O Inventário Extrajudicial e a Cessão de Direitos Hereditários: o que fazer se os herdeiros não abrirem logo o Inventário?

03/10/2023 às 12:16
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ADQUIRIR IMÓVEIS QUE ESTÃO ATRELADOS A INVENTÁRIO pode ser uma excelente oportunidade mas também pode ser um grande problema, especialmente se quem compra não está devidamente assessorado e tem ciência das vantagens e principalmente dos RISCOS deste tipo de negócio. Não são poucos os casos que analisamos em nossa rotina envolvendo erros do tipo: Cessão de Direitos Hereditários por instrumento particular (afrontando o art. 1.793 do CCB), aquisição sem as devidas cautelas e análise dos riscos (considerando o Inventário como um todo e principalmente certidões), ou ainda, sem considerar detalhes importantes do imóvel pretendido propriamente dito, de acordo com as peculiaridades do negócio. Hoje em dia, como já tratamos em outras passagens, pode ser possível a compra de imóveis integrantes do acervo herditário INDEPENDENTEMENTE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL como autoriza no Estado do Rio art. 453 do Provimento CGJ/RJ 87/2022 (Novo Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça - Parte Extrajudicial) mas essa é só apenas uma das soluções.

A CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS se faz por Escritura Pública, em qualquer Tabelionato de Notas (inclusive de modo 100% on-line) e, considerando que o Inventário Extrajudicial também se faz por Escritura Pública fica claro que tudo pode ser resolvido na mesma Escritura (embora, na prática, não seja essa a nossa recomendação)- e sem processo judicial. Uma vez realizada a Cessão de Direitos Hereditários pode o "adquirente" dos direitos ou mesmo do imóvel individualizado (como autorizam os par.2º e 3º do art. 1.793) promover a abertura do Inventário caso os herdeiros/cedentes não o façam; trata-se da LEGITIMIDADE CONCORRENTE como esclarece o art. 616 do Código Fux, depois de destacar no art. 615 que o requerimento de Inventário e Partilha cabe a quem estiver na POSSE e ADMINISTRAÇÃO do Espólio:

"Art. 616. Têm, contudo, legitimidade concorrente:

I - o cônjuge ou companheiro supérstite;

II - o herdeiro;

III - o legatário;

IV - o testamenteiro;

V - o CESSIONÁRIO DO HERDEIRO ou do legatário;

VI - o credor do herdeiro, do legatário ou do autor da herança;

VII - o Ministério Público, havendo herdeiros incapazes;

VIII - a Fazenda Pública, quando tiver interesse;

IX - o administrador judicial da falência do herdeiro, do legatário, do autor da herança ou do cônjuge ou companheiro supérstite".

Em outras palavras, o Cessionário de Direitos Hereditários não deve ficar aguardando que os herdeiros iniciem o Inventário já que ele sozinho tem legitimidade para começar a regularização via inventário judicial ou extrajudicial; se o inventário não tiver sido aberto ele pode abrir; se já tiver aberto, ele pode e deve nele ingressar. Sobre o instituto da "Cessão de Direitos Hereditários" ensinam com maestria os professores FARIAS e ROSENVALD (Curso de Direito Civil. 2023):

"(...) A herança é um valor jurídico com visível conteúdo patrimonial, mesmo não havendo individualização da cota-parte que cabe a cada um dos sucessores, uma vez que se trata de um bem universal e indivisível. (...) Exatamente por se tratar de um bem jurídico de valor econômico, é admissível a transmissão da herança, por meio de negócio jurídico denominado 'CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS' ou 'Cessão de Herança' (...) A cessão de direitos hereditários, portanto, é o contrato bilateral, translativo, gratuito ou oneroso e ALEATÓRIO, que um herdeiro realiza com uma pessoa, tendo por objeto a totalidade ou uma cota da herança, da qual é titular".

É muito importante não esquecer que a Cessão de Direitos Hereditários, como se viu, é NEGÓCIO ALEATÓRIO que, por envolver riscos, sujeita o adquirente a, no final do inventário nada receber já que só haverá partilha (e consequentemente distribuição e recebimento de créditos) caso os débitos do Espólio não sejam maiores que os créditos, cf. art. 1.997 do Código Reale. A boa análise de todos os detalhes do caso, dessa forma, é cautela que não deve abrir mão o interessado na "compra" de bens do Espólio.

POR FIM, não parece restar dúvida que a Cessão de Direitos Hereditários legitimará o Cessionário/Adquirente a promover a abertura do Inventário - inclusive Extrajudicial - dos bens do Espólio para ao final, regularizar e concretizar seu direito - todavia, o seu interesse legítimo deve estar adstrito tão somente ao bem objeto da cessão (já que a Cessão pode ser total ou parcial), como aponta com acerto a decisão do TJRJ:

"TJRJ. 00528070720148190000. J. em: 29/10/2014. Agravo de instrumento. Inventário. Cessionário que deu impulso ao inventário em razão da inércia dos herdeiros. Interesse do cessionário que está limitado ao bem objeto da cessão. Demais imóveis que devem ser remetidos à SOBREPARTILHA. Imóvel cedido que deve ser adjudicado ao cessionário. Recurso conhecido e provido".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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