MUITA GENTE ainda confunde os efeitos da RENÚNCIA à herança e da CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS, em sede de Inventário. São dois institutos muito utilizados em SUCESSÕES/INVENTÁRIOS mas completamente diferentes - ainda que se fale em "renúncia translativa" e "renúncia abdicativa". O assunto é muito importante pois a RENÚNCIA pelo Código de 2002 é IRREVOGÁVEL, tal como a aceitação da herança (art. 1.812). O mestre LUIZ PAULO VIEIRA DE CARVALHO (Direito das Sucessões. 2019) em sua indispensável e irretocável obra assim ensina:
"A 'renúncia' ou 'repúdio da herança' é o ato jurídico inter vivos e personalíssimo através do qual um herdeiro legítimo ou testamentário, no exercício de direito potestativo, manifesta sua vontade, no sentido de não permanecer com o direito hereditário que recebera por ocasião da abertura da sucessão do de cuius, dele despojando-se retroativamente, ex tunc, 'com natureza de definitividade, isto é, como se o renunciante nunca tivesse sido herdeiro', sendo considerando, pois, um estranhoa à sucessão".
O referido mestre, com todo acerto aponta ainda que a RENÚNCIA só se manifesta depois de aberta a sucessão (ou seja, verificado o evento MORTE do autor da herança), da mesma forma como a CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS que também só tem lugar depois que NASCE o direito sucessório que exsurge com a MORTE do autor da herança. É preciso observar - e me lembro bem que na prática extrajudicial já presenciei esse tipo de erro fatal - que os efeitos da renúncia podem não ser exatamente aqueles pretendidos pelas partes. O caso clássico onde o ERRO costuma acontecer é quando os herdeiros pretendem que "todo o patrimônio deixado" (ou seja, a soma de meação e herança) fique para a viúva e nesse contexto optam pela RENÚNCIA entendendo que, se a ordem de vocação hereditária indica viúva e herdeiros como destinatários para receber todo o acervo hereditário (ela por meação e eles por herança), o fato de todos renunciarem fará com que seus quinhões voltem para o "monte" e fiquem para ela, supostamente a única que não teria "renunciado"...
A bem da verdade, a viúva não pode renunciar ao que já possuía em virtude do regime de bens e não recebeu agora por causa da sucessão (ou seja, a "MEAÇÃO" - que não se confunde com "HERANÇA"). No contexto onde a viúva possui direitos de meação - em virtude do regime de bens aplicável ao caso concreto e da forma de aquisição - temos que a herança repudiada por todos os herdeiros da mesma classe não surtirá o efeito desejado de contemplar a viúva QUANDO EXISTIREM NETOS, por exemplo - e essa cautela de analisar os efeitos da renúncia no caso concreto nem sempre é adotada por quem realiza esse ato (advogados que assistem ao ato e/ou Tabelião e seus prepostos); aí que mora o PERIGO desse caso efetivamente, mormente porque a renúncia, como se viu, é um ATO IRREVOGÁVEL.
A renúncia feita por TODOS os herdeiros da mesma classe não confere direito à VIÚVA se existirem filhos destes herdeiros, como aponta o fatídico art. 1.811 do Código Reale:
"Art. 1.811. Ninguém pode suceder, representando herdeiro renunciante. Se, porém, ele for o único legítimo da sua classe, ou se todos os outros da mesma classe renunciarem a herança, poderão os filhos vir à sucessão, por direito próprio, e por cabeça".
Diversamente quando a renúncia é feita não por todos mas apenas alguns dos herdeiros a consequencia será aquela delineada na primeira parte do art. 1.810 do CCB:
"Art. 1.810. Na sucessão legítima, a parte do renunciante ACRESCE À DOS OUTROS HERDEIROS DA MESMA CLASSE e, sendo ele o único desta, devolve-se aos da subseqüente".
A solução que se adequa à pretensão de "deixar tudo para a viúva", na grande maioria dos casos (porque sim, há casos onde a renúncia pode até funcionar para isso), será efetivamente a realização da CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS, equivocadamente descartada por conta de exigir o recolhimento de impostos, diferentemente do que ocorre na renúncia. Enfim, o que de fato se mostra imprescindível em casos de INVENTÁRIO é sempre uma análise cuidadosa, por Advogado Especialista, do que é de fato a intenção das partes à luz do que a legislação autoriza, sob pena de se obter um resultado indesejado e principalmente IRREVOGÁVEL, como aponta com acerto a jurisprudência do TJDFT:
"TJDF. 07424013520228070000. J. em: 07/06/2023. AGRAVO DE INSTRUMENTO. (...). INVENTÁRIO. RENÚNCIA À HERANÇA. HERDEIRO ÚNICO. CHAMAMENTO DOS HERDEIROS DA CLASSE SUBSEQUENTE. ART. 1.811, CC. SUCESSÃO POR DIREITO PRÓPRIO. CONJUGE SOBREVIVENTE. CLASSE PRÓPRIA. AUSÊNCIA DE CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTES. (...). 2. A herança transmite-se desde logo aos herdeiros (art. 1.784, Código Civil), sendo a aceitação a regra geral, não se exigindo qualquer formalidade, ao passo que a renúncia deve ser expressa, nos termos do art. 1.806, do Código Civil. 3. A renúncia da herança constitui ato jurídico irrevogável (art. 1.812, Código Civil) em que o herdeiro declara que não aceita a herança, tendo implicações próprias constantes dos arts. 1.810 e 1.811 do Código Civil. 4. Verificando-se que o único herdeiro renunciou à herança, certo é que o seu filho, que integra a classe subsequente, deve ser chamado à sucessão por direito próprio e por cabeça, nos exatos termos do art. 1.811 do Código Civil. (...) 7. Agravo de instrumento parcialmente conhecido e não provido".