Cessão de Quotas e Dissolução Parcial da Sociedade Limitada: Entenda a Diferença

01/11/2023 às 15:41
Leia nesta página:

Introdução

No universo do Direito Empresarial, são construídos diversos mecanismos que determinam formação, estrutura, funcionamento, dissolução, liquidação e extinção das sociedades. Entre as muitas complexidades que permeiam esse campo do Direito, duas situações se destacam: a cessão de quotas e a dissolução parcial de sociedade. Ambas são mecanismos que podem impactar diretamente a composição e dinâmica de uma empresa. Apesar de terem propósitos muito similares, suas implicações são distintas e é comum que causem certa confusão.

Para esclarecer e compreender plenamente a diferença entre cessão de quotas e dissolução parcial das Sociedades Limitadas, é essencial, em primeiro lugar, entender o que são quotas. As quotas sociais representam a fração do capital social de uma empresa que cada sócio possui e detém e definem o limite de sua responsabilidade. Elas conferem direitos e responsabilidades aos sócios, desempenhando um papel fundamental na governança e no controle das sociedades empresariais.

Neste artigo, exploraremos em detalhes os conceitos e implicações da cessão de quotas e da dissolução parcial da sociedade limitada, destacando as nuances legais e práticas que as envolvem. Além disso, abordaremos outro ponto crucial relacionado a essas operações: a apuração de haveres, que é um processo determinante para a quantificação e transferência de participações societárias.

Ao final desta análise, esperamos que os leitores tenham uma compreensão mais sólida sobre como esses dois mecanismos operam, quando são aplicados e quais os efeitos que podem gerar dentro de uma sociedade empresarial. Dessa forma, poderão tomar decisões mais informadas e estratégicas no contexto do Direito Empresarial.

1. Mas o que são Quotas?

Pelo disposto nos arts. 1.055 e seguintes do Código Civil, as quotas, no contexto das Sociedades Limitadas, são quantias em dinheiro e/ou bens que constituem o capital social, podendo ser divididas de maneira igual ou desigual e cabendo ao contrato social determinar qual a quota-parte devida a cada sócio e a modo de realizá-la (CC, art. 1.054).

Quando as quotas forem formadas por bens, todos os sócios respondem solidariamente, até cinco anos após a constituição da sociedade ou do registro do aumento de capital, pela avaliação de tais bens, também nos termos do art. 1.055 do CC. (DINIZ, 2021)

Quando subscritas e integralizadas, as quotas determinam a limitação da responsabilidade dos sócios. Além disso, conferem aos sócios direitos políticos de voto e gestão e direitos econômicos aos lucros e dividendos da sociedade. Porém, caso algum dos sócios deseje dispor de todas as suas quotas ou parte delas, deve proceder à operação societária denominada cessão de quotas.

2. Cessão de Quotas

Cessão de quotas é a operação societária por meio da qual um dos sócios (cedente) transfere sua participação societária – no todo ou em parte – para outra pessoa, física ou jurídica (cessionária), já sócio – observando seu direito de preferência – ou não.

A maneira pela qual a cessão deve ser feita pode ser objeto de negociação entre os sócios em acordo entre eles ou no próprio contrato social. Como bem observa Chagas (2020), quando o contrato for silente, se cessionário já é sócio, dispensa-se a anuência dos demais para que a operação se realize. Entretanto, se for terceiro, somente ocorrerá se não houver oposição dos sócios que representem mais de ¼ do capital social.

A cessão deverá ser objeto de alteração contratual porque acarreta mudança do quatro societário e/ou na distribuição do capital social, devendo ser averbada na Junta Comercial competente. Esse é o requisito necessário para que ela tenha efeitos quanto à sociedade e a terceiros (CC, art. 1.003, caput c/c art. 1.057, par. ún).

Importante ressaltar que transferir as quotas não exime o sócio automaticamente de suas responsabilidades, ficando ele, solidariamente com o cessionário, pelas obrigações que tinha como sócio com a sociedade ou terceiros, por até dois anos depois de averbada a modificação do contrato social (CC, art. 1.003, par. ún). Note: o Código Civil fala da data de averbação, e não de assinatura da cessão.

3. Dissolução Parcial de Sociedade

O Código Civil dá o nome de resolução da sociedade em relação a um sócio para tratar das hipóteses de dissolução parcial da sociedade. Além do que for convencionado no contrato social, são cinco as situações previstas legalmente em que ocorre a dissolução parcial:

  1. Morte de um dos sócios (CC, art. 1.028, caput);

  2. Exercício do direito de retirada (CC, art. 1.029). Se a sociedade for de prazo indeterminado, a retirada deve ser feita mediante notificação aos demais sócios, com sessenta dias de antecedência; se for de prazo determinado, está condicionada à prova judicial da justa causa que motivou a decisão;

  3. Exclusão judicial (CC, art. 1.030) quando essa for a vontade da maioria dos sócios, seja por falta grave no cumprimento de suas obrigações, seja por incapacidade superveniente;

  4. Sócio declarado falido ou cujas quotas tenham sido liquidadas por um credor (CC, art. 1.026, par. ún);

  5. Exclusão de sócio minoritário (CC, art. 1.085) quando a maioria dos sócios entender que aquele está cometendo atos graves que estão colocando em risco a continuidade da empresa. Tal possibilidade de exclusão por justa causa tem de estar disposta no contrato social e deve-se garantir o direito de defesa.

Como bem destaca Edilson Enedino Chagas (2020), para que um sócio seja excluído da sociedade, a justa causa deve incluir a quebra da affectio societatis, sempre visando que os sócios minoritários não fiquem à mercê da arbitrariedade dos majoritários.

Para reforçar a proteção do sócio minoritário, o enunciado 67 da I Jornada de Direito Civil estabelece que “a quebra da affectio societatis não é causa para a exclusão do sócio minoritário, mas apenas para dissolução (parcial) da sociedade”.

Seja qual for a hipótese de resolução da sociedade em relação a um sócio, é necessário que, para a averiguação do valor das quotas a serem liquidadas em casos em que não há concordância quantos aos montantes, se proceda à apuração de haveres com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

O procedimento para realização dos cálculos se chama balanço de determinação e segue os passos previstos no art. 1.031 do CC e nos arts. 604 e 606 do CPC.

CC, art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

§ 1º. O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota.

§ 2º. A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.

CPC, art. 604. Para apuração dos haveres, o juiz:

I - fixará a data da resolução da sociedade;

II - definirá o critério de apuração dos haveres à vista do disposto no contrato social; e

III - nomeará o perito.

§ 1º. O juiz determinará à sociedade ou aos sócios que nela permanecerem que depositem em juízo a parte incontroversa dos haveres devidos.

§ 2º O depósito poderá ser, desde logo, levantando pelo ex-sócio, pelo espólio ou pelos sucessores.

§ 3º Se o contrato social estabelecer o pagamento dos haveres, será observado o que nele se dispôs no depósito judicial da parte incontroversa.

CPC, art. 606. Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma.

Parágrafo único. Em todos os casos em que seja necessária a realização de perícia, a nomeação do perito recairá preferencialmente sobre especialista em avaliação de sociedades.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Em complemento aos referidos dispositivos legais, em 1º de setembro de 2023, o STJ, no julgamento do Resp 1.904.252, a 4ª Turma definiu que somente o levantamento contábil não é suficiente para a apuração de haveres. Isso quer dizer que, levando como referência a data de resolução, deve-se proceder a um balanço real, físico e econômico, mas que não necessariamente projete lucros futuros:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO. ART. 1.022 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INEXISTÊNCIA. DIREITO EMPRESARIAL. DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. APURAÇÃO DE HAVERES. ART. 1.031 DO CÓDIGO CIVIL. PROJEÇÃO DE LUCROS FUTUROS. FLUXO DE CAIXA DESCONTADO. NÃO CABIMENTO. LUCROS NÃO DISTRIBUÍDOS AO SÓCIO RETIRANTE. PRAZO PRESCRICIONAL TRIENAL. ART. 206, § 3º, VI, DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO CONHECIDO PARCIALMENTE E NÃO PROVIDO. 1. Discussão a respeito dos critérios para apuração de haveres, quais os valores estariam abrangidos e prazo prescricional para distribuição de lucros não distribuídos ao sócio retirante. 2. Não incorre em negativa de prestação jurisdicional o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pela parte, adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia, apenas não acatando a tese defendida pela recorrente. 3. A apuração de haveres - levantamento dos valores referentes à participação do sócio que se retira ou que é excluído da sociedade - se processa da forma prevista no contrato social, uma vez que, nessa seara, prevalece o princípio da força obrigatória dos contratos, cujo fundamento é a autonomia da vontade. Inteligência do art. 1.031 do Código Civil. Precedentes. 4. Omisso o contrato social, observa-se a regra geral segundo a qual o sócio não pode, na dissolução parcial da sociedade, receber valor diverso do que receberia, como partilha, na dissolução total, verificada tão somente naquele momento. 5. O fluxo de caixa descontado - método para avaliar a riqueza econômica de uma empresa dimensionada pelos lucros a serem agregados no futuro - não é adequado para o contexto da apuração de haveres. 5. O prazo de prescrição trienal é aplicável em relação jurídica que envolva direito societário, em demanda relacionada à distribuição de lucros (art. 206, § 3º, VI, do CC/02). 6. Recurso especial conhecido parcialmente e, nessa extensão, não provido.

(Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 1904252 RS 2020/0291023-0)

4. Mas, então, qual a diferença entre a cessão de quotas e a dissolução parcial na Sociedade Limitada?

Apesar de ambos os procedimentos envolverem potencialmente a retirada do sócio de uma sociedade, há traços bem demarcados que os distinguem e que devem ser percebidos pelo empreendedor e seu patrono para evitar proceder de maneira equivocada.

Na cessão de quotas, quem realiza a operação é a pessoa física do sócio. Ou seja, quem faz a transferência do montante correspondente é a própria pessoa. A Sociedade atua como interveniente anuente. É importante mencionar que o capital social se mantém o mesmo, devendo ser averbada na Junta Comercial tanto a nova distribuição quanto o novo quadro societário.

Já na dissolução parcial, procedimento devido nos casos elencados anteriormente – morte, retirada, exclusão judicial, sócio falido ou exclusão de sócio minoritário –, quem realiza a operação é a pessoa jurídica. Portanto, quem faz a transferência é a própria sociedade. Neste processo há uma redução do capital social porque as quotas do sócio retirante são liquidadas por meio da apuração de haveres, devendo ser averbadas na Junta Comercial as alterações no capital e de sócios.

Conclusão

A compreensão das diferenças entre a cessão de quotas e a dissolução parcial em uma sociedade limitada é fundamental para empreendedores e profissionais de Direito que atuam nesse campo complexo do Direito Empresarial. Ambos os mecanismos envolvem a saída de um sócio da empresa, mas ser capaz de distingui-las é crucial.

Enquanto na cessão de quotas a transferência das participações societárias é realizada pelo próprio sócio, envolvendo a negociação direta entre as partes, sendo a sociedade um mero interveniente anuente, na dissolução parcial, a operação é conduzida pela própria sociedade e ocorre em situações específicas, como morte, retirada, exclusão judicial, falência de um sócio ou exclusão de um sócio minoritário, seguindo os critérios estabelecidos em contrato social ou pela legislação.

Além disso, a apuração de haveres desempenha um papel crucial na dissolução parcial, em que se faz necessário determinar o valor das quotas a serem liquidadas, baseando-se na situação patrimonial real da sociedade. Esse processo envolve balanços e procedimentos contábeis, garantindo a justa compensação aos sócios envolvidos.

Portanto, entender essas distinções é essencial para tomar decisões estratégicas e informadas no contexto da Sociedade Limitada, assegurando que os interesses de todos os envolvidos sejam protegidos de maneira legalmente adequada. Para isso, a assessoria jurídica de um advogado especialista em Direito Empresarial é fundamental em ambos os procedimentos, desde orientações quanto à negociação das quotas, garantindo que os contratos estejam de acordo com a legislação vigente e evitem litígios futuros, bem como na elaboração de um plano de liquidação que minimize riscos e proteja os interesses dos sócios.

Referências

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2022. Institui o Código Civil.

BRASIL. Lei Nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.

CRUZ, André Santa. Direito Empresarial, 2018.

DINIZ, Maria Helena et al. Novo Código Civil Comentado, 2021.

CHAGAS, Edilson Enedino das. Direito Empresarial Esquematizado, 2020.

MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial, 2013.

Sobre a autora
Marilza Muniz Feitosa

Advogada e Pós-Graduada em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas. Presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB Subsecção Sobral. Profissional de Compliance Anticorrupção CPC- A pelo LEC Certification Board e FGV. Cursa MBA Executivo em Direito: Gestão e Business Law pela FGV. Sócia-fundadora do escritório Marilza Muniz Advocacia, atua na prevenção e resolução de conflitos empresariais. Presta Consultoria e Assessoria Jurídica Empresarial personalizada, priorizando a agilidade e o relacionamento com o cliente e a excelência dos serviços prestados. Marilza Muniz Advocacia tem atuação em todo o país e no exterior, conta com atendimento presencial e on-line e especialistas de alto nível.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos