Da afronta à tutela do direito da personalidade na era digital

Resumo:


  • O artigo discute a proteção dos direitos da personalidade na era digital, focando em desafios como cyberbullying e Fake News, e a necessidade de medidas regulatórias efetivas.

  • Explora a complexidade dos avanços tecnológicos e seu impacto na privacidade e na honra, requerendo um enfoque atualizado na legislação e práticas jurídicas.

  • Utiliza um método dedutivo com base em pesquisa bibliográfica, legislativa e jurisprudencial para analisar a interseção dos direitos da personalidade com o direito civil e direitos fundamentais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO: Este artigo tem como objetivo abordar o tema da afronta à tutela do direito da personalidade na era digital, visando auxiliar na concretização da proteção dos direitos fundamentais das pessoas, tais como privacidade, imagem e honra no ambiente online. Nesse contexto, surgem diversos questionamentos que precisam ser devidamente analisados em razão do advento da internet ter trazido consigo desafios significativos para a proteção jurídica do indivíduo. Serão examinados os principais obstáculos enfrentados pelas pessoas na proteção de seus direitos no âmbito do cyberbullying e das Fake News, fora os impactos e a adoção de medidas regulatórias para garantir a efetividade da tutela dos direitos da personalidade, contornando os empecilhos vigentes. Foi necessário um enfoque atualizado e adaptado à era digital, levando em consideração a complexidade dos avanços tecnológicos. O método utilizado foi o dedutivo, mediante pesquisa bibliográfica, legislativa e jurisprudencial.

PALAVRAS-CHAVES: Direitos de personalidade. Ciberbullyng. Fake News. Era Digital.

ABSTRACT: This article aims to address the issue of affront and protection of personality rights in the digital age, aiming to assist in the realization of the protection of fundamental rights of individuals, such as privacy, image, and honor in the online environment. In this context, numerous questions arise that need to be properly analyzed due to the advent of the internet bringing significant challenges for the legal protection of the individual. The main obstacles faced by individuals in protecting their rights in the context of cyberbullying and Fake News will be examined, alongside the impacts and adoption of regulatory measures to ensure the effectiveness of the protection of personality rights, overcoming current hindrances. An updated and adapted focus to the digital age was necessary, taking into account the complexity of technological advancements. The method employed was deductive, through bibliographic, legislative, and jurisprudential research.

KEYWORDS: Personality rights. Cyberbullying. Fake News. Digital Age.

INTRODUÇÃO

No cenário atual, marcado pela instantaneidade das comunicações, as tecnologias permitem que informações percorram distâncias em questão de segundos. No entanto, essa agilidade também abre espaço para um dilema ético e social: a violação do direito da personalidade das pessoas. Não apenas transformou a maneira como recebemos informações, mas também impactou profundamente o campo jornalístico e as interações entre os indivíduos. A adaptação a esses novos paradigmas demandou a reavaliação de valores tradicionais.

A velocidade passou a ser um critério preponderante na disseminação das notícias e pareceres, marginalizando o compromisso com a veracidade e autenticidade da fonte. No âmbito do jornalismo, a urgência em transmitir eventos ganhou destaque, sendo que o imediatismo passou a conduzir as audiências. O jornalista se vê compelido a resumir e comentar relatos em questão de segundos, priorizando unicamente em ser o primeiro a despertar o interesse do público. Em igual parâmetro, o cyberbullying tornou-se incisivo numa proporção demasiada. A Internet proporcionou uma sensação de segurança e anonimato, onde os usuários, mesmo que inconscientemente, aproveitam disso para descarregarem suas frustrações de maneira descabida.

Entretanto, nesse contexto, valores essenciais para a convivência pacífica na sociedade têm sido relegados ao esquecimento. Direitos fundamentais, intrínsecos a cada indivíduo, acabam sendo negligenciados em uma cultura que se alimenta das fragilidades e exposições alheias. Direitos da personalidade, como privacidade, intimidade e honra, estão cedendo espaço à insaciável curiosidade dos consumidores da Internet, juntamente acompanhando à alienação da preservação do bom nome e reputação de uma pessoa.

O ser humano transcende a mera matéria noticiável e discurso odioso. Sua honra, tanto objetiva quanto subjetiva, é essencial para sua conduta na sociedade e seu bem-estar psicológico. Infelizmente, é comum nos depararmos com programas televisivos que prosperam explorando a honra e imagem alheias, emitindo juízos degradantes sem freios. Ou mesmo tomarmos conhecimento de ataques incisivos e desproporcionais direcionado a alguém sem devida proporcionalidade e razoabilidade. Essa realidade sombria permeia o cotidiano dos brasileiros, que, mesmo diante de desafios econômicos e sociais significativos, indiretamente perpetuam as injustiças cometidas publicamente contra os acusados.

Neste cenário, é crucial não abandonar a perspectiva garantista do processo penal e a efetividade dos direitos previstos em lei. As vítimas virtuais deve ter seus direitos fundamentais respeitados, em especial a honra, pois essa é a base de sua identidade na sociedade, bem como os acusadores devem ser devidamente punidos mediante devido processo penal e normas aplicáveis. Portanto, em um mundo onde a tecnologia molda a forma como compartilhamos informações, é crucial lembrar que a dignidade humana deve ser preservada, independentemente das hostilidades criadas no âmbito virtual.

1 INTERSECÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE COM DIREITO CIVIL E DIREITOS FUNDAMENTAIS

A temática dos Direitos da Personalidade desempenha um papel fundamental na intersecção entre o Direito Civil e os Direitos Fundamentais. O Código Civil de 2002 consagrou um capítulo próprio a esses direitos, entrelaçando-os com o arcabouço normativo que tutela a dignidade humana (Capítulo II - Dos Direitos da Personalidade, art. 11 ao art. 21). Todavia, vale ressaltar que o rol não é taxativo, ou seja, não se limitam aos itens elencados. ‘‘A conjugação desses elementos conduz a um cenário que não desmerece a tipificação dos direitos da personalidade do Código Civil, por mais tímida que seja, todavia, deixa evidenciada a existência de um caráter aberto (numerus apertus) destes direitos’’ (BELTRÃO, 2014, p. 59-60)

Os Direitos da Personalidade, conforme definição consagrada, são aqueles que abrangem os atributos físicos, psíquicos e morais do indivíduo, tanto em sua esfera pessoal quanto em suas relações sociais. Eles resguardam valores e predicados intrínsecos à pessoa, que não podem ser quantificados monetariamente. Caracterizam-se por serem absolutos, gerais, extrapatrimoniais, indisponíveis e imprescritíveis (VENOSA, 2002, p. 150), conferindo-lhes um lugar distintivo no âmbito dos direitos privados, mesmo partindo dos direitos fundamentais (AMARAL, 2002, p. 251).

É crucial compreender que os Direitos da Personalidade são inerentes ao ser humano. Está intimamente ligado aos direitos fundamentais, todavia, enquanto os direitos fundamentais englobam uma ampla gama de liberdades e garantias que visam proteger os indivíduos contra a interferência do Estado em suas vidas, os direitos da personalidade são mais específicos e se concentram na proteção da identidade, dignidade e integridade pessoal de um indivíduo. Tal característica reflete o reconhecimento de que esses direitos são intrínsecos à condição humana e devem ser respeitados como tal. Trata-se de um reflexo da importância fundamental do indivíduo na sociedade e na construção do ordenamento jurídico. Todavia, a existência de direitos fundamentais separadas de sua garantia de nada vale, pois, conforme Jorge Miranda, ‘‘os direitos permitem a realização das pessoas e têm interferência imediata nas esferas jurídicas, enquanto as garantias estabelecem-se em função com o nexo que possuem com aqueles’’. (MIRANDA, 2008, p. 89)

Em um cenário de crescente constitucionalização do sistema jurídico, onde temas que outrora se limitavam a ramos específicos agora são abraçados pela Constituição, os Direitos da Personalidade emergem como um núcleo essencial. Sua compreensão e aplicação adequada são vitais para garantir a harmonia entre a proteção do indivíduo e a salvaguarda de valores democráticos.

1.1 Breve conceituação de direitos conexos tutelados na Constituição Federal

Acerca dos direitos listados na Constituição Federal brasileira de 1988, tem-se no artigo 5º, inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. É fundamental, pois, fornecer uma breve definição desses conceitos elencados.

Todo indivíduo tem o direito de manter determinadas informações sobre si mesmo fora do alcance de terceiros. Existem fatos que não são de interesse público, emergindo assim a necessidade de preservar uma esfera individual separada do conhecimento geral. Surge aí a importância da introspecção e da proteção da privacidade. Já o direito à intimidade é um princípio fundamental que protege a esfera pessoal das pessoas contra invasões não autorizadas. Abrange questões como proteção de dados pessoais, sigilo médico e proibição de divulgação não consensual de informações pessoais. Tércio Sampaio Ferraz Jr. aduz que:

[...] intimidade é o âmbito do exclusivo que alguém reserva para si, sem nenhuma repercussão social, nem mesmo ao alcance de sua vida privada, que, por mais isolada que seja, é sempre um viver entre os outros (na família, no trabalho, no lazer em comum (...) Nestes termos, é possível identificá-la: o diário íntimo, o segredo sob juramento, as situações de pudor pessoal, o segredo íntimo cuja publicidade constrange. (FERRAZ, 1993, p. 78)

Da análise acima, fica claro que a vida privada é mais abrangente do que a intimidade. Ela diz respeito à esfera íntima em que cada pessoa protege contra intromissões de terceiros. Dessa forma, o direito à vida privada deve ser compreendido como a faculdade concedida aos indivíduos de manter afastadas do conhecimento público emoções, sentimentos, pensamentos e valores que são exclusivamente pertinentes a eles. Essa esfera se refere à vida interior das pessoas, muitas vezes desenvolvida no ambiente familiar ou em círculos íntimos de amigos, e é inviolável, conforme previsto na Constituição.

Por último, é imperativo ressaltar que, na Constituição, o termo "imagem" deve ser interpretado de maneira a abranger não apenas as características físicas de um indivíduo, mas também o modo pelo qual ele é identificado na sociedade (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 108). Essa definição engloba todos os traços que permitem a identificação e o reconhecimento de um ser humano. Torna-se evidente que a Constituição Brasileira abarca amplamente o direito à própria imagem, englobando suas facetas diversas por deter um valor inestimável para o ser humano ao elencar a projeção de sua personalidade, seja no âmbito físico ou moral, no seio da sociedade. Portanto, tal direito deve ser reverenciado e preservado.

Vale constatar que, conforme Maria Helena Diniz aponta:

[...] o direito à imagem é autônomo, não precisando estar em conjunto com a intimidade, a identidade, a honra etc., embora possam estar, em certos casos, tais bens a ele conexos, mas isso não faz com que sejam partes integrantes um do outro (DINIZ, 2002, p.33)

Nesse sentido, a proteção ao direito à própria imagem é mais que uma salvaguarda legal; é um fundamento que assegura a singularidade e dignidade de cada indivíduo, freando invasões indesejadas e garantindo a integridade da identidade pessoal na sociedade contemporânea. Portanto, o direito à imagem deve ser compreendido não apenas como uma norma jurídica, mas como uma garantia essencial para a preservação da individualidade de cada ser humano.

1.2 Do direito à honra

Para uma compreensão abrangente do direito à honra, é imperativo explorar sua divisão em dois aspectos fundamentais: o subjetivo e o objetivo. A honra, nesse sentido, apresenta-se como uma faceta única, mas que se desdobra em componentes essenciais que refletem tanto a autoestima individual quanto a percepção coletiva.

No âmbito subjetivo, ser honrado traduz-se em possuir autoestima elevada e autoconsciência de dignidade pessoal. Nesse contexto, a honra subjetiva é forjada por aspectos íntimos e sentimentos individuais, que confirmam a própria dignidade perante si mesmo. É uma concepção intrínseca que cada pessoa mantém em relação a si mesma. Já do ponto de vista objetivo, ser honrado refere-se a gozar de boa reputação, uma estimada fama e um nome respeitável na sociedade. Isso envolve a avaliação positiva que outros indivíduos fazem da dignidade de alguém. Neste sentido, corrobora Prado, ao descrever:

A honra, do ponto de vista objetivo, seria a reputação que o indivíduo desfruta em determinado meio social, a estima que lhe é conferida; subjetivamente, a honra seria o sentimento da própria dignidade ou decoro. A calúnia e a difamação atingiriam a honra no sentido objetivo (reputação, estima social, bom nome); já a injúria ofenderia a honra subjetiva (dignidade, decoro). (PRADO, 2008, p. 213).

A convivência harmoniosa na sociedade requer que cada indivíduo possua elevada moral, autoconsciência de sua própria dignidade e desfrute de boa reputação. Vale ressaltar que, embora subdividida em subjetiva e objetiva, a honra constitui um direito unificado, uma estrutura integrada que serve de base para o bem-estar individual e social.

Acerca disso, além da garantia constitucional do direito à honra, o Direito Penal também o protege, por meio da tipificação dos crimes de Calúnia, Difamação e Injúria (artigos 138, 139 e 140 do Código Penal brasileiro, respectivamente). A Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/1967) também incluía dispositivos que tutelavam esse direito, destacados nos artigos 20, 21 e 22, porém, não é mais válida atualmente, considerada inconstitucional e revogada pelo Supremo Tribunal Federal em 2009 (ADPF 130 e da ADI 4.815) por entender que continha dispositivos que violavam a liberdade de expressão garantidos pela Constituição Federal, deixando um vácuo legislativo em relação à regulamentação da atividade jornalística.

É indubitável que a proteção legal desse direito existe, mesmo que parcialmente, entretanto, a efetividade dessas normas muitas vezes é deficiente, o que coexiste com o notável avanço na proteção dos direitos fundamentais. Nesse contexto, a sociedade testemunha a dura realidade do desrespeito a esses institutos. Diante desse cenário, indivíduos lutam incansavelmente para preservar suas esferas íntimas e manter suas honras intactas. Isso reforça a máxima de que a mera previsão legal de um direito não é suficiente; é necessário que esse direito seja efetivamente respeitado para que se torne real e não uma letra morta.

Sem a honra, um indivíduo pode se assemelhar a um vazio social, uma figura sem estima, propósito ou direção. Em determinado grau, é como se o indivíduo comportasse um oco dentro de si, sem que consiga obter de si algo para pertencer a um grupo ou identificar-se com algo, ficando totalmente marginalizado. Portanto, é essencial que cada indivíduo conserve sua moral, valores, dignidade interna e reputação diante da coletividade, para viver em harmonia consigo mesmo e com o mundo que o cerca.

1.3 Do posicionamento do STJ

No âmbito da legislação brasileira, os crimes contra a honra, notadamente a calúnia, a difamação e a injúria, são pautados não apenas pelos elementos objetivos, mas também pelo elemento subjetivo do tipo, ou seja, pela intenção ou finalidade do agente ao proferir as palavras ofensivas. O Supremo Tribunal Federal (STJ) tem firmado um posicionamento que reforça a importância do elemento subjetivo na configuração desses delitos, garantindo, assim, a proteção da liberdade de expressão e informação.

O entendimento do STJ reside na consideração de que a intenção do agente é crucial para determinar se uma manifestação é criminosa ou não. No contexto dos crimes contra a honra, o autor deve agir com o propósito deliberado de ofender a reputação alheia. Isso significa que o mero relato de fatos, mesmo que verdadeiros, não configura crime, desde que seja exercido o "legítimo animus narrandi", ou seja, o intuito de narrar um fato de forma objetiva e imparcial.

O equilíbrio entre a liberdade de expressão e a proteção da honra individual é um desafio constante. O STJ, ao estabelecer a relevância do elemento subjetivo, busca garantir que a norma penal não seja utilizada para cercear indevidamente a liberdade de expressão e de informação. A distinção entre a mera divulgação de fatos e a manifestação com a finalidade de ofender é essencial para assegurar que os indivíduos possam exercer seu direito de informar e serem informados sem receios excessivos de processos criminais. Nesse sentido, os julgados:

APn 895/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/05/2019, DJe 07/06/2019; AgRg no HC 395714/CE, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 11/04/2019; EDcl na APn 881/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/10/2018, DJe 23/10/2018; APn 887/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, CORTE ESPECIAL, julgado em 03/10/2018, DJe 17/10/2018; AgRg na APn 313/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/04/2018, DJe 18/04/2018; RHC 89531/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 18/12/2017. (Vide Informativo de Jurisprudência N. 547)

Em síntese, a postura do STJ reforça que a liberdade de informar, desde que exercida dentro dos limites do animus narrandi e sem intenção de ofender, é um direito garantido pela Constituição. O elemento subjetivo do tipo nos crimes contra a honra atua como um filtro para preservar tanto o direito à honra quanto a liberdade de expressão, demonstrando a preocupação do Supremo em harmonizar esses princípios em um sistema jurídico equilibrado e justo.

2 DAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS, CULTURAIS E TECNOLÓGICAS AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

A evolução de normas sociais e comportamentos é manifesta no contorno da cultura digital. Assim sendo, interações virtuais refletem diretamente do aspecto cultural e maneira de agir de uma sociedade. Diante desse panorama que nascem divulgações de notícias dotadas de má-fé, práticas de cyberbullying e outras manifestações de agressões digitais cada vez mais recorrentes, sendo imprescindível a busca de um ponto de equilíbrio entre a celebração da diversidade de perspectivas e informações com a resolução de danos à integridade e dignidade.

A erosão da privacidade surge como um aspecto inerente à proliferação das plataformas de redes sociais e ao compartilhamento de dados pessoais online. O que anteriormente resguardava a esfera privada é passível de se tornar público em questão de segundos, alimentando apreensões quanto à vigilância digital e à exposição indevida da vida privada. Este fenômeno cultural, onde ocorre um efeito manada de auto exposição excessiva, faz com que os indivíduos não estejam mais cientes dos riscos, alienando a preservação da própria privacidade e dificultando a garantia de seus direitos da personalidade.

Já a cultura de cancelamento, em que indivíduos são publicamente confrontados e alijados em virtude de suas ações online, serve como um exemplo ilustrativo das manifestações tangíveis das mídias sociais nas vidas das pessoas. Não obstante ser percebida como um mecanismo de responsabilização, esta cultura pode ensejar a supressão de opiniões dissonantes e a consequente marginalização social. As implicações de caráter cultural inerentes a esta cultura enunciam a necessidade de fomentar uma esfera online caracterizada por inclusão, respeito e educação.

Em síntese, as implicações sociais e culturais no âmbito da tutela dos direitos da personalidade na era digital manifestam-se em uma abordagem profunda e complexa. A constante evolução das tecnologias demanda uma postura adaptativa para assegurar a preservação dos direitos individuais em paralelo à observância da liberdade de expressão. A convocação de um diálogo interdisciplinar, congregando legisladores, profissionais do direito, tecnologia e sociedade, constitui-se em uma necessidade primordial para enfrentar esses desafios de forma holística e eficaz.

Ademais, o cenário digital avança em velocidade vertiginosa, e, por vezes, supera a habilidade da legislação de se adequar a essas mudanças. A intricada dança entre inovação tecnológica e estruturas legais tradicionais muitas vezes gera um descompasso, onde a lei luta para acompanhar os desafios emergentes da era digital.

A rapidez com que a tecnologia evolui frequentemente resulta em um espaço virtual onde novas formas de interação, comunicação e transação se desenrolam. No entanto, essa mesma velocidade pode obscurecer os limites legais, permitindo que comportamentos prejudiciais fiquem à margem do enquadramento jurídico. O cyberbullying e a propagação de notícias falsas são exemplos gritantes dessa realidade por não haver legislação especial para tratar diretamente de ambos (TEFFÉ, 2015, p.59).

Destarte, no contexto brasileiro, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), promulgada em 2018 e plenamente vigente a partir de 2020, representa um marco legal fundamental para mitigar essa lacuna. Ela estabelece princípios e diretrizes para o tratamento adequado de dados pessoais, reforçando a responsabilidade das organizações na proteção da privacidade dos indivíduos. Apesar de não tratar diretamente do cyberbullying ou das fake news, a LGPD contribui para a proteção da integridade e privacidade das vítimas, ao impor regras mais rígidas sobre o uso de informações pessoais em ambientes digitais. Entretanto, é importante ressaltar que a LGPD não é suficiente para abordar todas as nuances complexas desses fenômenos. Conforme remete Pinheiro:

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Pode-se pontuar que a necessidade de leis especificas para a proteção de dados pessoais aumentou com o rápido desenvolvimento e a expansão da tecnologia no mundo, como resultado dos desdobramentos da globalização, que trouxe como uma de suas consequências o aumento da importância da informação. Isso quer dizer que a informação passou a ser um ativo de alta relevância para governantes e empresários: quem tem acesso aos dados, tem acesso ao poder. (PINHEIRO, 2018, p. 50)

Ou seja, a criação de legislação específica e a constante atualização das leis são fundamentais para acompanhar a evolução tecnológica e garantir a devida tutela legal contra práticas prejudiciais no ambiente digital.

Confrontando esses desafios, a adaptação da lei se torna essencial. A atualização de códigos legais para abordar questões digitais de maneira abrangente e equitativa é uma prioridade crescente. Isso inclui considerar o desenvolvimento de legislação específica para lidar com o ciberbullying, notícias falsas e outros crimes digitais emergentes.

Logo, a evolução tecnológica e sua interseção com a lei são uma dança contínua e desafiadora. À medida que novos cenários digitais surgem, é imperativo que a legislação evolua paralelamente para garantir a proteção dos direitos individuais, a responsabilização adequada e um ambiente online seguro e saudável para todos.

3 DO CYBERBULLYING, DA FAKE NEWS E PRÁTICAS CORRELATAS

A presente análise tem por objetivo evidenciar os matizes legais e éticos que permeiam a intersecção entre a liberdade de expressão e a salvaguarda dos direitos inalienáveis dos indivíduos, em um escopo que reflete o paradigma digital contemporâneo. A tutela da personalidade no âmbito do cyberbullying, fake news e práticas correlatas demanda uma abordagem jurídica aprimorada, incorporando princípios tradicionais e adaptando-os ao ambiente digital. A proteção efetiva exige uma atuação multidisciplinar, envolvendo o direito, a tecnologia, a educação e a conscientização social.

3.1 Cyberbullying: desvendando o abuso digital

O cyberbullying, um fenômeno que emerge como destaque, se caracteriza pelo uso da tecnologia para subjugar, ameaçar ou difamar, imprimindo à discussão uma complexidade avançada no que tange à responsabilidade e ao controle online. A respeito disso, Lima afirma:

A popularização das redes sociais no Brasil obviamente trouxe como consequência direta uma nova área, um novo campo para a atuação da criminalidade, pelo meio virtual, houve sim um aumento no índice de crimes cometidos na internet. (LIMA, 2011, p. 166)

A proteção dos direitos da personalidade nestes contextos demanda uma perscrutação crítica das definições legais preexistentes, abraçando a exploração de abordagens regulatórias de caráter inovador. No contexto desse fenômeno, termos em língua inglesa têm ganhado relevância, servindo para nomear práticas específicas que ilustram os perigos e a complexidade das interações online.

Primeiramente, hater é uma expressão que transcende o idioma e representa um indivíduo que se dedica a disseminar ódio e hostilidade nas esferas virtuais. Os haters atacam sistematicamente outros usuários com ofensas e humilhações, contribuindo para um ambiente tóxico e prejudicial (PORFÍRIO, s.d). Essa conduta não apenas ameaça a dignidade das vítimas, mas também mina a própria natureza colaborativa e informativa da internet. Nasce então a caracterização dos discursos odiosos.

O sexting, por sua vez, descreve a prática de compartilhar mensagens de cunho sexual. Quando essa prática envolve o envio de imagens de nudez, ela se torna particularmente delicada, pois tais conteúdos podem ser usados para fins prejudiciais. A disseminação não autorizada de imagens pode ter um efeito devastador, resultando em humilhação e sofrimento para a vítima (PORFÍRIO, s.d). Outro termo crítico nesse âmbito é revenge porn (vingança pornográfica). Essa expressão ilustra um comportamento altamente prejudicial em que imagens íntimas são divulgadas como forma de vingança ou punição. A confiança depositada nas relações é traída, e as vítimas enfrentam a exposição pública de sua intimidade, o que pode levar a um ciclo de estigmatização e sofrimento psicológico (PORFÍRIO, s.d).

Apesar da falsa sensação de impunidade que alguns agressores possam ter, é crucial entender que o cyberbullying constitui um crime passível de punição, com bases sólidas no Código Penal Brasileiro. Os fundamentos legais que respaldam a punibilidade do cyberbullying residem nos artigos do Código Penal (CP) que tratam dos crimes contra a honra. A calúnia, difamação e injúria, elencados no Artigo 138, bem como o crime de injúria racial, previsto no Artigo 140, podem ser aplicados em situações de cyberbullying, quando palavras ou ações ofensivas são disseminadas online. Uma das manifestações mais graves do cyberbullying é a exposição não consensual de imagens de conteúdo íntimo, erótico ou sexual, tipificada no Artigo 218-C do CP Brasileiro, introduzido pela Lei 13.718 de 2018. Essa conduta configura um sério ataque à privacidade e dignidade da vítima e pode resultar em penalidades rigorosas.

Além disso, a esfera civil também pode impor consequências ao agressor, com possíveis condenações a pagar indenizações por dano moral à vítima. Mesmo no caso de agressores menores de idade, seus responsáveis podem ser legalmente responsabilizados pelos crimes, sujeitos a medidas judiciais e indenizações.

É relevante destacar que a dissimulação dos agressores, frequentemente por meio de perfis e e-mails falsos em redes sociais, não é um escudo absoluto contra a investigação e identificação. O rastreamento dessas identidades digitais é viável por meio da análise de endereços de IP, que registram e identificam pontos de acesso à internet. A obtenção dessas informações requer uma investigação policial autorizada pelo poder judiciário, garantindo assim um processo legal e responsável.

Diante desse panorama, é evidente que o cyberbullying não está isento de consequências legais. A ação dos agressores pode ter impactos significativos em suas vidas, tanto no âmbito criminal quanto civil, ressaltando a importância do respeito, da ética e do cumprimento das leis no ambiente digital. Todavia, vale ressaltar que haver uma lei específica tratando do tema é benéfico em vários quesitos, pois reconhece o problema, esclarece as definições precisas, abordando medidas de prevenção, conscientização, sanções apropriadas e responsabilização das plataformas online, fora a questão da proteção das vítimas proporcionando um caminho mais claro para buscar justiça e proteção legal contra os agressores.

Emerge, aqui, um contexto de debate fundamental que envolve a interseção entre os direitos da personalidade e a liberdade de expressão. Enquanto os direitos da personalidade abrangem facetas intrínsecas à identidade de um indivíduo, como privacidade, imagem e honra, a liberdade de expressão constitui um esteio democrático que assegura a manifestação de opiniões e informações. Todavia, esses pilares essenciais podem, por vezes, colidir no cenário virtual.

A liberdade de expressão desempenha um papel vital na preservação da democracia e na facilitação do intercâmbio de ideias. Assegura Fernanda Carolina Torres que:

[...]as liberdades comunicativas não se restringem a viabilizar a participação política da população, mas também tornam possível a livre interação social no que concerne à cultura, à economia, à religião, à educação etc. Em suma, a liberdade de expressão é condição necessária ao exercício da cidadania e ao desenvolvimento democrático do Estado, na consolidação de uma sociedade bem informada e coautora de seus sistemas político e jurídico. (TORRES, 2013, p. 62)

No entanto, essa liberdade encontra limitações quando se sobrepõe aos direitos da personalidade. A utilização imprudente da liberdade de expressão na internet pode dar lugar a danos à reputação de indivíduos, propagação de informações falsas e outros atos que transgridam direitos da personalidade.

Encontrar um ponto de equilíbrio entre esses dois princípios constitui um desafio de monta. A liberdade de expressão não deve ser excessivamente restringida, mas, ao mesmo tempo, não deve ser empregada como justificativa para violar a dignidade e os direitos de terceiros. Assim, estabelecer fronteiras nítidas para expressões que transbordam para o cyberbullying e outros comportamentos prejudiciais é premente.

As plataformas de redes sociais e plataformas online desempenham um papel preponderante nessa junção de interesses. Elas proporcionam espaços de livre expressão, porém necessitam de regulamentação para mitigar abusos. Compete às empresas de tecnologia a responsabilidade de instituir e implementar políticas que garantam um ambiente virtual seguro e respeitoso. Isso abarca a remoção de conteúdo que infringe direitos da personalidade e a aplicação de medidas para coibir a propagação de informações falsas e discursos odiosos, e uma vez não sendo feito isso, poderá haver determinações judiciais, responsabilização civil e ação judicial contra essa empresa.

É imperativo que as leis evoluam para tratar dessa intersecção complexa. A legislação deve contemplar meticulosamente como salvaguardar a liberdade de expressão legítima sem que essa se converta em instrumento para violações dos direitos da personalidade. Isso pode englobar a definição de critérios diáfanos para difamação, estabelecimento de procedimentos para a supressão de conteúdo prejudicial e o balanceamento entre o direito de se expressar e a salvaguarda individual. A liberdade de expressão, embora essencial, não pode ser escudada para atentar contra direitos individuais. A conscientização, educação e regulamentação constituem elementos cruciais para engendrar um ambiente virtual no qual tanto a liberdade de expressão quanto os direitos da personalidade sejam devidamente respeitados e salvaguardados.

3.2 Fake News: delicada balança da liberdade de imprensa

O embate entre o direito fundamental à informação e a necessidade de resguardar a dignidade humana e a honra dos indivíduos é um tema complexo e intrincado. A liberdade de expressão e o acesso irrestrito à informação são pilares essenciais de uma sociedade democrática, evitando a tirania dos detentores do poder e preservando a pluralidade de ideias. No entanto, a imprensa, embora seja um instrumento imprescindível para a manutenção da democracia, não pode se desvencilhar de limites éticos e jurídicos. É imperativo reconhecer que tal liberdade não pode ser desprovida de responsabilidade. A imprensa deve ser vigilante em seu papel de informar a sociedade, mas também deve ser ciente de que essa missão não a exime de agir com discernimento e sensibilidade. Consoante a isso, Jônatas Machado corrobora:

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

Relativamente ao direito de informar o mesmo encontra-se intimamente relacionado com a liberdade de imprensa e de comunicação social e com os direitos dos jornalistas. No entanto, importante salientar que, particularmente no domínio da autodeterminação político-democrática da comunidade, as idéias de verdade e objetividade, a despeito de suas limitações, assumem centralidade como instrumentos de salvaguarda de bens jurídicos de natureza individual e coletiva. Isso se traduz na existência de uma obrigação de rigor e objetividade por parte das empresas jornalísticas e noticiosas para além de uma obrigação de separação, sob reserva do epistemologicamente possível entre afirmações de fato e juízos de valor, informações e comentários. (MACHADO, 2002, p.474-475)

A legislação penal, embora essencial para salvaguardar a honra dos acusados, não pode antecipar todos os cenários possíveis de desrespeito. O legislador, dotado de limitações inerentes à sua função, não possui o poder de prever todas as nuances das invasões de direitos que poderão emergir. Nesse contexto, a interpretação e aplicação da lei recaem sobre o aplicador da justiça, que deve ponderar os aspectos da tipicidade subjetiva, aferindo a proporcionalidade das situações para estabelecer limites às liberdades de expressão.

O cenário atual denota um fenômeno preocupante: a imprensa muitas vezes assume um papel de juiz, pronunciando sentenças que os magistrados ratificam. Esse fenômeno, por vezes, ocorre em meio a uma disseminação de notícias imprecisas e incompletas, que podem manchar a reputação de um indivíduo de forma irreversível. A imprecisão midiática frequentemente persiste na mente do público mesmo após a vindicação legal, perpetuando uma má-fama injusta.

A liberdade de imprensa, embora vital, deve ser temperada quando colide com a dignidade humana, devendo caminhar harmoniosamente para alcançar seus propósitos.

Concluindo, a liberdade de imprensa e o direito à informação são pilares da democracia, mas não devem ser considerados direitos absolutos. A imprensa deve exercer sua função com responsabilidade e ética, evitando ultrapassar os limites que comprometam a honra e a dignidade dos indivíduos. A ponderação entre esses princípios é um exercício essencial para a construção de uma sociedade justa e informada, onde a verdade e o respeito prevalecem sobre sensacionalismo e preconceitos.

Oriundo desse contexto, é suma importância destacar que a imprensa frequentemente se encontra no centro de debates acerca da devassa na vida privada das pessoas, da publicação de informações inadequadas e da distorção da realidade. As acusações dirigidas aos canais de comunicação ressaltam a complexa relação entre o jornalismo e a sociedade, concernente ao uso do poder de informação de forma inadequada.

A mídia tem um papel significativo na formação da opinião pública, dado que a maioria da população obtém informações através dela, detendo tal poder. Contudo, os meios de comunicação muitas vezes transmitem notícias de maneira unilateral, dificultando a formação de opiniões individuais. A manipulação do conteúdo das notícias para despertar atenção do público é uma prática ainda muito incidente, que muitas vezes resulta em uma percepção distorcida da realidade. É perceptível tal enredo ao analisar canais de notícia que demonizam infratores, mesmo que os delitos praticados tenham sido de baixo potencial lesivo. Ou mesmo quando colocam como autor do crime indivíduos sem provas concretas e depois descobrem sendo estes inocentes. A busca por essa imparcialidade é crucial para a formação de uma opinião pública embasada, para a preservação da integridade jornalística e manutenção dos direitos da personalidade dos envolvidos.

A liberdade de imprensa, por sua natureza, vem acompanhada de responsabilidade. O jornalismo responsável deve ser pautado por valores como independência, veracidade, objetividade, honestidade, imparcialidade, exatidão e credibilidade. Cumprindo esses princípios, os profissionais têm a capacidade de investigar e divulgar os fatos e informações de maneira precisa, transparente e livre de sensacionalismo.

Por tudo isso, parece que a ideia de responsabilidade por danos pode ser uma importante ruptura com a perspectiva de responsabilidade civil, por se basear em outros pressupostos, quais sejam: (i) foco na vítima; (ii) pressuposto ético na alteridade; (iii) rompimento com a ideia de culpa e dolo; (iv) substituição do nexo de causalidade pela ideia de formação da circunstância danosa; (v) prioridade na precaução e na prevenção, sempre em um viés prospectivo, e a tutela dos hipervulneráveis, dos vulneráveis e dos hipossuficientes: pela resposta proporcional ao agravo e concretizadora de justiça social; (vi) mitigação das excludentes do dever de reparar. (FROTA, 2017, p. 219-220).

No entanto, tais princípios enfrentam desafios em um cenário em que o poder econômico e político pode interferir no conteúdo divulgado. A dependência financeira pode levar à necessidade de buscar lucros ou apoio do Estado, comprometendo a qualidade da informação ao favorecer interesses específicos. Essa interação complexa entre a mídia e as esferas de poder muitas vezes resulta em notícias manipuladas para agradar os interesses dominantes, em detrimento da imparcialidade pretendida. Ademais, tanto a Declaração de Princípios para a Conduta dos Jornalistas (Federação Internacional de Jornalistas, 1954) quanto os códigos de ética dos profissionais (Associação Brasileira de Imprensa - ABI) reforçam a importância de respeitar a verdade e o direito do público à verdade. A busca pela veracidade demanda uma investigação cuidadosa dos fatos, a confirmação das fontes e a apresentação de informações precisas e comprováveis.

Em conclusão, a imparcialidade e a veracidade são elementos intrínsecos ao jornalismo responsável e ético. A manutenção da imparcialidade e da veracidade exige um comprometimento constante com os princípios jornalísticos e a capacidade de resistir às pressões externas. A sociedade depende desses princípios para uma compreensão precisa e informada dos acontecimentos, consolidando assim a base de uma sociedade democrática e informada. O debate contínuo sobre essas questões contribui para a evolução do jornalismo e da própria sociedade, impulsionando a busca por um equilíbrio entre a divulgação de informações relevantes e a preservação dos princípios éticos e morais que sustentam a integridade da profissão e a qualidade da informação compartilhada, sem que haja violação aos direitos da personalidade de terceiros.

3.3 Do princípio da presunção de inocência

O Princípio da Presunção de Inocência, também conhecido como nemo tenetur se detegere, é um alicerce fundamental do sistema jurídico brasileiro que busca equilibrar a atuação estatal na persecução penal e a proteção dos direitos individuais. Essa norma consagrada, explícita na Constituição Federal no artigo 5°, inciso LVII, estabelece que ninguém pode ser considerado culpado até que haja uma sentença penal condenatória transitada em julgado. Segundo René Ariel Dotti, o princípio da presunção de inocência tem a função de ‘‘garantir ao acusado o exercício dos direitos humanos civis e políticos enquanto não forem direta e expressamente afetados pela sentença condenatória transitada em julgado ou pelas decisões cautelares.’’ (SOUZA NETTO, 2003, p. 155)

Com base nesse princípio, torna-se patente que a liberdade do indivíduo deve prevalecer quando em conflito com a atividade repressiva do Estado ou de outro indivíduo. Sua importância transcende o aspecto jurídico, ecoando valores éticos e as garantias fundamentais que são inerentes a uma sociedade democrática. No contexto brasileiro, ele emerge como uma concretização do devido processo legal, assegurando a justiça, a imparcialidade e a proteção do indivíduo diante do aparato estatal.

No sistema punitivo nacional, a presunção de inocência desempenha um papel fundamental como uma salvaguarda contra a precipitação e a injustiça. O princípio carrega consigo a ideia de que, enquanto não houver uma sentença penal condenatória irrevogável, o indivíduo é considerado inocente. Isso implica que todas as etapas do processo penal devem respeitar a dignidade humana, o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, garantindo uma avaliação justa e imparcial dos fatos.

A aplicação prática desse princípio é evidenciada pelo conceito de "in dubio pro reo", que orienta a atuação dos tribunais e dos operadores do direito. Em situações de dúvida, a decisão deve favorecer o réu, refletindo o compromisso com a proteção dos direitos individuais e a não punição injusta. O Princípio da Presunção de Inocência não apenas influencia as fases do processo penal, mas também tem um impacto significativo nas políticas de encarceramento e nas medidas cautelares. A prisão preventiva, por exemplo, deve ser aplicada em situações excepcionais e com estrita observância dos critérios de proporcionalidade e necessidade, evitando a antecipação da pena antes do devido julgamento.

Todavia, tal presunção deve ser estendida nas imediações do dia a dia, aplicando-se aos casos de Fake News, como também aos de cyberbullying, onde a presunção da inocência também deve ser incidente mesmo antes da fase processual, uma vez envolvendo ações que ferem o direito da personalidade de outrem sem averiguação da veracidade das informações ou oportunizando o direito ao contraditório e ampla defesa. O contraditório garante que todas as partes envolvidas em um processo tenham a oportunidade de apresentar argumentos e evidências, além de responder às alegações contrárias. A ampla defesa assegura que essas partes possam usar todos os meios legais para se proteger e contestar acusações, visando a um julgamento justo e equitativo (DINAMARCO, 2023). Embora sejam princípios fundamentais do processo penal, a aplicação dessas ideias no cotidiano, até mesmo no âmbito da Internet, mitigariam um julgamento injusto e danoso às vítimas virtuais.

No entanto, o emprego efetivo desse princípio em um contexto complexo e dinâmico como o do sistema judiciário brasileiro pode ser um desafio. Pressões sociais, clamores por justiça rápida e a busca por soluções imediatas podem ameaçar a integridade desse princípio. Assim, é crucial que os atores envolvidos no sistema jurídico, desde os juízes até os advogados de defesa e promotores, estejam conscientes da necessidade de equilibrar a busca pela verdade com a garantia dos direitos individuais.

Em resumo, o Princípio da Presunção de Inocência é um pilar central no sistema jurídico brasileiro, reforçando a importância da proteção dos direitos individuais e da busca pela justiça equitativa. Sua aplicação não apenas assegura a dignidade humana, mas também fortalece a confiança dos cidadãos no sistema de justiça, contribuindo para uma sociedade mais justa e democrática. Tal conceito deve ser ampliado para as relações virtuais visando garantir ao máximo o respeito e justiça de terceiros.

3.4 Da colisão dos direitos fundamentais

No contexto da análise dos direitos fundamentais, um tema recorrente é a colisão de direitos, que, de forma didática, é dividida pela doutrina em duas categorias: colisão aparente e colisão efetiva. Mas vale ressaltar antes que as normas fundamentais presentes na Constituição Federal não ocupam uma hierarquia rígida, estando todas no mesmo patamar normativo como normas constitucionais. Adicionalmente, o sistema jurídico é construído de maneira harmoniosa, o que nos leva a concluir que os conflitos entre essas normas são meramente aparentes quando analisados sob uma perspectiva normativa.

No entanto, a situação é diferente no plano fático, onde a incidência simultânea dessas normas em uma dada situação pode gerar uma colisão real entre direitos fundamentais constitucionais. Esse choque efetivo entre esses direitos fundamentais é o que conhecemos como colisão efetiva, autêntica ou real. Nas palavras de Canotilho, caracteriza a colisão autêntica de direitos fundamentais nestes termos:

De um modo geral, considera-se existir uma colisão de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular. Aqui não estamos diante de um cruzamento ou acumulação de direitos (como na concorrência de direitos), mas perante um choque, um autêntico conflito de direitos (1999, p. 1191).

Importante salientar que a colisão difere da concorrência, pois a última refere-se à possibilidade de exercício simultâneo e harmônico de diferentes direitos fundamentais em uma determinada situação, sem que haja um conflito direto e incompatível entre eles.

É válido lembrar, também, que a noção de que os direitos fundamentais têm um caráter absoluto já foi superada há tempos. Hoje, a figura desses direitos é frequentemente delineada por polaridades, gerando a necessidade de compatibilização entre eles para que possam coexistir harmoniosamente dentro do sistema jurídico.

Continuamente, quando surge uma dúvida sobre a aplicação de um determinado direito fundamental em uma colisão aparente, é fundamental identificar o âmbito de proteção desse direito. Para isso, é necessário entender qual bem jurídico está sendo protegido e qual é a extensão dessa proteção. Muitas vezes, uma interpretação superficial de uma norma de direito fundamental pode levar a entender que uma situação específica está protegida por ela, mas uma análise mais aprofundada revela que essa interpretação vai além do escopo protetivo da norma.

A colisão efetiva entre direitos fundamentais emerge quando um direito fundamental, de maneira direta e contundente, entra em choque com o âmbito de proteção de outro direito fundamental. Embora uma análise minuciosa das abrangências desses direitos já tenha sido realizada, ainda ocorre uma colisão frontal. Isso ocorre devido à natureza heterogênea e ao conteúdo aberto e mutável desses direitos, o que frequentemente requer uma avaliação detalhada de uma situação concreta para estabelecer previsões firmes. Na maioria das vezes, um único conflito gera a concorrência de dois direitos fundamentais igualmente essenciais, os quais competem em lados opostos para alcançar a melhor proteção.

Um exemplo paradigmático dessa colisão reside no conflito perene entre a liberdade de imprensa (panorama midiático) ou de opinião (panorama dos usuários em si) e o direito à honra, um cenário propício para a ocorrência de excessos. Para regular tais conflitos, é essencial buscar uma forma de harmonizar esses direitos. A resolução desses embates não se resume simplesmente à subsunção do caso à norma, especialmente dada a tensão intrínseca entre esses direitos. Nesse contexto, é inadequado procurar soluções através da análise de validade, em que uma regra é sobreposta à outra. Utilizar uma única norma com base em critérios hermenêuticos clássicos, como a hierarquia, cronologia ou especificidade, também não é suficiente. Esses critérios não são apropriados, pois os direitos fundamentais estão no mesmo patamar hierárquico. Portanto, a solução exige uma abordagem mais sofisticada e adaptada ao caráter peculiar desses conflitos. É necessário explorar outras modalidades de resolução, semelhantes às utilizadas em conflitos envolvendo princípios. Dessa forma, conforme relata Robert:

Não há espaço para uma opção, a priori, entre princípios igualmente aplicáveis: será diante das peculiaridades do caso concreto que se poderá aferir em que medida determinado princípio deverá receber aplicação, o que variará de acordo com o peso relativo que assumirá em função dos demais princípios também incidentes. (ALEXY, 2000, p.46)

Um procedimento de ponderação entre os direitos conflitantes torna-se indispensável para estabelecer qual deles prevalecerá em uma situação específica. A fim de evitar interpretações indesejáveis e excessivamente subjetivas, é imperativo desenvolver abordagens sistemáticas e criteriosas para lidar com o complexo tema da colisão entre direitos fundamentais.

Em última análise, a resolução de conflitos entre direitos fundamentais requer uma abordagem que vá além dos critérios tradicionais de hierarquia e especificidade. O sopesamento cuidadoso e a aplicação equilibrada dos direitos em questão são fundamentais para garantir a preservação dos valores e princípios subjacentes a cada direito fundamental, permitindo que coexistam harmoniosamente no seio do ordenamento jurídico. Nesse processo, a busca por soluções equitativas e flexíveis é essencial para a manutenção da integridade do sistema jurídico e da proteção dos direitos individuais e coletivos.

3.5 Da busca pela segurança jurídica

No âmbito da concretização dos critérios de justiça prática, tanto a doutrina quanto os legisladores têm empreendido esforços significativos para identificar elementos que possam servir como base sólida na resolução dos conflitos em questão. Esse empenho visa reduzir a aplicação de interpretações subjetivas, que frequentemente não se coadunam com o princípio da segurança jurídica. Tal princípio se refere à ideia de que as leis e as decisões judiciais devem ser previsíveis, estáveis e consistentes ao longo do tempo, proporcionando aos cidadãos, empresas e instituições a certeza de que seus direitos e obrigações serão respeitados e protegidos.

A ponderação de interesses emerge como um método promissor para a solução de conflitos complexos. Esse enfoque busca equilibrar direitos e valores fundamentais que se encontram em conflito, a fim de alcançar uma solução justa e equitativa. A ponderação de interesses envolve a análise minuciosa dos interesses em jogo, considerando sua relevância e importância para as partes envolvidas. Através desse processo, é possível avaliar os impactos e consequências de cada alternativa de decisão, buscando uma solução que promova um equilíbrio adequado entre os direitos conflitantes.

No caso da colisão entre a liberdade de imprensa e o direito à honra, a ponderação de interesses se torna especialmente relevante. Enquanto a imprensa desempenha um papel crucial na disseminação de informações e na promoção da transparência, o direito à honra é uma salvaguarda essencial para a dignidade e a integridade das pessoas. Ao ponderar esses interesses, os tribunais podem considerar fatores como a veracidade das informações divulgadas, o impacto na reputação das partes envolvidas e a relevância pública do assunto.

Da mesma forma, deve-se fazer em relação aos discursos de ódio, por exemplo, que são muitas vezes protegidos pelo direito à liberdade de expressão, mas conflitante à honra do atacado. A veracidade das declarações proferidas nos discursos de ódio é essencial para determinar a legitimidade do exercício da liberdade de expressão. A disseminação de informações falsas ou enganosas pode diminuir a proteção conferida ao discurso. Além disso, é fundamental avaliar o impacto negativo na reputação e bem-estar das pessoas atingidas pelos discursos, especialmente quando tais discursos têm o potencial de incitar violência ou discriminação. A relevância pública do assunto também entra em jogo.

Portanto, a balança entre a liberdade de expressão e liberdade de imprensa perante o direito à honra deve ser mantida equilibrada, garantindo que as opiniões e informações possam ser expressas livremente, mas dentro de parâmetros que não comprometam a dignidade e a integridade das pessoas afetadas.

Entra em pauta, dessa maneira, a aplicação da ponderação de interesses como método de solução de conflitos oferece uma abordagem mais objetiva e fundamentada para lidar com situações complexas que envolvem direitos fundamentais em choque (presente, em um dos lados, o direito da personalidade). Ao buscar um equilíbrio sensato entre os interesses concorrentes, a ponderação de interesses contribui para a busca de justiça prática e a preservação da segurança jurídica, ao mesmo tempo em que respeita os princípios e valores essenciais protegidos pela Constituição e pelo ordenamento jurídico como um todo. Tal mecanismo realiza uma ponderação intrinsecamente contextual e baseada nas circunstâncias específicas de um caso concreto, além da análise criteriosa da necessidade da restrição, adequação da medida escolhida e proporcionalidade em sentido estrito, garantindo que os direitos não sejam restringidos de forma excessiva. Nesse sentido, Segundo Humberto Ávila, o postulado da proporcionalidade se aplica

a situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade (dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há outros meios menos restritivo dos direitos fundamentais afetados?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do meio?) (AVILA, 2015, p. 205).

Ademais, há uma busca, sempre que possível, em encontrar uma solução que permita a coexistência dos direitos em conflito sem eliminar completamente um deles, propondo a restrição menor possível para atingir o objetivo legítimo.

Por fim, ao considerar a natureza jurídica dos Direitos da Personalidade, emerge a necessidade de avaliar situações em que esses direitos possam entrar em conflito com outros de igual relevância. Nesses casos, o papel do jurista é discernir qual direito deve prevalecer no caso concreto, buscando equilibrar a proteção da dignidade humana com outros valores jurídicos em jogo. A complexidade dessas situações reforça a importância da análise sistemática do Direito, incorporando a consideração dos direitos da personalidade no contexto mais amplo do sistema jurídico.

3.6 Dos desafios para a implementação e conscientização da tutela dos direitos da personalidade

A tarefa de assegurar uma efetiva salvaguarda dos direitos da personalidade na era digital encontra-se imersa em complexos obstáculos de ordem legal e tecnológica. A natureza transnacional da internet confere uma complicação singular à aplicabilidade uniforme das leis de proteção de dados e privacidade. A falta de harmonização entre diversas jurisdições cria uma série de impedimentos na atribuição de responsabilidade aos infratores e na garantia de equidade para as vítimas.

A ampla conscientização acerca dos direitos da personalidade e dos riscos inerentes à era digital constitui um elemento vital no resguardo dos indivíduos. Não obstante, a falta de um discernimento disseminado permanece um desafio latente. Inúmeras pessoas podem não possuir ciência dos seus direitos digitais ou das medidas passíveis de serem adotadas para a sua própria salvaguarda. A educação digital precisa ser erigida como uma prioridade no âmbito escolar e nas comunidades, visando capacitar os usuários a discernir situações que ameacem a sua privacidade e dignidade. A educação digital deve incorporar dimensões éticas, proporcionando um entendimento aprofundado sobre a dignidade humana, o direito à imagem e a liberdade. Em uma sociedade civilizada, a liberdade encontra seu espaço na urbanidade, onde o respeito mútuo e o diálogo transparente são valores fundamentais.

Ademais, é imprescindível a participação das empresas de tecnologia. As corporações tecnológicas assumem um papel crucial na proteção dos direitos da personalidade, uma vez que frequentemente atuam como intermediárias nas interações online. No entanto, o equilíbrio entre o imperativo de lucratividade e a responsabilidade social pode ser de particular delicadeza. A coleta excessiva de informações pessoais e a opacidade nas políticas de privacidade podem comprometer os esforços voltados à proteção dos direitos individuais. Emerge, pois, como premente, a promoção de maior transparência e responsabilidade por parte das empresas, além da instauração de padrões globalmente aceitos em matéria de proteção de dados.

O Estado, por sua vez, deve assegurar a aplicação efetiva das leis de proteção de dados, bem como instituir penalidades significativas para os responsáveis pelas violações. É crucial que as vítimas tenham meios ágeis para buscar reparação, incluindo o acesso a mecanismos judiciais e extrajudiciais que permitam a remoção imediata do conteúdo prejudicial e a obtenção de indenizações por danos morais.

Em relação às Propostas de Leis (PLs) relacionadas à Fake News e ao Cyberbullying, revela uma necessidade premente de equilibrar a adaptação das leis à evolução tecnológica com a proteção dos direitos individuais e da liberdade de expressão. Segundo Fiorillo:

O Direito deve-se adequar à nova realidade, sob pena de perder seu verdadeiro papel, qual seja disciplinar as relações sociais e impor normas de conduta. Assim, o binômio Direito e Internet não constitui fenômeno passageiro. Trata-se de uma realidade ainda pouco explorada, mas que deve ser analisada sob todos os campos das ciências jurídicas, a fim de garantir novos direitos fundamentais, bem como a efetivação dos já existentes (Conte, 2016, p. 6).

No contexto das Fake News, as PL n° 2630, de 2020, visa coibir a disseminação deliberada de informações falsas que podem causar danos à sociedade e indivíduos. Embora a intenção de restringir a disseminação de informações enganosas seja legítima, a redação dessas leis deve ser cuidadosamente elaborada para não comprometer o livre fluxo de informações e o debate saudável. Amparo legal efetivo deve focar na definição clara do que constitui uma Fake News, considerando fatores como a intenção, a divulgação irresponsável e os potenciais danos causados. Além disso, é crucial garantir mecanismos de fiscalização imparcial e punições proporcionais, evitando que as leis se tornem instrumentos de censura ou repressão política.

No que diz respeito ao Cyberbullying, as PL n° 6521, de 2019, busca proteger os indivíduos contra assédio, difamação e ameaças online. É fundamental que essas leis abranjam uma ampla gama de comportamentos prejudiciais, incluindo mensagens ofensivas, revenge porn e incitação ao ódio. No entanto, o desafio reside na identificação dos limites entre o direito à liberdade de expressão e a prevenção do abuso virtual. Amparo legal efetivo nesse cenário implica em estabelecer critérios claros para determinar quando o discurso online cruza a linha para se tornar uma ameaça real ou prejudicial. Isso requer um equilíbrio sensato entre a proteção da vítima e a preservação dos espaços de debate e diálogo.

Em ambos os casos, as PLs devem ser projetadas de forma a não cercear a inovação tecnológica nem violar os direitos fundamentais dos cidadãos. Um aspecto crucial é a colaboração entre legisladores, especialistas em direito digital, empresas de tecnologia e a sociedade civil. A aplicação consistente e justa dessas leis também é de extrema importância, garantindo que os infratores sejam responsabilizados, mas sem abrir margem para arbitrariedades ou abusos. As PLs relacionadas às Fake News e ao Cyberbullying são tentativas importantes de enfrentar esses desafios, porém, devem ser formuladas com precisão, considerando o equilíbrio delicado entre proteger os indivíduos e preservar os princípios democráticos. Um amparo legal efetivo nesse contexto exige sensibilidade para as nuances do ambiente digital e uma abordagem colaborativa e orientada para os direitos humanos.

Em suma, a tutela dos direitos da personalidade na era digital se defronta com desafios significativos que perpassam a implementação legal, a disseminação do conhecimento público, a colaboração com empresas de tecnologia e a consideração das complexidades jurídicas. Para transpor esses obstáculos, torna-se vital uma abordagem abrangente e colaborativa, que congregue esforços governamentais, empresariais, da sociedade civil e do âmbito educacional. Também, é vital a implementação de regulamentações claras, juntamente com a aplicação rigorosa das leis de proteção de dados. A conscientização, a educação e a cooperação internacional constituem elementos essenciais para erigir um ambiente digital seguro e respeitoso, no qual a dignidade e os direitos individuais sejam mantidos em preservação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A revolução digital e a instantaneidade das comunicações transformaram a forma como recebemos informações e interagimos, mas também trouxeram consigo complexidades éticas e legais que exigem nossa atenção. Os Direitos da Personalidade emergem como um campo crítico de estudo, pois abrangem atributos fundamentais da pessoa que não podem ser quantificados monetariamente, como dignidade, privacidade e integridade. Esses direitos são intrínsecos à condição humana e devem ser protegidos com zelo.

No entanto, a interseção entre esses direitos e a liberdade de expressão, um pilar democrático, é um terreno fértil para debates e desafios. A liberdade de expressão é essencial para a troca de ideias e a preservação da democracia, mas sua utilização irresponsável pode resultar em danos à reputação e na disseminação de informações falsas. Portanto, é fundamental encontrar um equilíbrio entre esses princípios, reconhecendo que nenhum deles é absoluto e que ambos devem coexistir de maneira responsável.

O fenômeno do cyberbullying exemplifica as complexidades desse equilíbrio. O uso da tecnologia para subjugar e difamar exige uma revisão crítica das definições legais e abordagens regulatórias inovadoras para proteger os indivíduos sem sufocar a liberdade de expressão. É necessário um entendimento aprofundado das interações online e a adaptação constante das leis para enfrentar os desafios em evolução.

Além disso, a responsabilidade jornalística desempenha um papel crucial na manutenção da integridade da informação em um mundo digital. A imprensa desempenha um papel essencial na democracia, mas essa liberdade não deve ser desprovida de responsabilidade ética e jurídica. Os princípios da informação livre devem coexistir com a necessidade de preservar a dignidade humana e a honra dos indivíduos, contornando a incidência constante de notícias falsas.

Nesse contexto, é importante destacar que a busca por critérios sólidos para resolver conflitos envolvendo Direitos da Personalidade e liberdade de expressão é essencial para garantir a aplicação justa das leis. A jurisprudência e a doutrina desempenham um papel crucial na interpretação e desenvolvimento desses critérios, contribuindo para a coerência e a previsibilidade das decisões judiciais.

A segurança jurídica, por sua vez, é um princípio fundamental do Estado de Direito. Ela implica que as leis sejam claras, estáveis e aplicadas de maneira consistente ao longo do tempo. Isso proporciona aos cidadãos, empresas e instituições a confiança de que seus direitos e obrigações serão respeitados e protegidos. No contexto da interseção entre Direitos da Personalidade e liberdade de expressão, a segurança jurídica é essencial para garantir que as decisões judiciais e regulamentações sejam previsíveis e justas, evitando interpretações arbitrárias que possam prejudicar a proteção dos direitos individuais.

Em suma, a análise dos Direitos da Personalidade, liberdade de expressão e suas interações no contexto digital revela desafios e responsabilidades que não podem ser subestimados. Encontrar soluções equilibradas e adaptáveis é essencial para garantir que a era digital preserve os direitos humanos fundamentais, especialmente voltado aos direitos da personalidade, enquanto promove a livre expressão e a diversidade de perspectivas, tudo isso dentro de um quadro legal sólido e seguro que promova a justiça e a proteção dos direitos individuais de maneira efetiva. Dessa maneira, o Direito cumpriria seu papel enquanto tal envolto na temática em pauta, pois, conforme Dworkin, em sua obra O império do direito, o direito não é esgotado por regras ou princípios, mas definido pela sua atitude, atitude contestadora responsável pelos compromissos a cada nova circunstância de sua sociedade com os princípios.

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Sobre os autores
Bruno Marini

Professor de Direitos Humanos, Biodireito e Bioética na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande (MS), Doutorando em Saúde (UFMS), Mestre em Desenvolvimento Local (UCDB) e Especialista em Direito Constitucional (UNIDERP).

Tássio Vaz de Moura Yule

Graduado em Direito pela UFMS.︎

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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