Competência municipal para legislar e para operar o tombamento

03/10/2023 às 11:40

Resumo:


  • Os municípios têm competências específicas para proteger o patrimônio histórico-cultural local, conforme estipulado pelos artigos 23 e 30 da Constituição Federal, que incluem a proteção de bens de valor histórico e a legislação sobre assuntos de interesse local.

  • O artigo 216 da Constituição define o patrimônio cultural brasileiro e o artigo 216-A estabelece o Sistema Nacional de Cultura, que promove a cooperação e gestão conjunta das políticas culturais entre os diferentes entes federativos.

  • Embora os municípios não possam criar novas formas de proteção ao patrimônio, eles têm a capacidade de regulamentar e organizar a aplicação prática de proteções existentes, como o tombamento, respeitando as legislações federal e estadual.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

De início, os municípios possuem competência para proteger bens de valor histórico [art. 23, III e IV], além da competência para legislar sobre assuntos de interesse local [art. 30, I] e de proteger o patrimônio histórico-cultural local, observadas as legislações e a ações fiscalizadoras federal e estadual [art. 30, IX]. Cita-se:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
[...]
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação;
 
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
[...]
IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Então, percebe-se que o Município possuí competência para organizar a sua atuação protetiva do patrimônio cultural, isso pode se dar através de lei ou regulamento que especifique como a administração local atuará, com sua estrutura e diante da realidade local. Sempre observando as legislações federais e estaduais.

Nessa linha, o art. 216, da Constituição traça diretrizes gerais sobre o patrimônio cultural brasileiro:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Já o art. 216-A, estabelece o Sistema Nacional de Cultura, com o intuito de centralizar informações e fortalecer a cooperação entre os entes federativos envolvendo as políticas culturais:

Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais. 
§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
§ 2º Constitui a estrutura do Sistema Nacional de Cultura, nas respectivas esferas da Federação:        
I - órgãos gestores da cultura;     
II - conselhos de política cultural
[...]
§ 3º Lei federal disporá sobre a regulamentação do Sistema Nacional de Cultura, bem como de sua articulação com os demais sistemas nacionais ou políticas setoriais de governo.
§ 4º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão seus respectivos sistemas de cultura em leis próprias.    

Percebe-se, especialmente da leitura do §4º, do art. 216-A, que o Município pode organizar o seu sistema de cultura em lei própria.

Tombamento

Para Matheus Carvalho[1], o tombamento é “intervenção do Estado na propriedade”, que “visa à proteção ao meio ambiente, no que tange à conservação dos aspectos da história, arte e cultura de um povo”.

Segundo o Autor, a “competência para praticar os atos necessários ao tombamento de bens públicos ou privados é concorrente entre os entes federativos”, e assim “o mesmo bem pode sofrer mais de um tombamento, simultaneamente”. Completa, CARVALHO[2]:

“a competência legislativa também é concorrente, devendo a União expedir normas gerais, atribuindo a possibilidade de edição de normas específicas aos estados e ao Distrito Federal, não havendo competência legislativa atribuída aos entes municipais, devendo determinar os tombamentos que considerar relevantes, em observância às leis federais e estaduais

Assim, o tombamento figura apenas como um dos meios de proteção ao patrimônio cultural e essa espécie de proteção, de intervenção do Estado, encontra guarida no Decreto-Lei nº 25/1937. De modo que o município não possuí competência constitucional para legislar sobre a matéria, mas o reúne competências correlatas para organizar a sua atuação prática de proteção ao meio ambiente cultural e processar tombamentos. Isso respaldado no art. 30, I, da Constituição Federal, e na lógica de que as realidades locais são variadas, as necessidades processuais também, e cada município melhor conhece suas nuances e limitações, ao ponto de tecer o seu funcionamento da maneira que consigna mais adequada, utilizando-se das regras e institutos já estabelecidos pelas legislações Federal e Estadual, e assim acontece com o tombamento.

Veja, o próprio Decreto-Lei nº 25/1937, embora regulamente os efeitos do tombamento, que são gerais, também acaba tratando de aspectos específicos, materialmente aplicáveis à União, como os livros de registros e a atuação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Esses aspectos podem ser adaptados na lei ou no regulamento municipal, já que os tombamentos municipais serão registrados em livros próprios e concretizados por órgão local.

Embora os municípios não possuam competência para inovar, criar novas figuras de proteção ou de intervenção, devendo se valer das já existentes, reguladas pela União e pelo respectivo Estado, entende-se que é possível que seja regulamentada a aplicação prática dessa atuação/proteção/desses institutos, em face da estrutura administrativa local, ou às peculiaridades locais de preservação, já que é cristalina a competência municipal para realizar o tombamento.

A Lei Local

É comum encontrar leis locais que estabelecem o processo de tombamento e outras ações, leis que apenas internalizam os instrumentos já disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro, estabelecendo a forma prática de se preservar bens e valores culturais no município, inclusive, criando órgão específico para atuar nessas demandas. E isso é organizacional, ou seja, atende com as obrigações municipais de zelo cultural, previstas no art. 30, IX, e 216-A, §1º e §4º, todas da Constituição Federal de 1988.

Conclusão

 Conclui-se que os municípios não reúnem competência constitucional para legislar sobre o tombamento, espécie de intervenção do Estado na propriedade, ou sobre a proteção do patrimônio histórico-cultural, mas podem, observando as Leis Federais e Estaduais, regulamentar/legislar sobre a sua estrutura, sobre como processar os tombamentos locais e sobre a articulação do sistema de cultura local.


[1] CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 10 ed. São Paulo: JusPODIVM, 2022. p 1325

[2]  p 1326

Sobre o autor
Leonardo Vieira de Souza

Advogado e Consultor em Gestão Pública. Pós-graduado em Direito Administrativo, Constitucional, Eleitoral e Gestão Pública com ênfase em Licitações.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos