Diariamente ações discutindo a falsidade da assinatura de um determinado documento são distribuídas no Poder Judiciário por todo o Brasil.
O presente artigo visa debater se o fato do processo demandar a realização de uma perícia grafotécnica é razão suficiente para afastar a competência do Juizado Especial com fulcro na inviabilidade de se apreciar causas complexas no referido rito.
Antes de avançarmos, deve ser destacado que o art. 3º da Lei nº 9.099/1995 é claro em dispor que "O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade", logo, demandando uma produção de prova complexa, poderá o Juiz julgar o processo extinto sem a resolução do mérito.
Lembrando que a mencionada extinção encontra respaldo na doutrina, visto que, "Entendendo o juízo pela necessidade da produção de provas que não se coadunam com a sistemática dos Juizados Especiais, é seu dever extinguir o feito, sem resolução meritória"1 (CUNHA, CORDEIRO, BARROS, 2018, pg. 145).
Mas afinal, o que seria compreendido como prova complexa? A jurisprudência nos dá um norte, o TJDFT em 2015 nos esclareceu que "Se, em sede de Juizados Especiais, para o adequado deslinde do feito, for necessária a realização de perícia, ele deverá ser extinto em razão da complexidade da causa (...)" (TJDFT, Acórdão 852017, 20140810033399ACJ, Relator: LEANDRO BORGES DE FIGUEIREDO, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, data de julgamento: 24/2/2015, publicado no DJE: 9/3/2015. Pág.: 433).
Alinhado com o entendimento do TJDFT, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, possui o Enunciado 06 do FOJESP afirmando o seguinte: “6. A perícia é incompatível com o procedimento da Lei 9.099/95 e afasta a competência dos juizados especiais”.
Portanto, diante do acima exposto, temos que a perícia é um indicativo de que o processo poderá exigir uma produção de prova mais complexa, devendo não ser aceito se distribuído for no Juizado Especial.
E há uma razão lógica em categorizar uma perícia como um procedimento complexo, pois demanda exames, avaliações, vistoriais e demais atos que jamais cumprirão com os princípios norteadores do Juizado (art. 2º da Lei nº 9.099/1995).
De mais a mais, ao analisarmos a doutrina especializada em Grafoscopia, podemos notar que o procedimento não é simples e demanda esforços por parte do perito, vejamos:
A inspeção grafoscópica pode ser entendida como a ação de ver, de olhar e de observar o documento gráfico visando determinar particularidades de sua origem. Ordinariamente, tal procedimento requer um planejamento, pois a maioria das perícias grafoscópicas envolve a apuração de fraudes, com a necessidade de se examinar por completo o documento-motivo.
A grande quantidade e o longo período dos exames grafoscópicos exigem consideráveis esforços do perito. As utilizações de equipamentos óticos, de medição e de iluminação cansam a vista e o corpo. As diversas observações e interpretações dos resultados dos exames cansam a mente.2 (GOMIDE, GOMIDE, 2016, p. 71).
Portanto, respeitando opiniões em sentido contrário, não é possível admitir o procedimento pericial grafotécnico no Juizado, pois demanda um tempo relevante, análise aprofundada e técnica de vários documentos, coleta de assinaturas para fins de confrontações técnicas, manuseio de equipamentos, esforço considerável e a elaboração de um lado formal, técnico e complexo, não sendo compatível com os princípios da celeridade, informalidade, economia processual e outros inerentes ao Juizado.
Por fim, há uma exceção à regra, alguns julgados entendem que o falso grosseiro, que é aquele percebido a olho nu e pelo homem médio, não demanda, em tese, uma perícia complexa e por consequência não se exclui a competência do Juizado Especial para apreciar o caso, haja vista a possível não necessidade da perícia, vejamos:
RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. FRAUDE GROSSEIRA VERIFICADA. ASSINATURAS IDÊNTICAS. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL PARA A ANÁLISE DA DEMANDA. DESCONTOS INDEVIDOS REALIZADOS. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. ARTIGO 42, PARÁGRAFO ÚNICO DO CDC. SENTENÇA MANTIDA. Recurso conhecido e desprovido. (TJPR - 3ª Turma Recursal - 0000457-33.2019.8.16.0038 - Fazenda Rio Grande - Rel.: JUÍZA DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUÍZAADOS ESPECIAIS ADRIANA DE LOURDES SIMETTE - J. 06.07.2020).
JUIZADO ESPECIAL. FALSIFICAÇÃO DE ASSINATURA DE CHEQUE. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. COMPLEXIDADE DA CAUSA AFASTADA. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. 1. Não é necessária a produção de prova pericial grafotécnica, a fim de se aferir a autenticidade das assinaturas lançadas nas cártulas quando comparadas com a constante do documento de identidade da recorrente, restando evidenciada a sua falsificação grosseira, facilmente verificada por qualquer pessoa. 2. Precedente. (TJDFT, Acórdão 1052112, 07004849220168070017, Relator: SONÍRIA ROCHA CAMPOS D'ASSUNÇÃO, Primeira Turma Recursal, data de julgamento: 5/10/2017, publicado no DJE: 17/10/2017. Pág.: Sem Página Cadastrada).
Diante do exposto, uma vez sendo pertinente a realização da perícia grafotécnica, o ideal é evitar a distribuição do processo no Juizado, pois a produção da mencionada prova não se coaduna com os princípios norteadores do procedimento simplificado.
No entanto, ocorrendo a fraude grosseira, temos uma exceção à regra, dispensando a perícia complexa, podendo o processo seguir normalmente no rito do Juizado.
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CUNHA, Maurício Ferreira; CORDEIRO, Luis Phillipe de Campos; BARROS, Jhonatta Braga. Manual Prático dos Juizados Especiais Cíveis e da Fazenda Pública, Leis 9.099/1995 e 12.153/2009, Salvador: Editora JusPODIVM, 2018.︎
Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo: GOMIDE, Tito Lívio Ferreira; GOMIDE, Lívio. Manual de Grafoscopia, 3ª Edição, São Paulo: Editora Leud, 2016︎