RESUMO
O presente trabalho analisa o instituto da prisão preventiva e o conceito de ordem pública como fundamento para legitimá-la. É um estudo de descoberta sobre o que a doutrina e os tribunais superiores compreendem como situação apta a segregar cautelarmente alguém que traz consigo uma garantia constitucional de não culpabilidade. Apresenta a prisão cautelar sob a ótica das sete constituições que permeiam a história do país, fazendo uma abordagem ainda de como o tema é tratado à luz do direito comparado. Os referenciais teóricos utilizados foram livros de autores consagrados no assunto, artigos publicados na rede mundial de computadores, análise da legislação, bem como do entendimento jurisprudencial acerca do tema. O método de abordagem na pesquisa é o indutivo, com pesquisa bibliográfica e documental com o fim de se estudar o instituto da prisão processual. Com o estudo foi possível perceber que grande parte das prisões provisórias no Brasil são decretadas sob o fundamento de se garantir a ordem pública. O conceito de ordem pública é vago e abstrato. Desprovido de valor concreto. Tornando, dada sua imprecisão, qualquer circunstância como idônea a legitimar a segregação cautelar. Com o advento da Lei 12.403/11, que previu diversas alternativas à prisão, as cautelares são pouco utilizadas. É como se houvesse uma preferência pela prisão. Em um Estado Democrático de direito a liberdade é a regra. Prisão somente quando houver permissivo legal e diante de situações que realmente requeiram a medida extrema.
Palavras-chave: Liberdade. Prisão Preventiva. Ordem Pública. Cautelares Alternativas. Lei 12.403/11.
Abstract
This paper analyzes the instinct of pre-trial detention and the concept of public order as a basis for legitimizing it. It is a study of discovery of what doctrine and the higher courts understand as a situation apt to cautiously segregate someone who carries with him a constitutional guarantee of non-culpability. It presents the precautionary arrest from the perspective of the seven constitutions that permeate the history of the country, taking also an approach of how the subject is treated in the light of comparative law. The theoretical references used were books by well-known authors, articles published in the world wide web, analysis of the legislation, as well as the jurisprudential understanding on the subject. The method of approach in the research is the inductive, with bibliographical and documentary research in order to study the institute of procedural prison. With the study it was possible to realize that most of the provisional prisons in Brazil are decreed on the grounds of ensuring public order. The concept of public order is vague and abstract. Devoid of concrete value. Turning, given its inaccuracy, any circumstance as suitable to legitimize precautionary segregation. With the advent of Law 12.403 / 11, which provided for several alternatives to imprisonment, precautionary measures are rarely used. It is as if there is a preference for prison. In a democratic state the right to liberty is the rule. Imprisonment only when legally permissive and in situations that really require extreme measure.
Keywords: Freedom. Preventive Prison. Public order. Alternative Precautions. Law 12.403/11.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 previu que a liberdade constitui um direito fundamental de todo indivíduo, trazendo ainda a premissa de que ninguém seria considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Não obstante, o texto constitucional fez previsão de que a prisão seria possível ainda fora da situação acima descrita, nos casos de flagrante delito e por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, abrindo com isso margem para a legalização das prisões provisórias.
A prisão preventiva, modalidade de medida cautelar existente no ordenamento jurídico, será o principal objeto de estudo deste trabalho, bem como a análise do conceito de ordem pública como requisito para legitimá-la.
A Lei 12.403/11 alterou o Código de Processo Penal trazendo medidas cautelares diversas da prisão, devendo esta ser utilizada somente quando as demais se mostrarem insuficientes e ineficazes. Preceituou que a medida extrema será devida quando estiver fundamentada na garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.
Desta feita, percebe-se que um dos motivos autorizadores da prisão possui um conceito vago e abstrato, qual seja, ordem pública. Sendo assim, mostra-se como imprescindível uma análise deste termo, uma vez que consiste no principal argumento usado pelos juízes quando da decretação da medida extrema.
Sua importância mostra-se indubitável pois a grande maioria das prisões provisórias são decretadas com base em um motivo que não se sabe ao certo o que significa. Olhando por este viés, qualquer situação pode configurar uma causa que consubstancie a necessidade de se manter o acusado recluso.
A problemática que permeia o objeto desta pesquisa consiste em averiguar, à luz da doutrina e jurisprudência, qual o significado do termo ordem pública com o fim de justificar a medida excepcional da prisão antes de uma sentença condenatória.
Desta forma, buscar-se-á estudar quais motivos de fato constituem fundamentos idôneos para segregar cautelarmente alguém que traz consigo uma presunção constitucional de não culpabilidade. Isto será feito com uma perquirição à luz da jurisprudência dos tribunais superiores, bem como por uma sucinta análise de como o tema é tratado no âmbito do direito comparado.
No primeiro capítulo será feita uma abordagem do instituto da prisão sob a égide do sistema processual vigente. De início se fará um breve relato de como a medida, especialmente a prisão cautelar, foi tratada ao longo das sete constituições que permeiam a história do Brasil.
Analisar-se-ão ainda as espécies de prisão atualmente existentes no constitucionalismo brasileiro – em flagrante, temporária, em decorrência da decisão de pronúncia e de decisão condenatória não transitada em julgado e a preventiva- detendo-se em suas principais características.
A restrição à liberdade será analisada ainda sob o viés do princípio da homogeneidade, o qual preceitua que uma medida cautelar não pode se mostrar mais gravosa do que seria a pena eventualmente imposta em caso de condenação.
No segundo capítulo, realizar-se-á uma abordagem mais minuciosa sobre o instituto da prisão preventiva, principal medida acautelatória do sistema processual brasileiro. Nele se analisarão os pressupostos autorizadores da cautelar extrema; detendo-se, porém, de forma mais aprofundada no conceito de ordem pública, termo cujo significado será estudado à luz da doutrina, bem como do entendimento jurisprudencial acerca do que de fato representa.
A medida será analisada ainda sob a perspectiva do direito internacional, tendo por objeto de estudo dois países europeus, Portugal e Itália, a fim de se possuir uma noção de como o encarceramento antes de uma sentença condenatória é admitido fora do Brasil.
Uma vez que a liberdade constitui a regra em um estado democrático, abordar-se-á a necessidade de fundamentação idônea a fim de legitimar um decreto prisional. A segregação cautelar justificada tão somente na menção à garantia da ordem pública, de modo genérico, sem a indicação da presença dos requisitos no caso concreto consiste em uma inconstitucionalidade uma vez que, dado seu caráter de direito fundamental, mitigar a liberdade de qualquer investigado deve ser a medida utilizada somente quando as demais alternativas se mostrarem ineficazes e quando restar comprovada a existência de um risco concreto para a sociedade e para o transcorrer processual.
A discussão do tema mostra-se pertinente porque o legislador permitiu que a liberdade de alguém fosse cerceada com base em uma situação cujo conceito mostra-se vago e impreciso. Assim sendo, busca-se analisar o conceito de ordem pública para fins de decretação da prisão preventiva tendo por base a presunção de inocência trazida pela Carta Maior de 1988.
2. 2. A PRISÃO NO SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO
2.1. A IDEIA DE PRISÃO: A EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL DE UM CONCEITO
A Constituição Federal de 1988 consagrou como direito fundamental do indivíduo a liberdade. Compreendido como direito de primeira geração, entendendo-se estes como aqueles em que o Estado deve abster-se de interferir de forma arbitrária na vida de seus administrados. Mostra-se como regra em um Estado Democrático de Direito, devendo ser mitigado em situações estritamente necessárias, quando houver permissivo legal.
Será abordado um conceito de prisão, que evoluiu ao longo da história do sistema constitucional brasileiro.
A Constituição do Império, outorgada em 1824, já possuía como uma de suas bases a garantia da liberdade. Segundo seus preceitos, ninguém poderia ser preso sem culpa formada, salvo nos casos expressamente previstos em lei, devendo nessas circunstâncias o recluso ficar ciente, por meio de uma nota assinada pelo juiz, dos motivos que ensejaram em sua prisão, bem como do nome do acusador e das testemunhas, se existentes. (BRASIL,1824).
É possível perceber que já no período imperial havia uma preocupação para que a prisão somente fosse utilizada em situações realmente necessárias. Ao ser preso, antes de ser considerado culpado, o indivíduo recluso recebia uma espécie de explicação, por parte da autoridade judicial competente, com os fundamentos fáticos que autorizaram sua privação de liberdade.
Desta feita, percebe-se que já no início do século XIX, construía-se um entendimento de que ninguém poderia ser levado recluso por mera deliberação da autoridade estatal, necessitando, portanto, da estrita observância aos ditames da lei. Para ser executada a prisão, necessitava-se de ordem escrita que fosse emanada de uma autoridade legítima, a exceção seria quando se estivesse diante de um flagrante delito. (BRASIL, 1824).
Com a Proclamação da República ocorrida em 1889, a então Constituição, que vigia desde a época imperial, já não representava os ideais da nova estrutura administrativa que arvorecia. Desse modo, mostrava-se necessária uma ruptura com o sistema legal anterior, bem como a organização de um novo modelo estatal a ser perseguido. Com isso, após dois anos, estava pronta a nova carta constitucional, a primeira da era republicana, promulgada em 24 de fevereiro de 1891.
No que se refere ao instituto da prisão, pouco, ou mesmo nada, inovou em relação à norma jurídica que lhe antecedeu. Para que alguém fosse levado à prisão, necessária seria a condição de culpado. A exceção a tal preceito seria o flagrante delito, a decisão de pronúncia e os casos expressos em lei, devendo, nestes últimos casos, a ordem prisional ser escrita e vir assinada por autoridade competente. (BRASIL, 1891).
Autoridade competente era o termo usado pela Constituição ao se referir a quem detinha o poder de expedir uma ordem de prisão. A norma não traz autoridade judicial, mas tão somente autoridade competente, deixando margem para a interpretação de que o direito à liberdade não estava nas mãos apenas das autoridades judiciais, mas também das administrativas e políticas.
A Constituição de 1934 foi a segunda da Era Republicana e foi promulgada durante o governo provisório de Getúlio Vargas:
Seu objetivo era o de melhorar as condições de vida da grande maioria dos brasileiros, criando leis sobre educação, trabalho, saúde e cultura. Ampliando o direito de cidadania dos brasileiros, possibilitando a grande fatia da população, que até então era marginalizada do processo político do Brasil, participar então desse processo. A Constituição de 34 na realidade trouxe, portanto, uma perspectiva de mudanças na vida de grande parte dos brasileiros. (ERA... 2019)
No que concerne à possibilidade de encarcerar alguém, seu grande diferencial em relação às constituições anteriores foi a previsão expressa de que a prisão ou detenção de qualquer pessoa seria imediatamente comunicada ao juiz competente. Tal previsão visava a que o juiz analisasse as prisões ocorridas e as relaxasse caso as considerasse ilegais. (BRASIL, 1934).
A Constituição de 1937, por sua vez, foi a quarta da história do Brasil e, quanto a sua origem, foi a segunda outorgada. Foi uma carta constitucional cujo teor era eminentemente ditatorial a ponto de dissolver a Câmara, o Senado e as Assembleias Estaduais, voltando ainda, a prever a pena de morte, abolida desde a primeira Carta Constitucional Brasileira, de 1891.
No que diz respeito ao uso da prisão, Silva (2012), esclarece que:
O uso político do aprisionamento foi intensificado durante o Estado Novo, mas isso não era em si uma novidade, afinal, o recurso à pena de prisão contra os adversários políticos já havia sido empregado nas primeiras gestões republicanas, durante os estados de sítio que caracterizaram a República Velha.
Em que pese a ponderação acima, o texto constitucional previa a prisão somente em situação de flagrante delito, quando o investigado fosse pronunciado ou, nas situações previstas em lei, por ordem escrita da autoridade competente. (BRASIL, 1937).
A Constituição de 1946 foi promulgada na vigência do governo do Presidente Eurico Gaspar Dutra após o regime político do Estado Novo e elaborada em um período de redemocratização do país. Em relação ao decreto prisional, não produziu alterações em relação ao que já vinha sendo previsto nas constituições anteriores.
Estabeleceu que somente seria devida a prisão em flagrante ou, por ordem escrita da autoridade competente, nos casos previstos na lei. (BRASIL, 1946).
Não havia nenhuma exigência de que a ordem de prisão fosse fundamentada, apenas escrita, desta forma, abria-se margem para a subjetividade da autoridade judicial que poderia expedir um decreto de prisão sem necessitar tecer maiores esclarecimentos sobre sua necessidade.
A Constituição de 1967 foi a última de origem outorgada da história do Brasil. Pensada em um momento de bastante instabilidade política, reverberou os sentimentos autoritários daqueles que governavam o país. Elaborada durante o regime militar, pouca efetividade produziu, uma vez que as normas que realmente regiam o país eram os atos institucionais decretados.
À semelhança das anteriores, dispunha que ninguém seria preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita da autoridade competente, devendo ser imediatamente comunicada ao juiz competente. (BRASIL, 1967).
Nesse sentido, Santos (2017), explica seu objetivo:
A Carta de 1967 mal escondia seu caráter puramente formal, pois tinha força de lei inferior aos atos institucionais e era redigida de modo vago o bastante para permitir quaisquer desmandos dos governantes. Em sua vigência, ela incorporou 13 atos institucionais, 67 atos complementares e 27 emendas, sendo, portanto, a mais instável e arbitrária das constituições brasileiras.
O Ato Institucional nº 5 suspendeu a garantia do Habeas Corpus, remédio constitucional que assegurava o direito à liberdade, bem como restringiu o exercício de qualquer direito público ou privado. Entendendo-se a liberdade como um direito público, esta poderia ser suprimida sem possibilidade de alteração, uma vez que o ato previa ainda que os atos praticados de acordo com suas normas não seriam passíveis de apreciação judicial. (BRASIL, 1969).
Após mais de 20 anos de Ditadura Militar, o Brasil passou por um processo de redemocratização que culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988, também chamada de Constituição Cidadã, dado seu caráter protetivo no que concerne aos direitos individuas.
Buscou restabelecer direitos que haviam sido suprimidos durante o período ditatorial, bem como forneceu garantias para efetivá-los, tais como os remédios constitucionais do habeas data, para garantir o direito à informação; do habeas corpus para assegurar o direito de locomoção e do mandado de segurança, para proteção aos direitos líquidos e certos, não amparados pelos remédios anteriores.
2.2 ESPÉCIES DE PRISÃO NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
Segundo o que preceitua o texto constitucional de 1988, a todos, sem nenhuma espécie de discriminação em razão da cor ou classe social, é devido o direito à liberdade, todavia, assim como os demais direitos, este não possui caráter absoluto, uma vez que a própria Carta Maior trouxe consigo as situações em que tal direito poderá ser restringido.
Em seu artigo 5°, inciso LXI, estabelece-se como regra que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem fundamentada de autoridade competente, sendo ressalvados os casos envolvendo as transgressões e os crimes definidos em lei como militares.
Para se restringir a liberdade em um Estado de Direito, tal como o Brasil, faz-se necessário apreender o agente transgressor na prática do ato delitivo, ou estar em posse de uma ordem, emanada de um agente estatal investido de jurisdição, que aponte os fundamentos fáticos e jurídicos que darão ensejo a uma prisão. Fora das hipóteses mencionadas, prevalece a regra de que todos são livres para se locomoverem dentro do território nacional.
Isto posto, passa-se a análise das modalidades de prisão que atualmente vigoram no sistema processual brasileiro.
Como primeira a ser analisada, tem-se a prisão em flagrante que de acordo com os ensinamentos trazidos por Nucci (2016, p.554), consiste em “modalidade de prisão cautelar, de natureza administrativa, realizada no instante em que se desenvolve ou termina de se concluir a infração penal”.
Isto posto, entende-se como em flagrante aquele que é apanhado praticando o ato criminoso ou mesmo acabando de encerrá-lo. Tal modalidade de prisão tem como fim impedir a consumação do delito bem como a evasão do autor do local do fato.
Nucci (2016, p.554) aponta para a desnecessidade de autorização judicial para a realização da prisão uma vez que não se mostra lógico ficar impedido de conter alguém que infringe uma norma do ordenamento de jurídico pátrio simplesmente por estar desprovido de uma ordem emanada da autoridade judicial.
Segundo o Código de Processo Penal, a prisão em flagrante possui duas naturezas quanto a sua obrigatoriedade. Quando quem presenciar a ocorrência do crime ou contravenção penal for qualquer do povo, este terá o direito de prender o infrator, não sofrendo nenhuma reprimenda caso opte por nada fazer. Contudo, quando o expectador do fato criminoso for autoridade policial ou seus agentes, estarão estes obrigados a realizarem a prisão, podendo vir a serem responsabilizados caso não a realizem. (BRASIL,1941).
Para Cruz (2018, p.233), a prisão em flagrante não se trata de uma medida cautelar, mas sim pré cautelar, uma vez que seu objetivo consiste tão somente em pôr fim a prática criminosa, impedir a fuga do infrator, bem como preservar alguma prova a fim de ser usada no transcorrer da instrução criminal.
A prisão em flagrante será imediatamente comunicada ao juiz que poderá relaxá-la, caso entenda que a ocorrência esteja maculada por vícios de legalidade, convertê-la em prisão preventiva, quando presentes os requisitos autorizadores de sua decretação, ou conceder ao flagranteado o instituto da liberdade provisória, com ou sem o pagamento de fiança. (BRASIL,1988).
As alterações trazidas pela Lei 12.403/11, segundo Cruz (2018, p.233), deram à prisão em flagrante um caráter diminuto de duração, qual seja 24 horas, uma vez ser esse o tempo previsto para a apresentação do flagranteado perante o juízo competente. Na oportunidade, o juiz decidirá pela ilegalidade da prisão, por sua conversão em preventiva ou pela concessão da liberdade provisória, com ou sem fiança. Desta feita, tal espécie de prisão não requer maiores esclarecimentos, pois após sua lavratura o agente delituoso será posto em liberdade, ou continuará preso, porém com outra fundamentação.
Feitos breves esclarecimentos acerca da prisão em flagrante, passa-se à análise da prisão temporária.
Foi introduzida no ordenamento jurídico pátrio pela Lei 7.960/89. Segundo seus dispositivos, será devida quando for imprescindível às investigações do inquérito policial e quando houver fundadas razões de autoria ou participação nos crimes previstos em seu art.1°, inciso III.
Conforme entendimento de Lima (2016, p.1314)
Consiste em uma modalidade de prisão cautelar decretada pela autoridade judiciária competente durante a fase preliminar de investigações, com prazo preestabelecido de duração, quando a privação da liberdade de locomoção do indivíduo for indispensável para a obtenção de elementos de informação quanto à autoria e materialidade das infrações penais.
Do conceito apresentado acima é possível extrair algumas conclusões a respeito do objeto de estudo em questão.
É devida exclusivamente durante a fase inquisitorial das investigações, ou seja, nos procedimentos administrativos. Isto se justifica porque seu objetivo consiste em obter meios, que podem ser comprometidos, caso o investigado esteja em liberdade, a fim de lastrear uma possível ação penal.
Não poderá ser decidida de ofício pelo juiz, para não ferir o sistema acusatório, dependendo de representação da Autoridade Policial ou requerimento do Ministério Público para ser decretada.
O direito à liberdade consiste no rol daqueles considerados indisponíveis, inerente à própria condição humana. Para limitá-la, ainda que por breve tempo, é necessária a apresentação de motivos idôneos, que realmente consubstanciem a indispensabilidade da reclusão.
Não se pode punir alguém restringindo sua liberdade tão somente por ser alvo de algum procedimento investigativo. Ser o sujeito passivo de uma operação estatal que busca averiguar a ocorrência de crimes não significa necessariamente que os tenha praticado.
Sendo assim, a prisão temporária somente deve ser decretada em casos em que se mostre realmente necessária, comprovando-se ainda que os outros meios cautelares existentes não se apresentam como suficientes ao caso concreto. Não é toda infração penal que autoriza sua decretação, mas somente aquelas expressamente trazidas pela norma legal e quando adicionada a situações que exijam sua indispensabilidade.
Um dos atributos da prisão temporária consiste na efemeridade de sua duração. De acordo com a lei que a instituiu, seu prazo será de 05 dias prorrogáveis por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade. Segundo Nucci (2016, p.578), esgotado o prazo inicialmente estabelecido pelo juiz, deve o encarcerado ser imediatamente posto em liberdade, sem necessidade da expedição de alvará de soltura. Caso não o faça, a autoridade responsável pela manutenção em custódia será responsabilizada por abuso de autoridade.
Segundo a lei que a instituiu, seu prazo de duração será de 30 dias, prorrogável por igual período desde que o crime em averiguação se trate de tráfico de drogas, terrorismo, tortura ou qualquer um daqueles previstos na lei de crimes hediondos.
A previsão legal autorizando a prorrogação do prazo da prisão não pode ser encarada como um permissivo para deixar o acusado injustificadamente por mais tempo privado de sua liberdade. A norma vislumbrou situações em que a grande quantidade de fatos a serem apurados ou de pessoas a serem investigadas tornaria impossível o êxito das apurações com o prazo inicialmente previsto, porém para sua ocorrência, faz-se necessário não apenas o requerimento ao juiz responsável, mas principalmente, a apresentação dos fundamentos que respaldarão na necessidade de manter o investigado no cárcere.
Tal entendimento coaduna com os ensinamentos trazidos por Lima (2016, p.1.329) pois assevera que a prorrogação do tempo de prisão não ocorre de forma automática. O que dará azo a sua prorrogação são os elementos colhidos durante o período em que o investigado esteve preso, devendo esses apontarem para a necessidade impreterível da continuação da segregação cautelar.
Doravante se analisam duas modalidades de prisão que chegaram a ser obrigatórias no ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se das prisões em decorrência da decisão de pronúncia e de sentença penal condenatória recorrível.
Predominava no judiciário brasileiro a ideia de que, ao entender o juiz que o réu seria levado a júri popular, estar-se-ia diante de uma situação autorizadora do decreto de prisão.
Segundo Lima (2016, p. 1.332), a decisão que ensejasse na pronúncia do réu “estabelecia como efeito automático a prisão do acusado, salvo se primário e portador de bons antecedentes”. Isso ocorria porque se tinha em mente que, ao tomar conhecimento de que seria submetido a julgamento perante o tribunal do júri, o réu se evadiria do distrito da culpa. Cruz (2018, p.59).
Pensamento semelhante diz respeito a quem era condenado, mesmo ainda cabendo recurso. Segundo Lima (2016, p.1.332) ao ser proferida uma sentença penal, ainda que passível de reformulação por meio de recursos, a prisão ocorria como efeito automático.
Tais previsões apontam para uma afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência. O acusado, que até então gozava de sua liberdade enquanto aguardava o transcorrer do processo, via-se privado dela de forma abrupta, tão somente por ser pronunciado ou mesmo considerado culpado, mas ainda por uma sentença passível de recurso.
Tendo por base o primado constitucional da presunção de inocência, em matérias envolvendo a liberdade do indivíduo, não há espaços para presunções ou achismos, ou se possuem fatos concretos para a manutenção de alguém em cárcere ou não restará alternativa que não seja sua liberdade.
Um decreto prisional após uma decisão de pronúncia ou mesmo após uma condenação passível de recurso, é plenamente possível, o que não se mostra razoável é que essas circunstâncias, por si sós, motivem a cautelar extrema. Os motivos autorizadores serão os mesmos que constituem os pressupostos da prisão cautelar. Se o pronunciado ou condenado ameaçar, de alguma forma, o transcorrer da investigação criminal, estar-se-á diante de uma situação que autoriza a reclusão do investigado.
Nesse sentido, ensina Lopes Junior (2016, p.361):
O que legitima a prisão é sua natureza cautelar e a existência de periculum libertatis (aqui, risco de fuga). Assim, se o réu respondeu a todo o processo em liberdade, por ausência de necessidade da prisão preventiva, quando condenado, a tendência lógica é que recorra em liberdade.
Isto posto, o que legitima a privação da liberdade não é uma ocorrência objetiva, e sim uma análise minuciosa de sua necessidade à luz do caso concreto.
Feitas estas breves ponderações será analisada a prisão mais comum e a mais banalizada do sistema processual penal brasileiro, cujos elementos autorizadores abrem margem a grandes discussões, dado muitas vezes, o caráter subjetivo de seus conceitos.
Trata-se, portanto, da prisão preventiva, terceira alternativa de que dispõe a autoridade judicial ao receber o auto de prisão em flagrante e principal objeto de estudo deste trabalho. (BRASIL,1941).
Buscando conceituar tal modalidade de cerceamento de liberdade Nucci (2016, p.577) nos assegura que se trata de uma medida cautelar de constrição à liberdade do indiciado ou réu, por razões de necessidade, respeitados os requisitos estabelecidos em lei.
Isto posto, é possível se depreender que, diferentemente da prisão temporária, devida exclusivamente durante a fase de investigação policial, a prisão preventiva pode ser decretada a qualquer momento, tanto no transcorrer do procedimento inquisitorial administrativo, quanto no curso da ação penal.
Por sua vez, para Lima (2016, p.1262) consiste em uma:
Prisão cautelar decretada pela autoridade judiciária competente, mediante representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, em qualquer fase das investigações, ou do processo criminal (nesta hipótese também pode ser decretada de ofício pelo magistrado), sempre que estiverem preenchidos os requisitos legais (CPP, art. 333) e ocorrerem os motivos autorizadores listados no art. 312 do CPP, e desde que se revelem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão (CPP, art. 319).
Segundo o Código de Processo Penal, “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.” (BRASIL,1941).
A parte final do artigo menciona os pressupostos autorizadores da medida cautelar de prisão, fumus comissi delicti e o periculum libertatis.
Somente será possível privar alguém de sua liberdade quando houver indícios suficientes de que foi ele que cometeu o crime ou mesmo que concorreu para sua efetivação. Não há margem, em um Estado de Direito que prima pela presunção de inocência, para que prisões sejam decretadas sem que haja indícios que apontem para autoria.
Não se mostra salutar privar alguém de um direito fundamental somente porque há indícios de que cometeu um crime. É imprescindível que sejam indícios concretos, caso contrário, deve ser adotada uma outra medida cautelar, pois não é a prisão meio idôneo para se comprovar a participação de alguém em um fato criminoso.
O perigo que representa a liberdade do indivíduo é outro pressuposto que autoriza, em comunhão com o primeiro, a prisão antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Para prender não é suficiente a prova cabal de cometimento do delito, pois esta deve atrelar-se ao perigo que o acusado pode causar ao curso das investigações caso permaneça solto.
Isto posto, da leitura do dispositivo legal acima, o juiz ao cogitar decretar a prisão preventiva de alguém deve inicialmente se ater a seus pressupostos. Uma vez estando estes devidamente comprovados, ele analisará se os requisitos autorizadores, presentes no art. 313 do CPP (garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, garantia da aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal), também se encontram presentes, caso não estejam, deve a autoridade judicial valer-se de outros meios acautelatórios.
A possibilidade de decretação da prisão preventiva sofreu importantes alterações com o advento da Lei 12.403/11, pois esta trouxe alternativas a serem observadas pelo réu ou acusado com o fim de não mais restringir sua liberdade. Restando, portanto, devida somente nos casos expressamente previstos e quando outra medida não se mostrar igualmente eficaz ao fim almejado.
Segundo Lima (2016, p.1.268) não se mostra mais suficiente o simples indício de que o agente cometeu de fato o crime, ou mesmo o perigo que sua liberdade pode ocasionar ao curso do processo, devendo tais pressupostos virem acompanhados da comprovação, no caso concreto, de que as outras medidas cautelares disponíveis se mostram insuficientes.
Conforme contextualiza Cruz (2018, p.252) o objetivo da prisão preventiva deve ser o de resguardar o processo penal, ou seja, as provas trazidas aos autos devem estar desprovidas de quaisquer ameaças, perturbações, desvios de finalidade, ou qualquer outra interferência que tenha o condão de influenciar ou alterar a verdade dos fatos que se buscam apurar.
Sempre que o investigado em liberdade estiver agindo de forma a comprometer a veracidade das investigações, estar-se-á diante de uma situação que autoriza sua segregação cautelar. O objetivo de uma prisão cautelar não consiste em punir o infrator pela prática do crime praticado - tal fim é reservado à prisão-pena, em caráter de sentença penal condenatória - mas terá como alvo garantir que o transcurso do processo ocorra sem interferências por parte do investigado.
O simples fato de alguém figurar no polo passivo de uma investigação criminal não o torna, por si só, culpado. A condição de inocente deve perdurar até que sobrevenha uma condenação penal em caráter definitivo.
Somente após tal ocorrência é que o condenado poderá ter seus direitos restringidos, tais como a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a obrigação de indenizar o dano causado e, logicamente, a perda ou limitação de sua liberdade de locomoção, dentro ou fora do território nacional. (BRASIL, 1940).
A modalidade de prisão preventiva será melhor estudada no próximo capítulo, oportunidade em que será feita uma análise dos principias motivos que ensejam em sua decretação.
2.3 A PRISÃO PROCESSUAL E O PRINCÍPIO DA HOMOGENEIDADE
O direito à liberdade, seja ela de naturais ou estrangeiros, apresenta-se como princípio basilar de um Estado Democrático. Enclausurar alguém deve ficar restrito a situações excepcionais, quando nenhuma outra medida se apresentar como mais oportuna.
O legislador originário estabeleceu que somente haverá crime se houver previsão legal antes de seu cometimento e que a pena a ele cominada também deve estar prevista em lei. Trazendo, portanto, a ideia de que ninguém ficará privado de sua liberdade por tempo indeterminado. (BRASIL, 1940).
Sendo assim, ao cometer um ilícito penal, o infrator já possui uma ideia clara de qual pena será aplicada, já sabendo o tempo máximo que terá mitigado o seu direito de ir e vir. O problema ocorre quando a prisão se dá no curso do processo, ou seja, antes de se ter certeza que o agente será ou não condenado.
O juiz, no curso do processo ou mesmo das investigações, possui como medida cautelar a ser aplicada, a possibilidade de decretação de uma prisão preventiva. Devida quando se mostrarem evidentes os requisitos e pressupostos autorizadores, não possui, a priori, um prazo preestabelecido, estendendo-se, muitas vezes, por um tempo superior ao que o investigado ficaria preso caso viesse a ser condenado.
Tal mazela processual fere o princípio da homogeneidade ou proporcionalidade, segundo o qual uma medida cautelar não pode mostrar-se mais gravosa do que seria a pena eventualmente aplicada. Assim sendo, não pode alguém ficar recluso, em caráter cautelar, por tempo superior ao que ficaria caso sobreviesse uma condenação.
A legislação, buscando assegurar a aplicação de tal princípio, estabeleceu que a prisão preventiva somente será devida em crimes dolosos cuja reprimenda for superior a 04 anos. Sendo assim, os crimes de ação culposa e aqueles cuja sanção for de até 04 anos não autorizam a decretação da cautelar extrema. (BRASIL, 2011).
Em que pese a previsão legal, bem como decisões jurisprudenciais em consonância com o que preceitua o princípio da homogeneidade, sabe-se que é um mal ainda não extirpado no processualismo brasileiro, uma vez que não é raro encontrar situações em que o auto de prisão em flagrante é imediatamente convertido em prisão preventiva, ficando o investigado preso durante todo o transcorrer do processo para, a seu término, receber uma sentença absolutória, ou mesmo condenatória, mas com uma pena tão ínfima que tornaria possível a aplicação dos institutos despenalizadores trazidos pela Lei 9.099/95 ou mesmo a substituição por uma pena restritiva de direito.
Não se pode conceber que uma medida cautelar se apresente de forma mais gravosa do que seria a sanção caso o acusado viesse a ser condenado. Necessário se torna compreender que durante a aplicação de uma medida cautelar o investigado ainda goza do status constitucional de não culpado, assim sendo é preciso que as medidas a ele aplicadas não se mostrem tão árduas a ponto de se confundir com a pena definitiva.
Indispensável se faz realizar um juízo de proporcionalidade entre as consequências da prisão cautelar na vida do investigado e a pena que lhe será, eventualmente, aplicada em caso de condenação.
Assim preceitua Cruz (2018, p. 130):
Somente se mostrará legítima a prisão cautelar quando o sacrifício da liberdade do investigado ou acusado for razoável (ante os juízos de idoneidade e necessidade da cautela) e proporcional (em termos comparativos) à gravidade do crime e às respectivas sanções que previsivelmente venham a ser impostas ao sujeito passivo da medida.
Na dicção de Bechara (2005, p.87) a proporcionalidade será alcançada quando houver adequação temporal, espacial e pessoal entre o meio utilizado e o efeito que se quer produzir. Para ele, o juiz deve examinar se entre a medida cautelar, considerando seus gravosos resultados, e a consequência, foi devidamente observado o princípio da homogeneidade.
Não rara as vezes em que o acusado permanece preso durante toda a instrução processual e ao receber a sentença condenatória já possui direito de progredir de regime, dado o tempo passado recluso cautelarmente.
Não se pode conceber que em um Estado Democrático de Direito, seja tolerado que alguém sofra uma reprimenda mais severa, a título provisório, do que seria a condenação. É necessário que o juiz antes de decretar a medida extrema faça uma previsão de qual será a pena aplicada ao acusado ao término do processo, para saber se se mostra pertinente ou não prendê-lo. (CRUZ, 2018, P.131).
A prisão, em sede de medida cautelar, deve sempre ser a última alternativa empregada, pois não configura como objetivo a ser perseguido pelo processo prender o suspeito a qualquer custo. Essa fase, não tem por fim dar à sociedade a resposta que requer pela violação da norma jurídica, sua função é endoprocessual, ou seja, deve ser motivada quando for necessário para garantir o êxito das investigações.
3. A ORDEM PÚBLICA E O CONCEITO DE PRISÃO PREVENTIVA
3.1. ORDEM PÚBLICA: A NORMATIVIDADE BRASILEIRA
O termo ordem pública está previsto no art. 312 do Código de Processo Penal. Junto à garantia da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal e a fim de assegurar a aplicação da lei penal, constitui um dos fundamentos autorizadores da prisão preventiva. Todavia, antes da análise de tais circunstâncias é necessário que se tenha provas da existência de um crime e indícios suficientes de autoria. (BRASIL, 1941).
Para Lopes Junior (2016, p. 340), o fumus commissi delicti, que consiste na prova da existência de um crime, deve estar corroborado por um suporte fático real capaz de indicar que a norma penal foi violada. Segundo ele, a fumaça não aponta para um juízo inconteste de veracidade, mas sim para um juízo de probabilidade, dado o lastro de evidências que permeiam a situação concreta.
Consiste no primeiro requisito a ser observado na decretação da prisão preventiva, pois antes de se cogitar uma medida excepcional tal como a mencionada, faz-se necessário apurar se o fato constitui uma conduta tipificada como crime pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Nos ensinamentos trazidos por Lopes Junior (2016, p. 241), basta que o juiz desclassifique o elemento subjetivo de dolo para culpa para que reste impossível a aplicação da medida de segregação cautelar, uma vez que para esta se exige a vontade deliberada em praticar o crime ou mesmo que se assuma o risco de produzi-lo.
No que concerne à autoria, a lei exige indícios suficientes de que a pessoa que será reclusa, foi, de fato, o sujeito ativo do crime. Tal requisito busca evitar injustiças ou que achismos e especulações motivem um decreto prisional. Não se pode prender apenas porque há especulações que apontem para a autoria. A norma requer que sejam indícios suficientes, ou seja, fatos importantes e expressivos que indiquem que ele foi quem infringiu o preceito penal.
Possui tal entendimento Bechara (2005, p.138), pois afirma que para ser aplicada uma medida cautelar é indispensável que se possua um conjunto probatório mínimo apto a indicar que o agente investigado é o autor da infração penal.
Assim sendo, se não houver provas de um crime e elementos expressivos que apontem para quem o praticou, mostra-se incabível a aplicação das medidas cautelares, ainda mais daquelas que restringem a liberdade.
A prisão preventiva pode ser decretada durante as investigações ou no transcorrer do processo criminal. O pedido pode ser por intermédio de representação da autoridade policial, a requerimento do Ministério Público, do querelante, do assistente ou decisão do juiz, neste último caso, desde que já proposta e recebida a ação penal (BRASIL, 1941).
Estando diante da prova de um crime, bem como de indícios suficientes de autoria, o juiz passa à análise dos requisitos mencionados no início deste tópico. Somente poderá ser decretada a prisão preventiva quando imprescindível for para a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal. Fora dessas situações, a cautelar extrema não deve ser admitida, devendo o aplicador da lei valer-se de medidas cautelares alternativas.
Passa-se a fazer uma breve análise dos conceitos trazidos pela lei a fim de legitimar um decreto de prisão. Sem se debruçar de forma aprofundada, uma vez que o objeto em estudo consiste no conceito do termo ordem pública para fins de decretação da preventiva.
A possibilidade de prender para garantia da ordem econômica busca proteger o mercado nacional de concorrências desleais e de qualquer ação que acarrete em prejuízos à economia brasileira. Para Lima (2016, p.1.275), as práticas deliberadas com o fim de perturbar o exercício da atividade econômica, os esforços em monopolizar o mercado, bem como a busca pelo aumento desproporcional dos lucros são situações que legitimam um decreto de prisão com base na garantia da ordem econômica.
A prisão decretada por conveniência da instrução criminal busca proteger o processo, garantindo que ele tenha seu natural desenvolvimento sem interferências que possam vir a comprometer sua lisura. Segundo os ensinamentos de Lopes Junior (2016, p. 342), a prisão será devida quando a liberdade do investigado colocar em risco as provas que fundamentam o processo, sendo mediante ameaças a peritos, testemunhas ou vítimas, seja destruindo evidências que comprovem a autoria e materialidade do crime.
O fundamento da aplicação penal tem por fim evitar que o acusado ou condenado fuja, a depender do estágio do processo, evitando com isso que lhe seja aplicado alguma sanção pelo crime cometido. Para Lopes Junior (2016, p. 342) o risco não pode ser presumido, sendo necessário que o juiz possua indícios expressivos de que agente pretende se evadir do local onde responde pelo crime.
A prisão preventiva é possível ainda para o fim de garantir a ordem pública, principal objeto deste trabalho. A celeuma que permeia essa autorização legal ocorre justamente em seu conceito, pois apresenta-se de modo vago e impreciso. Decretar a prisão alegando simplesmente necessidade em resguardá-la é abrir margens para decisões arbitrárias e, como não se possui uma definição precisa do que o termo ao certo significa, possibilita que qualquer situação, no entendimento do juiz, configure violação a tal ordem.
Tal pensamento coaduna com o de Lopes Junior (2016, p.342) pois segundo ele, a decretação da preventiva com o fim de garantir a ordem pública consiste no fundamento preferido dos juízes, uma vez que ninguém sabe ao certo o que o termo significa.
Pelo fato de não se possuir um conceito preciso, não deve ser admitido que qualquer interpretação conceda azo aos juízes a fim de decretarem a medida extrema. Muitos juízes ao decretarem a prisão preventiva apenas mencionam a ordem pública como fundamento, sem exporem os fatos concretos que realmente ameaçam a ordem social.
Faz necessária a compreensão de que, no que diz respeito à prisão preventiva, ela não possui o caráter retributivo inerente à prisão-pena, entendendo-se a que se efetua após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, pois seu fim é proteger o processo. Logo se o agente infrator não apresenta nenhuma atitude que venha a comprometer seu natural transcorrer, inviável se mostra a decretação da cautelar extrema.
Segundo preconiza Lima (2016, p.1.271) entende-se garantia da ordem pública:
como risco considerável de reiteração de ações delituosas por parte do acusado, caso permaneça em liberdade, seja porque se trata de pessoa propensa à prática delituosa, seja porque, se solto, teria os mesmos estímulos relacionados com o delito cometido, inclusive pela possibilidade de voltar ao convívio com os parceiros do crime.
Em um estado democrático de direito, admitir a prisão, em caráter cautelar, pelo simples fato de que solto o agente voltará a conviver com os mesmos ciclos de amizade anteriores à prática delituosa, soa como uma afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência, uma vez que não é possível enclausurar tão somente porque o rol de amizades do investigado o incita a continuar praticando crimes. O agente não condenado em sentença criminal definitiva continua a gozar da condição de não culpabilidade trazida pela Carta Maior.
3.2. A PRISÃO PREVENTIVA SOB A PERSPECTIVA INTERNACIONAL
A Lei 12.403, em vigor desde 2011, provocou importantes alterações no que concerne à utilização das medidas cautelares no processo penal, pois trouxe um rol de alternativas à aplicação da prisão. Assim sendo, ela passou a ter um caráter ainda mais excepcional, sendo a via eleita somente quando se mostrarem insuficientes ou inadequadas as cautelares que lhe são diversas.
Diante de um caso concreto que requeira a aplicação de alguma medida cautelar, a autoridade judicial deve proceder a uma análise das alternativas que a lei trouxe. Após minuciosa verificação de que nenhuma delas será suficiente a resguardar aquilo que está em risco no processo, e desde que observados os requisitos estudados no item anterior, poderá valer-se da cautelar extrema. Sempre deverá ser usada como última opção, quando estritamente necessária, diante de um risco evidente.
A lei fez previsão ainda de que a prisão preventiva somente seria possível em crimes dolosos cuja sanção seja superior a 04 anos. Desta forma, excluiu de sofrer a medida drástica aqueles que infringiram a norma penal de forma não deliberada, bem como aqueles que praticaram atos cuja reprimenda autorizasse o aberto como regime inicial de cumprimento da pena, ou mesmo quando se mostrasse possível a substituição por uma medida restritiva de direito.
Feitas breves observações no que concerne às alterações trazidas ao ordenamento pátrio pela mencionada lei, passa-se a fazer uma sucinta análise de como ocorre o instituto da prisão preventiva no âmbito do direito internacional. Buscaram-se exemplos nas legislações de dois países europeus.
Segundo consta em seu preâmbulo, aprovada após um período de ditadura, a Constituição da República Portuguesa buscou restituir os direitos e liberdades anteriormente restringidos ou suprimidos durante o período do colonialismo. (PORTUGAL, 1976).
Em seu art. 27, fez previsão ao direito à liberdade, devendo essa ser restringida somente em caso de sentença judicial condenatória. Porém, trouxe como uma das exceções a possibilidade de detenção ou prisão preventiva, diante de fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos. Entretanto, não será decretada, tampouco mantida quando puder ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei. (PORTUGAL, 1976).
O Código de Processo Penal português previu uma série de alternativas em substituição à prisão, tais como obrigação de apresentação periódica, suspensão do exercício de profissão ou atividade, obrigação de permanecer em residência, dentre outras. A prisão, medida de caráter eminentemente excepcional, será aplicada quando inadequadas ou insuficientes as medidas citadas. (PORTUGAL, 1987).
Nos ensinamentos trazidos por Mendonça (2017, p. 235), um ponto importante previsto na legislação portuguesa que diverge da brasileira é a previsão de reexame, por iniciativa própria da autoridade judicial, da cautelar aplicada. Desta feita, no máximo a cada três meses, o recluso tem a possibilidade de ver modificada a decisão que lhe levou à prisão.
Um dos pontos mais criticáveis que permeiam a prisão preventiva no Brasil consiste na ausência de um tempo preestabelecido para a medida. Valendo-se de um dos pressupostos autorizadores, decreta-se a cautelar extrema e ela acaba por estender-se durante toda a persecução penal, não havendo, portanto, um limite temporal a ser observado. Em virtude disso, não são raras as vezes em que o acusado fica em cárcere por tempo superior ao que seria devido, caso fosse condenado.
Ainda fazendo uma análise da prisão cautelar em países do continente europeu, passa-se a tecer comentários sobre sua aplicação na República Italiana.
A Constituição Italiana preceitua em seu art.13 ser a liberdade individual um direito inviolável não sendo admitida nenhuma espécie de restrição pessoal, salvo por decisão motivada da autoridade judicial e somente nos casos estritamente autorizados por lei. (ITÁLIA, 1947).
Nas ponderações de Mendonça (2017, p.189), a decretação da prisão preventiva mostrar-se-á inviável quando não houver uma culpabilidade comprovada. Assim sendo, se o caso concreto indicar que se trata de um crime acobertado por alguma causa de justificação ou de não culpabilidade, não será a prisão a cautelar adequada a ser aplicada.
Segundo Mendonça (2017, p.190), a aplicação de medidas cautelares no Código italiano exige a existência de riscos ao transcorrer processual, sendo eles, risco de deturpação de prova, subtração à justiça ou de perigo concreto de continuação da atividade criminosa.
A Carta Magna italiana dispõe ainda que a prisão processual deve ter seu prazo de duração previamente estabelecido por lei. Tal previsão impede que o investigado fique recluso durante toda a fase de instrução pois findo o prazo legalmente previsto, se outro motivo não autorizar sua manutenção em cárcere, deve ser necessariamente posto em liberdade. (ITÁLIA, 1947).
Não há, conforme comentários feitos, nenhum termo vago ou impreciso no ordenamento jurídico italiano que legitime a segregação cautelar de um investigado. O legislador optou por autorizar a prisão mediante conceitos precisos, que não abrem margem a interpretações destoadas da real necessidade à luz do caso concreto.
Segundo Lopes Junior (2016, p. 348), o termo ordem pública remonta à Alemanha do século passado, onde se buscava uma autorização geral e aberta para suprimir o direito à liberdade daqueles que estavam sob o regime opressor que dominava o país. A expressão, como motivo legitimador para prender antes do trânsito em julgado, não encontra respaldo nas legislações acima estudadas.
3.3 O STJ E A PRISÃO PREVENTIVA FUNDAMENTADA NA ORDEM PÚBLICA
Para uma compreensão mais acurada do estudo do direito, mostra-se pertinente sua análise sob o enfoque de três dimensões: tipificação legal, doutrina e entendimento jurisprudencial.
A observância às leis constitui o pressuposto básico para qualquer atividade no âmbito criminal. Sem elas não há crimes, penas ou mesmo persecução penal. São o viés que movimenta toda a função jurisdicional, cabendo ao Poder Legislativo elaborá-las e ao Judiciário tão somente aplicá-las diante de uma situação em concreto.
Todavia, as leis preveem apenas situações em abstrato, fazendo-se necessário, portanto, o auxílio da doutrina que consiste na pesquisa de estudiosos com o fim de melhor esclarecer aquilo sobre o qual elas fizeram previsão. A jurisprudência, por sua vez, consiste no entendimento formulado por aqueles que detêm o poder jurisdicional, com o fim de interpretá-las à luz de um caso concreto.
Os dispositivos legais que autorizam a prisão cautelar vieram dispostos na Lei 12.403/11, que alterou o Código de Processo Penal. Seu estudo foi feito nos tópicos anteriores, bem como se apontou o pensamento doutrinário a respeito do tema.
Diante da complexidade que permeia o assunto, mostra-se indispensável uma análise sobre o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, Órgão do Judiciário responsável por ser o guardião da legislação federal, a respeito de quais situações de fato autorizam a custódia cautelar com base na garantia da ordem pública.
No que concerne a inquéritos policiais e processos penais em andamento, o Tribunal possui o entendimento de que apesar de não possuírem o condão para aumentar a pena, mostram-se fundamentação suficiente à decretação da medida extrema, pois apontam para o risco de reiteração delitiva, o que se vê dos julgamentos dos Habeas Corpus n° 476830 / SP, n° 533767 / RJ e n° 535570 / MG.
Mesmo que o agente seja tecnicamente primário, é possível a decretação da prisão com o fim de resguardar a ordem pública quando seus antecedentes criminais indicarem que o episódio não constitui um fato isolado em sua vida. Em que pese não se saber ainda se haverá condenação, a contumácia em práticas criminosas indica que, permanecendo solto, há um risco de que o acusado continue a infringir a norma penal, conturbando com isso a paz e segurança da sociedade.
Ainda segundo a Corte Superior, conforme se depreende do julgamento de Recurso Ordinário em Habeas Corpus 115586/ RS, a situação de o agente ostentar condições pessoais favoráveis não impede a decretação da prisão preventiva quando, nos autos, à luz do caso concreto, há elementos que indiquem a necessidade de preservar a paz e o sossego sociais.
Assim sendo, o emprego de violência no cometimento do crime evidencia a periculosidade de quem o praticou, legitimando com isso um decreto prisional, ainda que cautelar, pois o modus operandi indica que, em liberdade, o agente põe em risco a tranquilidade pública.
Deste modo, se o agente delitivo possui circunstâncias que lhes sejam favoráveis, estas deverão ser observadas quando da dosimetria da pena, caso seja condenado. No entanto, no que concerne à custódia provisória, não terão, por si só, condições de afastá-la quando evidenciado, diante de uma situação de perigo concreto, que se trata de alguém violento em suas empreitadas criminosas.
As prisões de caráter cautelar, para não violarem o princípio constitucional da presunção de inocência, devem ser pautadas por elementos que comprovem sua real necessidade. Segundo julgado decidido pela Corte no Habeas Corpus n° 497.006/MS, a gravidade em abstrato do delito, o clamor público e a credibilidade da justiça, por si só, não justificam a segregação antecipada.
Em relação ao delito, todos eles são graves, pois violam um dever de conduta esperado de todos que compõem a coletividade. Porém, a simples menção à gravidade do crime não constitui elemento idôneo a autorizar a prisão antes de uma condenação em definitivo. O juiz não pode decretá-la argumentando tão somente que o crime apurado foi repulsivo, pois a medida cautelar não possui como fim retribuir o mal causado, assim sendo, faz-se necessário apontar porque a restrição da liberdade apresenta-se como a mais conveniente para aquele momento processual, sempre à luz do caso concreto.
No que diz respeito ao clamor público, é natural que o cidadão se sinta acuado diante da violência que se alastra pelo país, requerendo uma resposta mais incisiva por parte do Estado. Todavia, as ações estatais devem sempre basear-se na estrita observância às leis, assim sendo, não se mostra legítimo restringir a liberdade simplesmente para cumprir os anseios de justiça de pessoas que, muitas vezes, desconhecem os ditames processuais que precisam ser seguidos antes que se possa condenar alguém pela prática de um crime.
A aplicação da cautelar extrema não se deve fundamentar em fatos ocorridos no passado que em nada reverberam no atual momento da persecução penal. Se o investigado deve ser preso com base na garantia da ordem pública os motivos que legitimam a prisão devem ser atuais, a ponto de produzirem riscos iminentes, quer sejam às vítimas, ou mesmo ao andamento do processo.
Deste modo entendeu a Corte no julgamento de pedido de extensão de Habeas Corpus n° 509.878/SP, Brasil (2019) “a falta de contemporaneidade do delito imputado ao paciente e a inocorrência de fatos novos a justificar, nesse momento, a necessidade de segregação torna a prisão preventiva ilegal, por não atender ao requisito essencial da cautelaridade”. Sendo assim, mostra-se de fundamental importância que o decreto prisional esteja baseado em fatos presentes no momento em que a ordem é expedida, caso contrário, restará inegável a ilegalidade da medida cautelar.
Ainda segundo o STJ, Recurso em Habeas Corpus nº 116.383/MG, a prisão preventiva possui natureza excepcional, somente devendo ser imposta quando ficar evidenciado, com base em dados concretos, o preenchimento dos requisitos legais adicionado ao fato de a aplicação das medidas alternativas à prisão demonstrarem-se insuficientes. Em seu entendimento, a periculosidade do agente (averiguada à luz do caso concreto) e a gravidade do delito, também auferida em uma situação determinada, são circunstâncias que atestam a necessidade da medida cautelar, pois demonstram um risco efetivo ao meio social.
Diante do exposto, percebe-se que comumente se chega à apreciação do Tribunal Superior demandas no sentido de se buscar uma interpretação mais definida do que seria a garantia da ordem pública para fins de decretação da cautelar extrema. Não existe, segundo a Corte, um crime específico em que a medida sempre será aplicada. A autoridade judicial deverá analisar, à luz do caso concreto, se a medida apresenta real necessidade ou se pode ser substituída por uma alternativa alcançando, deste modo, os mesmos fins.
3.4 DIREITO À LIBERDADE E A VISÃO CONSTITUCIONAL DA ORDEM PÚBLICA COMO REQUISITO DA PRISÃO PREVENTIVA
3.4.1 A fundamentação adequada para a legitimidade da prisão
A liberdade constitui a regra em um Estado Democrático. A prisão processual somente pode ser decretada diante de fatos que a tornem imprescindível, ou seja, quando as demais alternativas se mostrarem insuficientes para o fim a que se pretende chegar.
Para não ferir a previsão de não culpabilidade feita pelo texto constitucional, a decisão que aplica as medidas cautelares processuais penais, em especial, a de prisão, deve pautar-se pela observância aos princípios, base indispensável ao estudo do direito. Pois assim consiste o entendimento de Lopes Junior (2016, p.317) “são os princípios que permitirão a coexistência de uma prisão sem sentença condenatória transitada em julgado com a garantia da presunção de inocência”.
Um dos princípios trazidos pelo mencionado autor é o da provisionalidade. Segundo ele, a cautelar extrema visa proteger uma situação fática, sendo assim, uma vez desaparecido o motivo que a legitimou, deve o detido ser posto imediatamente em liberdade, pois as circunstâncias que fundamentaram a decisão, não mais subsistem.
O que se observa, porém, é a prisão em flagrante sendo convertida em preventiva, ficando o acusado recluso durante toda a persecução penal sem que seja feita uma reanálise se ainda estão presentes os motivos que legitimaram sua segregação cautelar.
Na dicção de Lopes Junior (2016, p.321), no Brasil primeiro se prende, depois se vai à procura de suportes probatórios que legitimem a medida. Admitindo-se tal ponderação como verdadeira, mostra-se um absurdo em um estado de direito, pois o correto seria prender somente diante de elementos que não deixassem dúvidas quanto a materialidade do crime e autoria, bem como em situações que mostrassem a necessidade da aplicação da cautelar extrema.
A Constituição Federal de 1988 não proibiu a prisão antes da condenação definitiva, entretanto exigiu para sua decretação a ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. (BRASIL, 1988).
Sendo assim, os motivos alegados pelo juiz ao decretar uma prisão precisam de relação direta com os fatos, devendo o decreto prisional esclarecer de forma objetiva o porquê da necessidade de suprimir um direito fundamental, qual seja, o de liberdade. Se o pressuposto alegado pelo juiz for o da ordem pública, deve explicitar em sua decisão porque considera que o acusado solto colocará em risco a paz social.
A lei previu que qualquer situação relacionada à decretação da preventiva deve ser motivada. Sendo assim, seja ela para prender, revogar ou denegar a ordem o juiz sempre deverá explicar os motivos que o levaram a decidir de tal forma. (BRASIL, 2011).
O Instituto da prisão sofreu, como já mencionado, importantes alterações ao longo dos anos, especialmente com o advento da Lei 12.403/2011. Até sua promulgação, pondera Lopes Junior (2016, p. 316), só havia duas possibilidades: a decretação da prisão ou a concessão da liberdade provisória.
Desta feita, o juiz via-se diante de dois extremos, pois ou mantinha o suspeito recluso ou concedia-lhe responder ao processo em liberdade; não possuindo, portanto, um meio termo. Tal celeuma foi relativizada com o advento da mencionada lei que trouxe um leque de alternativas a serem usadas em detrimento à prisão.
A prisão consiste na medida cautelar mais excepcional que há, somente podendo ser utilizada quando as alternativas previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal mostrarem-se insuficientes ou ineficazes.
No Código Original a prisão preventiva mostrava-se obrigatória quando ao delito cometido fosse cominada uma sanção igual ou superior a dez anos. (BRASIL, 1941).
Assim sendo, ao juiz não caberia uma margem de ponderação sobre a aplicação ou não da medida. A análise à luz do caso concreto não se apresentava como necessária, uma vez que a prisão era impositiva sem qualquer margem para uma interpretação diferente que não fosse a decretação da cautelar extrema.
Pois assim consiste o entendimento de Espínola Filho (2000, p.441), ao analisar a legislação da época, “cessa, para o juiz, todo o poder de considerar a conveniência, ou necessidade de tal medida; a decretação da prisão passa a constituir um dever do magistrado”.
Hoje seria imperativa a ordem de prisão para quem cometesse o crime de homicídio simples, roubo ou extorsão, dentre outros, uma vez que suas penas máximas em abstrato são iguais ou superiores a 10 anos. Diante de alguém apontado como autor dos crimes como os mencionados a prisão se mostrava obrigatória, mesmo ainda se falando de medida cautelar.
No que diz respeito ao termo ordem pública como motivo autorizador da medida extrema, cumpre mencionar que ele não adveio por meio da alteração legislativa ocorrida em 2011, sendo previsto desde o Diploma Processual de 1941.
Segundo dispunha o Código Original em seu art. 313, a medida cautelar de prisão estaria autorizada com o fim de garantir a ordem pública quando diante de crimes inafiançáveis com pena máxima inferior a 10 anos, quando o investigado fosse reincidente em crime doloso, ou quando no processo ficasse comprovado que o indiciado era vadio. (BRASIL, 1941).
Assim sendo, percebe-se que passados 78 anos desde sua publicação, a legislação brasileira ainda não evoluiu a ponto de suprimir de seu ordenamento jurídico um conceito vago e impreciso que leva à prisão um número colossal de pessoas antes mesmo que o Estado profira uma decisão condenatória.
Sem fundamentação idônea, a prisão com base na garantia de ordem pública será ilegítima. No Recurso Ordinário em Habeas Corpus n°162.402/CE a Suprema Corte definiu o que seria, em seu entendimento, motivação idônea: a periculosidade do agente e a fundada probabilidade de reiteração criminosa.
A periculosidade do agente deve ser auferida à luz do caso concreto. O modo como o crime foi praticado, seu comportamento em relação às vítimas, a intrepidez em sua conduta são possíveis situações que permitem averiguar se solto o indivíduo produz risco de comprometer a ordem e a paz social.
Em relação ao risco de reiteração criminosa, Lopes Junior (2016, p.350) afirma tratar-se de uma autorização que fere a Constituição, pois não é possível prever que alguém que cometeu um crime hoje cometerá outro amanhã, se estiver em liberdade. Afirma ainda que a única presunção permitida pelo texto constitucional é a de inocência.
Prossegue o autor afirmando que ao se autorizar uma prisão com base no risco de reiteração “está se atendendo não ao processo penal, mas sim a uma função de polícia do Estado, completamente alheia ao objeto e fundamento do processo penal”.
Em que pesem as ponderações em contrário, legitimar a prisão com base no risco de reiteração parece um argumento convincente, pois se o agente é contumaz em práticas criminosas não deve o Estado esperar todo o transcorrer da persecução penal para, só então, aplicar-lhe uma medida mais severa.
Embora o acusado goze da condição de não culpável, a sociedade também possui o direito de se sentir em segurança. Se ele, em liberdade, continua a delinquir, resta inegável que a cautelar da prisão apresenta-se como a medida mais oportuna a ser aplicada.
Assim consiste o entendimento de Nucci (2015, p. 568) ao afirmar que o Estado deve ter uma postura rígida para com aqueles que abusam do direito à liberdade. Prossegue dizendo que do mesmo modo que se cultua a presunção de inocência, deve ser louvada a segurança pública, como direito de todo indivíduo.
Tal medida não se confunde com a retribuição pelo crime praticado, mas consiste em uma medida de caráter acautelatório pois, por meio da reiteração, o acusado demonstrou que estando em liberdade restará comprometida a paz e o sossego sociais.
3.4.2 A superação do clamor popular como pressuposto para a prisão preventiva
Algo muito comum de se ouvir ao assistir os noticiários brasileiros, especialmente os jornais policiais, é o pensamento de que o Brasil precisa de leis mais severas e que a criminalidade só é expressiva porque falta uma punição mais rígida para com os infratores das normais penais.
Sempre que um crime é praticado, mais precisamente aqueles cometidos com violência à pessoa, surge na população um sentimento de revolta e um desejo de punição imediata àquele que foi apontado como o autor do fato. O que ocorre, porém, é que na busca por um culpado, a investigação criminal estará passível de inevitáveis equívocos, uma vez que o que se almeja muitas vezes não é a busca da verdade, princípio basilar do processo penal, mas sim a rápida retribuição pelo mal causados às vítimas.
Todavia, conforme o texto constitucional, ninguém terá privada sua liberdade sem o devido processo legal. De acordo com Salomão (2008) este pode ser interpretado como a estrita observância a todos os ditames previstos em lei, consiste ainda “no direito a um processo regular, com regras para a prática dos atos processuais e administrativos”.
Desta feita, ninguém pode ser considerado culpado sem que o processo observe todos os direitos e garantias previstos no ordenamento jurídico. Para tanto, requer-se tempo - por mais que seja inadmissível a demora que perpassa o judiciário brasileiro resultando na prescrição de muitos crimes - pois não é razoável que o processo investigatório seja instaurado hoje e em um mês o possível autor já tenha pesando sobre si uma sentença penal condenatória.
É preciso tempo para se proceder a exames periciais, ouvir peritos e testemunhas que, não raras vezes, encontram-se em outra jurisdição, requerendo, portanto, a expedição de cartas precatórias. Assim sendo, percebe-se que o transcorrer processual não pode seguir em obediência à população ultrajada com o crime praticado.
Embora compreensível o sentimento de revolta e insatisfação, este não pode ser considerado como motivação idônea a legitimar um decreto prisional. Ninguém pode ser mantido preso simplesmente com o fim de agradar a quem quer que seja. A prisão somente será legítima quando fundamentada em situações previstas em lei e o clamor popular, conforme já estudado neste trabalho, por si só, não autoriza a restrição da liberdade antes de uma sentença penal condenatória.
A massa popular possui o direito de revoltar-se diante da prática de um crime, pois dada a natureza de direito público que permeia a relação processual penal, quando uma norma é infringida toda a coletividade é lesionada também. O que não poder ser concebido, entretanto, é que o clamor popular seja suficientemente forte a ponto de enclausurar alguém.
Percebe-se ainda que um fator que exerce forte influência na opinião das pessoas consiste na abordagem realizada pela mídia. Esta detém um considerável poder de inclinar os telespectadores a seguir os seus posicionamentos. Desta feita, se o crime é pouco explorado pelos meios de comunicação, há a grande possibilidade de a revolta popular também consistir em menores proporções.
Segundo preceitua, D’oliveira, D’oliveira e Camargo (2012) “persuadidos pelo exagero de certos veículos de comunicação, a sociedade acaba desconsiderando, muitas vezes, direitos fundamentais e princípios constitucionais, tais como o da presunção da inocência, da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal”.
Logo que um crime é cometido, especialmente os de repercussão nacional, busca-se de imediato apontar o autor. Notícias são veiculadas nos meios de comunicação, com o fim de prender a atenção do público estupefato, que muitas vezes as próprias instituições encarregadas da investigação as desconhecem. Não há uma apuração a fim de saber se as informações difundidas são de fato verdadeiras.
A Constituição Federal previu que a liberdade de informação não poderia sofrer qualquer tipo de restrição. Desta forma, a imprensa goza de autonomia acerca do que será ou não publicado, não sofrendo, portanto, nenhuma ingerência estatal. É um direito constitucional que busca extirpar do Estado Brasileiro a censura enfrentada durante o período ditatorial vivido pelo país. (BRASIL,1988)
Não obstante, pontua Ferreira (2014) que a imprensa abusa do direito que possui quando busca transformar o fato delituoso e o próprio processo penal em um espetáculo com o fim de atrair público. Desta feita, a mídia goza de liberdade para exercer suas atividades, entretanto, deve fazê-lo com responsabilidade uma vez que sua função consiste em produzir informação e não em formar um exército de telespectadores insatisfeitos com a política criminal adotada pelo país.
O clamor popular como fundamento legitimador da privação de liberdade não consiste em uma problemática existente dos tempos hodiernos e oriunda das culturas contemporâneas.
A transcrição a seguir retrata um relato bíblico que culminou na prisão do Apóstolo Paulo, uma das principais figuras do Cristianismo.
Esta, seguindo a Paulo e a nós, clamava, dizendo: Estes homens, que nos anunciam o caminho da salvação, são servos do Deus Altíssimo. Isto fez ela por muitos dias. Mas Paulo, perturbado, voltou-se e disse ao espírito: Em nome de Jesus Cristo, te mando que saias dela. E, na mesma hora, saiu. Vendo seus senhores que a esperança do seu lucro estava perdida, prenderam Paulo e Silas, e os levaram à praça, à presença dos magistrados. E, apresentando-os aos magistrados, disseram: Estes homens, sendo judeus, perturbaram a nossa cidade, e nos expõem costumes que não nos é lícito receber nem praticar, visto que somos romanos. E a multidão se levantou unida contra eles, e os magistrados, rasgando-lhes as vestes, mandaram açoitá-los com varas. (grifo nosso). Havendo-lhes dado muitos açoites, os lançaram na prisão, mandando ao carcereiro que os guardasse com segurança. (A BÍBLIA. At 16: 17-23)
Percebe-se a força que a opinião pública exercia sobre as decisões que decretavam a prisão de um acusado que destoasse do comportamento esperado durante o período do primeiro século.
Os acusados foram levados à autoridade judicial sob o argumento de que perturbaram a cidade ao exporem costumes que, àqueles munícipes, não deveriam ser praticados. A afirmação carece de maiores explanações uma vez que os delatores não explicaram em que consistiam os tais costumes ilícitos que estavam sendo difundidos pelos apóstolos.
Não obstante, após atenderem ao clamor popular que se formara à porta do tribunal, os magistrados aplicaram aos acusados a medida punitiva de açoites e de restrição da liberdade. Isso ocorreu sem oportunizar o contraditório e sem a necessária exposição dos motivos que os levaram à prisão, tendo esta sido fundamentada tão somente em acusações sem nenhum suporte probatório e no pedido de uma população insuflada por ver cumpridas suas pretensões.
Desta feita, é possível inferir que a opinião pública, ao longo da História, sempre influenciou, de certo modo, nas decisões proferidas pelos tribunais. Nos tempos hodiernos, a situação não sofreu expressivas alterações, haja vista que a população sempre possui uma opinião acerca de como a justiça brasileira deveria agir ante a ocorrência de um fato criminoso, especialmente aqueles que geram maiores repercussões.
A grande problemática consiste no fato de que a população não possui o necessário conhecimento sobre as leis que vigoram no país. Sendo assim, resta incabível que alguém seja recluso somente para atender aos anseios de justiça de um povo que desconhece, ou conhece apenas de forma superficial, o modo como deve transcorrer um processo penal. Os anelantes pela feitura da justiça devem lembrar-se de que o principal requisito para sua realização consiste justamente na estrita observância à lei.
Desta forma, se um acusado é mantido em liberdade porque não restou configurada nenhuma das hipóteses autorizadoras para sua prisão, nesta circunstância a justiça também está sendo efetivada.
O Brasil consagrou como direitos fundamentais a presunção de inocência e a observância ao devido processo legal. Sendo assim, não pode ser a opinião pública a ditar se a medida cautelar extrema se mostra ou não necessária. A autoridade judicial deve estar alheia aos anseios populares, à abordagem que será feita pela mídia, bem como preocupar-se se a medida escolhida será aplaudida ou criticada. Seu cuidado deve recair sobre as questões trazidas aos autos e se sua decisão está devidamente fundamentada nos critérios trazidos pelo ordenamento.
3.4.3 As medidas cautelares de natureza pessoal: uma alternativa à prisão
O sistema processual penal trabalhava até pouco tempo com um dilema, quando da ocorrência de um crime: ou se mantinha o acusado preso ou lhe concedia liberdade provisória. Nenhuma alternativa dispunha o juiz que não fosse a segregação cautelar ou a liberdade sem a aplicação de nenhuma outra medida que protegesse de alguma forma o processo ou a vítima.
Assim preceitua Cruz (2018, p.174), ao ensinar que a decisão aplicada consistia na absoluta restrição da liberdade ou, então, na concessão do direito de permanecer livre, com o simples encargo de comparecer aos atos processuais ou de não mudar seu endereço sem antes comunicar à autoridade processante.
Tal deficiência processual brasileira foi suprida com o advento da Lei 12.403/2011, que ampliou exaustivamente o rol de medidas cautelares a serem aplicadas em substituição à medida extrema que é o decreto de prisão antes de uma sentença penal condenatória.
Assim sendo, depreende-se do art. 310, inciso II do Código de Processo Penal que, ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz, mesmo que entenda presentes os requisitos necessários para a decretação da prisão preventiva, somente poderá valer-se dela quando as cautelares alternativas se mostrarem inadequadas ou insuficientes. (BRASIL, 1941).
Portanto, com a vigência da mencionada lei, a prisão passou a ter um caráter ainda mais subsidiário, apresentando-se como a última opção a ser aplicada, quando as demais se mostrarem ineficazes quanto ao fim a que se quer proteger.
As cautelares alternativas, especialmente as de caráter pessoal, também limitam, de certo modo, o livre direito de locomoção. Dessa forma, para serem impostas também devem levar em consideração a estrita necessidade que o caso em concreto requer.
Segundo Lopes Junior (2016, p.354), a aplicação das cautelares não é devida quando ausentes os requisitos da prisão preventiva. Pelo contrário, quando eles estão presentes, em razão do princípio da proporcionalidade, opta-se pelas medidas alternativas, dado seu caráter de menor onerosidade ao imputado. O autor afirma ainda que se não restarem comprovados, no caso concreto, o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, conceitos já estudados neste trabalho, a liberdade será concedida sem a imposição do cumprimento de nenhuma alternativa.
Uma das celeumas que permeiam a aplicação das cautelares alternativas consiste em uma problemática também presente no decreto de prisão com base na ordem pública, qual seja, a ausência de fundamentação adequada para a medida tomada. Não raras vezes, a ordem de prisão apenas menciona a necessidade de se resguardar a paz social sem explanar detalhadamente as razões que a motivaram. De igual forma ocorre quando se opta pela não utilização das medidas diversas, mas não se expõe, de forma a não restarem dúvidas, o porquê de não serem aplicadas.
O Superior Tribunal de Justiça, ao ser chamado a enfrentar o tema no julgamento de Habeas Corpus n° 392255 SP, entendeu que seria devida a aplicação das alternativas à prisão em um caso de tráfico de drogas cujo decreto prisional se baseou na gravidade abstrata do crime e na inquietação da comunidade por seu cometimento. Desta feita, na ordem que converteu a prisão em flagrante em preventiva não se explicou por que as medidas cautelares menos danosas não se mostravam idôneas a alcançar os mesmos fins que a privação da liberdade.
Assim sendo, com base nas alterações promovidas pela Lei 12.403/11 a autoridade judicial deve seguir uma sequência de etapas a fim de tomar a decisão mais acertada diante de um caso concreto, fazendo um juízo de proporcionalidade entre o bem que se quer tutelar e o encargo que a medida representará ao acusado, que ainda goza da presunção constitucional de não culpabilidade.
Ao receber o auto de prisão em flagrante, deve proceder à análise de sua legalidade, sendo esta procedente, deve verificar se incidem os requisitos autorizadores da preventiva. Uma vez constatados, deve realizar uma nova inquirição a fim saber se se mostra viável substituí-la por uma medida menos onerosa. Desta forma, a medida extrema cumprirá com seu caráter de excepcionalidade, somente sendo utilizada quando as demais alternativas não se mostrarem aptas e suficientes.
No julgamento do Habeas Corpus 138.453/PR, o Supremo Tribunal Federal proferiu o entendimento de que se mostra indispensável o apontamento de quais fatos levam à conclusão de que em liberdade o imputado colocará em risco o natural transcorrer da persecução penal. Segundo o Pretório Excelso, a aplicação das cautelares, mesmo que sejam as alternativas à prisão, não podem ser baseadas em especulações ou conjecturas. Desta feita, a decisão que as profere deve ser clara ao enunciar porque entendeu que se mostravam necessárias.
As medidas cautelares alternativas à prisão estão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal. Representam, de certa forma, uma também restrição de liberdade, porém menos expressiva que o regime de reclusão. O juiz, à luz do caso concreto, deve analisar qual ou quais medidas mostram-se aptas a atingir o fim proposto. (BRASIL,1941)
A novel legislação previu ainda que, caso o agente descumpra qualquer das medidas impostas, estará sujeito à cautelar extrema. Porém, mesmo nessa situação a prisão não ocorre de forma automática, devendo a autoridade judicial fazer um juízo de proporcionalidade a fim de auferir se se mostra oportuna e imprescindível sua decretação. (BRASIL, 2011).
Isto posto, percebe-se que qualquer decisão que venha a suprimir ou mesmo restringir um direito fundamental deve ser rigorosamente fundamentada. Em um Estado de Direito não é possível que se admita a ingerência na vida privada dos indivíduos sem a apresentação dos motivos que comprovem sua estrita e necessária intervenção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento do presente trabalho possibilitou uma análise sobre quais conceitos são dados ao termo ordem pública para que constitua fundamento idôneo a legitimar a prisão antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Percebemos que a prisão somente será devida quando diante do fumus comissi delicti e do periculum libertatis, ou seja, se não houver provas da existência de um crime, indícios suficientes que apontem para sua autoria e evidências de que, em liberdade, o autor põe em risco o transcorrer processual, não há possibilidade de se decretar a cautelar extrema.
Percebeu-se que muitas decisões judiciais decretando a preventiva têm como fundamento a necessidade de se garantia da ordem pública. Tendo em vista sua alta carga de abstratividade, buscou-se estudar o que o mencionado conceito significava, uma vez que não se mostra possível em um estado democrático de direito segregar alguém com base em um fundamento desprovido de uma avaliação no caso concreto.
Demonstrou-se que o termo ordem pública não é uma novidade que veio prevista com as alterações propostas pela Lei 12.403/11, estando no ordenamento jurídico desde o Código de Processo Penal de 1940. Restou comprovado que um vocábulo vago e abstrato, previsto por uma lei editada no século passado, continua legitimando uma quantidade exorbitante de prisões antes mesmo de uma decisão do Estado acerca da culpabilidade daquele que está sendo recluso.
Restringir a liberdade de locomoção é uma medida excepcional, devendo ser adotada somente quando, diante de um caso concreto, demonstrar-se realmente necessária. Tal imprescindibilidade deve ser analisada caso a caso, não podendo ser fundamentada na gravidade em abstrato do crime, ou mesmo na repulsa que a sociedade sente pelo ilícito praticado.
Constatou-se que a prisão processual não possui o objetivo de punir o acusado pelo mal praticado, até porque, no transcorrer processual ainda não se tem certeza se ele é culpado ou inocente. O fim de uma medida cautelar consiste em proteger o andamento e a ideia de resultado útil do processo, sendo assim, se este não se encontra em risco, a liberdade provisória é a medida que se impõe.
Um requisito indispensável a fim de garantir a legitimidade da prisão processual consiste na observância ao princípio da homogeneidade, o qual preceitua que a medida cautelar imposta durante o transcorrer do processo não pode mostrar-se mais gravosa do que será a pena eventualmente aplicada, em caso de condenação. Tal preceito mostra-se imprescindível porque não se mostra razoável que o acusado, enquanto goza da condição de inocente, sofra sanção mais severa do que aquela advinda após a certeza da sentença condenatória.
Analisou-se a aplicação da prisão preventiva sob a perspectiva do direito internacional. Portugal e Itália foram os países escolhidos a fim de indicarem que em seus ordenamentos jurídicos, embora haja a previsão da cautelar extrema antes da condenação, não figura um termo abstrato que garanta a legalidade da prisão tal como garantia da ordem pública.
Percebeu-se que a abstratividade presente no termo ordem pública abre precedente para uma série de interpretações, a critério do entendimento da autoridade judicial. Muitas decisões apenas invocam a necessidade de se garantir a ordem sem indicar os reais motivos que explicam a necessidade da prisão.
Com o fim de se diminuir a quantidade de prisões, editou-se a Lei 12.403/11 que previu uma série de medidas cautelares alternativas à restrição da liberdade. Assim sendo, desde sua entrada em vigor, o juiz possui uma série de meios a serem empregados, igualmente eficazes quanto a ser instrumento do processo, porém com consequências bem menos gravosas em relação ao acusado.
Percebeu-se ainda que a não aplicabilidade das cautelares também carece da necessária fundamentação. Comumente vemos decisões judiciais que se limitam a informar que deixam de executá-las por não se mostrarem oportunas, porém não demonstram o motivo que inviabiliza sua aplicação.
Ademais vimos que o clamor e a revolta popular diante do cometimento de um crime não são motivos idôneos para, por si só, legitimarem a decretação de uma prisão. Esta deve fundamentar-se nos motivos autorizados pela lei e, conforme vimos, a jurisprudência dominante não admite a cautelar apenas com o fim de acalmar a insatisfação das pessoas.
O emprego de violência no cometimento do crime evidencia a periculosidade de quem o praticou. Isso pode tornar legitima a prisão preventiva com base na ordem pública, ainda que cautelar, pois indica que, em liberdade, o agente põe em risco a tranquilidade pública.
Deste modo, se o agente delitivo possui circunstâncias que lhes sejam favoráveis, estas deverão ser observadas quando da dosimetria da pena, caso seja condenado. No entanto, no que concerne à custódia provisória, não terão, por si só, condições de afastá-la quando evidenciado, diante de uma situação de perigo concreto, que se trata de alguém violento em suas empreitadas criminosas.
Além disso, a situação de risco efetivo de reiteração criminal é um dos motivos que podem legitimar a decretação de prisão preventiva, com base na manutenção de ordem pública, o que vem sendo reconhecido pelos tribunais superiores.
O Estado Brasileiro escolheu prever que somente se considerará alguém culpado com o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, caso contrário, a liberdade é a medida que se impõe. A exceção somente deve ser admitida quando se mostrar a única apta a resguardar a integridade do processo, bem como, à luz do caso concreto, se apresentar como necessária a proteger a paz e o sossego da sociedade.
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