O trabalho plataformizado e a (des)preocupação com a saúde e segurança dos "gig workers"

09/10/2023 às 15:48

Resumo:


  • A Quarta Revolução Industrial, ou Indústria 4.0, trouxe mudanças significativas na dinâmica do trabalho, com a ascensão de tecnologias como inteligência artificial, computação em nuvem e internet das coisas, levando ao surgimento de plataformas de trabalho digitais.

  • A pandemia de COVID-19 acelerou a disseminação de serviços de entrega e transporte individual por aplicativos, consolidando-os na sociedade e exacerbando a precarização do trabalho, com muitos indivíduos recorrendo a esses aplicativos como fonte de renda para manutenção da subsistência.

  • Apesar da falta de regulamentação específica e da oscilação da jurisprudência trabalhista, é imperativo que as plataformas digitais promovam o direito à saúde e segurança dos trabalhadores, respeitando os princípios do Direito do Trabalho e assegurando a dignidade humana do trabalhador.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1 INTRODUÇÃO

O avanço e desenvolvimento constante das tecnologias desencadeou significativas mudanças na economia, na sociedade e, como não poderia deixar de ser, na organização e relação de trabalho. A chamada Quarta Revolução Industrial ou Indústria 4.0 impulsionou alterações na dinâmica laboral com a ascensão da inteligência artificial, da computação em nuvem, da internet das coisas (IoT), da robótica avançada, da gestão algorítmica, dentre outras.

A ciberização implicou o surgimento de plataformas de trabalho, cujo uso e disseminação foi catalisada pela pandemia do coronavírus, ante a necessidade premente de isolamento social (Feliciano, 2022). Com isso, serviços de entregas e transporte individual, por exemplo, se consolidaram na sociedade.

É preciso ressaltar, contudo, que a crise econômica, iniciada antes mesmo da eclosão da crise pandêmica, já indicava que a uberização se tornaria expressão da sociedade digital. O crescente índice de desemprego e aumento da informalidade proporcionou que diversos indivíduos vissem no uso dos aplicativos a fonte de renda para manutenção de sua subsistência e de sua família. A pandemia vindoura aprofundaria ainda mais essa necessidade de grande parte da população.

Em outras palavras, diversos fatores convergiram para que a o trabalho plataformizado não só se mantivesse, como também crescesse. Atualmente, é impossível pensar na sociedade sem o uso dos aplicativos de serviços. No entanto, se, para os consumidores, as plataformas de serviços trouxeram comodidade e economia, a mesma afirmativa não pode ser ratificada pelos seus trabalhadores.

Os trabalhadores das plataformas digitais são conhecidos como gig workers ou uberizados. Isso porque estão incluídos na dinâmica da gig economy, que nada mais é que a famosa economia de bico, economia de plataforma ou economia de compartilhamento. Ou seja, estão associados a formas alternativas de trabalho, que incorrem na sua manifesta precarização.

E a precarização dos trabalhadores das plataformas introduziu intensos debates acerca da possibilidade e – por que não? – necessidade de alocá-los dentro da estrutura normativa do vínculo empregatício (art. 2º e 3º da CLT).

Como sabido, o Direito do Trabalho tem como princípios imanentes de sua finalidade a primazia da realidade e a proteção obreira. Daí decorre a fundamental análise do que verdadeiramente ocorre na relação de trabalho, para além de teses difundidas a fórceps e documentos livremente e unilateralmente formalizados, bem como assegura o respeito à dignidade humana do trabalhador, vetor central da ordem jurídica pátria e internacional.

Decerto, ainda não há pacificação quanto à controvérsia da possibilidade de existência de vínculo empregatício entre as plataformas e os trabalhadores, não obstante o TST ter, recentemente, admitido Recurso Extraordinário da Uber quanto à temática1. A falta de regulamentação dessas atividades propulsiona a insegurança jurídica vivenciada e a jurisprudência trabalhista, no mesmo sentir, oscila em suas análises.

Por sua vez, a jurisprudência da Corte Constitucional indica um cenário notadamente liberal para a realização de tais serviços2, sem observar o trabalhador como sujeito de direitos mínimos previstos constitucionalmente. No entanto, o que se tem de consolidado, atualmente, é que não há qualquer decisão vinculante dos órgãos jurisdicionais extraordinários, mantendo-se a total insegurança dos trabalhadores quanto a seus direitos.

Todavia, esse estudo não objetiva analisar as nuances da possibilidade, ou não, de vínculo de emprego. A relação empregatícia, embora relevantíssima – ninguém ousa dizer o contrário –, não se confunde com a obrigação internacional, constitucional, legal e infralegal de as empresas desenvolvedoras das plataformas digitais promoverem o direito à saúde e segurança dos trabalhadores plataformizados e, por conseguinte, um meio ambiente de trabalho verdadeiramente hígido.

Assim, o fim deste artigo é analisar, por meio de ampla bibliografia e dados estatísticos, a situação normativa atual, as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores de plataformas na prestação dos serviços, as doenças relacionadas ao mister e as soluções para resguardar os direitos basilares à vida, à saúde, ao meio ambiente e à dignidade humana.

2 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO: OBRIGATORIEDADE DE EFETIVAÇÃO DECORRENTE DAS NORMAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS

2.1 Conceituação

O meio ambiente tem cinco distintos aspectos que o compõem, a saber, o meio ambiente natural, artificial, cultural, digital e do trabalho (Fiorillo, 2018).

O meio ambiente natural ou físico é constituído pela atmosfera, pelos elementos da biosfera, pelas águas (inclusive pelo mar territorial), pelo solo, pelo subsolo, pela fauna, pela flora, compreendendo o equilíbrio dinâmico entre seres vivos e o meio em que vivem.

O meio ambiente artificial compreende o espaço urbano construído, que consiste no conjunto de edificações e equipamentos públicos.

O meio ambiente cultural é previsto no art. 216 da CRFB:

“Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores da referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científfico.”.

O meio ambiente digital, por sua vez, é consequência do desenvolvimento tecnológico e se manifesta a partir do século XXI, que:

exatamente em face de uma cultura que passa por diversos veículos reveladores de um novo processo civilizatório adaptado necessariamente à sociedade da informação, a saber, de uma nova forma de viver relacionada a uma cultura de convergência em que as emissoras de rádio, televisão, o cinema, os videogames, a internet, as comunicações por meio de ligações de telefones fixos e celulares etc. moldam uma “nova vida” reveladora de uma nova faceta do meio ambiente cultural, a saber, o meio ambiente digital (Fiorillo, 2018).

Já o meio ambiente do trabalho é o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais relacionadas à saúde, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está relacionado com a salubridade do meio e a ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente da condição que ostentem, consoante ensina Fiorillo (2018). Ressalta-se que não se restringe apenas ao local de trabalho estrito em que desempenha as atividades, mas também aos instrumentos de trabalho, o modo de execução das tarefas e a maneira como o trabalhador é tratado pelo tomador de serviço e por seus pares (Melo, 2008).

2.2 Normatização Constitucional

Uma análise constitucional demonstra que a tutela jurídica do meio ambiente foi prevista apenas na Constituição Cidadã de 1988. As Constituições anteriores não tinham o meio ambiente como bem juridicamente tutelado.

A Constituição de 1824 não fez qualquer referência à matéria ambiental, ao passo que a Constituição de 1891 apenas previu a competência legislativa no que tange às minas e terras da União (art. 34, n. 29). As Constituições de 1934 (art. 10 e 148), 1937 (art. 134), 1967 (art. 172) e a EC 01/1969 (art. 180) previram, em síntese, apenas a proteção do patrimônio histórico, artístico, paisagístico e natural. Portanto, a inclusão do meio ambiente como um direito fundamental dos cidadãos e da sociedade é recente na história do Brasil.

O direito ao meio ambiente do trabalho está incluído na Seção II do Título VIII (Ordem Social), Capítulo II (Seguridade Social), que cuida do direito à saúde, notadamente no art. 200, VIII, CRFB. Outrossim, dentro do rol dos direitos assegurados aos trabalhadores lato sensu, consta expressamente o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, através de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, XXII, CRFB).

Ainda, destaca-se que a Constituição prevê um capítulo próprio ao meio ambiente (art. 225, CRFB), de sorte a perquirir a defesa e preservação desse direito fundamental como objetivo precípuo do Estado Democrático e Socioambiental de Direito, que incumbe tanto ao Poder Público quanto à coletividade em sentido amplo. Não por outra razão, assegura-se ao trabalhador o direito ao seguro contra acidentes de trabalho e à indenização quando o tomador incorrer em dolo ou culpa (art. 7º, XXVIII, CRFB), assim como a responsabilização e sanção dos infratores que praticam condutas lesivas ao meio ambiente (art. 225, §3º, CRFB).

Destarte, o direito a um meio ambiente seguro e saudável é objetivo expressamente previsto na Constituição, máxime quanto ao meio ambiente de trabalho.

2.3 Normatização Infraconstitucional

As normas infraconstitucionais estão esparsas pela ordem jurídica. Na CLT, há capítulo próprio que trata da Medicina e Segurança do Trabalho (Capítulo V), cujos artigos 154 a 201 esmiúçam a temática sobre diversos pontos labor-ambientais e conferem atribuição para que o Ministério do Trabalho e Previdência (MTP) edite normas regulamentadoras acerca do meio ambiente de trabalho, por força do art. 155 c/c 200, I, da CLT, cujo fundamento de validade é oriundo do art. 7º, XXII, da CRFB.

Atualmente, há 38 Normas Regulamentadoras (NRs), editadas por meio de Portarias do Ministério do Trabalho, que cuidam, dentre outros temas, de Programa de Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (PGR), inspeção prévia, embargo e interdição, SESMT, CIPA, PCMSO, atividades perigosas, insalubres, ergonomia. A observância e promoção das NRs é imprescindível para a existência de ambientes de trabalho seguros e sadios, bem como mantém e impulsiona a saúde do trabalhador.

Indispensável, também, destacar a Lei 6.938/1981, que versa sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Esta lei prevê o princípio do poluidor-pagador (art. 4º, VII), que consiste na assunção, pelo poluidor, dos custos da prevenção ambiental e dos danos ambientais não evitados, uma vez que é o condutor da atividade econômica. Para mais, tem importantíssima disposição no sentido de que a responsabilidade do poluidor é objetiva (art. 14, §1º), isto é, independentemente de culpa.

Ainda, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), Lei 9.503/1997, também prevê a responsabilidade objetiva de acidentes de trabalho relacionadas ao transporte (art. 1º, §3º), tendo em vista o interesse público no trânsito seguro. A responsabilidade civil objetiva, assim, abrange todos aqueles que têm responsabilidade com o trânsito seguro (art. 1º, §§1º e 2º), a qual é possível extrair das plataformas digitais, cuja aplicação analógica encontra respaldo no art. 8º da CLT e art. 4º da LINDB.

Por fim, destaca-se a Lei 8.080/1990, que trata do SUS, e a Lei 8.213/91, que cuida dos benefícios previdenciários, e é regulamentada pelo Decreto 3.048/99. Nesta esteira, frise-se:

A Lei 8.080/1990 trata do Sistema Único de Saúde (SUS) e seu art. 6º densifica a norma do art. 200, III, da Constituição, tornando o meio ambiente do trabalho objeto das ações de vigilância sanitária, com a Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde 1/1996 (NOB-SUS 1/96) incluindo as questões de saúde do trabalhador como campo de atenção do sistema de saúde e com a Portaria do Ministério da Saúde MS/GM 3.120/98 aprovando a Instrução Normativa de Vigilância em Saúde do Trabalhador no SUS. (Fabre, 2021, p.313).

A Lei 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social) prevê institutos relevantes à matéria, como o conceito previdenciário de acidente de trabalho, doença profissional, doença do trabalho, acidente do trabalho por equiparação, nexo técnico profissional, nexo técnico epidemiológico, perfil previdenciário profissiográfico (PPP) e laudo técnico das condições de ambiente de trabalho (LTCAT). Vem complementada pelo Decreto 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social). (Fabre, 2021, p.314).

2.4 Marcos Histórico-normativos Internacionais

A primeira vez que foi previsto, especificamente, o direito humano ao meio ambiente saudável ocorrera na Declaração de Estocolmo, em 1972.

Já nos idos de 1986, a Declaração da ONU sobre o Direito ao Desenvolvimento preconizou que direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável e, portanto, a pessoa humana é seu fim e beneficiário último, razão pela qual o desenvolvimento deve ser sustentável e sustentado.

Em 1987, houve a edição do Relatório Nosso Futuro Comum, cujo objetivo foi refleti-lo à luz da execução do desenvolvimento sustentável, com o fito de, através do exemplo, incutir sua manutenção nas gerações futuras.

Também de imensa importância foi a Declaração do Rio de 1992, que, além de prever o princípio da precaução, estipulou que os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável, com direito assegurado a uma vida saudável e em harmonia com a natureza. Para mais, consagrou a teoria da internalização das externalidades negativas (princípio 16). Também na ECO 92, foi editada a Agenda 21, na qual visava um estudo global do desenvolvimento sustentável, mas com a execução regionalizada.

Já nos anos 2000, fora editada a Declaração do Milênio, instrumento que assentou 8 objetivos a serem perquiridos, notadamente a erradicação da pobreza, a promoção do trabalho decente para todos e do pleno emprego, eis que tais padrões de desenvolvimento causam danos ao meio ambiente, que, desde aquele momento, já precisavam ser combatidos. Buscava-se integrar as perspectivas econômica, social e ambiental, sem olvidar a imprescindível alocação do ser humano no centro do desenvolvimento sustentável.

Neste esteio, em 2002, fora editada a Declaração de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável, na qual preconizou três pilares para obtenção do desenvolvimento sustentável: desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental.

Em 2012, na RIO +20, foi renovado o compromisso político do desenvolvimento sustentável, resultando no documento “O Futuro que Queremos”, no qual se reafirmou a imprescindibilidade de criar ambientes propícios para promover o pleno emprego e o emprego produtivo, bem como o trabalho decente para todos, além de reconhecer que os trabalhadores devem ter acesso aos direitos fundamentais relacionados à segurança e saúde.

Em 2015, foi implementada a Agenda 2030 da ONU, que consiste na consecução do alcance do desenvolvimento sustentável até 2030 por meio de 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) e 169 metas. Tem como finalidades precípuas, em síntese, erradicar a pobreza, promover a paz e a justiça social. O ODS 8 busca promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos, ao passo que o ODS 3 objetiva assegurar uma vida saudável e prevê a promoção do bem-estar para todos, em todas as idades. A Agenda está em consonância com a perspectiva de proteção da saúde e do meio ambiente, incluído o do trabalho, desenvolvido nas últimas décadas no plano internacional e nacional.

2.5 Normatização Internacional

No que concerne à normativa internacional, o art. 3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) prevê o direito à vida, à liberdade e à segurança nacional.

O art. 7º, “b”, do Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais (1966), prevê condições de trabalho seguras e higiênicas e o art. 12.2 dispõe aos Estados o dever de propiciarem o mais elevado nível possível de saúde física e mental, através da melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente.

O art. 7º, “e”, do Protocolo de San Salvador (1988), prevê a segurança e higiene no trabalho como uma das condições indispensáveis para o trabalho.

A Convenção 155 da OIT (1981) versa sobre segurança e saúde dos trabalhadores e do meio ambiente do trabalho em geral e foi ratificada pelo Brasil em 1993. Essa Convenção cuida de duas previsões importantíssimas. A primeira consiste na definição de “local de trabalho”, que abarca todos os lugares onde os trabalhadores devem permanecer ou onde têm que comparecer, e que estejam sob controle, direto ou indireto, do empregador (art. 3, “c”). A segunda consiste na abrangência do termo saúde, que não trata apenas das afecções ou doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e higiene no trabalho (art. 3, “e”).

A Convenção 187 da OIT (2006) cuida do marco promocional para a segurança e saúde no trabalho, que, contudo, não foi ratificada pelo Brasil.

Ressalta-se que a Convenção 155 e 187 da OIT foram erigidas a Convenções fundamentais (“core obligations”), porquanto adicionado o princípio do meio ambiente de trabalho seguro e saudável ao taxativo rol de princípios fundamentais da OIT, por meio de Resolução, na 110ª Conferência Internacional do Trabalho (CIT), ocorrida em 10/06/2022. Isso significa que, ainda que o Brasil não tenha ratificado a Convenção 187, tem o dever de observá-la e promovê-la pelo simples fato de ser Membro da OIT, por força do art. 2 da Declaração da OIT de 1998.

Importa salientar que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e aprovados pelo rito do art. 5º, §3º, CRFB, têm status equivalente ao das emendas constitucionais. Isso significa que essas normas integram o bloco de constitucionalidade e, portanto, podem ser invocadas tanto no controle difuso quanto concentrado de constitucionalidade, inclusive por meio de ações diretas.

No que tange aos tratados internacionais de direitos humanos ratificados e que não são aprovados na ordem interna sob o rito das emendas constitucionais (art. 5º, §3º, CRFB), possuem status de supralegalidade. Esse entendimento foi sufragado pelo STF no RE 466.343-SP (2008), no caso paradigma da prisão civil do depositário infiel decorrente da colisão da Constituição da República e a Convenção Americana de Direitos Humanos. Em outros termos, é possível asseverar que esses tratados implicam o controle de convencionalidade junto às normas internas, que sempre ocorrerá de forma difusa. As Convenções da OIT e as demais normas citadas, portanto, têm status de supralegalidade.

Ademais, ressalta-se que, em julho de 2022, o STF reconheceu, na ADPF 708, que os tratados internacionais sobre o Meio Ambiente são, também, tratados de direitos humanos e, logo, têm status supralegal. Não se desconsidera que a tese firmada abarca o meio ambiente laboral, que têm sua vertente humanística robustecida. Trata-se de mais um avanço na consecução de uma sociedade fundada na sustentabilidade e na saúde.

2.6 A obrigatoriedade da observância das normas nacionais e internacionais

Das análises promovidas nos tópicos anteriores, infere-se que o direito ao meio ambiente hígido, incluído o do trabalho, é previsto constitucionalmente. Mas não só. Cuida-se de direito fundamental, indissociável dos valores vertidos pela Constituição Cidadã, e também direito humano incontestável na ordem internacional.

Além disso, da evolução histórica, conclui-se que o meio ambiente se relaciona diretamente com a concretização do trabalho decente, de molde que o crescimento e desenvolvimento da economia não pode se valer da abolição ou retrocessão dos direitos trabalhistas. É indispensável que se assegure trabalho adequadamente remunerado, exercido em ambiente seguro e com liberdade, de forma a garantir uma vida digna.

Deve ser, dessa forma, o meio ambiente saudável e seguro concretizado por todos os agentes públicos e cidadãos, inclusive empregadores e tomadores de serviços, sem distinção quanto a vínculo empregatício. Isso porque o fim maior é assegurar a saúde e segurança do trabalhador e sua dignidade enquanto sujeito de direitos.

As normas infraconstitucionais, notadamente, a Lei 6.938/1981 elucida a responsabilidade objetiva do poluidor-pagador. Ou seja, se o detentor da atividade econômica provoca danos ambientais, esse é o responsável pela reparação, independentemente de culpa e da relação jurídica havida entre as partes. Vige a teoria da internalização das externalidades negativas. Os custos dos danos provocados não podem ser repassados a terceiros, neste caso, aos trabalhadores. Sendo assim, deve-se respeitar as normas que tratam da saúde e segurança do trabalhador no meio ambiente.

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Destaca-se, também, a previsão do CTB que elucida a responsabilidade objetiva daqueles que têm responsabilidade com o trânsito seguro. As plataformas se inserem nesta responsabilização, pois alocam os trabalhadores para prestar o serviço dirigindo carros, motocicletas e bicicletas. Logo, interesse direto há no respeito à legislação de trânsito para evitar acidentes e promover a manutenção do trânsito seguro.

Ainda nesta linha de entendimento, resta incluído o respeito às normas internacionais que cuidam da temática do meio ambiente, porquanto têm status de supralegalidade, eis que, até a realização deste artigo, não houve aprovação de tratado acerca da referida matéria sob o rito das emendas constitucionais. Isso quer dizer que os tratados, protocolos e convenções de direitos humanos – abrangidos, em regra, pelos direitos trabalhistas e, agora, também, por aqueles que envolvem a temática ambiental –, ainda que não equivalentes às emendas constitucionais, devem ser respeitados e promovidos pelo Estado e particulares.

Entrementes, a narrativa que, veementemente, aduz inexistência de qualquer responsabilização pelas plataformas em relação aos seus trabalhadores – ou “parceiros”, como costumam mencionar – não se sustenta. O fato de possivelmente não existir vínculo de emprego não elide o dever de promoção e respeito ao meio ambiente de trabalho seguro e saudável ao trabalhador, ante o desenvolvimento da atividade econômica. E, para tanto, é imperioso observar as normas de saúde e segurança, sejam nacionais ou internacionais.

Por seu turno, a inobservância propulsiona a necessidade de realização dos controles normativos junto à Constituição da República e tratados e convenções pelo Poder Judiciário. Através do controle de convencionalidade dar-se-á a extirpação da norma inconvencional do caso sob análise e através do controle de constitucionalidade a extirpação da norma constitucional da ordem interna ou do caso sub judice, a depender do modelo adotado.

Certo é que essencial o trabalho conjunto de todos os atores sociais, seja a Administração Pública, o Judiciário, o Legislativo e a sociedade como um todo, em prol do respeito às normas fundamentais e humanas relacionadas ao meio ambiente de trabalho. As medidas a serem adotadas variam. É possível a adoção espontânea ou forçada da observância das normas labor-ambientais, passando pela possibilidade de fiscalização pelos órgãos competente, até às denúncia e representação, assim como à judicialização quando substancial para o atendimento do que é preconizado. Logo, cabe papel salutar e primordial ao Judiciário no combate ao desrespeito às normas labor-ambientais.


3 A SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO DOS GIG WORKERS

Segundo dados divulgados, em 2023, pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec)3, o Brasil tem mais de 1,6 milhão de pessoas trabalhando com transporte de passageiros e entregas de mercadorias por plataformas digitais. Trata-se de parcela de trabalhadores à margem de quaisquer direitos trabalhistas e previdenciários e que, ainda, se submetem a políticas empresariais que minam, dia após dia, o ambiente de trabalho e, por consequência, a saúde e segurança que deveria ser inerente a todo e qualquer trabalhador, levando a afecções, doenças e desordens físicas e mentais das mais variadas espécies.

O avanço tecnológico oriundo da Revolução 4.0 e a crise pandêmica culminou na estabilização dos gig workers ou uberizados no mercado de trabalho. Contudo, ao passo que a sociedade sente os avanços tecnológicos na redução do espaço-tempo e na facilidade de prestação de serviços e consumo, além da economia pela existência de concorrência entre os diversos aplicativos existentes e o “consumo tradicional”, os trabalhadores uberizados são explorados pelas mais diferentes técnicas empresariais da contemporaneidade, de modo a tornar o trabalho manifestamente precarizado.

As jornadas de trabalho extenuantes; a falta de intervalos para alimentação e repouso; a ausência de intervalos entre jornadas; a falta de locais adequados para realização das necessidades fisiológicas; a sujeição a acidentes de trânsito, às intempéries como sol e chuva, desgastes físicos e psicológicos (Conforti, 2020); assaltos; discriminações; são algumas das motivações que ocasionam a precariedade do trabalho e do seu meio ambiente.

A falta de regulamentação das atividades prestadas pelos trabalhadores através das plataformas digitais e a necessária adaptação do direito do trabalho a essa nova modalidade de trabalho, cujas especificidades não se conformam com a CLT de 1943, demonstram o desafio enfrentado pelos operadores do direito.

Enquanto o direito do trabalho tenta se adaptar às novas necessidades do mercado, equilibrando o princípio da livre iniciativa com os valores sociais do trabalho, a ausência de qualquer proteção jurídica dá ensejo a abusos por parte dos aplicativos do seu poderio, econômico, explorando a mão de obra dessa atividade que é tida hoje como essencial. (Ribeiro, 2022)

As relações de trabalho que formalmente não se encontram hoje regidas pelo Direito do Trabalho também precisam ser reconhecidas como objeto de efetiva tutela jurídica, para que o trabalhador que as exerça possa, por meio da proteção jurídica, alcançar o espaço para o exercício dos seus direitos. (Delgado, 2006).

No entanto, é inquestionável o propósito de efetivar as normas sociais de proteção à saúde e segurança do trabalho, mormente ante os efeitos nocivos das plataformas digitais no labor humano. Consoante demonstrado, a compulsoriedade do respeito às normas labor-ambientais é patente e não decorre da existência, ou não, de vínculo empregatício. Logo, dessa obrigação não se pode fugir, sob pena de lesionar trabalhadores que lutam apenas pelo direito de subsistir junto às suas famílias.

A concretização das normas nacionais e internacionais de proteção da saúde e segurança dos trabalhadores é dever jurídico assumido pelo Estado. Inexiste forma alternativa de exploração de trabalho fora do alcance do direito do trabalho (Conforti, 2020). Assim, urge que os intérpretes do direito pavimentem o caminho para essa relevante mudança de paradigma social que protegerá milhões de trabalhadores, de sorte a conferir segurança jurídica à nova categoria e um ambiente verdadeiramente hígido.

Neste contexto, analisaremos as principais problemáticas enfrentadas pelos gig workers durante a prestação de seu labor, ainda que diante da ausência de comunicação das plataformas digitais quanto aos acidentes de trabalho (CAT), o que resulta na subestimação de dados oficiais.

3.1 Acidentes de Trânsito

Os acidentes de trânsito perfazem a dificuldade mais clara aos olhos da sociedade pelos trabalhadores uberizados que desempenham atividades de entrega e transporte. Estudo realizado pelo FUNDACENTRO e a UFBA no Projeto Caminhos do Trabalho (2023) informa que, “em 2020, o primeiro levantamento do Projeto restrito a entregadores, indicou que um a cada três entrevistados (33%) já havia se acidentado a serviço das ‘plataformas’ neste trabalho”.

É preciso distinguir o acometimento dos acidentes de trânsito entre os motoristas, motociclistas e ciclistas. Os motociclistas têm risco de acidente nove vezes superior ao de um motorista de automóvel, bem como maior chance de morte, de sofrer lesões e colisão com pedestres (Rodrigues; Moreira; Lucca, 2021). Todavia, a maior suscetibilidade a acidentes aos motociclistas não implica a ausência de acidentes a motoristas de carros ou aos ciclistas, uma vez que os fatores de riscos decorrentes do trânsito incidem a todos esses trabalhadores.

As condições das vias públicas é fato preponderante para acidentes, porquanto têm buracos, óleo, areias, etc. A exposição às mudanças climáticas também influencia no risco de acidentes. Nos dias chuvosos, os ricos acidentários aumentam consideravelmente, necessitando maior atenção na condução dos carros, motos e bicicletas. Igualmente, a velocidade da condução impacta nos acidentes, o que é agravado pelo recebimento por corrida e entrega.

Já especificamente quanto aos ciclistas e motociclistas, há um risco ergonômico especial para acidentes no trânsito. Cuida-se do peso das mochilas que carregam muitas vezes nas costas, que pode desestabilizar o veículo e levar à queda dos condutores, conforme explica (Rodrigues; Moreira; Lucca, 2021.

No que concerne aos motoristas e entregadores, o risco ergonômico se caracteriza pela “postura, esforço e condições ambientais como ventilação, iluminação, etc.” (Alves, 2022), uma vez que o trabalhador é submetido ao estresse físico decorrente do excesso de movimentos dos membros superiores, inferiores e coluna. É comum as queixas de fadiga, dores nas pernas, lombalgia, problemas, remores de extremidades, dor cervical, DORT/LER, etc., conforme elenca Alves (2022).

A grande maioria dos acidentes de trabalho são justificados pela extensa jornada de trabalho a que se submetem os gig workers. O recebimento por entrega/corrida e as altas metas impostas pelas plataformas levam os trabalhadores a jornadas médias de 10 horas durante 6,5 dias por semana, conforme figuras 1 e 2.

Figura 1 – Jornada de trabalho dos gig workers

Fonte: Projeto Caminhos do Trabalho (FUNDACENTRO e UFBA)

Figura 2 – Quantidade de dias na semana trabalhados pelos gig workers

Fonte: Projeto Caminhos do Trabalho (FUNDACENTRO e UFBA)

A baixa remuneração, dependente da quantidade de entregas e corridas, ocasiona a submissão dos uberizados a jornadas extensas e trabalho perto da integralidade semanal. A necessidade de uma renda mínima para subsistência não deixa que os trabalhadores possam se desconectar e ter os indispensáveis momentos de descanso e lazer.

Uma das práticas adotadas pelas plataformas para maior engajamento dos trabalhadores e aumento da produtividade, corroborando ainda mais a normalização das jornadas extensas e extenuantes, é a gamificação.

A gamificação é o uso de elementos de jogos em contextos de trabalho, de sorte a moldar os gig workers aos padrões exigidos pelas plataformas.

A gamificação também pode ser entendida como uma adaptação de atividades e serviços sob um formato de jogo (KIRKPATRICK, 2015), incorporando-se a serviços já existentes características ou qualidades que proporcionem experiências lúdicas e significativas para os seus usuários, a partir do uso de elementos e técnicas já utilizadas em jogos (HUOTARI; HAMARI, 2012). (Vidigal, 2022).

Com o uso dessa estratégia, é possível aferir o nível de envolvimento e entusiasmo do trabalhador no uso do sistema. A gamificação propulsiona o atingimento de metas, como, ilustrativamente, de desafios e missões que permitem que os gig workers se sintam desafiados (Vidigal, 2022), aumentando a interação, a vontade de vencer as metas e, consequentemente, a jornada e os dias de trabalho.

Empresas como a Uber apresentam padrões gamificados de engajamento do(a) trabalhador(a) (STARK, 2016, p. 3759) com ‘missoes’, ‘insígnias’, desafios, promoções, preço dinâmico, bonificações em dinheiro, além de outros elementos que seriam usados para manter os(as) condutores(as) nas ruas por mais tempo, intensificando o trabalho e o aumento da produção. (Vidigal, 2022)

A gestão por meio dos algoritmos é fundamental para que a gamificação seja implementada. Através da escolha unilateral da empresa plataformizada, os algoritmos são escolhidos para instruções e comandos de forma sistemática, com o fim de alcançar uma finalidade, que, no caso em análise, é o aumento da produção pelos gig workers e da busca pelo lucro.

As práticas empresariais contemporâneas, com o uso do gerenciamento algorítmico e gamificação, “produz um(a) trabalhador(a) ideal que não para nunca: aquele(a) sempre disposto(a) e disponível”, consoante explica Vidigal (2022). Ou seja, um trabalhador sem direito à desconexão.

O monitoramento constante, além de violar o direito à privacidade, também provoca o aumento da pressão sobre os sujeitos, que se sentem encorajados a trabalhar por longos períodos, muitas vezes sem pausas, para atingir as metas impostas pelo empregador, colocando em risco o direito fundamental de desconexão do trabalhador. (Goldschimidt; Graminho, 2022)

Ainda, é importante destacar que as empresas muitas vezes atuam deliberadamente de má-fé junto aos trabalhadores plataformizados, com o uso de antiga técnica de gestão conhecida como “carrots and stick”. Essa técnica induz o trabalhador a produzir mais para ser bonificado, mas, ao mesmo tempo, o pune. Sem embargos, as empresas não confessam a prática, mas essa se confirma com dados coletados junto aos trabalhadores.

Ocorre que, ordinariamente, os motoristas e entregadores estão próximos a alcançar as metas postas e, então, há uma severa diminuição de chamados. Surge a frustração, raiva, revolta do trabalhador que acreditava que seu esforço seria recompensado. Igualmente, os trabalhadores são bloqueados e suspensos da plataforma sem qualquer informação do porquê, não tendo direito a contraditório e ampla defesa.

O Projeto Caminhos do Trabalho exemplifica categoricamente o que ocorre em relatos de gig workers que sofreram acidentes de trânsito enquanto trabalhavam, não conseguiram concluir a entrega e foram penalizados pelas plataformas com bloqueio ou suspensão:

Acidente de trabalho durante entrega para iFood: caiu na pista e quebrou a clavícula; colocou dois pinos. Sofreu bloqueio depois do acidente.

Em um dia de chuva, bateu com o carro em outro veículo. Relatou ao suporte e sofreu uma suspensão de 8 horas (não conseguia ficar on-line no app). (UFBA; FUNDACENTRO, 2023)

Decerto, os trabalhadores uberizados se expõem a riscos acima dos considerados comuns a maior sorte de categorias de profissionais espraiadas pela sociedade e os direitos mínimos assegurados pela legislação internacional e nacional, sobretudo pelo art. 7º da Constituição da República, são recorrentemente descumpridos. Há absoluta recusa ao direito à desconexão para fruição de descanso e lazer inerentes à recuperação da fisiologia humana e também da sua psique. As atividades desempenhadas demandam alto foco cognitivo e boas condições físicas para uma realização segura, o que não sói ocorrer.

Neste esteio, vale lembrar de emblemático caso que repercutiu na mídia de um acidente de carro que vitimou gravemente o ex-BBB Rodrigo Mussi, em 2022. Em síntese, o ex-BBB pediu um carro de aplicativo de madrugada e, durante o trajeto, ocorreu o acidente de trânsito com a batida do automóvel junto a um caminhão. A investigação concluiu que o motorista do aplicativo cochilou no volante e “apontou excesso de jornada não fiscalizada pelo aplicativo de transporte individual” (Tavares, 2022), conforme se vê da figura 3. “Segundo a polícia, durante vários dias, o motorista cumpriu longas jornadas de trabalho”, elucidou Tavares (2022).

Figura 3 – Reportagem aponta excesso de jornada em acidente de trânsito

Fonte: Reportagem G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/05/04/policia-de-sp-conclui-que-motorista-de-aplicativo-que-levava-rodrigo-mussi-foi-imprudente-e-cumpria-excesso-de-jornada.ghtml>. Acesso em 20/08/2023.

Portanto, é urgente a mudança social com a efetiva concretização dos direitos sociais, a fim de resguardar a saúde desses trabalhadores e um meio ambiente de trabalho hígido. A segurança e saúde dos gig workers é direito fundamental e humano. Caso esse argumento não seja suficiente para respaldar os direitos dos trabalhadores por parcela da sociedade, também confere saúde e segurança aos usuários consumidores, que estão sujeitos a maior sorte de riscos junto a trabalhadores cansados, extenuados, estressados, enfim, escravizados.

3.2 Assaltos

Os trabalhadores plataformizados, de modo recorrente, são expostos a riscos oriundos da insegurança pública das ruas e avenidas das cidades e bairros por onde atuam. É extremamente comum verificar que os gig workers sofreram assaltos, até mais de uma vez.

O Projeto Caminhos do Trabalho traz exemplos destes acontecimentos rotineiros:

Foi assaltado duas vezes, tendo seus aparelhos celulares roubados em ambas ocasiões, durante período de trabalho.

Já passou por um assalto e, em 12/12/2022, sofreu um acidente de carro com consequências médicas.

Foi assaltado e, após adquirir novo celular, não conseguiu retornar com a sua conta na empresa.

Estava concluindo a corrida de uma passageira, quando foi abordado por uma dupla de homens em uma motocicleta. Encostaram a moto no fundo do carro e um deles, armado, bateu no vidro, levando o seu celular e o da passageira também. Levaram ainda a chave do carro, por precaução. O trabalhador precisou arcar com o custo de um novo aparelho, ficando dois dias sem trabalhar.

Foi assaltado enquanto realizava uma entrega na Federação. Apareceram duas pessoas em uma motocicleta e demandaram seus pertences, o celular e a carteira. Precisou comprar um celular novo. (UFBA; FUNDACENTRO, 2023)

Nota-se que o problema é recorrente e não há qualquer medida de segurança implantada pelas plataformas para coibir os assaltos ou diminuir os riscos a que estão expostos. As empresas simplesmente entendem que o risco é do trabalhador e não promovem nenhuma medida de segurança, de assistência ou de reparação, deixando-o à míngua de amparo e direitos.

3.3 Discriminação e assédio

Cresce gradativamente o número de episódios de assédio e discriminação pelos quais os gig workers passam diariamente.

Na realidade do trabalho em plataformas, o bordão “tempo é dinheiro” é mais que real, é uma inexorável associação com a prestação do serviço. Quanto mais entregas e corridas, maior será a remuneração ao final do dia, da semana, do mês. Por isso, os entregadores passaram a parar de entrar nos condomínios de apartamentos e casas e levar as mercadorias até a porta, solicitando que o cliente vá até a portaria retirá-las.

Dessa nova postura dos uberizados, desencadeou uma onda de revolta de consumidores, que, do alto de seus egos inflados e certos de uma ilusória hierarquia, incitam o ódio e violência por não terem suas vontades plenamente atendidas.

Veja depoimento de um trabalhador ao Projeto Caminhos do Trabalho:

Em 2021, foi agredido enquanto realizava uma entrega para IFOOD. Ao tentar efetuar a entrega em um condomínio de luxo na Parelela, o marido de uma cliente foi até a portaria do condomínio, irritado com o trabalhador por ter de ir buscar o produto na portaria. O agressor puxou a pistola e acertou o trabalhador com uma coronhada na boca, proferindo ofensas e dizendo que a obrigação do entregador é subir. O agressor dizia ser policial. Foi realizado boletim de ocorrência e exame de corpo de delito; mas o trabalhador não sabe o resultado do inquérito policial, pois não quis processar o agressor, por temer por sua segurança (com receio do cliente ser, de fato, policial). (UFBA; FUNDACENTRO, 2023)

Até mesmo moradores de regiões privilegiadas agridem verbal e fisicamente trabalhadores por aplicativos, ainda que sem consumir o serviço das plataformas, pelo simples desagrado que a existência desses trazem à ordem social que cultivam. Foi o que ocorreu no caso de grande repercussão midiática, em que um entregador de aplicativos foi agredido com uma coleira por moradora de um bairro nobre na zona sul do Rio de Janeiro (Figura 3).

Figura 3 – Entregadores agredidos por moradora de bairro nobre no Rio de Janeiro

Fonte: Reportagem G1. Disponível em: < https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/04/11/video-mulher-que-bateu-em-homem-com-coleira-em-sao-conrado-tambem-mordeu-entregadora.ghtml>. Acesso em: 20/08/2022.

Os dados do recentíssimo relatório gerado pela pesquisa do Projeto Caminhos do Trabalho indicam que 93,2% dos trabalhadores plataformizados são pretos ou pardos (UFBA; FUNDACENTRO, 2023). Esse dado reforça a inconteste discriminação e assédio a que estão expostos, também, pelo racismo estrutural.

Por derradeiro, as plataformas se limitam a informar que os “parceiros” não têm a obrigação de entregar as mercadorias na porta de cada cliente, mas não promovem nenhuma medida de promoção de respeito à segurança dos trabalhadores contra atitudes desmedidas, assediadoras e discriminatórias dos consumidores, tampouco sanção àqueles que reclamam, são intolerantes e muitas vezes agressivos com os trabalhadores, salvo se o caso repercutir na mídia, o que leva à suspensão do consumidor da plataforma. Uma vez mais o trabalhador se encontra desnudado de proteção, situação que ocasiona, também, desordem mental, por alto nível de estresse e medo na prestação do labor.

3.4 Estresse (Burnout)

O estresse a que são acometidos os trabalhadores em plataformas digitais é facilmente percebido. Há intensa sobrecarga mental na prestação dos serviços. A preocupação com os movimentos dos carros, motos, motocicletas; com a entrega das mercadorias ou com a entrada e saída de usuários; o trânsito lento; as ações de outros motoristas e pedestres; os assaltos; a violência, a discriminação, o assédio; as metas inalcançáveis; a extenuante jornada; a falta de lazer; a ausência de desconexão; e a ausência de uma renda fixa são fatores que desencadeiam elevadíssimos níveis de estresse.

Esses trabalhadores encontram-se submetidos aos riscos tradicionais do trabalho e do tráfego, aos quais são acrescidos os riscos adicionais, sobretudo psicológicos, provocados pela interação exclusivamente com o smartphone para o desenvolvimento do trabalho. (Ludovico, 2020)

A saúde tem uma acepção ampla, que compreende tanto a falta de doenças (acepção negativa) quanto o bem-estar físico, social e mental (acepção positiva). Nesse sentido, é a Convenção 155 da OIT e o entendimento da OMS (Organização Mundial de Saúde).

Conquanto a saúde mental e social possua, ainda, muito preconceito e pouco respaldo jurídico expresso, a sua relevância é cada dia mais gritante. A OMS incluiu, em 2019, a síndrome de burnout na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), assim como asseverou que, a partir de 2020, a depressão seria a principal causa de afastamento do trabalho, consoante Ludovico (2020).


4 A (DES)PREOCUPAÇÃO COM A SAÚDE E SEGURANÇA DOS GIG WORKERS E SUA VIOLAÇÃO

Inúmeras são as intempéries a que são submetidos diariamente os trabalhadores plataformizados, seja quanto à dimensão física ou quanto à dimensão mental, como se depreende dos tópicos anteriores. O direito fundamental e humano à saúde e ao meio ambiente de trabalho verdadeiramente hígido deve ser observado e promovido pelas plataformas de serviços, bem como o dever de prevenir e precaver as afecções e doenças de ordem mental e física.

A falta de regulamentação das atividades desempenhadas por meio de plataformas digitais é dificultador para que essas sejam diretamente compelidas a promover a saúde e segurança dos trabalhadores uberizados. Todavia, a ausência de regulamentação específica não induz à despreocupação com a saúde e segurança dos trabalhadores.

Salutar enfatizar, contudo, que, no período pandêmico, foi editada a Lei 14.297/22. O objetivo da novel legislação foi justamente dispor sobre medidas de proteção asseguradas aos entregadores de aplicativos durante a vigência da emergência em saúde pública oriunda da pandemia de COVID-19. Trata-se de lei com o fito de repelir a precarização absoluta do trabalho plataformizado.

A lei previu a obrigatoriedade de contratação de seguro acidentes para o entregador; assistência financeira acaso o trabalhador fosse contaminado pela doença; disponibilização de máscaras e álcool em gel; permissão de uso das instalações sanitárias da empresa fornecedora da mercadoria pelo trabalhador e que essa procedesse ao fornecimento de agua potável ao entregador; que informasse, explicitamente, as hipóteses de bloqueio, suspensão e exclusão do entregador da plataforma, com o dever de comunicar previamente o entregador.

A lei é, de fato, uma resposta legislativa à precarização do trabalho que caracteriza a atividade desses profissionais. Induvidosa e de amplo conhecimento, tal precarização está presente em todos os serviços de entrega ofertados por empresas de aplicativo e se manifesta, primordialmente, pelas péssimas condições de segurança e saúde, pelas jornadas extenuantes e pelas baixas remunerações a que estão submetidos os entregadores. (Feliciano; Miskulin, 2022).

A lei, válida em todo o território nacional, teve sua aplicação temporária findada em 22/04/2022, quando terminou oficialmente a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) com a assinatura da Portaria GM/MS n. 913/2022, do Ministério da Saúde.

A Lei 14.297/2022 peca inicialmente por seu caráter temporário – ao menos em boa parte de seu texto –, como também pela restrição de seus destinatários e pela regulação ínfima que entrega aos envolvidos, sem lhes assegurar o “minimum minimorum” de direitos sociais. (Feliciano; Miskulin, 2022).

A predita lei pouco regulamentou em favor dos trabalhadores plataformizados, pois direitos mínimos previstos de forma ampla no art. 7º da Constituição da República não foram respeitados. Por outro lado, demonstrou certa preocupação do Poder Legislativo em conferir alguma gama de direitos à categoria marginalizada. Certo, porém, que foi muito aquém do que a normativa nacional e internacional preconiza para assegurar a dignidade inerente a todo trabalhador.

O atual governo, por meio do Ministério do Trabalho e Previdência, informou, em abril de 2022, a intenção em regulamentar os serviços prestados por meio de aplicativos por profissionais autônomos.

A pasta informou que estuda uma proposta que regulamente uma modalidade de contrato para a categoria sem necessariamente caracterizar vínculo empregatício. Dessa forma, trabalhadores de aplicativo ficariam em uma categoria distinta da CLT, mas teriam algumas garantias, como recolhimento à Previdência Social, tanto por parte do empregador como do profissional. (Máximo, 2022).

É preciso uma legislação regulamentadora do trabalho em plataformas digitais que busque, efetivamente, conferir os direitos sociais mínimos para a existência digna. Uma lei que vá além do disposto pela efêmera legislação temporária da pandemia, que previu direitos que surpreendem precisar de disposição expressa em pleno século XXI, como o direito a beber água e utilizar sanitários para satisfação das necessidades fisiológicas.

Enquanto a regulamentação não acontece, não é crível admitir a total despreocupação das plataformas digitais com o meio ambiente laboral daqueles que executam os serviços por meio delas. A responsabilidade das plataformas advém da inserção em sistema jurídico nacional e internacional que assegura a proteção da saúde e segurança dos trabalhadores como direito fundamental e humano.

A Lei 6.938/1981 prevê que a responsabilidade ambiental é objetiva pelos riscos de danos causados pelas pessoas físicas ou jurídicas e pela prevenção ambiental justamente pelo fato de assumirem a condução da atividade econômica.

Igualmente, o CTB prevê a responsabilidade objetiva dos acidentes de trabalho que se relacionem com atividade de transporte, porquanto essa atividade possui o interesse público da promoção contínua de um trânsito seguro. E as plataformas, apesar de alegarem apenas serem intermediadoras entre fornecedores e motoristas/entregadores, têm direta relação com o transporte, razão por que devem ser responsabilizadas em caso de acidente de trabalho pelos gig workers.

Nessa conjectura, existem medidas ao alcance das empresas plataformizadas para prevenir e promover o labor-ambiental seguro, higiênico e sadio. A começar pela estipulação de uma renda mínima aos gig workers, nos termos do art. 7º, IV, CRFB, de molde a assegurar a sua subsistência. Essa é uma maneira de conferir segurança financeira aos trabalhadores, diminuindo os níveis de estresse de um trabalho sem perspectiva de ganhos fixos.

Para mais, as plataformas devem operacionalizar sem utilização da gamificação, a fim de não estimular jornadas extenuantes, tampouco estimular o estresse para seu alcance e aquele decorrente da frustração pelo não alcance condicionado pelos algoritmos unilateralmente selecionados pela empresa, bem como respeito às regras de trânsito. As metas postas também devem ser factíveis sem utilização do método carrots and stick.

Deve haver direito à desconexão, limitando a jornadas dos trabalhadores dentro do estipulado constitucionalmente (art. 7º, XIII, CRFB), a fim de que possam desfrutar do descanso e do lazer (art. 6º, CRFB) inerentes à saúde física, social e mental.

É indispensável que as empresas digitais implementem medidas de repressão às discriminações, assédio e agressões sofridas pelos trabalhadores no desempenho do labor. Ademais, devem reparar os danos que sofrem oriundos da violência urbana com assaltos recorrentes, seja de cunho patrimonial ou sanitário, esse último incluso no conceito de acidente de trabalho.

As medidas explicitadas são meramente exemplificativas e de fácil implementação pelas empresas, as quais gerarão imediata melhoria nas condições ambientais de trabalho dos gig workers, promovendo sua segurança e saúde. Não há prejuízo de outras medidas que visem à melhoria das condições sociais (art. 7º, caput, CRFB), sendo essas desejáveis, com o fito do melhoramento contínuo dos direitos trabalhistas.

O argumento de ausência de vínculo empregatício para implementá-las, uma vez mais frise-se, não subsiste no cenário de uma ordem jurídica de proteção fundamental e humana ao trabalhador e ao meio ambiente.

Outrossim, a tese defensiva de ônus/impacto financeiro dessas concretizações não deve ser valorada, pois a atividade econômica tem riscos que são assumidos pela empresa quando resolve empreender. Os bônus são incorporados totalmente pelas plataformas e os ônus também o devem, não os repassando aos trabalhadores. Inclusive, cite-se que, no segundo trimestre de 2023, a Uber registrou lucro líquido de 394 milhões de dólares e suas ações subiram mais de 86%, conforme relatório da Fairwork Brasil (2023).

O completo absentismo das plataformas digitais com a saúde e segurança dos trabalhadores por aplicativo levou à triste constatação de que pouco avanço houve nos últimos anos no que tange às condições de trabalho. Segundo o relatório da Fairwork (2023), das 10 empresas avaliadas, 7 conseguiram zerar todos os critérios de avaliação, a saber, Uber, 99, Loggi, Rappi, Americanas Entregas Flash, Lalamove e GetNinjas. O iFood conseguiu apenas 2 pontos, no total de 10 pontos possíveis.

É um resultado pífio que mostra que, desde a primeira avaliação, divulgada no ano passado, pouca coisa mudou – embora as empresas, muitas delas milionárias, sigam lucrando e investindo pesadamente em publicidade e lobby. A Uber, por exemplo, até piorou. Na avaliação passada, a empresa tirou 1 ponto. Agora, mesmo registrando uma receita global de 8,8 bilhões de dólares no primeiro trimestre de 2023, não conseguiu comprovar que cumpre os critérios mínimos de decência para os trabalhadores. (Dias, 2023)

Destarte, é urgente que as plataformas modifiquem sua forma de atuação, preocupando-se, de fato, com o labor-ambiental dos gig workers e o trabalho decente, promovendo medidas para um meio ambiente de trabalho verdadeiramente hígido, a fim de assegurar a saúde, higiene e segurança dos trabalhadores, sob pena de responsabilização nacional e internacional.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito ao meio ambiente de trabalho hígido, através da observância das normas de saúde, higiene e segurança, é direito fundamental e humano do trabalhador. A fundamentalidade desse direito decorre de uma ordem jurídica nacional e internacional pautada pela dignidade da pessoa humana, pela promoção e preservação da saúde e da progressividade dos direitos sociais.

O sistema jurídico doméstico é uno e os direitos subjetivos indisponíveis e metaindividuais previstos nas normas nacionais devem ser assegurados de modo inflexível. A integridade, a saúde e a segurança do trabalhador não tem valor a ser auferido. E tudo que não pode ser precificado tem dignidade, a qual é vértice axiológico constitucional.

Por essa razão, as normas constitucionais, legais e infralegais que cuidam do meio ambiente devem ser respeitadas para reconhecer, preservar, promover e reparar a saúde e segurança dos trabalhadores plataformizados.

Outrossim, as normas internacionais são compromissos assumidos pelo Estado que devem ser também respeitadas. A normatiza alienígena decorrente da DUDH, do PIDESC, do Protocolo de San Salvador e das Convenções 155 e 187 da OIT tratam da necessária observância da saúde e das condições de trabalho indispensáveis para realização do trabalho. E trabalho, neste contexto, equivale ao sentido amplo da acepção. Ou seja, trata-se de todas as formas de labor, inclusive as recentes advindas da Revolução 4.0.

Logo, a possibilidade de inexistência de vínculo empregatício não é salvo conduto para legitimar a desproteção dos trabalhadores por plataformas. Ao revés, é imprescindível a observância ao lídimo direito de prestação das atividades laborais em um meio ambiente de trabalho seguro, sem que a saúde dos obreiros seja deteriorada.

A decisão de empresas em empreender determinada atividade econômica consiste na autonomia da vontade. E todo empreendimento, como se sabe, tem riscos, que devem ser assumidos pelo condutor da atividade. As plataformas digitais empreendem, mas apenas querem receber o bônus da produção, a saber, lucros. Mas os custos e os ônus também devem ser por elas assumidos.

Com todo o sentido, a Lei 6.938/81 prevê a responsabilidade objetiva do condutor da atividade econômica que cause riscos ao meio ambiente, assim como o CTB prevê a responsabilidade por acidente de trabalho daqueles a quem interessa a contínua promoção do trânsito seguro, o que abarca as plataformas digitais. É a exteriorização da teoria da internalização das externalidades negativas.

A violação às normas labor-ambientais pelas plataformas de serviços deve, destarte, ser absolutamente repelida. Compete ao Estado a escorreita fiscalização e adoção de medidas sancionadoras, bem como a órgãos, como o MPT, promover investigações e ações coletivas para perquirir que tais empresas se conformem à normativa nacional e internacional atual. Igualmente, os trabalhadores têm o direito de acessar a justiça (art. 5º, XXXV, CRFB) para demandar sua pretensão ambiental. E, ainda, compete especialmente ao Poder Judiciário o controle de constitucionalidade e convencionalidade, de modo a elidir as violações aos direitos ao meio ambiente do trabalho decorrentes da Carta Magna e das Convenções Internacionais.

De fato, a regulamentação das atividades dos trabalhadores plataformizados facilitaria fiscalizar e compelir o cumprimento das normas ambientais do trabalho. Mas a falta de legislação específica não conduz à inobservância das normas existentes sobre a temática. Aliás, é importantíssimo que a regulamentação, objeto de intenção do governo atual, confira patamar civilizatório mínimo a esses trabalhadores, de modo a não esquecer que os direitos sociais são progressivos e não admitem retrocessos (efeito cliquet).

Portanto, é iminente a necessidade de iniciar a conformação das empresas de plataformas digitais às normativas elencadas neste estudo. E medidas de fácil realização podem ser implementadas de pronto pelas plataformas, como, a título de ilustração, a limitação da jornada, o direito à desconexão, a inutilização da gamificação e de metas inalcançáveis, a elisão do sistema de carrots and sticks, bem como a fixação de uma renda mínima aos trabalhadores. Tais ações já evitariam diversas afecções e doenças de ordem física e mental, de sorte a recompor o meio ambiente laboral.

Em suma, a mudança imediata de operacionalização das plataformas digitais é premente, porquanto a ordem jurídica doméstica e estrangeira invocam dever de respeito à saúde e segurança dos trabalhadores, independentemente da existência de vínculo empregatício. E a vida não espera a conscientização espontânea dos detentores dos meios de produção, cabendo a todos, especialmente ao Judiciário, promover o cumprimento dos deveres jurídicos e assegurar o direito à saúde, à integridade e ao trabalho digno aos trabalhadores plataformizados.

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  1. RRAg 100853-2019.5.01.0067

  2. Nesse sentido, é o Tema 967, de Repercussão Geral, do STF: 1. A proibição ou restrição da atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência; e 2. No exercício de sua competência para regulamentação e fiscalização do transporte privado individual de passageiros, os Municípios e o Distrito Federal não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal (CF/1988, art. 22, XI).

  3. Disponível em: https://cebrap.org.br/wp-content/uploads/2023/05/Amobitec12mai2023.pdf. Acesso em: 15/08/2023.

Sobre a autora
Mariana Andrade de Macedo

Advogada (UERJ). Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Especialista em Direitos Fundamentais do Trabalho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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