OS CARTÓRIOS consubstanciam o "local" onde são realizadas as atividades que, de acordo com a Lei (art. 236 da CRFB/88) foram delegadas a Notários e Registradores (art. 3º c/c art. 5º da LNR). Nele estão (ou pelo menos deverão estar) presentes diariamente o Oficial do Registro Público e seus prepostos, exercendo todas as atividades conforme delineado na referida LNR, Lei Federal 8.935/94, de acordo com a divisão e organização local, quais sejam:
I - Tabelionato de Notas;
II - Tabelionato e Registro de Contratos Marítimos;
III - Tabelionato de Protesto de Títulos;
IV - Registro de Imóveis;
V - Registro de Títulos e Documentos e das Pessoas Jurídicas;
VI - Registro Civis das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas;
VII - Registro de distribuição.
Como se observa da Lei 8.935/94 - e obviamente não é preciso muito para se perceber - o delegatário sozinho não pode dar conta de todo o serviço (em que pese, a realidade apontada pelo site "JUSTIÇA ABERTA" do CNJ demonstrar que muitos Cartórios contam com apenas um "funcionário registrado", o que é no mínimo curioso), especialmente no cenário atual onde um mero ato praticado pode demandar diversas rotinas e processamentos posteriores (comunicações, envios de relatórios, repasses etc) a diversos órgãos. Toda atividade realizada pelos Cartórios deve ser considerada "função pública notarial ou de registro", que é própria do Estado porém exercida pelos particulares em caráter privado, como determina a CRFB no referido artigo 236. Os referidos serviços "Notariais e de Registro" são, na conceituação da clássica doutrina assinada pelo ilustre Advogado, Dr. WALTER CENEVIVA (Lei dos Notários e dos Registradores comentada. 2014),
"SERVIÇO NOTARIAL é a atividade de agente público, autorizado por Lei, de redigir, formalizar e autenticar, com fé pública, instrumentos que consubstanciam atos jurídicos extrajudiciais do interesse dos solicitantes, sendo também permitido a autoridades consulares brasileiras, na forma de legislação especial. (...) SERVIÇOS DE REGISTRO dedicam-se, como regra, ao assentamento de títulos de interesse privado ou público, para sua oponibilidade a todos os terceiros, com a publicidade que lhes é inerente, garantindo, por definição legal, a segurança, a autenticidade e a eficácia dos atos da vida civil a que se refiram".
Em suma, a atividade exercida dentro dos Cartórios é de natureza pública já que pertence ao Estado porém exercida pelos particulares investidos na função, sendo certo que estes (os Delegatários) podem contratar escreventes, substitutos e auxiliares na forma do art. 20 da LNR para o desempenho de suas funções, o que também parece deixar claro que estes prepostos também deverão observar todos os deveres e prescrições legais a que estão sujeitos Notários e Registradores (art. 30 e 31 da LNR). Nesse aspecto, fica o questionamento: pode ser admitida a lavratura de INSTRUMENTO PARTICULAR em vez de INSTRUMENTO PÚBLICO por Tabelião, Substituto ou Escrevente?
A resposta é negativa já que, como se viu, a atividade exercida pelo Tabelião (e seus prepostos, inclusive) é pública e naturalmente, nos casos de instrumentos que esses produzam só poderão ser públicos, todos dotados de fé pública. O artigo 6º da LNR deixa claro:
"Art. 6º. Aos notários compete:
I - formalizar juridicamente a vontade das partes;
II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo;
III - autenticar fatos".
Por sua vez, o artigo 7º do referido Estatuto assegura:
"Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:
I - lavrar escrituras e procurações, públicas;
II - lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados;
III - lavrar atas notariais;
IV - reconhecer firmas;
V - autenticar cópias".
Não por outra razão o Código de Normas Extrajudiciais do Rio de Janeiro (Provimento CGJ/RJ 87/2022) assim como Códigos de outros Estados (como Tocantis, Paraíba, Ceará, Bahia, Rio Grande do Sul, por exemplo) veda expressamente a confecção de instrumentos particulares pelos Tabeliães - proibição essa naturalmente extensiva a seus prepostos:
"Art. 276. É vedado aos tabeliães de notas lavrar atos sob a forma de INSTRUMENTO PARTICULAR, bem como lavrar atos estranhos às atribuições previstas neste Código".
Por outro lado, não podemos esquecer que, salvo exceções legais, a forma pública (ESCRITURA PÚBLICA) será a regra para a COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS como deixa claro o art. 108 do Código Civil - o que permite compreender que sim, haverá casos onde a compra venda de imóveis poderá ser feita (e REGISTRADA no RGI) por INSTRUMENTO PARTICULAR (sendo dispensada a Escritura Pública) - Instrumento particular esse que, como se viu não pode ser lavrado em substituição à Escritura Pública por Tabelião, nem por Substituto, nem por Escrevente. De toda forma, a melhor interpretação sobre a regra do art. 108 deve ser aquela baseada na orientação do STJ, ou seja, sobre o valor do imóvel e não sobre o preço do negócio, senão vejamos:
"STJ. REsp 1099480/MG. J. em: 02/12/2014. RECURSO ESPECIAL - PROCEDIMENTO DE DÚVIDA SUSCITADO PELO OFICIAL DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS - DISCUSSÃO SOBRE A INTERPRETAÇÃO DO ART. 108 DO CC - PROCEDÊNCIA DA DÚVIDA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS - ENTENDIMENTO PELA NECESSIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA PARA REGISTRO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL CUJO VALOR DA AVALIAÇÃO PELO FISCO FOI SUPERIOR A TRINTA SALÁRIOS MÍNIMOS, AINDA QUE O VALOR DO NEGÓCIO DECLARADO PELAS PARTES TENHA SIDO INFERIOR. (...). Hipótese em que o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis suscitou dúvida ao Poder Judiciário, referente à interpretação do art. 108 do CC. O oficial cartorário e a empresa requerente do registro divergem quanto ao valor a ser considerado para fins de incidência da regra legal em questão: para aquele, a escritura de compra e venda deve ser feita por instrumento público, já que o fisco municipal avaliou o imóvel em valor superior a 30 (trinta) salários mínimos; para esta, a escritura de compra e venda pode ser feita por instrumento particular, pois o valor do negócio declarado pelas partes no contrato foi inferior a 30 (trinta) salários mínimos. As instâncias ordinárias entenderam que o valor a ser considerado, para fins de aferição da necessidade de escritura pública no caso concreto, não deve ser aquele declarado pelas partes, mas o da avaliação realizada pelo fisco, destacadamente quando o propósito dos interessados e a finalidade precípua do instrumento é a transferência de propriedade do bem, e não apenas o de retratar uma mera transação. 1. A interpretação dada ao art. 108 do CC pelas instâncias ordinárias é mais consentânea com a finalidade da referida norma, que é justamente conferir maior segurança jurídica aos negócios que envolvem a transferência da titularidade de bens imóveis. 2. O art. 108 do CC se refere ao valor do imóvel, e não ao preço do negócio. Assim, havendo disparidade entre ambos, é aquele que deve ser levado em conta para efeito de aplicação da ressalva prevista na parte final desse dispositivo legal. 3. A avaliação feita pela Fazenda Pública para atribuição do valor venal do imóvel é baseada em critérios objetivos previstos em lei, refletindo, de forma muito mais consentânea com a realidade do mercado imobiliário, o verdadeiro valor do imóvel objeto do negócio. 4. Recurso especial desprovido".