Delitos cibernéticos: investigando como a polícia judiciária pode lidar com crimes cibernéticos e os subsequentes impactos na seara cível e penal

Resumo:


  • Os crimes cibernéticos são infrações que envolvem o uso da tecnologia para cometer delitos, exigindo atualização constante das leis e métodos de investigação.

  • A Polícia Judiciária desempenha um papel crucial na investigação de crimes cibernéticos, requerendo especialização e recursos técnicos para lidar com a complexidade desses delitos.

  • As leis brasileiras, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, estabelecem diretrizes para a segurança digital e a proteção de dados pessoais, mas ainda enfrentam desafios como a tecnologia deepfake.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo

O presente artigo realiza uma pesquisa teórica e jurídica sobre os crimes cibernéticos, suas repercussões no âmbito civil e penal, e os métodos de investigação utilizados pela polícia judiciária. O estudo dos crimes cibernéticos é relevante, considerando a utilização eficaz da internet como meio de comunicação, fornecendo ao Direito Penal outras perspectivas tipológicas. O objetivo da pesquisa é abordar a responsabilidade civil pelos danos causados por tais crimes, bem como identificar as condições de investigação policial. Para isso, foi utilizada a metodologia da pesquisa bibliográfica de caráter exploratório, com base no método dedutivo.

Palavras-chave: Delitos cibernéticos, investigação policial, direito penal, direito civil.

Abstract

The present article conducts a theoretical and legal research on cybercrimes, their repercussions in the civil and criminal realms, and the investigation methods employed by the police authorities. The study of cybercrimes is relevant, considering the effective use of the internet as a means of communication, providing the Criminal Law with alternative typological perspectives. The research aims to address civil liability for the damages caused by such crimes, as well as to identify the conditions of police investigation. For this purpose, an exploratory bibliographic research methodology was employed, based on the deductive approach..

Keywords: Cybercrimes, police investigation, criminal law, civil law.

INTRODUÇÃO

Com a crescente conectividade global, o universo digital oferece oportunidades e vantagens, mas também traz um aumento alarmante dos crimes cibernéticos. No Brasil, esse cenário é evidente, sendo o segundo país com mais ataques cibernéticos na América Latina, registrando 103,1 bilhões de tentativas de invasão em 2022, um crescimento de 16% em relação ao ano anterior. Empresas também sofrem, com cerca de 25% das brasileiras afetadas por ataques, como a varejista Americanas, perdendo R$ 1 bilhão em vendas devido a um ataque hacker. A complexidade legal é notável, envolvendo questões de responsabili- dade civil, privacidade e jurisdição, enquanto o direito penal enfrenta desafios globais na punição de criminosos cibernéticos. Nesse contexto, a polícia judiciária é crucial, precisando se adaptar à sofisticação dos ataques. Este artigo explora as raízes, desdobramentos e respostas aos crimes cibernéticos, focando no papel vital da polícia judiciária na segurança virtual e ordem pública.

  1. EXPLORANDO OS CRIMES ONLINE: ENTENDENDO OS DELITOS CIBERNÉ-

Os crimes tecnológicos são aqueles que envolvem o uso de tecnologias como

computadores, internet e caixas eletrônicos. Eles são, em sua maioria, crimes meios, ou seja, a inovação está na forma como são praticados. Uma subespécie desses crimes é a dos crimes virtuais, informáticos ou cibernéticos, praticados pela internet, mas que têm impacto no mundo real.

Segundo Rossini (2004), um delito informático é uma ação típica e ilícita, praticada por pessoa física ou jurídica, utilizando a informática, com o intuito de causar dano à segurança informática. Isso engloba a integridade, disponibilidade e confidencialidade dos dados. A Convenção de Budapeste (2001) define cibercrime como atos contra sistemas e dados informáticos, incluindo acesso ilegítimo, interferência em dados e uso fraudulento de sistemas.

No Brasil, o cibercrime é uma preocupação crescente devido aos altos lucros das atividades ilícitas no ambiente virtual. A legislação branda e a impunidade têm atraído criminosos que antes estavam envolvidos em crimes como roubo a bancos e tráfico de drogas. Essa impunidade tem incentivado cibercriminosos brasileiros a exibirem seus lucros e a venderem produtos e serviços ilegais abertamente.

Os crimes cibernéticos podem ser classificados em dois tipos:

  1. Crimes Puros ou Próprios: Nesses crimes, sistemas informatizados, bancos de dados ou dispositivos como computadores são atacados pelos criminosos. Isso pode ocorrer por meio de programas maliciosos ou engenharia social. Aqui, o foco é o dispositivo ou seu conteúdo.

  2. Crimes Impuros ou Impróprios: Nesse caso, a tecnologia é usada como meio para cometer um crime. Os dispositivos em si não são atacados, mas são usados para facilitar a execução do delito.

O estereótipo de cibercriminosos como jovens estudiosos em informática está se

transformando. Qualquer pessoa pode se tornar um criminoso especializado devido à disponibilidade de conhecimento na internet. Cibercriminosos brasileiros têm se concentrado em fraudar pessoas e empresas do próprio país. Os hackers podem ser diferenciados dos crackers, sendo os primeiros focados em segurança e proteção, enquanto os últimos usam seus conhecimentos para atividades criminosas.

O lugar do crime em crimes cibernéticos é complexo devido à natureza virtual do ciberespaço. A Teoria da Ubiquidade, que considera o local da ação, o local do resultado e onde a ação foi planejada, é frequentemente usada para determinar a competência jurisdicional. As jurisdições podem variar, dependendo de onde a ação ocorreu, onde o resultado se manifestou e onde os agentes envolvidos estão localizados.

Os crimes cibernéticos representam um desafio significativo para a aplicação da lei devido à sua natureza virtual e multilocal. A interpretação das leis e a adaptação dos sistemas judiciais são essenciais para enfrentar essa nova realidade. A competência jurisdicional deve ser avaliada com base na busca da verdade real e nos princípios de celeridade e efetividade da justiça.

  1. O PAPÉL DA POLÍCIA JUDICIÁRIA NA INVESTIGAÇÃO

O artigo 144 da Constituição Federal Brasileira de 1988 estabelece as atribuições da Polícia, que busca manter a paz pública e a segurança na sociedade, com funções administrativas e judiciárias. A investigação de crimes cibernéticos traz desafios específicos, exigindo recursos técnicos e cooperação entre entidades do Poder Judiciário e Ministério Público.

A legislação determina que as polícias civis, sob a direção de Delegados de Polícia de carreira, têm a função de polícia judiciária e apuração de infrações penais. No entanto, para combater eficazmente os cibercrimes, não é apenas necessária uma mudança no Código Penal, mas sim um aparato técnico e expertise em investigações forenses. A motivação para crimes virtuais varia, dependendo de recompensas e riscos, resultando em diversas categorias de criminosos cibernéticos.

Os crimes cibernéticos ocorrem em um ambiente sem fronteiras, tornando a identifi- cação do autor e suas motivações desafiadoras. A preservação das provas é essencial na investigação. A identificação de Protocolos de Internet (IPs) é crucial, e diferentes medidas podem ser tomadas, incluindo solicitações a provedores de aplicativos. A preservação do conteúdo, registro de conexão e outras informações são fundamentais para rastrear a autoria dos crimes. Dados cadastrais podem ser obtidos diretamente de provedores em casos específicos.

A colaboração entre polícia, provedores, advogados e juízes é crucial. A legislação

sugere que a cooperação de provedores de internet, programas de facilitação de denúncias e políticas de informação preventiva podem contribuir para a aplicação da lei. No entanto, a especialização em crimes cibernéticos é vital para lidar com as complexidades técnicas. Além do aparato estatal, é necessário investir em conhecimento especializado e cooperação interinstitucional para melhor atender à sociedade e lidar com a evolução dos cibercrimes.

Em última análise, a melhoria na prestação de serviços à sociedade no que diz respeito à investigação de crimes cibernéticos não depende apenas do aprimoramento das infraestruturas estatais, mas sim da construção de uma rede de cooperação, conhecimento e recursos técnicos. Ao enfrentar esses desafios de maneira colaborativa e inovadora, será possível promover a justiça, a segurança e a proteção da sociedade em um ambiente digital cada vez mais complexo.

  1. PROCEDIMENTOS E DESAFIOS NA INVESTIGAÇÃO

Vale ressaltar alguns casos de crimes mais praticados:

  1. Ameaça

O Art. 147 do Código Penal estabelece o crime de ameaça como ação de “ameaçar alguém, por palavra, escrito, gesto ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”. Quando essa conduta ocorre no ambiente cibernético, como redes sociais, blogs, aplicativos de mensagens ou correspondências eletrônicas, os criminosos acreditam na impunidade digital e optam por esses meios.

A identificação dos autores de ameaças cibernéticas requer a coleta de evidências como o IP e a porta de acesso utilizados para a conexão à internet no momento dos fatos. As etapas investigativas abrangem:

  1. Registrar o Boletim de Ocorrência Policial (BOP).

  2. Preservar as evidências e solicitar perícias, se necessário.

  3. Em caso de ameaças em blogs anônimos, seguir as orientações do item 9.1.1.1 para determinar o link a ser incluído na representação e no mandado judicial.

  4. Representar ao juízo para obter os dados cadastrais e de acesso da aplicação onde ocorreu a ameaça.

  5. Consultar informações do provedor de conexão através do whois.

  6. Oficiar o provedor de conexão identificado através do whois para obter os dados cadastrais do suspeito e a localização da postagem.

  7. Realizar diligências adicionais para confirmar o endereço e nome do suspeito.

  8. Solicitar busca e apreensão domiciliar, se necessário.

    1. Postagem em Comentários de Blogs “Anônimos

Quando ocorre uma postagem criminosa por “anônimos” em comentários, é crucial identificar o link correto para inclusão na representação e mandado judicial. O procedimento inclui:

  1. Clicar na publicação feita pelo autor do blog para localizar os comentários anôni- mos potencialmente ilícitos.

  2. Clicar na data do comentário para gerar um novo link na URL, que deve ser incluído na representação e no mandado judicial.

  3. Repetir o processo para cada postagem de “anônimo” que requer investigação.

    1. Injúria, Calúnia e Difamação

As redes sociais, sites, blogs e e-mails frequentemente se tornam ferramentas para crimes contra a honra, como injúria, calúnia e difamação, definidos nos Arts. 138 a 140 do Código Penal. A publicação de conteúdo que induz os leitores a acreditarem na prática de crimes pode atingir a esfera íntima das pessoas envolvidas e configura abuso à liberdade de informação, passível de responsabilização civil.

As diligências de investigação são similares às mencionadas crime de Ameaça.

  1. Vingança Pornô (Porn Revenge)

A “vingança pornô” ocorre quando são divulgadas fotos e/ou vídeos íntimos de terceiros sem consentimento prévio, muitas vezes após o término de relacionamentos. A conduta é frequentemente realizada com o intuito de humilhar publicamente a vítima. Essa prática é mais comum entre mulheres e adolescentes.

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A vítima é frequentemente exposta a apedrejamentos virtuais, onde suas imagens e informações pessoais são disseminadas. Sites especializados em pornografia facilitam a divulgação da vingança pornô, incluindo dados completos das vítimas para facilitar a identificação.

Diversas iniciativas têm surgido para ajudar vítimas de vingança pornô, oferecendo apoio jurídico, orientações para exclusão de conteúdo e conscientização. A “vingança pornô” também pode configurar crimes contra a liberdade individual, e a legislação busca coibir essa prática.

Em geral, as ações investigativas são semelhantes às descritas no crime de ameaça.

Destaca-se também outros exemplos de casos de crimes cibernéticos e as aborda- gens de investigação realizadas pela polícia judiciária:

  1. Phishing e Fraudes Online:

Casos de phishing envolvem a tentativa de obter informações confidenciais, como

senhas e dados bancários, por meio de comunicações falsas. A polícia investiga o rastro digital deixado pelo atacante, incluindo análise de e-mails, registros de domínio, trilhas de transações financeiras e análise de malwares.

  1. Hacking e Ataques a Sistemas:

Quando ocorre invasão de sistemas, a polícia busca identificar os pontos de entrada, o modus operandi do ataque e o código malicioso usado. Isso pode envolver análise de registros de servidor, investigação de códigos maliciosos, pesquisa de vulnerabilidades exploradas e rastreamento de transações financeiras relacionadas.

  1. Extorsão e Ransomware:

Em casos de ransomware, onde criminosos bloqueiam dados até que um resgate seja pago, a investigação envolve rastrear a movimentação financeira dos criminosos por meio de criptomoedas, identificar vetores de infecção, colaborar com especialistas em segurança cibernética e negociar, em alguns casos, a libertação dos dados.

  1. Cyberbullying:

Em casos de assédio online e cyberbullying, a polícia busca rastrear o agressor por meio de registros de IP, coleta de evidências de redes sociais, análise de mensagens, busca por ameaças explícitas e entrevistas com vítimas e testemunhas.

  1. Fraudes Financeiras Online:

Investigações em casos de fraudes financeiras online requerem rastreamento de transações suspeitas, identificação de beneficiários, análise de contas bancárias, colabora- ção com instituições financeiras, obtenção de mandados judiciais para obter informações financeiras e busca por padrões fraudulentos

  1. Tráfico de Drogas Online:

A investigação envolve rastrear vendedores e compradores em mercados clandesti- nos online, coleta de evidências de transações, análise de dados de blockchain para rastrear pagamentos em criptomoedas, colaboração com agências internacionais e utilização de ferramentas de inteligência cibernética.

  1. Pornografia Infantil:

A polícia trabalha para rastrear conteúdo de pornografia infantil, identificar vítimas e agressores, colaborar com agências internacionais, rastrear redes de distribuição, usar software de identificação de imagens e coordenar com equipes de combate à exploração infantil.

  1. Espionagem Cibernética:

Nesses casos, a polícia busca identificar a origem dos ataques, analisar os métodos

de infiltração, colaborar com agências de inteligência, rastrear vazamentos de informações confidenciais e adotar medidas de contraespionagem.

3.13 Deep Fake:

Um “deep fake” é uma manipulação de mídia digital que utiliza técnicas avançadas de inteligência artificial para criar conteúdo audiovisual falso, geralmente com o objetivo de fazer com que uma pessoa apareça dizendo ou fazendo algo que nunca fez na realidade. Essa tecnologia pode ser usada para criar vídeos falsos convincentes que podem ter implicações sérias, como difamação, desinformação e até mesmo influenciar processos eleitorais.

A investigação de deep fakes é complexa devido à sofisticação dessa tecnologia e à dificuldade em identificar os criadores desses vídeos. No entanto, existem algumas abordagens que as autoridades e especialistas em segurança podem adotar:

Detecção de Deep Fakes:

As agências de segurança cibernética e organizações especializadas estão desen- volvendo ferramentas para detectar deep fakes. Isso envolve a análise detalhada de padrões de movimento, sincronização de lábios, padrões de áudio e artefatos visuais que podem indicar a presença de manipulação.

Análise Forense de Vídeo:

Especialistas em forense digital podem realizar análises detalhadas dos metadados do vídeo, como data e hora de criação, informações da câmera e histórico de edições. Isso pode ajudar a determinar a autenticidade do vídeo.

Comparação de Voz e Face:

Se um deep fake envolver a reprodução da voz ou rosto de uma pessoa real, as agências podem comparar a gravação original com a versão manipulada para identificar discrepâncias e diferenças.

Colaboração com Especialistas:

Especialistas em segurança cibernética e inteligência artificial podem ser consultados para avaliar a tecnologia por trás de um deep fake específico. Isso pode ajudar a determinar o nível de sofisticação e a possível origem.

Colaboração Internacional:

Deep fakes podem cruzar fronteiras facilmente na internet. A cooperação internacio- nal é crucial para rastrear a origem dos vídeos e identificar os responsáveis.

Legislação e Regulação:

As leis relacionadas à manipulação de mídia e difamação devem ser aplicadas. Alguns países estão elaborando leis específicas para tratar de deep fakes e outros tipos de

manipulação de mídia.

Treinamento de Modelos de IA para Detecção:

A inteligência artificial também pode ser usada para desenvolver modelos de detec- ção de deep fakes. Isso envolve treinar algoritmos para identificar padrões de manipulação nos vídeos.

Em resumo, os crimes cibernéticos são uma realidade complexa e desafiadora que exige uma combinação de expertise técnica, colaboração internacional, regulamentação adequada e desenvolvimento contínuo de tecnologias de combate. O comprometimento das autoridades, especialistas em segurança e legisladores é fundamental para garantir a segurança digital e a justiça em um mundo cada vez mais conectado.

  1. OS IMPACTOS NA SEARA DO DIREITO PENAL E DO DIREITO CIVIL

Clareza e ética no ambiente digital: Comparando Responsabilidade Civil e Penal No contexto contemporâneo, em que a comunicação e interação ocorrem majoritari-

amente através de plataformas online, é essencial compreender as implicações legais das ações realizadas nas redes sociais. Similarmente, outras esferas sociais também enfren- tam desafios relacionados à responsabilidade criminal e civil. É crucial reconhecer que a sociedade mantém uma atenção aguçada sobre condutas que transgridam normas sociais, especialmente quando tais ações afetam a dignidade e os direitos pessoais dos indivíduos.

A distinção entre responsabilidade civil e penal se torna evidente através de exemplos elucidativos. Tome-se, por exemplo, o caso de uma colisão entre veículos. Esse incidente pode acarretar tanto a responsabilidade civil, na qual o responsável pela colisão é obrigado a arcar com os custos do reparo e os danos causados, quanto a responsabilidade penal, caso haja feridos ou se configure um crime segundo os artigos pertinentes do Código Penal.

Os conceitos de ato ilícito estão estabelecidos nos artigos 186 e 187 do Código Civil de 2002. O artigo 186 define ato ilícito como a ação ou omissão que, por negligência, imprudência ou intenção, viole direitos e cause danos a outrem, incluindo danos morais. Já o artigo 187 destaca que o titular de um direito comete ato ilícito quando excede os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim econômico ou social do direito exercido.

Com base nesses preceitos legais, fica evidente a necessidade de estabelecer normas referentes à responsabilidade civil como forma de coibir condutas ilícitas. O artigo 927 do Código Civil exemplifica tal esforço ao estipular que quem causar dano a outrem por ato ilícito está obrigado a repará-lo. Isso reflete a resposta legislativa à demanda social por punição efetiva, seja no âmbito civil ou penal, contra aqueles que desrespeitam a honra ou prejudicam outrem.

O parágrafo único do artigo 927 confirma a obrigatoriedade de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei ou quando a atividade habitual do autor do dano implicar risco aos direitos alheios. Por conseguinte, a responsabilidade penal se fundamenta, em grande parte, nas mesmas bases da responsabilidade civil, porém difere quanto às circunstâncias em que surgem. Nesse sentido, Aguiar Dias ressalta que a responsabilidade penal demanda maior rigor em relação aos requisitos, uma vez que o infrator viola normas de direito público que afetam o interesse coletivo, enquanto a responsabilidade civil tutela interesses privados, permitindo que a vítima busque reparação conforme sua vontade.

Simultaneidade da Responsabilidade Civil e Penal e Outras Distinções

A transgressão de uma norma civil por parte de um agente pode, em certos casos, levar à violação também da lei penal, resultando em uma obrigação tanto civil como penal para o infrator. Uma diferença adicional entre a responsabilidade civil e penal reside em sua natureza. Enquanto a responsabilidade penal é de caráter pessoal e intransferível, resul- tando na privação da liberdade do réu, a responsabilidade civil tem um caráter patrimonial, significando que, se o autor do dano não possui recursos financeiros, a vítima ofendida pode enfrentar dificuldades em obter reparação.

A tipicidade é outro requisito que distingue a responsabilidade penal. A tipicidade é um dos elementos genéricos do crime, exigindo uma conexão precisa entre o ato concreto e o tipo penal correspondente. Isso significa que alguém só pode ser responsabilizado penalmente por um crime se houver uma relação estrita entre o fato que causou o dano e o enquadramento no tipo penal, ou ainda, se houver uma intenção deliberada na prática do ato criminoso. Em contraste, na esfera civil, qualquer ação ou omissão que viole um direito ou cause prejuízo a alguém pode gerar responsabilidade, independentemente de culpa, como expresso pelo artigo 196.

A imputabilidade é tratada de maneira diferente nos dois contextos. Apenas indiví- duos maiores de 18 anos são considerados responsáveis tanto civil como criminalmente por seus atos.

No que diz respeito à culpabilidade, há diferenças entre os domínios civil e criminal. Na esfera civil, a culpabilidade tem um escopo mais amplo. No âmbito criminal, nem toda culpa resulta na condenação do réu, uma vez que se exige um certo grau ou intensidade em relação ao ato cometido.

No contexto brasileiro, diversas legislações têm sido implementadas para abordar casos de delitos virtuais. Nesse sentido, destaca-se a importância das seguintes normativas:

Lei Federal n.º 12.735/2012 (Lei Azeredo):

Comumente denominada Lei de Crimes Cibernéticos, a Lei Azeredo promoveu

significativas modificações no Código Penal do país, visando tratar de questões relacionadas aos delitos cibernéticos, tais como invasão não autorizada de sistemas e redes, bem como apropriação indevida de dados. Essa legislação marcou um avanço no esforço de alinhar o arcabouço jurídico às práticas e ameaças presentes na era digital.

Lei Federal n.º 12.737/2012 (Lei Carolina Dieckmann):

A Lei Federal n.º 12.737/2012, popularmente conhecida como “Lei Carolina Dieck- mann”, ganhou proeminência ao receber o nome da atriz devido a um caso de invasão de computador e disseminação de fotos íntimas pela internet. Esta lei introduziu tipificações criminais relacionadas a delitos informáticos, preenchendo uma lacuna no Código Penal que não tratava especificamente de crimes eletrônicos.

A legislação incorporou ao Código Penal os artigos 154-A e 154-B, e promoveu alterações nos artigos 266 e 298. O artigo 154-A criminaliza a invasão de dispositivos informáticos, com ou sem conexão à rede, mediante violação de segurança, para obter, modificar ou destruir dados sem autorização. A pena varia de 3 meses a 1 ano de detenção e multa, com aumento em caso de prejuízo econômico.

A pena é mais severa se a invasão visa a obtenção de comunicações privadas, segredos comerciais ou informações sigilosas, variando de 6 meses a 2 anos de reclusão e multa, a menos que o ato configure um crime mais grave.

A lei também prevê circunstâncias agravantes, como a prática do crime contra autori- dades públicas. O artigo 154-B estabelece que a ação penal ocorre mediante representação do ofendido, exceto quando envolve entidades públicas ou empresas concessionárias, tornando a ação pública incondicionada.

O artigo 266 foi modificado para incluir a interrupção de serviços telemáticos ou informações de utilidade pública, enquanto o segundo parágrafo prevê pena em dobro em situações de calamidade pública.

Ademais, a lei equiparou o cartão de crédito ou débito a documento particular para efeitos de falsificação de documento, através da inclusão de um parágrafo único no artigo 298 do Código Penal. É importante ressaltar que a legislação, embora tenha sido um avanço, não acompanhou a velocidade das inovações tecnológicas..

Lei Federal n.º 12.965/2014 (Marco Civil da Internet):

O Marco Civil da Internet, oficialmente conhecido como Lei n°12.965/2014, regula o uso da Internet no Brasil, estabelecendo princípios, garantias, direitos e deveres para os usuários, bem como diretrizes para a atuação do Estado. Aprovada em 2014, ela contém trinta e dois artigos divididos em cinco capítulos, abordando diversas questões relacionadas à liberdade de expressão, privacidade e responsabilidade dos provedores de internet.

Os principais pontos da lei incluem:

Fundamentação nos princípios de liberdade de expressão, respeito aos direitos humanos, desenvolvimento da personalidade, pluralidade, abertura, colaboração, livre iniciativa e finalidade social da rede.

Garantia de inviolabilidade da intimidade, sigilo das comunicações e privacidade dos usuários, com direito à indenização por violações.

Responsabilização dos agentes conforme suas atividades, inclusive provedores de conexão e de aplicações de internet.

Provedores de conexão à internet não são responsáveis por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.

Provedores de aplicações de internet só podem ser responsabilizados por conteúdo gerado por terceiros após ordem judicial específica para remover o conteúdo.

Disposições sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibiliza- dos na internet relacionados à honra, reputação ou direitos de personalidade.

Previsão de defesa dos interesses e direitos previstos na lei em juízo, individual ou coletivamente.

Entrada em vigor 60 dias após a publicação oficial.

A Lei também veio preencher uma lacuna na legislação brasileira em relação à regulamentação do uso da internet, complementando garantias e limitações já presentes na Constituição Federal, no Código Civil Brasileiro, no Código de Defesa do Consumidor e em decretos específicos. A lei trouxe uma série de direitos e garantias dos usuários, incluindo disposições relacionadas à proteção da imagem e da privacidade.

No entanto, a Lei não antecipou a existência do “Deep Fake”, uma tecnologia de inteligência artificial que cria conteúdo falso, incluindo imagens e vídeos. A questão do “Deep Fake” levanta desafios para a proteção da imagem judicialmente.

Para lidar com alguns desses desafios, posteriormente foram aprovadas as Leis Federais n.º 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) e 13.718/2018, que tratam de questões específicas como proteção de dados pessoais e divulgação não autori- zada de cenas de nudez, respectivamente. Essas leis complementaram a regulamentação do uso da internet no Brasil.

Lei Federal n.º 13.718/2018 oriunda do Projeto de Lei n.º 5.555/2013:

A Lei n.º 13.718/2018 introduziu modificações no Código Penal para caracterizar o crime de divulgação não consentida de cenas de estupro, nudez ou pornografia. Comumente referida como “Lei da Nudez Não Consensual”, essa normativa tem como propósito coibir a disseminação não autorizada de imagens íntimas, contribuindo para a proteção da privacidade e dignidade das vítimas.

Lei Federal n.º 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD):

A LGPD é uma legislação abrangente que estabelece diretrizes para o tratamento de dados pessoais por parte de organizações e entidades públicas. Seu objetivo é proteger a privacidade e os direitos dos titulares de dados, regulamentando a coleta, armazenamento, processamento e compartilhamento de informações pessoais. Além disso, a LGPD define responsabilidades e sanções para práticas inadequadas de tratamento de dados pessoais. Essa lei foi parcialmente alterada pela Lei Federal n.º 13.853/2019.

Todas essas normativas estão intrinsecamente relacionadas ao direito de imagem, um direito constitucionalmente protegido no artigo 5º, X e XXVIII da Constituição Federal de 1988, bem como nos artigos 11 e seguintes em conjunto com o artigo 186 do Código Civil Brasileiro.

  1. ESTUDO DE CASO E ANÁLISE

Estudo de Caso: Deepfake de Conteúdo Adulto com Anitta

Anitta foi vítima de um deepfake, onde seu rosto foi inserido em um vídeo adulto por meio de inteligência artificial.

Abordagem da Polícia Judiciária:

A Polícia Judiciária investigaria a origem do deepfake e seus criadores. Caso tenha sido criado maliciosamente para difamar a cantora ou violar sua imagem, os responsáveis poderiam ser acusados de difamação, violação de privacidade ou infrações similares.

. Repercussões Legais:

Se identificados, os responsáveis enfrentariam acusações de difamação, violação de imagem ou direitos autorais, dependendo das circunstâncias legais.

Impacto Civil:

Anitta poderia buscar ações civis para proteger sua imagem e obter reparação por danos à sua reputação. A propagação desse tipo de deepfake pode prejudicar vida pessoal e profissional, resultando em ações legais por compensação e proteção.

De acordo com o advogado José Estevam Macedo Lima, especialista em crimes vir- tuais, a tecnologia do deepfake pode causar sérias consequências pessoais e profissionais, embora ainda não haja legislação específica para regulamentá-la no país.

Leis Relacionadas:

No Brasil, como na seção anterior, leis como a Lei Nº 12.737/2012 (Lei Carolina Dieckmann) abordam crimes cibernéticos, enquanto a Lei Nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) estabelece direitos e deveres online. As Leis Nº 13.718/2018 e Nº 13.709/2018 (Lei

Geral de Proteção de Dados Pessoais) tratam de divulgação não consensual de imagens e proteção de dados.

Outros Crimes Possíveis:

O deepfake pode também ser enquadrado em outros crimes, como calúnia, difama- ção, invasão de dispositivo informático, perseguição (stalking) e violação de direitos autorais, de acordo com o Código Penal.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As considerações finais deste artigo ressaltam a relevância da interconexão entre as dimensões penal e civil no contexto dos delitos cibernéticos, e como a atuação da Polícia Judiciária pode desempenhar um papel crucial na investigação e na mitigação dos impactos desses crimes, tanto no âmbito criminal quanto civil.

Ao longo do artigo, exploramos os diferentes aspectos dos delitos cibernéticos, destacando suas características singulares que os diferenciam dos crimes tradicionais. Observamos como esses crimes se desenvolveram com o avanço da tecnologia, criando desafios únicos para a aplicação da lei. Discutimos a complexidade das investigações cibernéticas, enfatizando a necessidade de uma abordagem multidisciplinar que combine conhecimentos técnicos, legais e forenses.

Além disso, analisamos a importância da cooperação internacional na investigação de crimes cibernéticos, dada a natureza transfronteiriça desses delitos. Destacamos a necessidade de acordos de cooperação e troca de informações entre os países para rastrear e prender os infratores, bem como para recuperar ativos roubados ou danos causados.

No contexto da interconexão entre as dimensões penal e civil, examinamos como os resultados de investigações criminais relacionadas a delitos cibernéticos podem ter implica- ções diretas na esfera civil. Crimes como roubo de dados pessoais, fraudes financeiras e violações de privacidade frequentemente levam a ações judiciais civis por parte das vítimas em busca de compensação por danos sofridos. Portanto, a eficácia das investigações criminais pode influenciar diretamente os desdobramentos legais nas instâncias civis.

Em relação à atuação da Polícia Judiciária, enfatizamos a importância da formação contínua de agentes especializados em crimes cibernéticos. Esses profissionais devem estar atualizados sobre as últimas tendências tecnológicas e metodologias de ataque, a fim de acompanhar a evolução dos delitos cibernéticos. Além disso, destacamos a necessidade de investimentos em recursos tecnológicos e laboratórios forenses para facilitar a coleta de evidências digitais sólidas, que possam ser utilizadas tanto em processos criminais quanto civis.

Em conclusão, o presente artigo demonstrou a complexidade dos delitos cibernéti- cos e como eles afetam tanto a esfera penal quanto civil. A atuação da Polícia Judiciária desempenha um papel fundamental na investigação desses crimes, visando não apenas a punição dos infratores, mas também a mitigação dos danos causados às vítimas. A colabo- ração entre as esferas penal e civil é essencial para garantir uma abordagem abrangente e eficaz na luta contra os delitos cibernéticos, buscando não apenas a justiça, mas também a proteção dos direitos e interesses das vítimas.

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Sobre os autores
Matheus Nogueira Ximenes

Graduando em Direito pela Faculdade Luciano Feijão – FLF.

Ana Ketlhem Costa Vasconcelos

Graduanda em Direito pela Faculdade Luciano Feijão – FLF

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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