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Definição do status jurídico das normas internacionais de direitos humanos.

Um caminho para maior efetividade

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21/11/2007 às 00:00

Resumo:


  • O estudo da efetividade das normas jurídicas internacionais é complexo, envolvendo fatores como reconhecimento mundial, relevância do tema abordado e cooperação entre os países signatários.

  • A evolução dos direitos humanos e sua internacionalização ocorreram a partir do século XX, com a criação de tratados e convenções internacionais para proteção e promoção desses direitos.

  • No Brasil, há diferentes correntes doutrinárias quanto ao status das normas internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico nacional, com destaque para o recente posicionamento do STF em favor da supralegalidade dessas normas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. O Supremo Tribunal Federal e a efetividade de aplicação dos tratados de direitos humanos

A análise histórica da evolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal demonstra que diferentes posicionamentos foram considerados pela Egrégia Corte no tocante aos conflitos existentes entre o direito internacional e nacional. Antes do julgamento do Recurso Extraordinário n° 80.004, [30] o STF expressava-se em favor da primazia do direito internacional frente ao ordenamento brasileiro. [31] Esse posicionamento é relembrado através do Recurso Extraordinário n° 71.154, [32] de 1971, no qual o Ministro Oswaldo Trigueiro concluiu que os tratados internacionais ao serem incorporados pelo Congresso Nacional são capazes de revogar dispositivos legislativos internos que contradizem preceitos internacionais. [33]

Após o julgamento de 1977, o posicionamento do STF mudou e a vontade final do legislador interno passou a ser o ponto crucial para definição do conflito. Conforme aponta o professor Francisco Rezek, "passou-se a considerar a vontade do legislador sem embargo das conseqüências do descumprimento do compromisso assumido frente ao tratado internacional". [34]

Nesse sentido, o STF concluiu que as normas internacionais apresentavam o mesmo status, valor e nível hierárquico que as leis ordinárias. O referido Recurso ocasionou muitos debates quanto a vulneração do artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, pois uma norma interna posterior à ratificação do tratado ou convenção internacional não pode ser utilizada como justificativa para o descumprimento da obrigação internacional. Os desentendimentos giraram basicamente em torno do confronto entre o principio primordial do direito internacional "pacta sunt servanda" [35] e do primado da Constituição Federal. A decisão emitida pelo Recurso Extraordinário 80.004 mostrou-se indiferente quanto às conseqüências do descumprimento de tratado internacional. [36]

Verifica-se que vários foram os posicionamentos e argumentos do STF desde de 1977. Os tratados internacionais ora foram considerados hierarquicamente superiores às leis internas ora foram considerados equivalentes às leis ordinárias, no entanto, o que se verifica na análise dos últimos 30 anos é que o STF teve argumentos condizentes em todas suas interpretações, no entanto a falta de clareza quanto ao posicionamento correto impede que o conflito entre direito internacional e interno seja de uma vez por todas definido.

Por outro lado, ao analisarmos o Recurso Extraordinário 466.343-1, que trata da possibilidade de revogação do inciso LXVII do artigo 5° da Constituição Federal de 1988 no tocante à prisão do depositário infiel verificamos a possibilidade de alteração do entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto ao status infraconstitucional das normas internacionais. Oito ministros já votaram pela impossibilidade de equiparação do devedor em alienação fiduciária ao depositário infiel. Segundo o entendimento desses ministros a possibilidade de prisão civil em questão é inconstitucional, pois afronta o artigo 7°, parágrafo 7° do Pacto de San José da Costa Rica. [37]

Conforme aponta a Convenção Americana sobre Direitos Humanos a prisão civil é cabível somente no caso de inadimplemento de obrigação alimentar. Nesse sentido, verifica-se um conflito entre norma internacional e norma constitucional, pois, ao contrário, a Constituição brasileira permite a prisão civil também no caso do depositário infiel.

Nesse caso, se considerássemos o posicionamento até hoje sustentado pelo STF de que as normas internacionais e nacionais apresentam o mesmo nível hierárquico de norma infraconstitucional poderíamos afirmar que prevaleceria a norma nacional, no caso o artigo 652 do Código Civil, e assim conseqüentemente a possibilidade da prisão do depositário infiel. Contudo, tal afirmação ainda não é possível tendo em vista o voto proferido pelo ministro Gilmar Mendes no recurso anteriormente mencionado. Após discorrer sobre as quatro correntes aqui apresentadas o referido ministro mostrou-se em favor da aplicação da teoria da supralegalidade das normas internacionais.

Com isso, a norma do artigo 7, parágrafo 7 do Pacto de San José da Costa Rica seria considerado inferior às normas constitucionais brasileiras porém superior às normas infraconstitucionais. Assim, em outras palavras, a norma internacional em questão não teria força para revogar o inciso LXVII, do artigo 5º da Constituição Federal, no entanto, poderia impossibilitar a aplicação do artigo 652 do Código Civil que trata da questão da possibilidade de prisão do depositário infiel. Deste modo, prevaleceria a norma internacional, pois mesmo existindo possibilidade constitucional de prisão do depositário infiel, essa não seria aplicável pois sem a legislação civil esse dispositivo constitucional seria considerado ineficaz e conseqüentemente inaplicável.


Conclusão

Por tudo que foi exposto, entendemos ser indiscutível e evidente a evolução e crescente importância internacional da proteção dos direitos humanos e por isso a maior elaboração de tratados e convenções internacionais que versam sobre o assunto.

Verificamos também que o ordenamento jurídico brasileiro tem-se mostrado cada vez mais aberto ao supranacionalismo, apesar da existência conflituosa entre diversas doutrinas, (monista e dualista) e da existência de diversas correntes quanto ao status das normas internacionais no ordenamento jurídico nacional.

No tocante à efetividade da aplicação das normas internacionais de direitos humanos pelo ordenamento jurídico brasileiro, concluímos que esta não foi claramente percebida nos últimos 30 anos analisados, uma vez que normas internacionais deixaram de ser aplicadas para que normas internas fossem aplicadas. Assim, é possível afirmar que a definição doutrinaria e jurisprudencial quanto ao status jurídico das normas internacionais de proteção aos direitos humanos em muito contribuirá para o avanço da efetividade da aplicação das normas internacionais.

O recente posicionamento do STF em favor da teoria da supralegalidade das normas internacionais em relação às normas infraconstitucionais em muito contribuirá para a maior efetividade de proteção aos direitos humanos. Uma vez esclarecido o status interno dessas normas mais imediata será a aplicação das normas pactuadas internacionalmente e nesse sentido maior será a proteção mundial dos direitos humanos.

Muito ainda será discutido até que o único posicionamento seja definido; no entanto, é evidente que o ordenamento jurídico brasileiro está no caminho correto.


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Notas

01 PECES-BARBA, Gregório. (Org). Derecho positivo de los derechos humanos. Editora Debate: Madrid,1987. Apud.DORNELLES, João Ricardo W. A internacionalização dos direitos humanos. Disponível em: <http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista04e05/Docente/11.pdf>. Acesso em: 25 maio 2007.

02 BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992, p.49.

03 HERKENHOFK, João Batista. Direitos Humanos: Uma idéia, muitas vozes. 3. ed., São Paulo: Editora Santuário, p. 69.

04 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Memória da Conferência Mundial de Direitos Humanos. Viena. 1993. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, nº 80, Universidade Federal de Minas Gerais, 1995, p.106.

05 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 13.

06 AZEVEDO, Antônio Junqueira. Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 23.

07 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1977, p.108.

08 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 174.

09 AZEVEDO, Antônio Junqueira. Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 42.

10 BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas: limites e possibilidades da Constituição Brasileira. 2ª ed, Rio de Janeiro: Renovar, 1993, p. 78.

11 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2003.

12 Mandado de Injunção n° 712. Min. Relator. Eros Grau. Informativo do STF nº 430. Disponível em: < http://www.stf.gov.br/processos/processo.asp?PROCESSO=712&CLASSE=MI&ORIGEM=AP&RECURSO=0&TIP_JULGAMENTO=M>. Acesso em: 01 jun. 2007

13 FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudos analíticos da situação do tratado na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.3.

14 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos Humanos, constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 114.

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15 TRIPEL, Heinrich. Les Rapports entre le Droit Interne et le Droit International, in Recueil de Cours de Droit, tomo I, 1925, p.95.

16 PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 47.

17 MEDEIROS, Antonio Paulo Cachapuz. O poder legislativo e os tratados internacionais. Porto Alegre: L&PM Editores, 1983, p. 184.

18 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos Humanos, constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 118-119.

19 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Coimbra: Armênio Amado,1984, p.437.

20 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos Humanos, constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 127.

21 Recurso Extraordinário n° 466.343-1 São Paulo. Min. Relator Cezar Peluso, p.2. Disponível em: < http://www.stf.gov.br/processos/processo.asp?PROCESSO=466343&CLASSE=RE&ORIGEM=AP&RECURSO=0&TIP_JULGAMENTO=M>. Acesso em: 1 jun. 2007.

22 DALLARI, Pedro B. A. Constituição e tratados internacionais. São Paulo: Saraiva, p. 66.

23 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A incorporação das normas internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro. San José da Costa Rica, 1996.

24 PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 89.

25 FEREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988, v.1,p.87 e 88. Citado por: DALLARI, Pedro B. A. Constituição e tratados internacionais. São Paulo: Saraiva, p. 60.

26 FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudos analíticos da situação do tratado na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.79.

27 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos Humanos, constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 203.

28 Hábeas corpus nº 72.131, Min. Relator Marco Aurélio. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/processos/processo.asp?PROCESSO=72131&CLASSE=HC&ORIGEM=AP&RECURSO=0&TIP_JULGAMENTO=M>. Acesso em: 2 jun. 2007.

29 BRASIL, Constituição Federal da Republica, art. 102, III, b.

30 Recurso Extraordinário n° 80.004, Min. Relator Xavier de Albuquerque. RTJ 83/809.

31 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos Humanos, constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 190.

32 Recurso Extraordinário n° 71.154, Min. Relator. Oswaldo Trigueiro.

33 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 200.

34 REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. São Paulo: Saraiva, 1998, p.106

35 Segundo esse principio, espera-se que os Estados ajam com boa-fé e que estes cumpram os pontos pactuados através de um contrato. Trata-se da boa-fé internacional de cumprimento de tratado internacional.

36 PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2000,p. 83.

37 Artigo 7°, parágrafo 7°do Pacto de San José da Costa Rica. "Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar". Disponível em: < http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/oea/oeasjose.htm>. Acesso em 10 jun. 2007.

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Sobre a autora
Priscila Pereira de Andrade

advogada, mestranda em Direito das Relações Internacionais pelo UNICEUB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Priscila Pereira. Definição do status jurídico das normas internacionais de direitos humanos.: Um caminho para maior efetividade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1603, 21 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10678. Acesso em: 23 dez. 2024.

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