Meus irmãos podem vender suas partes no imóvel recebido de herança - onde também sou dona - sem a minha permissão?

24/10/2023 às 15:38
Leia nesta página:

SE POR ACASO nosso valioso (e gratuito) conselho de evitar a formação de CONDOMÍNIO nos bens da herança não for adotado, infelizmente os herdeiros - agora novos proprietários - terão que observar sobre cada bem recebido a título de "herança" em sede de Inventário e Partilha todas as regras que o Código Civil prescreve a respeito dessa forma de propriedade, ou seja, a "propriedade condominial". As regras estão compiladas no artigo 1.314 e seguintes do Código Reale e o citado artigo já dá o tom necessário que o espinhoso assunto reclama:

"Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.

Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, SEM O CONSENSO DOS OUTROS".

CONDOMÍNIO (ou "condemônio", apelido singelo desse interessante instituto) pode ser um ninho de problemas infindáveis. Obter o consenso de todos para concretizar atividades substanciais na coisa comum nem sempre pode ser tarefa tranquila. A lição dos ilustres professores FARIAS e ROSENVALD (Curso de Direito Civil. Vol 5. 2023) mais uma vez lança luz sobre o fenômeno:

"(...) No condomínio, o domínio é qualitativamente igual, não obstante a propriedade seja quantitativamente diferente. Podemos então conceituar o condomínio como situação jurídica em que duas ou mais pessoas, simultaneamente, detêm idênticos direitos e deveres proprietários sobre o mesmo bem. (...) Determinado direito poderá pertencer a vários indivíduos ao mesmo tempo, hipótese em que se tem a COMUNHÃO. Se a comunhão recair sobre um DIREITO DE PROPRIEDADE, ter-se-á CONDOMÍNIO ou COMPROPRIEDADE. Em suma, o condomínio é uma espécie do gênero comunhão".

Extinguir a propriedade condominial sempre será possível - a qualquer tempo - como também assegura o artigo 1.320 do mesmo CCB, todavia, uma situação não tão rara pode acontecer: alguns titulares do mesmo bem (na grande maioria das vezes bem IMÓVEL) podem vender seus quinhões/frações no imóvel para terceiros sem a autorização de algum deles? Por exemplo, tendo um imóvel quatro donos, podem três deles alienar suas partes (3/4) para um terceiro sem que um deles (detentor de 1/4 do imóvel) seja consultado e justamente por isso autorize?

Efetivamente a venda nesse caso pode ser feita, o que não significa que seja inválida, sendo todavia, reputada como ineficaz, pelo menos enquanto não for desfeita pelo interessado nos termos do que prevê a Lei. Segundo o artigo 504 haverá um prazo decadencial para o desfazimento da polêmica venda:

"Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no PRAZO DE CENTO E OITENTA DIAS, sob pena de decadência.

Parágrafo único. Sendo muitos os condôminos, preferirá o que tiver benfeitorias de maior valor e, na falta de benfeitorias, o de quinhão maior. Se as partes forem iguais, haverão a parte vendida os comproprietários, que a quiserem, depositando previamente o preço".

Não podemos deixar de colacionar nesse breve ensaio a irretocável lição do ilustre SERPA LOPES (Tratado dos Registros Públicos. 1997) acerca da questão analisada, ainda que sob a égide do CC/1916, cujo dispositivo como se viu foi mantido no CC/2002:

"Acentua-se, de início, que o objetivo do preceito do art. 1.139 do Código Civil [hoje art. 504 do CCB/2002] foi amparar o condômino possuidor das partes não alienadas, evitando que terceiros, estranhos ao condomínio, viessem a participar dele. Não há, no preceito aludido, a cominação de uma NULIDADE, pois o direito do estranho adquirente ficou subordinado a uma CONDIÇÃO RESOLUTIVA - se outro consorte a quiser, tanto por tanto. Deste modo, enquanto não verificada esta condição, vigorará o ato judicial, isto é, a venda. Ocorrida a condição, para todos os efeitos se extingue o direito a que ela se opõe ( Código Civil, art. 119). Mas se o condômino nada objeta, se ele não quer exercitar a sua PREFERÊNCIA, o que se deduz do seu silêncio pelo espaço de seis meses, é a ausência de qualquer infração, de qualquer falta, de qualquer motivo de sanção contra as partes contratantes".

E arremata categoricamente o ilustre e assombroso Jurista:

"Assim, pois o Oficial do REGISTRO DE IMÓVEIS não pode se negar a transcrever uma Escritura de Compra e Venda de uma parte em coisa indivisível, sob o fundamento de faltar à comprovação do oferecimento aos demais condôminos. Trata-se de uma compra e venda perfeitamente válida, subordinada a uma CONDIÇÃO RESOLUTIVA, vigente durante o prazo de seis meses, a contar da transcrição".

POR FIM, decisão importante do STJ esclarece bem a questão da venda de parte de coisa comum indivisa com desrespeito ao "direito de preferência":

"STJ. REsp: 1628478/MG. J. em: 03/11/2020. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. VENDA DE QUINHÃO DE COISA COMUM INDIVISA. DIREITO DE PREFERÊNCIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. INOBSERVÂNCIA AO DIREITO DE PREEMPÇÃO DOS DEMAIS CONDÔMINOS. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. CIÊNCIA INEQUÍVOCA QUE SE DEU APENAS COM O REGISTRO DA ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA. DISSONÂNCIA ENTRE O PREÇO DO NEGÓCIO E AQUELE ESTAMPADO NO TÍTULO TRANSLATIVO REGISTRADO EM CARTÓRIO. PRÁTICA DE PREÇO SIMULADO. ABUSO DO DIREITO. OFENSA À BOA-FÉ OBJETIVA. PREVALÊNCIA DO DOCUMENTO LAVRADO PELO TABELIÃO E LEVADO A REGISTRO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O propósito recursal consiste em definir, além da negativa de prestação jurisdicional: i) a forma pela qual deve se dar a notificação que viabilize o direito de preferência do condômino na aquisição de parte ideal de coisa comum indivisa; e ii) o parâmetro do valor do negócio a ser considerado para tal fim. 2. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional. 3. Nos termos do art. 504 do CC/2002, é garantido ao condômino o direito de preferência na aquisição de fração ideal de coisa comum indivisa, em iguais condições ofertadas ao terceiro estranho à relação condominial, desde que o exerça no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da ciência. Tal conhecimento deve ser possibilitado pelo coproprietário alienante, em decorrência de imposição legal, através de prévia notificação, judicial, extrajudicial ou outro meio que confira aos demais comunheiros ciência inequívoca da venda e dos termos do negócio, consoante o previsto nos arts. 107 do CC/2002 e 27, in fine, da Lei n. 8.245/1991, este último aplicado por analogia. 4. Aperfeiçoada a venda (no caso imobiliária) ao terceiro, com a lavratura de escritura pública e o respectivo registro no Cartório de Registro de Imóveis, sem a devida observância ao direito de preempção, surge para os coproprietários preteridos o direito de ajuizamento de ação anulatória ou de direito de preferência c/c adjudicação compulsória, desde que o faça dentro do prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias, contados do registro da escritura, cuja publicidade implica a presunção de ciência acerca da venda e das condições do negócio estampadas no título. 5. Praticado preço simulado pelas partes, fazendo constar da escritura pública preço a menor, que não reflita o valor real do negócio, deve prevalecer aquele exarado na escritura devidamente registrada para fins do direito de preferência, sendo que o registro do título (que tem como atributo dar publicidade da alienação imobiliária a toda a sociedade, conferindo efeito erga omnes) é o ato substitutivo da notificação, que deveria ter sido anteriormente remetida ao coproprietário, mas não foi, não podendo o condômino alienante valer-se da própria torpeza, a qual denota o abuso do direito infringente da boa-fé objetiva. 6. Recurso especial conhecido e desprovido".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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