A escolha do chefe da Defensoria Pública da União

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Introdução

            “Senado rejeita indicação de Lula para chefiar Defensoria Pública da União[1]” é a notícia mais recente nos meios jurídico e político.

            A pretensão do presente artigo não é fazer uma análise política dos motivos que justificaram a rejeição, mas sim discutir as consequências jurídicas do referido fato. Diante da rejeição do nome escolhido pelo presidente, surge a dúvida: o que vai acontecer agora? A Defensoria Pública da União deve fazer uma nova eleição para a lista tríplice? O presidente deve escolher outro nome da lista que já existe? Há outra opção além dessas?

            A resposta aos referidos questionamentos é o que se pretende fazer, por meio de uma pesquisa exploratória e descritiva, no presente artigo.

1.A escolha do Defensor Público Geral-Federal: um ato complexo

            Comumente os administrativistas dividem os atos administrativos em atos simples, compostos e complexos[2], acontecendo o último quando existe a “conjunção de vontade de mais de um órgão[3]” na formação do ato administrativo.

            Assim, um exemplo clássico de um ato complexo é a formação de lista tríplice, tal como acontece na escolha do Defensor Pública-Geral Federal, tendo em vista que a Lei Complementar 80/94 prevê:

Art. 6º  A Defensoria Pública da União tem por chefe o Defensor Público-Geral Federal, nomeado pelo Presidente da República, dentre membros estáveis da Carreira e maiores de 35 (trinta e cinco) anos, escolhidos em lista tríplice formada pelo voto direto, secreto, plurinominal e obrigatório de seus membros, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de 2 (dois) anos, permitida uma recondução, precedida de nova aprovação do Senado Federal.

Desse modo, primeiro as Defensoras e os Defensores Públicos Federais, por meio de uma eleição, formam uma lista tríplice e, em seguida, o Presidente da República escolhe um nome da referida lista e, por fim, o referido nome deverá ser aprovado por maioria absoluta do Senado Federal.

No caso em questão, foi formada uma lista tríplice com o nome de três Defensores Públicos Federais: Daniel Macedo, Igor Roque e Leonardo Magalhães[4]. O Presidente Lula escolheu o segundo nome, que acabou vindo a ser rejeitado pelo Senado Federal.

A situação é inusitada e inédita, pois nunca aconteceu na DPU e, por causa disso, não se sabe ainda qual é a solução a ser dada[5].

Rejeitar o nome escolhido pelo presidente não é uma praxe nem mesmo quando se fala na escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal-STF, tanto é assim que não houve nenhuma recusa do Senado aos nomes escolhidos pelos presidentes para o STF nos séculos XX e XXI. Isso só aconteceu no século XIX, quando cinco nomes escolhidos pelo presidente Floriano Peixoto foram rejeitados, todos eles no ano de 1894[6], sendo o nome mais conhecido dentre os cinco rejeitados o de Cândido Barata Ribeiro, que efetivamente chegou a exercer a função de Ministro da Suprema Corte por 10 meses, tendo em vista que na época a aprovação ou rejeição dos ministros pelo Senado se dava após a posse e o fato curioso é de que Barata Ribeiro era médico sem formação jurídica, sendo o único caso no qual o STF teve, ainda que temporariamente, um ministro que não era formado em Direito[7].

Entretanto, a consequência para a rejeição do nome de um Ministro do STF é bem mais simples do que no caso da rejeição do nome indicado pelo presidente para ser DPGF, pois no caso de Ministro do STF não há lista tríplice, podendo simplesmente o presidente escolher qualquer outro nome que preencha os requisitos constitucionais e o submeter novamente ao Senado Federal.

No caso da DPU o presidente deverá escolher novamente dentro de uma lista tríplice, mas que lista é essa? Será uma nova lista após uma nova eleição ou será um nome remanescente da lista já formada?

É o que abordaremos no próximo tópico.

               

2.Da solução a ser dada após a rejeição do nome escolhido para ser DPGF

            De antemão, antecipamos nosso entendimento: não se justifica uma nova eleição interna no momento na DPU para a formação de uma nova lista tríplice. Expliquemos.

            As membras e os membros da DPU já fizeram uma eleição e já escolheram os nomes para compor a lista tríplice. Um nome saiu da lista após ser escolhido pelo presidente e rejeitado pelo Senado, mas a lista não deixou de existir, pois ela ainda não foi exaurida. A lista também não pode ser anulada, pois foi formada sem nenhum vício e não pode ser revogada por ser um ato complexo constituído por meio de eleição. Desse modo, a referida lista não pode simplesmente ser descartada. Deve ser respeitada a votação já realizada no âmbito da DPU e o presidente precisa escolher outro nome decorrente do resultado da eleição que já aconteceu.

            Entretanto, não deixamos de reconhecer que existe um problema: agora não há mais uma lista tríplice na DPU e sim uma lista dúplice e a Lei Complementar 80/94 oferece ao presidente a prerrogativa de escolher um nome dentro de uma lista tríplice.

            Acontece que, quando se formou a lista tríplice na DPU, não foram apenas três nomes que receberam votos das Defensoras e dos Defensores Federais, pois outros três nomes também foram votados, ou seja: a lista tríplice da DPU teve três suplentes, sendo o primeiro deles o Ex-DPGF Gabriel Faria.

            Assim, pergunta-se: caso logo após formada a lista tríplice um dos integrantes faleça ou desista da candidatura, vai ser enviada uma lista dúplice para a Presidência? A resposta lógica é que não, o primeiro suplente deverá ser chamado para recompor a lista tríplice.

            A solução do parágrafo anterior nos parece a melhor a ser dada no caso atual da DPU. Com a saída de um membro da lista, o primeiro suplente, ou seja, o quarto mais votado, deve ser chamado para compor a lista e, respeitando a eleição já realizada na DPU e plenamente vigente, a lista recomposta deve ser enviada para o presidente escolher novamente um nome.

       

CONCLUSÕES

            É muito triste que no momento a instituição jurídica federal responsável pela defesa dos mais necessitados, dos grupos vulneráveis e dos Direitos Humanos esteja sem um chefe efetivo e mais triste ainda é não se saber qual é a solução para a rejeição do nome escolhido pela Presidência e que foi rejeitado pelo Senado.

            Entretanto, no nosso entendimento, deve ser respeitada a eleição já realizada no âmbito da DPU para se formar a lista tríplice e deve ser enviada, com a maior brevidade possível, a lista com os três mais votados após a retirada do nome já escolhido e não aprovado pelo Senado.

            Enfim, o mais importante é que essa questão seja resolvida com brevidade para que a frase do poeta romano Ovídio o Tribunal está fechado para os pobres” (“cura pauperibus clausa est”) não ganhe eco no nosso país.

             

 

REFERÊNCIAS

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo, 2ªed, Rio de Janeiro: Forense, 2013.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 34ªed, São Paulo: Atlas, 2020.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional. 25ª ed. São Paulo: Saraiva Educação: 2021.



[1]Fonte: https://www.conjur.com.br/2023-out-25/senado-rejeita-indicacao-chefia-defensoria-publica-uniao

[2]CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 34ªed, São Paulo: Atlas, 2020.p.138

[3]ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo, 2ªed, Rio de Janeiro: Forense, 2013. 166.

[4]Fonte: https://www.terra.com.br/noticias/guilherme-mazieiro/lula-indica-segundo-da-lista-triplice-para-comandar-defensoria-publica,77827fb75bb5d9e17f14d6f04698674fkodlsnyp.html

[5]Fonte: https://www.metropoles.com/colunas/igor-gadelha/governo-senado-dpu

[6]https://exame.com/brasil/em-128-anos-apenas-um-presidente-teve-indicacoes-para-o-stf-barradas/

[7]LENZA, Pedro. Direito Constitucional. 25ª ed. São Paulo: Saraiva Educação: 2021. p.1174.

Sobre o autor
Ricardo Russell Brandão Cavalcanti

Doutor em Ciências Jurídicas-Públicas pela Universidade do Minho, Braga, Portugal (subárea: Direito Administrativo) com título reconhecido no Brasil pela Universidade de Marília. Mestre em Direito, Processo e Cidadania pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Ciência Política pela Faculdade Prominas. Especialista em Direito Administrativo, Constitucional e Tributário pela ESMAPE/FMN. Especialista em Filosofia e Sociologia pela FAVENI. Especialista em Educação Profissional e Tecnologia pela Faculdade Dom Alberto. Capacitado em Gestão Pública pela FAVENI. Defensor Público Federal. Professor efetivo de Ciências Jurídicas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco - IFPE.

Informações sobre o texto

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