin de (org.). Princípios do Direito Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
MOURA, Elisangela Santos de. O Direito à Saúde na Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navegandi, Teresina, ano 18, n. 3730, p. 1518-4862, 17 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25309/o-direito-a-saude-na-constituicao-federal-de-1988. Acesso em: 6 dez. 2022.
National Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research. The Belmont Report: ethical principles and guidelines for the protection of human subjects of research. Washington, DC, 1978.
OMS, Organização Mundial da Saúde. Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO).1946. Disponível em: http://www.nepp-dh.ufrj.br/oms2.html. Acesso em: 20 jun. 2022.
PESSINI, Leo. Distanásia: Até quando prolongar a vida? 2ª ed. São Paulo: Editora Loyola, 2002.
PESSINI, Leo. Até quando investir sem agredir? Revista Bioética, [online], v. 4, n. 1, p. 31- 43, 1996. Disponível em: https://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/394. Acesso em 18 nov. 2022.
PESSINI, Leo, Hossne, Willian Saad. Terminalidade da vida e o novo Código de Ética Médica.
Revista Bioethikos. São Paulo: Centro Universitário São Camilo, p. 127-129, 2010.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1986.
REZENDE, Antônio Martinez de; BIANCHET, Sandra Braga. Dicionário do latim essencial. Brasil, Autêntica Editora, 2ª ed., 2014.
RIBEIRO, Diulias Costa. Autonomia: viver a própria vida e morrer a própria morte. Caderno de Saúde Pública, [online]. 2006, v. 22, n. 8, p. 1749-1754. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/4j7czM9wTQRfP5rBqQn5WVf/abstract/?lang=pt. Acesso em: 18 nov. 2022.
RIVABEM, Fernanda Schaefer. Biodireito: uma disciplina autônoma? Revista Bioética
[online]. 2017, v. 25, n. 2, p. 282-289. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1983-
80422017252188. Acesso em: 18 nov. 2022.
SANCHEZ Y SANCHES, Kilda Mara; SEIDL, Eliane Maria Fleury. Ortotanásia: uma decisão frente à terminalidade. Interface - Comunicação, Saúde, Educação [online]. v. 17, n. 44, p. 23-34, 2013. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1414-32832013000100003>. Acesso
em: 21 jan. 2022.
SÃO PAULO (Estado). Lei nº 10.241, de 17 de março de 1999. Dispõe sobre os direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde no Estado. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/1999/lei-10241-17.03.1999.html. Acesso em: 14 nov. 2022.
TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; Sá, Maria Fátima Freire de. Cuidados Paliativos: Entre Autonomia e Solidariedade. CUIDADOS PALIATIVOS: entre autonomia e solidariedade. Novos Estudos Jurídicos, [S.L.], v. 23, n. 1, p. 240, 30 abr. 2018. Editora UNIVALI. Disponível em: https://periodicos.univali.br/index.php/nej/article/view/13037/7453. Acesso em: 24 jan. 2022.
VASCONCELOS, Thiago José Querino de; IMAMURA, Natália Ramos; VILLAR, Heloísa Cesar Esteves Cerquira. Impacto da Resolução CFM 1.805/06 sobre os médicos que lidam com a morte. Revista Bioética, São Paulo, v. 19, p. 501-521, 2011. Disponível em: https://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/602. Acesso em: 14 nov. 2022.
VESCHI, Benjamin. ETIMOLOGIA DE ÉTICA. 2020. Disponível em: https://etimologia.com.br/etica/. Acesso em: 02 nov. 2022.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). National cancer control programmes: policies and managerial guidelines. 2.ed. Geneva: WHO, 2002. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/42494/9241545577.pdf?sequence=1&isAllo wed=y. Acesso em: 9 nov. 2022.
-
4Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/saude/audio/2021-11/brasil-ja-realizou- oito-transplantes-de-pulmao-devido-covid-19. Acesso em: 24 out. 2022.
Disponível em: https://eticapublica.furg.br/moral-e-etica?id=26#:~:text=A%20origem%20da%20palavra%20%C3%A9tica,onde%20vem%20a%20palavra%20moral. Acesso em: 06 dez. 2022.︎
Tradução livre: Princípios da Ética Biomédica.︎
Disponível em https://origemdapalavra.com.br/?s=eutan%C3%A1sia. Acesso em 06 dez. 2022︎
-
Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-2848-7-dezembro-1940- 412868-exposicaodemotivos-148972-pe.html
Termo utilizado como sinônimo de ortotanásia por VASCONCELOS, IMAMURA e VILLAR em Impacto da Resolução CFM 1.805/06 sobre os médicos que lidam com a morte, disponível em https://revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/602. Acesso em: 14 nov. 2022.︎
-
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-ac/1178102780/inteiro-teor-1178102781. Acesso em: 15 nov. 2022.
Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=3515262&ts=1645029382318& disposition=inline. Acesso em 15 nov. 2022.︎
Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106404. Acesso em 18 nov. 2022︎