Inconstitucionalidade e uniões homoafetivas:

Uma análise jurídica do PL 580/2007 no contexto brasileiro

30/10/2023 às 11:48

Resumo:


  • O Projeto de Lei 580/2007, que busca não reconhecer a união homoafetiva como casamento ou entidade familiar, vai contra os princípios de igualdade e dignidade da pessoa humana previstos na Constituição Federal do Brasil.

  • A proposta contraria não apenas a Constituição, mas também compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que protege a família sem definir sua composição.

  • O princípio da proibição do retrocesso social e a decisão do Supremo Tribunal Federal que reconhece a união homoafetiva como entidade familiar reforçam a inconstitucionalidade do projeto, que representa um retrocesso nos direitos sociais consolidados.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Em meio a um panorama político e social que evidencia a necessidade de reconhecimento e amparo aos direitos da comunidade LGBTQIA+, surge o Projeto de Lei 580/2007, concebido por Clodovil Hernandes. Embora o cenário contemporâneo exija inclusão, este projeto, com suas nuances e emendas, visa a não elevar a união homoafetiva ao patamar do casamento tradicional ou mesmo da entidade familiar. A relevância desse debate torna imprescindível uma análise mais detida à luz dos ditames da Constituição Federal de 1988 e dos tratados internacionais que o Brasil ratificou.

Por se tratar da base da sociedade, a família, segundo o artigo 226 da CF/88, necessita de uma proteção especial por parte do Estado. O detalhe primordial dessa prerrogativa constitucional é que ela não especifica que tipo de família está sob seu manto. Assim, toda e qualquer formação familiar, seja ela tradicional ou homoafetiva, deve ser alvo dessa tutela. Uma vez que a união homoafetiva é privada desse reconhecimento, conforme propõe o PL 580/2007, a dignidade da pessoa humana, firmemente enraizada no artigo 1º, III da CF/88, sofre um abalo, relegando tais uniões a um plano de "diferença" ou "inferioridade".

Sob essa ótica, ao observar o artigo 5º da nossa Carta Magna, onde a isonomia se estabelece como pilar, o projeto entra em uma clara dicotomia. Todos, sem qualquer distinção, devem ser tratados de forma igualitária perante a lei. Desse modo, qualquer tentativa de negar à união homoafetiva o reconhecimento de casamento ou entidade familiar esbarra nesse princípio constitucional, gerando uma discriminação que se torna juridicamente insustentável.

Certamente, o confronto com os pilares constitucionais não se restringe apenas ao mencionado artigo 5º. Outras ferramentas legais igualmente ratificam a inconstitucionalidade de tais propostas que visam a supressão dos direitos da comunidade LGBTQIA+.

Ao adentrar nas profundezas do Direito Internacional, observa-se que o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Brasil em 1992, determina, em seu artigo 23, que a família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado. Embora o pacto não defina explicitamente o que compreende por "família", o Comitê de Direitos Humanos da ONU, responsável por monitorar sua implementação, já afirmou que as disposições devem ser interpretadas para incluir casais do mesmo sexo. Portanto, ao desconsiderar a proteção a estas uniões, o PL 580/2007 não apenas desafia a Constituição Federal, mas também se coloca em desacordo com os compromissos internacionais assumidos pelo país.

Além disso, o Brasil, como signatário de tratados internacionalmente reconhecidos, como a Declaração Universal de Direitos Humanos e a Convenção Americana de Direitos Humanos, tem o compromisso de assegurar que todas as pessoas não sofram discriminação. A inobservância a este compromisso, ao desconsiderar o direito de ter relações familiares reconhecidas e protegidas, implica em uma violação à jurisprudência internacional.

Avançando ainda no tecido jurídico-constitucional, é relevante mencionar o princípio da proibição do retrocesso social. Este princípio, embora não esteja expressamente delineado no texto constitucional, é uma construção doutrinária e jurisprudencial que impede que direitos sociais já reconhecidos e consolidados sejam suprimidos ou tenham sua abrangência reduzida. Considerando a evolução jurisprudencial do STF que reconheceu as uniões homoafetivas como entidades familiares, uma proposta legislativa que intente diminuir essa proteção seria, sem dúvida, um retrocesso.

Não somente, o princípio da vedação da proteção deficiente, originário do Direito Constitucional Alemão e cada vez mais presente nas análises jurídicas brasileiras, pode ser invocado. Ele preconiza que o Estado não pode proteger de forma insuficiente direitos fundamentais, sob pena de inconstitucionalidade. Ao relegar a união homoafetiva a um status inferior ao do casamento e da entidade familiar, o projeto não apenas oferece uma proteção deficiente, mas viola diretamente a dignidade e os direitos daqueles que optam por tais uniões, tornando-se, assim, juridicamente censurável.

Por fim, mas intrinsecamente ligada a este cenário, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 2011 reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, tornando-a análoga à união estável prevista na Constituição. O PL 580/2007, ao buscar reformulações que destoam desse julgamento, se apresenta como um instrumento que, de forma inconstitucional, almeja retrair os avanços alcançados.

Ao concluirmos, é patente que o Projeto de Lei 580/2007 colide diretamente com os pilares da Constituição Federal e com os tratados internacionais que o Brasil se comprometeu a honrar. Em uma era em que a pluralidade e a democracia são vociferadas, o reconhecimento e a proteção de todas as facetas da família, abarcando, indubitavelmente, as homoafetivas, materializam-se como imperativos jurídicos e sociais. Dessa forma, quando nos debruçamos sobre as nuances e interconexões legais, torna-se incontestável a multifacetada inconstitucionalidade do PL 580/2007, ancorada em diversos pilares do Direito, seja ele nacional ou internacional.

Sobre o autor
Vinicius Azevedo Viana

Graduado em Direito pela Faculdade Anísio Teixeira (FAT)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos