Nova Lei de Licitações: É possível impugnar uma contratação direta?

Resumo:


  • O art. 72 da Nova Lei Geral de Licitações e Contratos exige a divulgação do ato que autoriza a contratação direta em um site oficial.

  • Autores como Anderson Pedra e Felipe Boselli apresentam diferentes interpretações sobre a necessidade de autorização para todas as contratações diretas.

  • Apesar da possibilidade de impugnar uma contratação direta, a prática desse expediente pode ser limitada pela falta de interesse prático e pela complexidade do processo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O parágrafo único do art. 72 da NLGLC - Nova Lei Geral de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/2021) dispõe que “o ato que autoriza a contratação direta ou o extrato decorrente do contrato deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio eletrônico oficial”.

 

Ao interpretá-lo, Anderson Pedra[1] traz um posicionamento bastante interessante: “o objetivo do enunciado normativo com a divulgação do ‘ato que autoriza a contratação direta’ é permitir o controle social, principalmente pelo mercado (outros possíveis interessados), possibilitando que analise se efetivamente estão preenchidos os requisitos para a contratação direta e, caso entenda que não, que seja impugnada a contratação direta. Não faz sentido divulgar a contratação direta e não admitir impugnação sobre a mesma, sob pena de a divulgação se tornar mera formalidade sem utilidade prática. Caso seja procedente a impugnação, o ato que autorizou a contratação direta será invalidado e, conforme o caso, será imediatamente iniciada a fase externa com a divulgação do edital da licitação”.

 

Ou seja, para o professor, é possível impugnar, nos termos do art. 164 da Lei nº 14.133/2021, uma contratação direta a partir da publicação do ato que a autoriza.

 

Mas, da leitura do art. 72 da Nova Lei Geral de Licitações e Contratos, fica a dúvida: sempre será necessária uma autorização para a contratação direta? Para Felipe Boselli[2] não.

 

Segundo o advogado, “a primeira linha interpretativa seria a de que os dois documentos são exigidos para todas as contratações diretas e que caberia ao gestor optar por qual deles divulgar no site. A interpretação é possível, mas não parece ser a melhor de acordo com o que determina o artigo 94, com o dever de publicação dos contratos no PNCP, à luz da Lei de Acesso à Informação ou mesmo considerando o princípio da publicidade previsto no artigo 5º da Lei nº 14.133/2021. Outro norte interpretativo possível seria que a conjunção deveria ser analisada, conforme o caso, de acordo com o instrumento existente na hipótese específica de contratação. Quanto ao contrato firmado entre a Administração e o particular, o instrumento contratual será considerado aquele que for utilizado no caso concreto. Há que se lembrar do texto do artigo 95 da Lei nº 14.133/2021, que prevê que o contrato administrativo poderá ser substituído por outro instrumento hábil, como acarta-contrato, a nota de empenho de despesa ou a ordem de execução de serviço. As opções de substituição do instrumento contratual envolvem os casos de dispensa de licitação em razão do valor e as compras de entregas imediatas, sem obrigações futuras. Logo, nesses casos, a Administração deverá divulgar o instrumento substituto. O mesmo ocorre com o texto do §2º do artigo 95, com uma regra invertida, que estabelece como nulo o contrato verbal da Administração, exceto aqueles inferiores a dez mil reais para contratos de pronto pagamento. A regra invertida, que trabalha a vedação como exceção, ao invés de admitir o contrato verbal para contratos inferiores a dez mil reais, demonstra que existe, além da possibilidade de substituição do contrato por outros instrumentos, a hipótese de contratação verbal da Administração, ou seja, sem a formalização de um contrato administrativo. Nestes casos, a Administração não teria o contrato, nem seu extrato, para divulgação no site. Ainda assim, entendemos ser dever de publicidade o extrato de despesas, nos termos do §4º do artigo 75 da Lei nº 14.133/2021, que estabelece que, preferencialmente, as despesas de pequeno valor deverão ser pagas por meio de cartão de pagamento, coma publicação do extrato no Portal Nacional de Contratações Públicas. O que se percebe é que nem toda contratação direta terá um instrumento contratual nos exatos termos legais, devendo ser publicado o instrumento adequado a cada caso. Situação similar ocorre com a autorização da autoridade competente. Na Lei nº 8.666/1993, o artigo 26 exige a ratificação pela autoridade superior nos casos de licitações dispensadas, de inexigibilidades e nas hipóteses do inciso III e seguintes da dispensa de licitação. Ou seja, nas dispensas em razão do valor não havia tal exigência. A Nova Lei não deixa clara essa possibilidade de afastamento. Pelo contrário, uma leitura mais apressada do artigo 72 traria ao intérprete a ideia de que todas as contratações diretas agora demandariam uma autorização da autoridade competente para ser perfectibilizada. Esta não nos parece ser a melhor das interpretações. Essa linha de raciocínio faria com que a Administração precisasse desenvolver um processo de contratação direta com autorização formal para comprar um item de valor ínfimo, por exemplo, deR$50,00. O custo processual nesses casos seria muito mais gravoso que o próprio custo da aquisição, afastando, por completo, o conceito de eficiência na gestão administrativa. Ao lermos o §4º do artigo 75 da Lei nº 14.133/2021, temos que as contratações fundadas nos incisos I e II serão preferencialmente pagas por meio de cartão de pagamento. A nosso ver, não faria sentido entender que a compra pode se dar por cartão de pagamento, mas que para isso seria necessário um processo de contratação completo, com toda a estrutura exigida às inexigibilidades, por exemplo. Logo, assim como ocorre com o parecer jurídico, nos termos do já mencionado§5º do artigo 53, que pode ser dispensado em contratações de pequeno valor, entendemos que também é possível norma da mesma natureza dispensando a autorização para compras de valor reduzido ou criada uma delegação dessa competência para o agente que fará a contratação, o que deverá ser definido, a cada órgão, de acordo coma gestão de riscos estabelecida pela Administração.”

 

Assim, combinando os ensinamentos dos autores acima citados, podemos afirmar que, nos casos onde seja necessária autorização para efetuar uma contratação direta, quando da publicação do ato que a autorizar vai exsurgir daí o direito para impugná-la.

 

Marçal Justen Filho[3] também defende a possibilidade de impugnar o procedimento de contratação direta previsto no art. 72 da NLGLC, todavia o autor não adentra em pormenores sobre a necessidade de publicação do ato que autoriza a contratação direta para viabilizar a impugnação de tal procedimento.

 

Nesse particular, nos parece estar mais correta a lição de Anderson Pedra, pois, combinando-se o parágrafo único do art. 72 com o art. 164 da Lei nº 14.133/2021, não faz sentido impugnar a contratação direta a partir do extrato decorrente do contrato, vez que aí o procedimento já teria ocorrido, cabendo tal medida apenas e tão somente em face do ato que a autoriza.

 

Mas, em que pesem maiores considerações de ordem jurídica, além da possibilidade de impugnar uma contratação direta, o que se questiona é se tal expediente será utilizado, vez que no universo das licitações, na maioria dos casos a impugnação a um instrumento convocatório se dá em razão do interesse do pretenso contratado em eliminar empecilhos tanto à sua participação no certame como à eventual e futura execução do contrato.

 

Já numa impugnação de uma contratação direta o interesse acima descrito por óbvio inexiste, restando “apenas” àquele que é reservado para qualquer interessado: o do exercício da accountability, algo que, convenhamos, nem de longe reflete, na prática, a maioria dos motivos que ensejam a impugnação de editais no dia a dia das licitações.

 

Além de uma eventual falta de “interesse prático” em impugnar uma contratação direta outro empecilho será o estranhamento por parte da Administração Pública, vez que, diante mesmo até da aridez com que o tema é debatido na doutrina, é bem provável que ocorram situações até de não conhecimento de eventuais impugnações.

 

Mas, tirando tais questões de ordem prática, de fato, ao fim e ao cabo, conclui-se que não há motivos que juridicamente impeçam a impugnação de uma contratação direta a partir da publicação do ato que a autorizar.

 

Por Aldem Johnston Barbosa Araújo, advogado de Mello Pimentel Advocacia.

E-mail: [email protected].



[1] Pedra, Anderson Sant’Ana, artigo 164, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei nº 14.133, de 1º de Abril de 2021 - Volume 2, Fortini, Cristiana; Oliveira, Rafael Sérgio Lima de; Camarão, Tatiana (Coord.)., Belo Horizonte: Fórum, 2022, pág. 505.

[2] Boselli, Felipe, artigo 72, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei nº 14.133, de 1º de Abril de 2021 - Volume 2, Fortini, Cristiana; Oliveira, Rafael Sérgio Lima de; Camarão, Tatiana (Coord.)., Belo Horizonte: Fórum, 2022, págs. 45/46.

[3] “A impugnação a esse procedimento é até possível, mas não sob o fundamento de infração às regras legais previstas para as modalidades de licitação. A impugnação dar-se-á em vista dos princípios disciplinadores da atividade administrativa genérica. Assim, será possível atacar os atos praticados com desvio ou abuso de poder, eivados de erro de fato, produzidos com vício de não razoabilidade etc.” (Justen Filho, Marçal, Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.1333/2021, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, págs. 948/949)

Sobre o autor
Aldem Johnston Barbosa Araújo

Advogado em Mello Pimentel Advocacia. Membro da Comissão de Direito à Infraestrutura da OAB/PE; Autor do livro "Processo Administrativo e o Novo CPC - Impactos da Aplicação Supletiva e Subsidiária" publicado pela Editora Juruá; Articulista em sites, revistas jurídicas e periódicos nacionais; Especialista em Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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