O STF, o Juiz das Garantias e suas implicações no processo penal: Uma análise panorâmica

24/10/2023 às 15:43
Leia nesta página:

No dia 23 de (mês), o Supremo Tribunal Federal emitiu uma decisão de grande importância, estabelecendo que os tribunais deveriam implementar, em até dois anos, a figura do juiz das garantias. Esse desenvolvimento significativo faz parte das inovações introduzidas pela Lei nº 13.964/19, conhecida como o "Pacote Anticrime", mas sofreu modificações substanciais por meio da interpretação do Supremo Tribunal Federal, que busca equilibrar a aplicação das disposições legais com a eficiência e a justiça no processo penal.

Uma das mudanças fundamentais é a maior autonomia conferida aos tribunais na definição da estrutura e operação dos juízos de garantia, a fim de evitar a interferência nas ações penais em andamento e minimizar a carga de trabalho dos juízes que atuam individualmente em suas comarcas. Isso é crucial para garantir a continuidade eficaz do sistema judicial.

O cerne da questão reside na interpretação do artigo 3º-A do Código de Processo Penal (CPP) que, por maioria no STF, foi interpretado de acordo com a Constituição. Isso permite que o juiz, dentro dos limites da legalidade, realize diligências suplementares para esclarecer pontos relevantes no momento de proferir sua decisão. A decisão do STF não revogou o artigo 156 do CPP, mas limitou os efeitos da Lei nº 13.964/19, preservando a estrutura do sistema acusatório e mantendo a proibição da atuação do juiz durante a fase investigatória, conforme o artigo 3º-A do CPP. Essa combinação de dispositivos permite, em circunstâncias excepcionais, que o juiz ordene a produção de provas necessárias para esclarecer a verdade, sem esperar que a acusação o faça.

O artigo 3º-B do CPP, que trata da implementação do juiz das garantias, também foi objeto de análise pelo STF. O Tribunal determinou, com apenas um voto vencido, que todos os tribunais devem estabelecer o juiz das garantias no prazo de 12 meses após a decisão e que pode haver uma única prorrogação por período igual, conforme critério do Conselho Nacional de Justiça, que também é responsável por definir diretrizes gerais para o instituto. Essa decisão visa garantir uma transição suave e eficaz para a implementação do juiz das garantias.

O controle judicial dos atos de investigação, como estabelecido nos incisos IV, VII, VIII e IX do artigo 3º-B do CPP, foi considerado legal pelo STF, com um prazo de 90 dias para a transferência de procedimentos investigatórios criminais ao juiz natural, independentemente da existência do juiz das garantias. Isso destaca a importância da supervisão judicial na fase de investigação para garantir a imparcialidade e a legalidade do processo.

Uma das mudanças notáveis é a interpretação do artigo 3º-C do CPP, que estipula que a competência do juiz das garantias não abrange infrações penais de menor potencial ofensivo. No entanto, o STF decidiu que essa limitação deve cessar com o recebimento da denúncia ou queixa, de acordo com o artigo 399 do CPP. Isso assegura que o juiz das garantias não seja envolvido em casos de menor gravidade e que sua função se concentre nas questões mais complexas.

Outro aspecto relevante é a questão da videoconferência nas audiências presididas pelo juiz das garantias em casos de prisão em flagrante ou provisória. O STF decidiu que a videoconferência pode ser usada excepcionalmente quando houver impossibilidade prática de realizar uma audiência presencial. Isso leva em consideração a necessidade de equilibrar a justiça com a eficiência do processo, garantindo que os direitos do acusado sejam preservados.

Quanto ao acordo de não persecução penal, o STF considerou constitucional o artigo 28-A do CPP, que estabelece as bases para esse acordo. No entanto, o § 5º do artigo 157 do CPP, que proibia que um juiz que tivesse conhecimento do conteúdo de prova declarada ilícita proferisse sentença ou acórdão, foi considerado inconstitucional.

Embora tenha havido críticas quanto à mudança no entendimento do STF em relação a dispositivos que haviam sido debatidos e aprovados pelo Poder Legislativo, é importante destacar que a manutenção do juiz das garantias representa um avanço significativo na garantia da imparcialidade no processo penal. Isso ajuda a evitar o comprometimento psicológico do juiz que ordenou prisões ou medidas restritivas, garantindo que a justiça seja verdadeiramente imparcial, principalmente na primeira instância, onde a pressão pública e a pré-condenação podem ser mais intensas.

Em conclusão, a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o juiz das garantias e suas implicações no processo penal representa uma tentativa de equilibrar as disposições legais com a necessidade de eficiência e justiça no sistema judicial. Ao garantir a implementação gradual e flexível do juiz das garantias e ao esclarecer várias questões jurídicas, o STF contribuiu para fortalecer o sistema de justiça criminal no Brasil. Isso é particularmente importante para preservar a imparcialidade do processo, garantindo que os réus tenham um julgamento justo.

Sobre o autor
Marcelo Gomes Borges

Formado em direito, com pós-graduação em Direito Processual Penal, Direito Constitucional, Compliance e LL. M. Direito de Contratos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos