O que a Argentina e o Brasil têm em comum no âmbito dos direitos culturais? Bem, vamos seguir nesse diálogo, bailando e jogando entre as linhas jurídicas culturais dos dois países sulamericanos. A Roda de Capoeira e o Tango são dois bens culturais inscritos na Lista de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco, também reconhecidos pelo ordenamento jurídico de seus países, respectivamente, Brasil e Argentina.
No Brasil, há um instrumento com previsão em âmbito constitucional, e com processo regulamentado, para o reconhecimento de bens culturais imateriais. A Capoeira, por exemplo, teve os seus bens, Roda de Capoeira e Ofício dos Mestre de Capoeira, registrados nos livros das formas de expressão e dos saberes depois de um processo cujos efeitos têm continuidade com a política de salvaguarda. Na Argentina não ocorre o mesmo, não há previsão constitucional de processo para reconhecimento de bens culturais de natureza imaterial.
Em ambos os Estados há uma tendência de o legislador não atentar para convidar os articuladores dessas manifestações para jogar e bailar em torno do debate político. Na política de salvaguarda, por exemplo, há a participação nas tomadas de decisões, mas tanto no Brasil, quanto na Argentina, as políticas culturais não se desenvolvem apenas em âmbito federal. Alguns governos estaduais e municipais são omissos ou obstam o acesso ao debate público e ao exercício da cidadania cultural, como exemplo é possível citar a escolha de data comemorativa para os capoeiristas sem consulta pública, algo recorrente no cenário nacional brasileiro.
Segundo a Unesco, a participação popular é elemento indispensável no processo de reconhecimento de bens culturais. No Brasil, a participação popular é um princípio jurídico dos Direitos Culturais impresso em sua Carta Constitucional. Na Argentina, o mesmo não ocorre. No entanto, em ambos os países, os articuladores desses bens são convidados a participar das ações de salvaguarda, embora de modo aquém do esperado. Ainda assim, é preciso criar estratégias para ampliar a cidadania cultural de seus articuladores.
É nesse cenário político que o capoeirista precisa jogar e o dançarino de tango bailar. O agir democrático das instituições deve garantir o efetivo exercício dos direitos culturais e seus princípios, entre eles, a participação popular, pois não cabe ao Estado decidir sobre os rumos dos bens culturais. Não pode ficar afastado totalmente, deve fomentar espaços de discussão e a participação de articuladores culturais nas políticas públicas para o setor, de forma direta ou indireta.
Essas entre outras questões são discutidas no Encontro Internacional de Direitos Culturais, que vai para sua 12ª edição em 2023. O tema escolhido foi “O agir democrático no âmbito dos direitos culturais: uma causa transnacional”, que tem como principal objetivo debater e avaliar cientificamente, numa perspectiva jurídica, as práticas democráticas nos momentos de concepção, criação e aplicação dos direitos culturais.
O encontro, realizado em duas etapas, teve a sua primeira parte entre os dias 14 e 15 de setembro, na Argentina, na Universidad Nacional de la Patagonia San Juan Bosco (UNPSJB), com palestras, mesas-redondas e debates. A segunda etapa ocorrerá no dia 5 de outubro com a apresentação de trabalhos científicos, na modalidade online, e com lançamento de livros e palestras na Universidade de Fortaleza (UNIFOR), no formato híbrido, na qual manifestações culturais como a Roda de Capoeira e o Tango, por meio de seus articuladores, encontram espaços para bailar e jogar entre as linhas dos direitos culturais.