Nesse momento, repercute nos meios de comunicação internacional, um questionamento a cada dia mais frequente sobre os direitos autorais e a sua proteção, diante do uso da “Inteligência Artificial Regenerativa”.
Fundamentalmente, muitos escritores entendem que os sistemas de Inteligência Artificial Regenerativa, ao serem alimentados e treinados, com seus livros e sem a autorização desses autores. Ou seja se os robôs de captura realizam uma varredura na internet, e constroem sua posição sobre determinado tema, “aprendendo” com os livros publicados, como ficariam os pagamentos dos direitos autorais dessas obras? Logo estaríamos diante de uma flagrante violação dos direitos de propriedade intelectual?
Lembro que a Lei de Propriedade Intelectual permite aos autores, e somente a esses, o direito exclusivo de autorizar, entre outras formas de exploração, a reprodução de suas obras, conceito no qual o uso de textos literários poderia ser incluído no processo de formação de sistemas de inteligência artificial generativa.
Claro que surge uma inevitável questão: Esses sistemas de “Inteligência”, de forma análogo não são alimentados tal qual o processo de aprendizado humano, que se alimenta da leitura, escuta e visualização de obras pré-existentes sem implicar em ato de exploração não autorizada que implique violação de direitos de propriedade intelectual?
Devemos destacar que existe ao menos, to, duas grandes diferenças entre o processo de inspiração e criação do ser humano, por um lado, e o processo de alimentação e geração de ferramentas de inteligência artificial, por outro. A primeira: que o processo humano começa por iniciativa do próprio sujeito, enquanto a inteligência artificial exige que uma instrução ou prontidão externa forneça os critérios aos quais sua atividade geradora deve se adequar. A segunda: que o processo humano é aparentemente orgânico, enquanto a inteligência artificial exige o processamento de uma enorme quantidade de dados. Mas não nos enganemos: ambos os processos são alimentados por obras protegidas por direitos de propriedade intelectual, e o fato de um deles começar por iniciativa própria não pressupõe que seus resultados sejam originais. A desvantagem da inteligência artificial nessa área é que, ao contrário do ser humano, seu processo é rastreável e é possível "desmoroná-lo" para identificar as obras que serviram de "inspiração" ao sistema e, assim, os direitos de propriedade intelectual que podem ter sido violados durante o processo.
Para reflexão estendemos o uso da inteligência artificial também para a pintura de quadros, e logo imagine: O que poderíamos dizer de uma inteligência artificial que pode ensinar o seu filho a desenhar?
Qual o espaço de criação para uma inteligência artificial na produção de pinturas? Elas seriam originais? E o que dizer de uma inteligência artificial que pinta os quadros de acordo com a preferência e estado de espírito de quem encomenda a obra? Tudo alimentado pelos dados do cliente que encomendou? Como definir esse momento do desenvolvimento de algoritmos que customizam a obra com base no registro de preferência estética do cliente?
Jamais teria a pretensão, de dizer aqui que a IA tem talento, criatividade ou imaginação, ainda entendo que essas qualidades são humanas (no momento), mas graças aos trabalhos humanos com os quais as diferentes inteligências artificiais foram treinadas, elas podem criar arte, sim, mas na lógica de que a criação estaria nas mãos do programador.
Sabidamente a arte sempre foi muito subjetiva, e as novas tecnologias servem para colocar ainda mais lenha na discussão desse tema, o que amplia o debate em torno dela. Música, cinema, literatura, escultura, arquitetura. Isso é arte, mas também videogames e muitas pessoas não a consideram como tal. Tente convencer um designer que seus desenhos projetados na tela não são arte?
Direitos de autor são direitos conferidos aos criadores de obras literárias e artísticas e logo entre outras obras poderíamos evidenciar: filmes, composições musicais, coreografias, trabalhos artísticos como pinturas, desenhos, fotografias e esculturas; arquitetura entre outros.
Sabemos que o Direito do Autor compreende prerrogativas morais e patrimoniais, aquelas que se referem ao vínculo pessoal e perene que une o criador à sua obra, e estas referentes aos efeitos econômicos da obra e o seu aproveitamento mediante a participação do autor em todos os processos e resultados. A Lei nº 9.610/98, a qual tem como finalidade proteger as obras literárias, artísticas e científicas, impedindo desta forma, que terceiros se utilizem indevidamente das obras protegidas, sendo assim um software que cria um padrão artístico estaria dentro dessa definição?
Nos socorremos da WIPO que define direito de autor como sendo a proteção da criação da mente humana. Assim, é importante salientar que o direito autoral protege as obras, e logo elas precisam de meio físico, o que poderia ser uma tela e ou no caso um programa de computador com seu código registrado?
O direito entende que todos aqueles que tiverem o seu nome agregado a uma obra serão legalmente considerados co-autores, logo um algoritmo construído pelo coletivo estaria assim enquadrado?
Seria o caso das GANS, que foram introduzidas em 2014 por pesquisadores da Universidade de Montreal, e que são arquiteturas de redes neurais (deep learning) compostas por duas redes uma contra a outra, daí adversária, treinadas para criar mundos semelhantes em qualquer domínio (música, imagens, textos).
É um universo novo, que está apenas começando, mas a inteligência artificial vai poder pintar um novo quadro de Picasso? Considerando o estudo do seu padrão de trabalho? Nesse caso estaríamos diante de uma cópia ou de uma obra original? O padrão e as características podem ser registrados como propriedade intelectual do artista ou do algoritmo e seus colaboradores? Seus herdeiros poderiam então reclamar, pois o padrão e o estilo identificados por um programa de computador seria uma herança digital?
Todas essas questões são novas, e alimentam a necessidade da discussão de um marco regulatório que contemple as novas tecnologias, pois considerando o atual sistema legal vigente, podemos concluir, ainda que de forma introdutória para uma discussão mais profunda, que a forma com que se alimentam os sistemas de inteligência artificial baseados em obras pré-existentes, diferentemente de obras humanas, implica atos de exploração pelos quais as empresas desenvolvedoras desses sistemas seriam responsáveis. Logo, concluímos ser obrigatório a aquisição de licenças com editoras, gravadoras, produtoras audiovisuais e outros proprietários das obras utilizadas para a formação dos sistemas.
Dito isto, há alternativas para o futuro? Sim. Uma delas seria modificar e ampliar o limite existente de mineração de texto e dados, para que os sistemas de inteligência artificial possam se alimentar de obras sem a necessidade de obter uma autorização ad hoc de cada titular de direito, estabelecendo em troca um direito de remuneração ou compensação justa em favor dos titulares de direitos. comparável ao que já existe para a cópia privada, como forma de garantir aos criadores a contrapartida adequada pela utilização das suas obras e evitar o enriquecimento de empresas que desenvolvem sistemas de inteligência artificial à sua custa. Tal mecanismo permitiria, por um lado, acelerar o funcionamento do mercado e adaptá-lo à realidade tecnológica atual e, por outro, assegurar um equilíbrio entre os direitos de propriedade intelectual e outros, como a liberdade de empresa. Outra opção seria estabelecer um regime de isenção de responsabilidade para as empresas que desenvolvem sistemas de inteligência artificial, à semelhança do que aconteceu com os serviços de intermediação com a explosão da Internet, com a intenção de não travar o desenvolvimento deste setor.
Seja qual for o valor escolhido, as sociedades de cobrança provavelmente se tornarão agentes-chave na negociação de acordos com desenvolvedores de IA, seja para liquidar licenças ou para administrar um eventual direito a remuneração ou compensação justa.
No entanto, algumas incertezas permanecem: como comprovar, a partir dos resultados gerados pelos sistemas de inteligência artificial, quais obras foram utilizadas em seu processo de alimentação? É suficiente identificar nesses resultados supostas reproduções ou transformações de obras pré-existentes? Essas e outras perguntas semelhantes serão respondidas à medida que ações judiciais por violação de direitos de propriedade intelectual por sistemas de inteligência artificial gerarem uma jurisprudência que, no entanto, provavelmente levará tempo para ser uniforme e definitiva.
Na tentativa de lançar luz, a atual versão da Proposta de Regulamento de Inteligência Artificial da União Europeia, estabelece certas obrigações a cargo das empresas que desenvolvem sistemas generativos de inteligência artificial. Estas obrigações incluem a conceção dos seus sistemas de uma forma não infratora e a disponibilização pública de um resumo pormenorizado da sua utilização de dados protegidos pela propriedade intelectual. O Japão, por outro lado, desenvolveu um critério aparentemente menos protecionista: sua lei de propriedade intelectual estabelece que é possível usar obras sem autorização para fins de análise de dados, o que tem sido interpretado como um incentivo naquele país para o uso de obras na alimentação de sistemas de inteligência artificial.
No momento a realidade imperiosa ditada pela lógica capita do mercado prevalece, se aproveitando do vácuo legislativo do tema.