Fiz inventário e partilha dos direitos de posse mas o cartório do RGI não permite o registro. E agora?

27/10/2023 às 11:46
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COMO JÁ FALAMOS em diversas outras passagens, os "direitos possessórios" podem ser objeto de partilha (tanto em inventário "causa mortis" quanto nos inventários decorrentes da dissolução de união estável ou divórcio). O grande ponto da questão (que inclusive uma ilustre colega Registradora veio me participar recentemente, sobre a dificuldade de uma colega advogada em entender bem a sistemática registral) é justamente sobre a impossibilidade do "registro" do direito de posse junto ao REGISTRO IMOBILIÁRIO. Parece óbvio para quem está familiarizado com a matéria mas muitos podem ainda não ter compreendido bem esses detalhes em sede de Registro Imobiliário.

De início é preciso rememorar que DIREITOS POSSESSÓRIOS podem sim ser objeto de inventário e partilha. Por terem importância econômica (e inclusive jurídica já que podem ser convertidos em PROPRIEDADE através da USUCAPIÃO, especialmente Extrajudicial, frise-se) representam direitos que ao lado de bens devem ser incluídos no acervo hereditário levando a destinação que prevê a lei, principalmente no art. 1.829 e seguintes. Reza o artigo 1.206 do Código Civil:

"Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres".

Com base no art. 1.784 do mesmo Código podemos também perceber que à luz da Saisine a transmissão da posse - que está encapsulada na herança ou acervo hereditário - então é imediata e automática, mesmo sem Inventário realizado (o que não significa que seja ele proibido ou mesmo desnecessário nesses casos):

"Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários".

Também oportuno rememorar que, de acordo com o artigo 384 do Código de Normas Extrajudiciais do Rio de Janeiro (que possui idêntica previsão em diversos outros Códigos de Normas Estaduais) são possíveis em vida dois tipos interessantes de ESCRITURA PÚBLICA tratando da POSSE: a Escritura Declaratória de Posse e a Escritura de Cessão de Posse. Sobre a Cessão de Posse ensinam os Especialistas KÜMPEL e FERRARI (Tratado Notarial e Registral. 2022):

"A cessão de direitos possessórios instrumentaliza negócio jurídico cujo objeto é a cessão e transferência da posse do imóvel. Refere-se à SITUAÇÃO DE FATO, e não à transmissão da PROPRIEDADE, sem previsão legal para o seu INGRESSO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO. (...) Esta escritura não tem o condão de servir para fins de aquisição de imóveis. Na verdade, a posse, considerada SITUAÇÃO DE FATO, não é direito real reconhecido no rol do art. 1.225 do Código Civil, de forma que SEU INGRESSO NO FÓLIO REAL É CONSIDERADO INVIÁVEL, sendo, portanto, INSUSCETÍVEL DE REGISTRO IMOBILIÁRIO. (...) Não há que se falar em adquirir o DOMÍNIO por meio da posse, EXCETO PELA USUCAPIÃO".

O mesmo Código de Normas Extrajudiciais do Rio de Janeiro em acertada disposição também deixa claro que no Inventário Extrajudicial a partilha dos DIREITOS POSSESSÓRIOS deve ser admitida, fazendo importante alerta:

"Art. 445. Podem ser objeto de inventário bens e direitos, incluindo imóveis pendentes de regularização junto ao Poder Público, assim como DIREITOS POSSESSÓRIOS sobre imóveis, devendo constar do ato a ciência dos interessados de que o REGISTRO de propriedade ficará condicionado à sua efetiva regularização.

Parágrafo único. O inventário do direito possessório, por si só, não confere direito subjetivo aos herdeiros quanto à futura usucapião, cabendo ao tabelião aferir os elementos para lavratura da ata notarial e ao oficial registrador a viabilidade do seu registro" .

Dois excelentes "remédios jurídicos" podem resolver a enfermidade da irregularidade imobiliária nesse caso: o Inventário Extrajudicial seguido da Usucapião Extrajudicial - tudo com a obrigatória assistência do ADVOGADO - nos termos da Lei 11.441/2007, art. 216-A da LRP c/c Resolução CNJ 35/2007 e Provimento CNJ 65/2017.

PORTANTO, como se viu, sem prejuízo da possibilidade do arrolamento dos DIREITOS POSSESSÓRIOS no Inventário e Partilha (inclusive Extrajudicial) é preciso ter ciência que esse "bem" ainda que relacionado a imóvel não tem ingresso no RGI - que não se destina a registrar "posses" - devendo os referidos direitos enquanto orbitarem agora na esfera patrimonial dos herdeiros/destinatários ser manejados, conforme o caso, através de por exemplo USUCAPIÃO (inclusive Extrajudicial, se for o caso) para que possam sim ser convertidos em PROPRIEDADE e - aí sim - ter sua inscrição no competente REGISTRO IMOBILIÁRIO. A jurisprudência do TJES é cristalina e irretocável:

"TJES. 0007359-46.2017.8.08.0021. J. em: 12/03/2018. AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVENTÁRIO E PARTILHA - DIREITO DE POSSE - DESNECESSIDADE DE REGULARIZAÇÃO DO IMÓVEL - PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE - MOTIVOS SUFICIENTES AO DEFERIMENTO - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A jurisprudência é firme no sentido de que os direitos de posse sobre bens imóveis podem ser partilhados em ação de inventário. Inteligência do art. 620, g, do CPC/2015 e dos arts. 1.206 (a posse pode ser transmitida aos herdeiros ou legatários do possuidor, com todas as suas características) e 1.784 (aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários) do Código Civil. 2. In casu , os direitos possessórios adquiridos pelo de cujus transmitem-se aos herdeiros, com a abertura de sucessão, mostrando-se cabível a partilha nos autos do inventário, já que possuem valor econômico, não sendo razoável se exigir do inventariante e/ou herdeiro a demonstração de regularidade do imóvel como condição para a partilha pretendida. 3. Recurso conhecido e provido".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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