Meu companheiro faleceu sem pais vivos, mas deixou irmãos. Tenho direito à herança mesmo sem nunca termos nos casado?

23/10/2023 às 13:20
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VIVER EM UNIÃO ESTÁVEL é uma realidade de muitos casais e um grande problema dessa forma de convívio é que justamente por não ter um documento que ateste a situação fática (como acontece no Casamento) pode pairar em determinado momento a dúvida sobre de fato qual a configuração daquela relação: um namoro? Uma união estável? Uma relação despretensiosa que jamais objetivou a instituição de uma "família" mas que já vem se arrastando no tempo? Para procurar afastar tais dúvidas uma importante solução é a pactuação desse relacionamento através de um CONTRATO DE UNIÃO ESTÁVEL.

É bem verdade que para fins de COMPROVAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL é muito importante - além da conservação de provas para demonstrar a situação fática - considerar a elaboração de um CONTRATO (como inclusive alude o art. 1.725 do CCB), providência esta que hoje em dia não está mais limitada à realização do CONTRATO propriamente dito (seja ele por Instrumento Particular ou por Escritura Pública em Tabelionato de Notas - que é a nossa primeira opção para a grande maioria dos casos e se possível com assistência e orientação de ADVOGADO - o que não é obrigatório, embora muito recomendável).

Como já falamos aqui, com a edição da Lei 14.382/2022 tornou-se possível a sua formalização da União Estável mediante TERMO DECLARATÓRIO perante o Oficial do Registro Civil, conforme art. 94-A da LRP. O referido artigo destaca:

"Art. 94-A. Os registros das sentenças declaratórias de reconhecimento e dissolução, bem como dos TERMOS DECLARATÓRIOS formalizados perante o oficial de registro civil e das escrituras públicas declaratórias e dos distratos que envolvam união estável, serão feitos no Livro E do registro civil de pessoas naturais em que os companheiros têm ou tiveram sua última residência (...)"

A abalizada doutrina de CARLOS E. ELIAS DE OLIVEIRA e FLAVIO TARTUCE (Lei do Sistema Eletrônico de Registros Públicos. 2022) esclarece acerca do novel instituto:

"O termo declaratório de união estável é a COLETA, por escrito, pelo oficial de RCPN, da declaração de ambos os companheiros acerca da existência ou da extinção da união estável. Como se vê, os companheiros possuem a faculdade de lavrar uma escritura pública perante o Tabelião de Notas ou de comparecer diretamente ao RCPN para que o registrador colha, por escrito, a declaração de existência da união estável. É intuitivo concluir que as partes haverão de preferir declarar sua vontade diretamente perante o oficial de RCPN, que lavrará o pertinente termo declaratório. Além de menos BUROCRÁTICA, essa via tende a ser menos onerosa".

Como também destacam os referidos Professores, o conteúdo do TERMO DECLARATÓRIO deverá atender, naturalmente, ao exigido pelos incisos do artigo 94-A, do qual sugerimos a leitura.

Acreditamos que poucos Termos devem ter sido lavrados até então, dada a novidade do instituto. Sem prejuízo, a grande realidade que nós Advogados sempre nos deparamos são de casais que são surpreendidos com o evento MORTE sem ter adotado qualquer providência concreta para a comprovação da União Estável e, nesse contexto, acabam ficando à mercê do reconhecimento POST MORTEM da União Estável para garantir seus direitos, principalmente o Direito à Herança.

É importante desde já destacar que inclusive na VIA EXTRAJUDICIAL pode ser possível ao (à) companheiro (a) ter garantidos seus direitos de herança decorrente de UNIÃO ESTÁVEL. Em sede extrajudicial deverão ser aplicadas as regras da Resolução CNJ 35/2007 que determinam:

"Art. 18. O (A) companheiro (a) que tenha direito à sucessão é parte, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável.

Art. 19. A meação de companheiro (a) pode ser reconhecida na escritura pública, desde que todos os herdeiros e interessados na herança, absolutamente capazes, estejam de acordo".

Tão importante quanto essa regra procedimental será a observação da regra base que é a espinha dorsal de todo procedimento de INVENTÁRIO, qual seja, a ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA que legitimará os herdeiros que recolherão a herança deixada pelo falecido, conforme as nuances do caso. Sendo o caso de falecimento ocorrido sob o império do CCB/2002 temos que lançará luz na questão a regra do art. 1.829 do CCB que destaca:

"Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais".

Observada a ordem de vocação hereditária do art. 1.829, inexistindo descendentes e ascendentes, a herança POR INTEIRO deverá ser recolhida pelo (a) companheiro (a), como recolheria, se fosse o caso, o cônjuge sobrevivente, INDEPENDENTEMENTE DO REGIME DE BENS - ainda que não esteja arrolada literalmente no texto referido a figura do (a) COMPANHEIRO (A), já que no cenário atual não mais se admite qualquer tratamento discriminatório entre cônjuge e companheiro (a). A esse respeito os TEMAS 498 e 809 do STF dissolvem qualquer dúvida. Nesse sentido, portanto, reconhecida a União Estável (judicial ou extrajudicialmente como se viu) o (a) companheiro (a) deverá participar (ou mesmo, sendo o caso, receber por inteiro) a herança deixada pelo (a) companheiro (a) falecido (a) com base nas peculiaridades do caso concreto, respeitada a ordem de vocação hereditária aplicável à hipótese, como inclusive confirma a jurisprudência indecotável do TJMG:

"TJMG. 10024096805171009. J. em: 25/11/2021. AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO DAS SUCESSÕES - INVENTÁRIO - DEFINIÇÃO DO REGIME SUCESSÓRIO E DA ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA - INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME SUCESSÓRIO DO COMPANHEIRO (ARTIGO 1.790 DO CC/02)- APLICABILIDADE DO REGIME SUCESSÓRIO DO CÔNJUGE (ARTIGO 1.829 DO CC/02)- PREFERÊNCIA DA COMPANHEIRA EM RELAÇÃO AOS PARENTES COLATERAIS - RECEBIMENTO DA INTEGRALIDADE DA HERANÇA - EXCLUSÃO DOS PARENTES COLATERAIS - NECESSIDADE DE REFORMULAÇÃO DO ESBOÇO DE PARTILHA - OBSERVÂNCIA DO REGRAMENTO LEGAL. - O Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a diferenciação de tratamento sucessório entre a união estável e o casamento (artigo 1.790 do CC/02) e assentou ser aplicável ao companheiro o mesmo regime sucessório do cônjuge (artigo 1.829 do CC/02) ( RE 878694 ED PROCESSO ELETRÔNICO JULG-26-10-2018 UF-MG TURMA-TP MIN-ROBERTO BARROSO N. PÁG-006 DJe-238 DIVULG 08-11-2018 PUBLIC 09-11-2018) - Assentada a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do CC/02, o companheiro passa a receber O MESMO TRATAMENTO outorgado pela legislação civil ao cônjuge, observando-se, consequentemente, a vocação hereditária prevista no artigo 1.829 do CC/02 - O companheiro tem preferência aos parentes colaterais do autor da herança, que receberá a integralidade do patrimônio inventariado (inciso III do artigo 1.829 do CC/02)- O esboço de partilha deve levar em consideração a equiparação do regime sucessório do companheiro àquele previsto para o cônjuge, disciplinado pelo artigo 1.829 do CC/02".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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