RESUMO
O número de mulheres nas prisões cresce anualmente e diante deste cenário diversos dos seus direitos não são respeitados e um dos mais preocupantes se torna em relação a gestação e parto nas prisões. O encarceramento amplia tanto a vulnerabilidade social, individual, e também a ruptura nos laços sociais da mulher as quais passam viver longe de familiares e amigos em ambientes marcados por violência, sofrimento, dentre outros. O nascimento de uma criança é muito esperado pela maioria das mulheres, e as quais se encontram nestes ambientes passam por diversos obstáculos. Diante disto este estudo tem como objetivo discorrer sobre a gestação e parto nas prisões. A metodologia empregada é pesquisa documental, ou seja, a pesquisa eminentemente teórica, de revisão de literatura. Com o estudo realizado evidencia-se de que a atenção da gestação deve ser feita já desde o inicio da mulher na prisão para que assim elas possam ter uma gestação e parto com seus direitos respeitados e o mais importante, receber todo auxílio necessário, e não somente ela, mas também as crianças. A questão da maternidade carcerária envolve a todos, e não somente as mulheres em si.
Palavras-chave: Maternidade Carcerária; Gestante; Direitos Humanos; Lei de Execução Penal.
ABSTRACT
The number of women in prisons grows annually and in this scenario, several of their rights are not respected and one of the most worrying becomes in relation to pregnancy and childbirth in prisons. Incarceration increases both social and individual vulnerability, as well as the rupture in women's social bonds, who live far from family and friends in environments marked by violence, suffering, among others. The birth of a child is long awaited by most women, and those who find themselves in these environments face several obstacles. In view of this, this study aims to discuss pregnancy and childbirth in prisons. The methodology used is documentary research, that is, eminently theoretical research, literature review. With the study carried out, it is evident that pregnancy care should be provided from the beginning of the woman in prison so that they can have a pregnancy and childbirth with their rights respected and most importantly, receive all necessary help, and not only her, but also the children. The issue of prison motherhood involves everyone, not just women themselves.
Keywords: Prison Maternity; Pregnant; Human rights; Penal Execution Law.
INTRODUÇÃO
As prisões são muitas coisas ao mesmo tempo: instituições as quais representam o poder e a autoridade do Estado; arenas de conflito, negociação e resistência; espaços para a criação de formas subalternas de socialização e cultura; poderosos símbolos de modernidade (ou a ausência dela); artefatos culturais os quais representam as contradições e tensões as quais afetam as sociedades; empresas econômicas que buscam manufaturar tanto bens de consumo como eficientes trabalhadores; centros para a produção de distintos tipos de conhecimento a respeito das classes populares; e, finalmente, espaço onde amplos segmentos da população vivem parte de suas vidas, formam suas visões do mundo, entrando em negociação e interação com outros indivíduos e com autoridades do Estado (MAIA et al., 2017).
Dentre tantas questões as quais merecem destaque na vida de mulheres encarceradas, a maternidade é ponto sensível e demanda uma análise pautada nos direitos de mães e filhos encarcerados (MATOS, 2020).
Neste sentido, este estudo foca-se na temática da maternidade nas prisões, um fato comum e que traz diversos danos tanto para as mulheres quanto para as crianças.
Este estudo tem como objetivo discorrer sobre a gestação e parto nas prisões, ou seja, a maternidade carcerária. Os objetivos específicos são: descrever sobre a história da prisão; compreender sobre a maternidade na prisão; e discutir sobre os direitos fundamentais destas mulheres e crianças.
Para o desenvolvimento deste estudo a metodologia empregada é pesquisa documental, ou seja, a pesquisa eminentemente teórica, de revisão de literatura, através da seleção de artigos acadêmicos, e-books, livros e revistas eletrônicas. O material selecionado será referente ao período de 2012 a 2022.
A justificativa deve-se as palavras de Ferreira (2022) que percebe que a maternidade encarcerada é uma questão que ainda precisa ser muito debatida, não somente pela experiência passada no cárcere, mas sobre as questões sociais as quais constroem e fundamentam a existência da prisão e principalmente a respeito da situação de maternidade e o início da vida, questionando as violações, violências e danos gerados a partir dessa experiência vivida no contexto de encarceramento.
2. CARACTERIZANDO AS PRISÕES E OS PRESOS
As prisões trazem a mente imagens bastante diversas, como as dos muros, das grades, dos alambrados, das celas. Sua arquitetura fundada em um incontável número de celas, corredores, portas, janelas, sugere um labirinto. Se por vezes podem ser facilmente identificados os lugares de entrada e saída de uma prisão, entretanto, no seu interior, os caminhos e a circulação se perdem numa infinidade de possibilidades. Parece que os espaços no interior das prisões quanto mais simétricos, mais planejados, mais iluminados pela ordeira razão distribuidora de funções, nem por isso deixam de ser sombrios e confusos (LOURENÇO; GOMES, 2013).
Martins, Fraga e Lawall (2018) afirmam que a prisão é um espaço o qual demarca diversas sensações e sentires: ao ultrapassar seus limites imaginários e materiais, descortinam-se diversas demandas de descrições de todas as ordens. Depende de que posição se ocupa ao adentrar naquele espaço: se é um prisioneiro, um agente de controle, um agente o qual trabalha no sistema, outro profissional que trabalhe esporádica ou permanentemente ou um visitante. As percepções e representações advêm do lugar o qual se ocupa diante da atmosfera que o cerca. Outra máxima representativa é que a prisão é um lugar de castigo, no qual as pessoas que descumprem a regra social devem acessar os infortúnios da punição e neste sentido, qualquer percepção que aduza a críticas ao sistema prisional, nas suas práticas ofensivas e reprodutoras de desigualdades, é associada à defesa do crime. Percepção também simplista a qual não dimensiona a complexidade do sistema punitivo no Brasil.
Em relação a prisão no Brasil, conforme os autores Maia e colaboradores (2017) a produção historiográfica brasileira sobre as prisões ainda está em fase de consolidação. A principal obra publicada a respeito do tema é o livro do sociólogo Fernando Salla denominado “As prisões de São Paulo, 1822-1940”, que deu uma enorme contribuição sobre o tema. Tendo a Penitenciária de São Paulo como pano de fundo, Salla percorre a história da prisão no estado de São Paulo desde a Independência do Brasil até a década de 1940.
Em relação a figura do preso, segundo Pereira (2020) a palavra preso origina-se da palavra prisão que é a supressão da liberdade mediante o recolhimento do acusado ou do condenado em um estabelecimento prisional. A palavra prisão por sua vez tem sua origem no latim vulgar “prensione”, que deriva do latim clássico “prehensione” ato de prender ou capturar alguém, abarcando também o local onde se mantém o indivíduo preso, sendo sinônimo de claustro, clausura, cadeia, cárcere e xadrez. A palavra preso parece dura, desumana, mas essa é a condição em que a quase totalidade se encontra e não é nossa intenção florear com sinônimos ou termos amenizadores da situação.
Assim como afirma a autora Costa (2021) o sistema penitenciário brasileiro aderiu uma fama ruim por se tratar de um local o qual viola os direitos humanos em decorrência da falta de estrutura, ada cultura do encarceramento em massa e da falta de interesse do Estado em auxiliar essa parcela populacional. Esse estabelecimento de sanção penal acarreta grandes problemas visíveis tais como a superlotação, estrutura péssima, falta de agentes e até mesmo a violência contra os prisioneiros, colocando-os em situação de vulnerabilidade, principalmente no que se refere as gestantes encarceradas.
Os dados de encarceramento no país, diante do crescimento exponencial dos aprisionados nos últimos tempos parecem revelar uma forma de compreensão da realidade a qual admite ser mais eficaz a punição, a privação de liberdade, do que é a educação, da qual se suprimem vergonhosamente recursos, desmontam-se políticas e interditam-se, uma vez mais, sujeitos os quais passaram a usufruir do direito, pertencentes aos extratos mais empobrecidos da sociedade (JULIÃO; RODRIGUES, 2019).
3. A CRIMINALIDADE FEMININA
Nas últimas décadas a participação feminina em crimes comuns ganhou maior destaque, não porque a participação tenha se aproximado das taxas de crimes praticados por homens, mas porque, apesar de uma taxa ainda bem menor, o incremento é significativo. Chama a atenção, também nessas estatísticas, a proporção do crime ligado ao tráfico de drogas em relação a outras criminalidades (FRAGA, 2015).
Durante o período colonial no Brasil era incomum que mulheres encarceradas fossem destinadas a espaços a elas reservados. Os presídios tinham em sua maioria prisioneiros do sexo masculino, não existindo à época qualquer regulamentação legal a qual demandasse que os espaços deveriam ser reservados, por isso, sem regulamentações, estavam as mulheres encarceradas sujeitos ao arbítrio das autoridades responsáveis. Em 1940 foram tomadas então as primeiras providências por parte do Estado, objetivando a acomodação legal de mulheres as quais cometiam crimes, ficando este ano marcado, consecutivamente, pelo Código Penal, Código de Processo Penal e em 1941 através da Lei de Contravenções Penais. Essa época foi de extrema significância para a prática penitenciária brasileira, além da distinção e o começo de debates acerca da humanização das penitenciárias, sendo previsto pela primeira vez no Código Penal, o “cumprimento específico para abrigar mulheres ou, quando não fosse possível que reservassem um espaço específico para elas nos estabelecimentos masculinos”. Seguindo essa lei, as primeiras instituições prisionais femininas foram então originadas. Em São Paulo foi criado o presídio das mulheres e no Rio de Janeiro a penitenciária de mulheres, de Bangu, ambas inauguradas no ano de 1942 (FERREIRA, 2022).
O envolvimento das mulheres com o crime tem crescido significativamente. Estudos divulgados pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) aponta que, entre 2000 e 2014 o crescimento da população penitenciária feminina foi de 567% ao passo que a dos homens foi de 220%. Ainda conforme o DEPEN, em 2012 haviam 36.000 detentas no Brasil, mas apesar de tais números, ainda há poucos trabalhos acadêmicos os quais contemplam tal temática (OLIVEIRA, 2020). No primeiro semestre de 2017, o quantitativo de mulheres custodiadas no Brasil é de 37.828 mulheres privadas de liberdade (SILVA, 2019).
O Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) é um órgão executivo subordinado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública o qual tem como principal objetivo acompanhar e controlar a aplicação das diretrizes da Política
Penitenciária Nacional e da Lei de Execução Penal (SILVA, 2019).
O Ministério da Justiça e Segurança Pública através do seu Departamento Penitenciário Nacional, Divisão de Atenção às Mulheres e Grupos Específicos, através do Ofício – Circular nº. 62/2020/DIRPP/DEPEN/MJ (11317220), ao DIAMGE, solicitou aos estados, a apresentação de dados de mulheres presas, visando o fornecimento de dados de mulheres presas com o intuito de reunir informações para enfrentamento do novo coronavírus (COVID-19) nos sistemas prisionais estaduais. Em outras palavras, refere-se a um mapeamento de mulheres presas grávidas, parturientes, mães de crianças até 12 anos, idosas ou doentes.
A tabela supra detalha participações de 27 unidades federativas no levantamento de dados, onde no total de população feminina presa: 208 (duzentos e oito) estão grávidas; 44 (quarenta e quatro) estão puérperas; 12.821 (doze mil oitocentos e vinte e um) são mães de crianças até 12 anos; 434 (quatrocentos e trinta e quatro) possuem idade igual ou superior a 60 anos; 4.052 (quatro mil e cinquenta e dois (possuem doenças crônicas ou doenças respiratória. Das informações supra, também contabilizou-se a quantidade de presas provisórias sendo: 77 (setenta e sete) grávidas; 20 (vinte) puérperas; e, 3.136 (três mil cento e trinta e seis) mães de crianças até 12 anos (SUPESE, 2020).
Os dados obtidos são apresentados na tabela abaixo.
Tabela 1 – Dados da população feminina presa, por unidade federativa (UF)


Fonte: SUSEPE – Superintendência dos Serviços Penitenciários (2020)
4. LEI DE EXECUÇÃO PENAL
Com a instituição da Lei de Execução Penal nº. 7.210 de 11 de julho de 1984 (BRASIL, 1984) e depois de elaboradas as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, atendendo à determinação da Assembléia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), preceituada pela Resolução nº 2.858, de 20 de dezembro de 1971 e reiterada pela Resolução nº. 3.218 de 6 de novembro de 1974, foram construídas orientações a respeito dos limites para a punição dos presos, entretanto, o sistema penitenciário brasileiro ainda pode ser caracterizado pela ausência de condições dignas de vida que se traduz pelo empilhamento de pessoas em celas com capacidade ultrapassada, falta de higiene, ar, luz, alimentação adequada, acesso deficiente à assistência jurídica e médica, ócio forçado e distanciamento da família (COELHO; CARVALHO FILHO, 2012).
A preocupação da ONU com a mulher gestante privada de liberdade segue na esteira dos direitos humanos, ainda que estes não encontrem respaldo em determinados países ou não seja contemplado na sua plenitude, os direitos da mulher presa devem ser garantidos e preservados (BRABO et al., 2020).
A Lei 11.941/2009 modificou as redações dos artigos 14, 83 e 89 da Lei de Execução Penal para assegurar às mães presas e recém-nascidos condições mínimas de assistência, por exemplo, acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, que nos estabelecimentos penais existam berçários para que as mulheres presas possam cuidar de seus filhos, além de estabelecer a existência de creches nas penitenciárias femininas (MATOS, 2020).
Recentemente por força da Lei nº 11.942, de 28 de maio de 2009, houve alteração da Lei de Execução Penal Brasileira, melhorando, assim, o foco na particularidade da mulher presa. Neste caso importa perceber que diversos aspectos estavam omissos pelo legislador no tocante à proteção infantil, a exemplo de: obrigatoriedade de espaços para acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido; bercários para que as mães presas possam cuidar de seus filhos inclusiva amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade; seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete anos), com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa, tendo atendimento por pessoal qualificado, conforme as diretrizes adotadas pela legislação educacional e em unidades autônomas (JULIÃO, 2013).
5. MATERNIDADE CARCERÁRIA
A gravidez representa, para diversas mulheres, a vivência de um período de espera, um evento o qual, de certa forma, imaginam e esperam (pessoal e socialmente) acontecer, cujo desfecho encontra-se na ordem do previsível: o nascimento de uma nova vida e o vir a ser mãe (PONTES, 2016).
O nascimento de uma criança em um estabelecimento prisional por si só já causa uma preocupação óbvia; porém, para garantir um nascimento e desenvolvimento digno de uma criança no cárcere é fundamental compreender as dificuldades e peculiaridades que essa situação exige seja do poder público e dos estabelecimentos prisionais compreendam que privação de liberdade, não significa privação do direito de ser mãe (MATOS, 2020).
Na maioria dos estados brasileiros a mulher grávida é transferida no terceiro trimestre de gestação, de sua prisão de origem para unidades prisionais as quais abriguem mães com seus filhos, geralmente localizadas nas capitais e regiões metropolitanas onde são levadas ao hospital público para o parto e retornam à mesma unidade onde permanecem com seus filhos por um período o qual varia de 6 meses a 6 anos (maioria entre 6 meses – 1 ano) e depois desse período geralmente as crianças são entregues à família da mãe e esta retorna à prisão de origem (LEAL et al., 2016).
Especificamente no campo da maternidade na prisão, o Instrumento Internacional – Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos da Organização das Nações Unidas (1955) recomenda, entre outras disposições, cuidados com gestantes, recém-nascidos e crianças as quais permanecem no ambiente prisional, prevendo instalações especiais nos presídios femininos para o acompanhamento de mulheres presas grávidas, parturientes e convalescentes (Regra 23.1) e de creches (Regra 23.2). Em complemento a essas Regras Mínimas da ONU de 1955, foram editadas as Regras das Nações Unidas para o tratamento das reclusas e medidas não privativas de liberdade para as mulheres delinquentes (Regras de Bangkok) em 2010, significando, as Regras Mínimas para a mulher em situação de privação de liberdade, ou seja, o marco internacional de proteção das mulheres encarceradas (JULIÃO, 2013). O Brasil é um dos países signatários das chamadas Regras de Bangkok (traduzida para o português em março de 2016), documento assinado em 2010, na 65ª Assembleia das Organizações Unidas (ONU)a a qual reconhece a necessidade de uma atenção e um tratamento diferenciado às mulheres em situação de privação de liberdade (BRABO et al., 2020).
Julião (2013) afirma, segundo Santa Rita (2007) que, ainda que estejam assegurados por lei aspectos relevantes como a existência de unidades prisionais exclusivas para as mulheres, o direito à amamentação, a instalação de berçários e creches, entre outros, o que de fato ocorre na maioria dos casos é a não institucionalização de tais ações as quais poderiam contribuir para o recolhimento das diferenças e do direito a ter direitos. Aliado a isso se deve mencionar também, a ausência de normas e práticas institucionais as quais vinculem a permanência dessas crianças junto às mães na prisão com as políticas sociais de educação infantil, saúde pública, convivência familiar e comunitária, dentre outras.
A legislação brasileira já identificou que a amamentação é um ato de suma relevância não somente para a criança, mas também para a mãe, sendo uma espécie de ligação entre duas instituições, ou seja, a família e o Estado (poder público), sendo de competência deste a efetivação das normas que asseguram direitos às mães em fase de amamentação (NEVES, 2016)
... entende-se ser fundamental considerar a importância da amamentação mesmo que em ambiente prisional, devido aos benefícios que a amamentação traz para o bebê e para a mãe que vão muito além dos ganhos nutricionais e imunológicos. O leite materno, além de conter todos os nutrientes adequados para a manutenção da saúde, crescimento e desenvolvimento do lactente, também beneficia a mãe lactante, proporcionando aspectos positivos no campo psicológico, fortalecendo o vínculo entre ambos, que se perpetuarão por toda a vida, contribuindo para a formação de um indivíduo adulto saudável (DALMÁCIO; CRUZ; CAVALCANTE, 2014, p.70).
Ao se falar do direito à amamentação, se está discutindo para além do direito de uma mulher mãe alimentar sua criança, o que, per si, encontra respaldo na legislação e na literatura da saúde. Na verdade, se está dialogando com um tema complexo o qual envolve mulheres e crianças: saúde física, mental, prevenção de futuras doenças; fomento de pertencimento à família, dentre outros; e para a mulher encarcerada, some-se a isto, perspectivas de reinserção social, de propósito de vida e de futuros projetos (BESSA; ANDRADE; SILVA, 2020).
Conforme Matos (2020) ressaltando as palavras de Dantas, Perissé e Souza (2019) nas unidades penitenciárias femininas, o acesso à saúde é ainda mais complexo, pois há necessidade de acompanhamento da especialidade de ginecologia, obstetrícia. No caso de mulheres encarceradas, o pré-natal não é total e adequadamente assegurado e experiências de violência obstétrica são recorrentes, o que, para além de violar direitos reprodutivos, é preocupante tendo em vista que o período gestacional e o momento do nascimento refletem no desenvolvimento infantil. A permanência de criança no cárcere, ambiente insalubre, também prejudica a saúde infantil. Ainda, nos casos de separação entre criança e mãe, há impactos na saúde decorrentes desse rompimento, especialmente em razão do estresse tóxico.
O art. 318 do Código de Processo Penal ao trazer em seu enunciado que poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar em casos de encarceradas gestantes ou com filho de até doze anos de idade incompletos, apresenta pressupostos como requisito mínimo, mas não o bastante para a concessão da substituição, colocando como alternativa ao magistrado, devendo esse analisar se no caso concreto a prisão domiciliar seria satisfatória para levar à decretação da prisão preventiva do acusado. Desta forma, o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos, com a assistência de diversas entidades humanitárias e da Defensoria Pública da União, impetrou com os pedidos de habeas corpus para que fosse efetivado o que era trazido pela lei e que todas as mulheres gestantes, puérperas ou mães com crianças até doze anos de idade as quais estivessem submetidas à prisão cautelar no sistema carcerário brasileiro, pudessem se beneficiar da prisão domiciliar. Contraponto, o Ministério Público Federal apresentou um parecer contrário à concessão do habeas corpus coletivo, alegando não ser favorável a concessão, uma vez que o pedido seria muito amplo, além do risco de que em alguns casos as crianças possam ser aproveitadas pelas mães para cometer crimes ou que a maternidade possa ser utilizada somente para garantir a prisão domiciliar (FERREIRA, 2022).
Sabe-se que nem todas as mães serão atingidas pelas Habeas Corpus Coletivo, ou pelos incisos do Código de Processo Penal que tratam sobre a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar. Em tais casos é preciso que se implemente uma política pública capaz garantir que: (i) o legislativo edite normas programáticas as quais exijam que os presídios mantenham local adequado para visitação, e que esta seja feita livre de constrangimento; (ii) que o executivo atue diretamente na reforma dos presídios e na fiscalização de tais espaços; e (iii) que o judiciário atue de maneira fiscalizadora e punitiva anos casos em que forem violadas essas condições, seja pela ação investigadora do Ministério Público, pela atuação defensiva da Defensoria Pública ou pela atuação julgadora dos Magistrados (ANDREUCCI; JUNQUEIRA, 2021).
Julião (2013) ressaltando as palavras de Quintino (2005) afirma que, embora haja ordenamentos jurídicos internacionais e nacionais os quais prevêem direitos para a mulher e criança, a exemplo de amamentação, não há uma regulamentação em relação aos espaços específicos de convivência de mãe presa com seu filho em espaços prisionais; o qual estipule a idade de permanência da criança na penitenciária e como deve ser trabalhado o momento de separação; e quais os profissionais e serviços devem ser disponibilizados nessas estruturas de atendimento infantil. Pode-se aqui acrescentar, ainda, sobre a invisibilidade de práticas voltadas ao atendimento infantil intramuros e à rede de proteção infantil familiar ou comunitária para essa criança, que vive ou viveu, temporariamente, em espaços prisionais.
O tema de permanência de crianças em espaços prisionais é bastante polêmico. Em termos mundiais há, assim, uma heterogeneidade a respeito da norma a qual estipula a idade máxima quando o filho(a) da mulher mãe presa pode permanecer em ambiente prisional. Há também alguns lugares em que não se admite que crianças de qualquer idade vivam em ambientes prisionais, que pode apresentar resultantes interessantes em termos de políticas penitenciárias (JULIÃO, 2013).
A construção de uma infância no entorno das prisões enquanto os pais, principalmente as mães, cumprem pena de reclusão revela que as crianças são cumpridoras solidárias deste encarceramento, uma vez que a dinâmica da vida dessas crianças passa a ser organizada em torno do familiar encarcerado. Carência afetiva e material constante, insegurança e invisibilidade social são somente aspectos particulares dessa vivência (COELHO; CARVALHO FILHO, 2012). O período que a criança passa dentro do cárcere configura uma violência contra ela e a negação de seus direitos visto que a criança é um ser humano e sendo assim sujeito de direitos (BRABO et al., 2020).
A reclusão coloca tais pessoas numa dimensão excludente do sistema social e, de certa maneira, passam a ter outro tipo de socialização: tornam-se um grupo, deixam de carregar seus nomes e passam a ser chamados de presos. Ser preso é o primeiro passo na perda da individualidade (MARTINS; FRAGA; LAWALL, 2018).
Assim como ressalta Julião (2013) o tema das mães presas as quais convivem com crianças, temporariamente, em espaços penitenciários é pouco investigado, apresentando, assim, uma lacuna acadêmica e, no campo da política penitenciária com poucas publicações a respeito dessa particularidade. Em termos genéricos, tanto as legislações como as práticas institucionais penitenciárias são dirigidas aos homens presos, desvalorizando, assim, as características peculiares da mulher e a sua condição de gênero.
No interior do sistema penitenciário, devido à ausência de apoio familiar cotidiano e das condições precárias da própria unidade prisional que não dispõe das condições elementares as quais garanta um atendimento humanizado e um acompanhamento médico especializado constante durante o período de gestação, este período exige uma responsabilidade significativa (BRABO et al., 2020).
5.2 A Violação dos Direitos das Crianças e Adolescentes e Pais Encarcerados
A dimensão alarmante da população carcerária do Brasil não é novidade, em dezembro de 2017, já havia se passado da 4ª para 3ª maior população carcerária do mundo, trazendo à sociedade o debate quanto à eficácia e efeitos desta política intensa de encarceramento, especialmente diante de situações as quais o encarceramento produz efeitos os quais extrapolam a pena individual do preso (ANDREUCCI; JUNQUEIRA, 2021).
A Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil impõe ao Poder Público, às instituições e aos empregadores o dever de propiciar condições adequadas ao aleitamento materno, inclusivo aos filhos de mães submetidas à medida privativa de liberdade (art.9º) (JULIÃO, 2013).
Os principais problemas relacionados às singularidades femininas no cárcere, a partir dos mecanismos os quais acentuam sua invisibilidade, negam as condicionalidades femininas: ao deixar de reconhecer dinâmicas as quais operam diante da necessidade de amamentar, de estar grávida, a quebra dos laços familiares e sociais, a burocratização do acesso à visita íntima e a intricada e incerta realidade daquelas que têm filhos marcam uma uniformização dos padrões de controle entre o universo feminino e masculino (MARTINS; FRAGA, 2018).
Infelizmente a temática do encarceramento feminino apresenta diversos agravamentos os quais não são tratados com a devida prioridade governamental e da sociedade civil. No contexto do vínculo mãe- filho, pode-se dizer que, em geral, que a maternidade na prisão não se vincula a nenhum protocolo mínimo com diretrizes de políticas sociais capazes de garantir os direitos já declarados. Há o reconhecimento de que as mulheres e seus filhos necessitam de proteção social, entretanto, há ainda um fosso entre as garantias legais e as práticas institucionais vinculadas aos estabelecimentos prisionais (JULIÃO, 2013). O encarceramento feminino no Brasil tem aumentado e se constituído um fenômeno crescente o qual tem despertado interesse de pesquisadores de diversos lugares (LOURENÇO; GOMES, 2013).
Ainda, segundo Lourenço e Gomes (2013) ambientes prisionais não são fáceis de serem pesquisados. Desde as negociações para a entrada e a pesquisa ali, tendo-se que recorrer diversas vezes às redes formais e informações de relações para algum sucesso. As variadas maneiras de convencimento dos gestores das unidades prisionais sobre o que se pretendem como a pesquisa se dará, com quem, entre outros. Não raro as interferências do campo da pesquisa nessa fase são consideráveis, pois o acesso a presos e funcionários, os locais onde a pesquisa se dará, o tempo de permanência do pesquisador são alguns dos pontos suscetíveis à interferência dos gestores. Acertada as condições da pesquisa, outra esfera de preocupação do pesquisador é com que se poderia chamar jogo das interações entre o pesquisador e os presos, o pesquisador e os administradores, o pesquisador e os agentes penitenciários e técnicos.
Outra questão importante refere-se a educação nas prisões. Neste sentido, os autores Julião e Rodrigues (2019) reconhecem, segundo Muños (2011) que a educação na prisão deveria ser orientada para o desenvolvimento integral do indivíduo com o acesso à educação formal e informal, programas de alfabetização, à educação de base, à formação profissional, às atividades criadoras, religiosas e culturais, à educação física e esportes, educação social, educação superior e aos serviços de biblioteca, ou seja, se está em pleno acordo com a garantia da educação como direito básico de todos e voltado para a formação durante toda a vida.
A escola na prisão não é somente um lugar para o aprendizado ou para buscar conhecimento, amas sim um espaço que mantém vínculo com o mundo externo, que minimiza a tensão emocional dos presos os quais tenta resgatar a autonomia de tais pessoas ao afiançar capacidade argumentativa e reflexiva sobre as coisas no mundo sendo também uma ambiente de resistência (MARTINS; FRAGA. LAWALL, 2018).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o estudo realizado evidencia-se de que a atenção da gestação deve ser feita já desde o inicio da mulher na prisão para que assim elas possam ter uma gestação e parto com seus direitos respeitados e o mais importante, receber todo auxílio necessário, e não somente ela, mas também as crianças. A questão da maternidade carcerária envolve a todos, e não somente as mulheres em si.
Ainda é preciso muitas mudanças no cenário do encarceramento feminino acontecer de fato para que essas mulheres e crianças possam ter seus direitos respeitados e neste sentido, uma gestação e parto dignos, onde a saúde, bem estar e qualidade de vida sejam os pontos principais de todo este processo com profissionais capacitados e toda estrutura necessária.
Também é importante ressaltar que a temática da gestação carcerária é extensa, englobando diversos outros aspectos tais como humanização no atendimento, acolhimento; recursos necessários; dentre outros os quais são essenciais neste acontecimento tão importante na vida da mulher que é a gravidez e nascimento de seu filho.
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