Em meio a um panorama político e social que evidencia a necessidade de reconhecimento e amparo aos direitos da comunidade LGBTQIA+, surge o Projeto de Lei 580/2007, concebido por Clodovil Hernandes. Embora o cenário contemporâneo exija inclusão, este projeto, com suas nuances e emendas, visa a não elevar a união homoafetiva ao patamar do casamento tradicional ou mesmo da entidade familiar. A relevância desse debate torna imprescindível uma análise mais detida à luz dos ditames da Constituição Federal de 1988 e dos tratados internacionais que o Brasil ratificou.
Por se tratar da base da sociedade, a família, segundo o artigo 226 da CF/88, necessita de uma proteção especial por parte do Estado. O detalhe primordial dessa prerrogativa constitucional é que ela não especifica que tipo de família está sob seu manto. Assim, toda e qualquer formação familiar, seja ela tradicional ou homoafetiva, deve ser alvo dessa tutela. Uma vez que a união homoafetiva é privada desse reconhecimento, conforme propõe o PL 580/2007, a dignidade da pessoa humana, firmemente enraizada no artigo 1º, III da CF/88, sofre um abalo, relegando tais uniões a um plano de "diferença" ou "inferioridade".
Sob essa ótica, ao observar o artigo 5º da nossa Carta Magna, onde a isonomia se estabelece como pilar, o projeto entra em uma clara dicotomia. Todos, sem qualquer distinção, devem ser tratados de forma igualitária perante a lei. Desse modo, qualquer tentativa de negar à união homoafetiva o reconhecimento de casamento ou entidade familiar esbarra nesse princípio constitucional, gerando uma discriminação que se torna juridicamente insustentável.
Certamente, o confronto com os pilares constitucionais não se restringe apenas ao mencionado artigo 5º. Outras ferramentas legais igualmente ratificam a inconstitucionalidade de tais propostas que visam a supressão dos direitos da comunidade LGBTQIA+.
Ao adentrar nas profundezas do Direito Internacional, observa-se que o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Brasil em 1992, determina, em seu artigo 23, que a família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado. Embora o pacto não defina explicitamente o que compreende por "família", o Comitê de Direitos Humanos da ONU, responsável por monitorar sua implementação, já afirmou que as disposições devem ser interpretadas para incluir casais do mesmo sexo. Portanto, ao desconsiderar a proteção a estas uniões, o PL 580/2007 não apenas desafia a Constituição Federal, mas também se coloca em desacordo com os compromissos internacionais assumidos pelo país.
Além disso, o Brasil, como signatário de tratados internacionalmente reconhecidos, como a Declaração Universal de Direitos Humanos e a Convenção Americana de Direitos Humanos, tem o compromisso de assegurar que todas as pessoas não sofram discriminação. A inobservância a este compromisso, ao desconsiderar o direito de ter relações familiares reconhecidas e protegidas, implica em uma violação à jurisprudência internacional.
Avançando ainda no tecido jurídico-constitucional, é relevante mencionar o princípio da proibição do retrocesso social. Este princípio, embora não esteja expressamente delineado no texto constitucional, é uma construção doutrinária e jurisprudencial que impede que direitos sociais já reconhecidos e consolidados sejam suprimidos ou tenham sua abrangência reduzida. Considerando a evolução jurisprudencial do STF que reconheceu as uniões homoafetivas como entidades familiares, uma proposta legislativa que intente diminuir essa proteção seria, sem dúvida, um retrocesso.
Não somente, o princípio da vedação da proteção deficiente, originário do Direito Constitucional Alemão e cada vez mais presente nas análises jurídicas brasileiras, pode ser invocado. Ele preconiza que o Estado não pode proteger de forma insuficiente direitos fundamentais, sob pena de inconstitucionalidade. Ao relegar a união homoafetiva a um status inferior ao do casamento e da entidade familiar, o projeto não apenas oferece uma proteção deficiente, mas viola diretamente a dignidade e os direitos daqueles que optam por tais uniões, tornando-se, assim, juridicamente censurável.
Por fim, mas intrinsecamente ligada a este cenário, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 2011 reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, tornando-a análoga à união estável prevista na Constituição. O PL 580/2007, ao buscar reformulações que destoam desse julgamento, se apresenta como um instrumento que, de forma inconstitucional, almeja retrair os avanços alcançados.
Ao concluirmos, é patente que o Projeto de Lei 580/2007 colide diretamente com os pilares da Constituição Federal e com os tratados internacionais que o Brasil se comprometeu a honrar. Em uma era em que a pluralidade e a democracia são vociferadas, o reconhecimento e a proteção de todas as facetas da família, abarcando, indubitavelmente, as homoafetivas, materializam-se como imperativos jurídicos e sociais. Dessa forma, quando nos debruçamos sobre as nuances e interconexões legais, torna-se incontestável a multifacetada inconstitucionalidade do PL 580/2007, ancorada em diversos pilares do Direito, seja ele nacional ou internacional.