Influência do estatuto da pessoa com deficiência no instituto da curatela

07/11/2023 às 00:32
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RESUMO

O exposto trabalho informa sobre as mudanças provocadas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência no Código Civil no que tange sobre a curatela. Através de análises legais, jurisprudenciais e doutrinárias, tendo os resultados distintos, uma vez que as novas medidas do instituto da curatela constituem avanços, como o caráter excepcional, e retrocessos, nas implicações práticas advindas da alteração do regime de incapacidades. Para tentar amenizar essas questões, foi proposto um projeto de lei que visa harmonizar as legislações que tratam sobre a curatela. A jurisprudência brasileira adota uma interpretação teleológica da nova norma de proteção à pessoa com deficiência. Nesse sentido, realizados os reparos normativos necessários, a curatela nada mais é que um instrumento de proteção á dignidade humana e dos direitos das pessoas com deficiência e sua inclusão em meio social. O objetivo deste artigo consiste na verificação do alcance dessas finalidades.

PALAVRAS-CHAVE: Estatuto; Curatela; Deficiência; Dignidade.


INTRODUÇÃO

A curatela é um instituto jurídico pelo qual o curador tem a responsabilidade imposta pelo juiz para cuidar de interesses de outra pessoa que se encontra incapaz de fazê-lo. A nomeação do curador deve ser feita pelo juiz, conforme previsão legal, as atribuições desse curador. As regras a respeito estão positivadas no Código Civil (Lei nº 10.406/02), no Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15) e no Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15).

Com a vigência do dispositivo legal conhecido como Estatuto da Pessoa com Deficiência os artigos do Código Civil que tratavam de tais institutos ganharam uma nova redação ou foram revogados, trazendo consigo mudanças expressivas perspectivas a incapacidade, e ao instituto da curatela.

Uma autonomia maior foi compreendida e o princípio da dignidade da pessoa humana para aqueles que tem algum tipo de incapacidade foi vislumbrado, deixando muito mais próximos ao que está previsto na Convenção de Nova Iorque, onde, promulga a Convenção Internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em 30 de março de 2007, porém o Brasil somente se tornou signatário em 2009.

O instituto da curatela pressuposto no Código Civil de 2002 foi uma medida adotada de preferência àqueles que eram destacados relativamente ou absolutamente incapazes para desempenhar atos da vida civil. Era, assim meio idôneo à proteção tanto da pessoa incapaz, quanto de seus bens.

Compreendendo tais atualidades, o trabalho tem interesse de explorar os aspectos gerais da curatela no Código Civil atual, e apontar as principais mudanças sofridas por tal instituto desde o vigor do Estatuto referido.

  1. PESSOA COM DEFICIÊNCIA: BREVE ANÁLISE HISTÓRICA

No começo as pessoas com deficiência eram discriminadas e jogadas à margem da sociedade onde a proteção jurídica era um sonho a ser atingido. É primordial ter em mente que não se trata de um movimento contínuo e linear o reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência, porque a forma como se tratava estas pessoas alternava a cada momento histórico, pois eram baseados em crenças e conhecimentos da sociedade.

Na Era Primitiva, o costume de sobrevivência dos nômades era uma espécie de seleta, permaneciam aqueles que possuíssem condições de acompanhar o estilo de vida adotado. Em Atenas, todos com deficiência eram tratadas semelhante aos escravos, cabendo somente aos homens “perfeitos” e “livres” o emprego da cidadania. Com os primeiros sinais da instalação do capitalismo, na França (no ano de 1547) foi instituída uma assistência social obrigatória para amparar deficientes através de cotas de taxas. A maneira científica da percepção da realidade daquela época foi responsável pela integração de várias leis que passaram a ser promulgadas.

Com a definição de um conjunto de direitos básicos inerentes a todo e qualquer ser humano, e a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, a comunidade internacional questionou a forma como as pessoas com deficiência eram tratadas de forma omissa.

Mas, é entre 1983 e 1992 que foi declarada a ‘Década das Nações Unidas’ para as Pessoas com Deficiência, sendo assim, a mudança de imagem em relação a elas foi o necessário para o surgimento da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ou Convenção de Nova Iorque e seu Protocolo Facultativo compõem relevantes instrumentos com proteção internacional dos direitos humanos, em singular das pessoas com deficiência. Adotando todas as medidas necessárias para a supressão da discriminação e estimulando os direitos humanos desse segmento.

O texto da Convenção foi aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 13 de dezembro de 2006 mas, só foi promulgado pelo Brasil em 25 de agosto de 2009. Sendo a primeira convenção internacional de direitos humanos a se incorporar no ordenamento jurídico com status de emenda constitucional, uma vez que seguiu os trâmites do §3º, art. 5º da Constituição da República.

A Convenção elaborou o que se entende por “discriminação por motivo de deficiência”, definindo:

“Discriminação por motivo de deficiência” significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável.”

Reiterando princípios como o da igualdade e dignidade por exemplo, a Convenção firma que, sob a perspectiva social de deficiência, a habilitação e reabilitação destas pessoas não seria possível simplesmente por políticas assistencialistas e de tratamento médico, mas necessitaria da contribuição de toda a sociedade, porque ela é a responsável pela criação das barreiras sociais e ambientais que bloqueiam a participação plena destes, sendo os deficientes, independentemente das limitações que tenham, alvo das mesmas prerrogativas e liberdades que qualquer ser humano.

Nada mais claro a se afirmar que, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência trouxe a necessidade de participação e compromisso de todos os Estados Partes e da sociedade a inclusão dos deficientes, repudiando todas as formas de discriminação e sobrelevando-se princípios como o da igualdade e respeito.

EVOLUÇÃO NACIONAL DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

A Constituição de 1988 explanou uma série de direitos e garantias às todos com deficiência, como a proibição de qualquer discriminação no pertinente a salários e normas de admissão do trabalhador com deficiência, o dever de cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas com deficiência, a reserva de porcentagem em cargos e empregos públicos, a previsão de benefícios assistenciais, bem como diversas outras disposições sendo a Constituição Federal o grande marco dos direitos das pessoas com deficiência que rompeu com o modelo assistencialista até então vigente.

Vale ressaltar que, a Lei nº 7.853/99 é um ato historicamente de total destaque pois possibilitou a ação dos princípios constitucionais ao fixar uma Política Nacional para a Integração das Pessoas com Deficiência no mercado de trabalho e socialmente. Já com o surgimento da Lei nº 10.098/00 foram constituídos critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Os avanços tecnológicos também possibilitaram a integração das pessoas com deficiência, proporcionando uma boa qualidade de vida e oportunidades no meio trabalhista, na vida individual e social.

O Decreto nº 3.298/99, encarregado por estabelecer uma cota de vagas para as pessoas com deficiência, segundo a legislação, toda empresa de grande porte - com cem ou mais empregados -, deverá preencher 2% a 5% dos seus cargos, pessoas com deficiência habilitadas ou com beneficiários reabilitados. Esse emprego de cotas no mercado de trabalho é crucial para a integração das pessoas com deficiência e, ainda que não existam multas para o não cumprimento, a ação fiscalizadora tem alargado o número de empresas que cumprem a legislação, estimulando-as a acatar o número de vagas destinadas às pessoas com deficiência.

No Brasil, perduram legislações que apresentam importante papel na guerra sobre os direitos das pessoas com deficiência. Alguns exemplos são: a Lei nº 11.126/05, que dispõe sobre o direito do portador de deficiência visual de entrar e permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhado de cão-guia; e a Lei Complementar nº 142/2013, que regula o § 1º do art. 201 da Constituição Federal, referente à aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social – RGPS.

Mesmo que os documentos internacionais tenham sido fundamentais a criação das referidas legislações, algumas medidas previstas em convenções e tratados ainda precisam ser implantadas ou aprofundadas Dessa forma, emerge a necessidade de criação de uma legislação que obedecesse as medidas protecionistas previstas na Convenção e reunisse em um só documento todos os temas pertinentes aos direitos das pessoas com deficiência, nascendo assim, o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (LEI Nº 13.146/15)

O Estatuto da Pessoa com Deficiência foi criado em 09 de outubro de 2000 com a nome de Estatuto do Portador de Necessidades Especiais (PL 3.638/2000), um projeto do então deputado federal Paulo Paim, que mirava o resumo a regulamentação e o aprimoramento de todas as leis, decretos e portarias voltadas para o apoio da pessoa com deficiência.

Em outubro do ano de 2003, foi alterado e recebeu a contribuição de técnicos, professores, familiares, profissionais da área e pessoas com deficiência que, incluíram questões relevantes para o segmento, sendo constituído como Estatuto da Pessoa com Deficiência (PLS 429).

Publicada em 07 de julho de 2015, a Lei nº 13.146 – Estatuto da Pessoa com Deficiência – , foi bastante discutida em embates seminários, audiências públicas e conferências, e caracteriza um convite à reflexão sobre as questões essenciais aos direitos das pessoas com deficiência e a guerra por sua inclusão social. É uma legislação fundada sobre as bases da igualdade, da dignidade humana e contra qualquer espécie de discriminação, buscando promover o emprego dos direitos e das liberdades fundamentais pelas pessoas com deficiência. O primeiro artigo define a razão pela qual ela foi instituída:

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Artigo 1º. É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.

As mudanças que o Estatuto da Pessoa com Deficiência despertou na legislação civil foram as mais significativas e comentadas, em singular com relação à alteração da teoria de incapacidades e a nova curatela, que serão detalhadas em título próprio.

Não obstante o estabelecimento de uma nova legislação, o Estatuto da Pessoa com Deficiência não trouxe fortes inovações, pois, como já exposto a legislação apenas reafirmou muitas questões que já se encontravam positivadas na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, mas que ainda não eram aplicadas.

Ainda assim é primordial admitir que o Estatuto da Pessoa com Deficiência teve todos os pontos essenciais ao tema e especificou os comandos previstos na Convenção Internacional conforme os Direitos das Pessoas com Deficiência, facilitando a efetivação de direitos.

Em resumo, o Estatuto da Pessoa com Deficiência buscou confirmar e executar deveres assumidos pelo Brasil, quanto da promulgação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, formando pertinentes questões acerca do tema e formando novos rumos para o reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência.

  1. SISTEMA JURÍDICO ATUALIZADO REFERENTE A INCAPACIDADE CIVIL

O manifesto capítulo versará conforme o novo sistema jurídico brasileiro de incapacidade civil, trazendo as alterações provocadas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência no regime de incapacidade, utilizando-se de um paralelo entre o Código Civil de 2002 e a codificação material de 1916.

  • CAPACIDADE CIVIL

    DE FATO, E DE DIREITO

A personalidade que se constitui na aptidão genérica para a prática de atos da vida cível é o que o ordenamento civil confere aos indivíduos.

Segundo Cristiano Farias e Nelson Rosenvald:

A capacidade jurídica é a aptidão para adquirir direitos e assumir deveres pessoalmente. Mais especificamente, significa que as mais diversas relações jurídicas (celebrar contratos, casar, adquirir bens, postular perante o Poder Judiciário...) podem ser realizadas pessoalmente pelas pessoas plenamente capazes ou por intermédio de terceiros (o representante ou assistente) pelos incapazes (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p. 319)

O artigo 2º do Código Civil abraça a Teoria Natalista onde, a personalidade civil se inicia com o nascimento com vida, ressalvados os direitos do nascituro, e seu fim, com o falecimento. Mas existe a quem proteja a Teoria Concepcionista que defende a personalidade iniciada com a concepção (momento em que o óvulo fecundado pelo espermatozoide se junta à parede do útero) e da personalidade condicional, em que os direitos do nascituro estão dispostos a uma condição suspensiva.

Flávio Tartuce conceitua a capacidade civil como de direito (ou de gozo) e de fato (ou de exercício). Como podemos ver abaixo:

A capacidade de gozo ou de gozo é aquela comum a toda pessoa humana, inerente à personalidade, e que só se perde com a morte prevista no texto legal, no sentido de que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. A capacidade de fato ou de exercício é aquela relacionada com o exercício próprios dos atos da vida civil (TARTUCE, 2015, p. 130)

A partir disso, é verossímil que alguns indivíduos gozam da capacidade de direito, mas, por alguma condição biológica ou legal, não exercem sua capacidade de fato. Quando o indivíduo não porta uma das duas espécies são identificados relativamente ou absolutamente incapazes, caso portem tem a capacidade civil plena.

VISÃO DO INCAPAZ PELO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Ao contexto de que certa deficiência não leva necessariamente à incapacidade, o Estatuto da Pessoa com Deficiência alterou o regime de incapacidade, afastando a pessoa com deficiência da categoria de incapaz. Em outras termos com a adoção da nova legislação, a pessoa com deficiência não deve ser mais tecnicamente considerada civilmente incapaz.

Nesse sentido os artigos 6º e 84 Lei 13146/15:

Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I - casar-se e constituir união estável;

II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;

III - exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;

IV - conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;

V - exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária;

VI - exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

Com o objetivo de se adaptar à nova legislação, o artigo 114 do Estatuto da Pessoa com Deficiência promoveu a alteração do Código Civil. Onde, no rol dos absolutamente incapazes (artigo 3º do Código Civil), foram retirados aqueles que por enfermidade ou deficiência mental, não tivessem o discernimento necessário para a práticas desses atos (inciso II) e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade (inciso III).

Pablo Stolze doutrina que:

Em verdade, o que o Estatuto pretendeu foi, homenageando o princípio da dignidade da pessoa humana, fazer com que a pessoa com deficiência deixasse de ser “rotulada" como incapaz, para ser considerada - em uma perspectiva constitucional isonômica - dotada de plena capacidade legal, ainda que haja a necessidade de adoção de institutos assistenciais específicos, como a tomada de decisão apoiada e, extraordinariamente, a curatela, para a prática de atos na vida civil (GAGLIANO, 2015).

A pessoa com deficiência possui auxilio de institutos assistenciais específicos, como a curatela e a tomada de decisão apoiada. Com caso à curatela, foi refeita para se ajeitar aos dogmas da nova legislação e somente afetará os atos de natureza patrimonial ou negocial, e não os atos existenciais, como o direito do próprio corpo, matrimônio, sexualidade, educação, entre outros.

Com relação aos institutos assistenciais dos incapazes, há a tutela para os menores incapazes e a curatela para os maiores incapazes. Não se deve confundir os institutos assistenciais dos incapazes com os institutos de suprimento de incapacidade para os negócios jurídicos. Os absolutamente incapazes devem ser representados sob pena de nulidade absoluta do ato praticado, tal prova se encontra no artigo 1.634, VII do Código Civil.

Nos casos em que seja fundamental a nomeação de um curador, o juiz deve dar primazia a pessoa que tenha elo familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado. Além do mais, os motivos de designação devem ser de acordo às necessidades e circunstâncias de cada caso, constados na sentença, preservados os interesses do curatelado. A curatela tem como efeito, medida protetiva extraordinária, devendo perdurar o menor tempo possível, precisando de uma ação judicial específica, com enquadramento em uma das hipóteses do art. 4º do Código Civil.

ABSOLUTAMENTE INCAPAZ

Conforme manifesto a partir da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, os menores de dezesseis anos, nomeados menores impúberes, são os únicos absolutamente incapazes conjecturados no Código Civil.

Nesse modelo não aconteceu qualquer nova de acordo com a codificação de 2002 diante do Código Civil de 1916, tendo o legislador o critério etário por acreditar que, correspondente a essa idade, essas pessoas ainda não adquiriram o discernimento necessário para discernir o que pode ou não pode fazer na ordem privada.

Logo, é a norma do Enunciado nº 138 do CJF/STJ, aprovado na III Jornada de Direito Civil: “A vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inciso I do artigo 3.º, é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto”.

RELATIVAMENTE INCAPAZ

O Estatuto da Pessoa com Deficiência inclusive alterou consideravelmente o regime de incapacidade relativa, previsto no art. 4º do Código Civil.

A presente redação não foi modificada quanto ao inciso I (menores entre 16 e 18 anos), no inciso II foi retirada a expressão “os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido”, o inciso III, por sua vez, foi substituído pela antiga redação do art. 3º, III que previa “pessoas que por causa transitória ou definitiva não puderem exprimir vontade”, eliminando a expressão “excepcionais sem desenvolvimento completo”, e não teve reforma quanto ao inciso IV (pródigos).

Notadamente quanto ao inciso I do art. 4º do CC, a fundamental alteração provocada pela codificação material de 2002 face ao CC/1916 foi a redução da maioridade civil de 21 para 18 anos. Contudo a redução do limite etário não conquistou a questão dos benefícios previdenciários dos filhos dependentes de até 21 anos. Importante ressaltar que existem atos e negócios que o relativamente incapaz pode praticar, até sem a assistência, por meio da emancipação, podendo ser eleitor, elaborar testamento, entre outros.

  1. A CURATELA CONTEMPORÂNEA

Expondo seu conceito, suas características, modificações na legislação, principais críticas e o Projeto de Lei nº 757/15.

CONCEITO

Com a assunção da maioridade civil, entende-se que a pessoa possa administrar bens e manifestar seus interesses, porém alguns indivíduos, por enfermidade ou deficiência mental, não têm o necessário discernimento e necessitam de alguém para amparo e proteção, sujeitando-se à curatela. O instituto não se reduz apenas à proteção dos bens, mas também dos interesses dos indivíduos.

Segundo Rolf Madaleno:

A curatela protege os adultos portadores de enfermidade ou deficiência mental, quando destituídos de discernimento para o exercício dos atos da vida civil, ou quando não puderem expressar a sua vontade em razão de outra causa duradoura, e, bem ainda, os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos, os excepcionais, sem completo desenvolvimento mental, os pródigos e o nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher e não detendo o poder familiar (CC, art. 1.779) (MADALENO, 2015, p. 1.279)

As essenciais características da curatela são o caráter publicista e supletivo. A natureza publicista diz respeito ao papel do Estado de zelar pelos interesses dos incapazes, ao passo que a supletiva existe na medida em que a curatela é oportuna nos casos em que a incapacidade não pode ser abortada pelo poder dos pais ou pela tutela.

Curatela não se implica com a figura da Tutela, são institutos autônomos, mas contem semelhanças em alguns aspectos. Os dois se prestam ao papel de defender pessoas incapazes que carecem do auxílio de outra pessoa agir em seu nome.

A curatela é um emprego atribuído por juiz para que uma pessoa zele, cuide e gerencie o patrimônio de outra que seja maior de dezoito anos e é judicialmente declarada incapaz. Por outro lado, a tutela é um cargo imposto por um juiz para que um adulto capaz possa proteger, zelar e administrar o patrimônio de crianças e adolescentes. Comumente é dado se os pais do menor de idade estão omissos ou são falecidos e se prolonga até que o tutelado atinja a maioridade civil, ou seja, dezoito anos.

CURATELA E CÓDIGO CIVIL JUNTAMENTE COM O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

O Estatuto da Pessoa com Deficiência foi responsável pela modificação de dezesseis artigos do Código Civil de 2002 entre dispositivos criados, modificados e revogados se encontram os artigos: 3º, 4º, 228, 1.518, 1.548, 1.550, 1.557, 1.767, 1.768, 1.769, 1.771, 1.772, 1.776, 1777 e 1.775-A.

Por via dos artigos 84 e 85 da Lei nº 13.146/15, às pessoas com deficiência foi certificado o direito ao exercício de sua capacidade legal em condições de igualdade com as demais pessoas. Outrossim a curatela, agora restrita a atos de natureza patrimonial e negocial, passou a ser uma medida extraordinária. Dispõe o Estatuto:

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 1º Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei.

§ 2º É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada.

§ 3º A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível. § 4º Os curadores são obrigados a prestar, anualmente, contas de sua administração ao juiz, apresentando o balanço do respectivo ano.

Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.

§ 1º A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.

§ 2º A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado.

§ 3º No caso de pessoa em situação de institucionalização, ao nomear curador, o juiz deve dar preferência a pessoa que tenha vínculo de natureza familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado.

O artigo 1.7676 do Código Civil foi reescrito para conter a curatela exclusive aos que, por causa inconstante ou regular não conseguirem exprimir sua vontade, além dos ébrios habituais, dos viciados em tóxicos e dos pródigos.

Foi acrescido o inciso IV ao artigo 1.768 do Código Civil, admitindo que o curatelado suporte promover o procedimento que define os termos de sua própria curatela. Além disso, o artigo 1.769 previa a participação do Ministério Público em qualquer situação de deficiência, já que esta seja mental ou intelectual, não se limitando aos atos de maior gravidade.

O artigo 1.771, por seu turno, prova o cuidado juntamente a independência, personalidade e interesses das pessoas com deficiência, indicando que o juiz entreviste pessoalmente o interditando antes de se pronunciar acerca dos termos da curatela. Por fim, o último dos dispositivos alvo de antinomia jurídica, é o artigo 1.772, que estabelece que o juiz, ao consolidar os limites da curatela, siga as potencialidades e os limites do curatelado. Em acréscimo o parágrafo único do referido artigo, possibilita a participação do curatelado, cujos interesses e escolhas serão levados em conta no momento da fixação da curatela.

O artigo 1.775-A viabiliza a curatela compartilhada, inovação que consagrou prática jurisprudencial. Sílvio de Salvo sobre:

Essa modalidade de curatela é razoável, na medida em que estabelece o múnus público para mais de uma pessoa, em face de caso de maior complexidade. Isso porque o curatelado terá maior proteção dos seus interesses, bem como os curadores não restarão sobrecarregados com o dever de assistência (VENOSA, 2016, p. 513).

Por fim, o art. 1.777 concede o direito à convivência familiar e comunitária daqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, autorizando o seu afastamento somente em casos extremos.

CURATELA E CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL JUNTAMENTE COM O ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Primeiramente é necessidade acentuar que a nomenclatura ação de “interdição” empregada pelo Código de Processo Civil não se regula à ideia do Estatuto da Pessoa com Deficiência. No pensar de Cristiano Farias e Nelson Rosenvald, o vocábulo se mostra preconceituoso e marca a ideia de medida restritiva de direitos. Então, melhor é a designação do procedimento como ação de “curatela”.

Dito isso, o art. 1.768 do Código Civil que previa aqueles que possuem legitimidade para propor ação de curatela foi revogado pelo art. 1.072, II, do Novo Código de Processo Civil. Flávio Tartuce (2015, p. 462), “o motivo de revogação foi o de concentrar os legitimados para a ação no Estatuto Processual. Ademais, a expressão “deve” era criticada por ser peremptória, tendo sido substituída pelo termo “pode””. O comando previa que: “A interdição deve ser promovida: I – pelos pais ou tutores; II – pelo cônjuge, ou por qualquer parente; III – pelo Ministério Público”.

Em face a relação dos legitimados, merece importância a perspectiva com que a ação seja proposta por o representante da entidade em que se encontra abrigado a pessoa a ser curatela. Valendo ressaltar, no tema da interpretação sistêmica, a legitimidade do Ministério Público para propor a ação de curatela, em qualquer hipótese incapacitante, não somente nos casos mais gravosos, considerando sempre o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Incumbe ao juízo estadual do lugar do domicílio ou residência do curatelado a competência referente as ações de curatela, tal informação encontra-se no caput do artigo 46, do Código de Processo Civil. Já no âmbito de divisão interna, delega à lei de organização judiciária informar a competência do juízo, que pode ser da vara de família ou da vara de órfãos e sucessões em alguns Estados.

Em conhecimento das condições pessoais do curatelado e considerando a preparação de seu projeto terapêutico, é feito a entrevista, ato obrigatório e necessário. Caso não tiver possibilidade comparecer à audiência por vir, o juízo deverá se ir ao local para ouvi-lo em que lugar estiver (art. 751, §1º, CPC20).

Posteriormente a execução da entrevista, inicia-se a fluidez do prazo de 15 dias para a impugnação da requisição de curatela pelo curatelado que será capaz responder às alegações iniciais, além de mostrar questões processuais. Atuando quanto fiscal da ordem jurídica, o Ministério Público, acaso não tenha ajuizado a ação de curatela. Com destino de confirmar uma decisão em harmonia com o ordenamento jurídico, mas, não poderá promover a defesa do curatelado.

Obedecendo o costume processual, posteriormente a apresentação da defesa, é fundamental a realização de uma perícia. Após a perícia, concebendo um laudo médico, o juízo será capaz designar audiência de instrução e julgamento. Ato contrário, o Ministério Público deve se manifesta de forma positiva ou negativa à curatela e, em seguida, prolatar sentença.

A sentença deve ser registrada no Cartório de Pessoas Naturais e publicada. Pronto o registro, o curador será intimado a prestar acordo e assumir a administração dos bens do curatelado (art. 759, CPC). Versus a sentença de curatela há a capacidade de haver a interposição do recurso de apelação.

DO QUE SE TRATA O PROJETO DE LEI Nº 757/2015 E OS ERROS DA CURATELA

Com intensão de servir as instruções pela igualdade plena e autonomia das pessoas com deficiência, a Nova Lei de Inclusão errou em diversos pontos, conforme por exemplo ao deturpar o regime de incapacidades sem considerar situações específicas relacionadas aos atos executados por pessoas com algum tipo de incapacidade. Dando a imagem de que Legislativo apenas mudou sobre o que viu, a discriminação, o que fez com que 'acertasse' no que não percebeu, a necessidade de apoiar quem, com ou sem deficiência, precise de sustentação para cumprir os atos formais da vida civil.

Além de alterar consideravelmente o regime de incapacidades e diversos artigos do Código Civil, o Estatuto da Pessoa com Deficiência não ligou para o que se encontra no Código de Processo Civil, que estava na época em vacatio legis, tendo assim o conhecido, atropelo legislativo. Nesse contexto, surgiu o Projeto de Lei nº 757, de 2015, autoria dos Senadores Paulo Paim e Antônio Carlos Valadares, que deseja altera o Código Civil, o Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Código de Processo Civil.

A primeira alteração importante é a proposta para o antigo regime de incapacidades volte a vigorar. O Projeto de Lei nº 757/15 busca a repristinação dos incisos do artigo 3º do Código Civil que tratam daqueles que não tem discernimento para a prática de atos e dos que não puderem exprimir sua vontade, mesmo que por causa transitória. Com relação ao artigo 4º do Código Civil, o projeto busca o retorno da hipótese das pessoas com discernimento reduzido. Tendo possibilidade de retorno dos maiores absolutamente incapazes, o Projeto propõe a alteração do artigo 1.767 do Código Civil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema tratado no trabalho foi o instituto da curatela a partir das mudanças introduzidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. Na curatela constitui um crucial instrumento de segurança dos direitos dos curatelados, em particular das pessoas com deficiência, e sua reformulação pela legislação protetiva foi centro de duras críticas.

Para que fosse capaz responder a esse questionamento, o conteúdo foi dividido em quatro pontos. Em primeiro lugar, buscou-se definir algumas considerações a respeito da designação de pessoas com deficiência, bem como a evolução histórica da proteção de seus direitos no âmbito internacional e nacional.

Ainda no capítulo, foi possível ver que a luta pelos direitos das pessoas com deficiência não é nova. Com efeito, desde os primórdios esse grupo busca o reconhecimento de seus direitos e garantias fundamentais, o que foi possível com a evolução da legislação internacional e nacional, bem como da sociedade.

Em sua segunda parte, tratando dos aspectos constitucionais dos direitos das pessoas com deficiência. Uma vez que é através do atributo da dignidade e de princípios como o da igualdade que se pode compreender que o valor das pessoas com deficiência.

O trabalho se direcionou para o novo sistema jurídico de incapacidade civil, quando, a partir da revolução do regime de incapacidades pessoas com deficiência foram dotadas de capacidade plena. Com efeito, o que se pode observar é que as alterações promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência são pertinentes e representam um grande avanço no que tange à cidadania e inclusão social destes.

Infelizmente, não se pode omitir que, na tentativa de promover essa inclusão e a autonomia das pessoas com deficiência, a legislação deixou de lado aqueles que não conseguem, por causas fisiológicas ou psicológicas, sustentar essa autonomia, a exemplo do que acontece com uma pessoa em coma que acabam sendo abandonada à própria sorte quando antes era amparada pelo Estado.

Para resguardar os direitos, bens e interesses dessas pessoas que não conseguem expressar sua vontade com autonomia e liberdade, a curatela é fundamental, sendo necessário regramento específico que abranja esses casos.

Enquanto esses reparos não são realizados, a jurisprudência brasileira, busca, à míngua do que está positivado no Estatuto da Pessoa com Deficiência, através de uma interpretação teleológica, decidir a favor da proteção das pessoas com deficiência.

Por derradeiro, os dados e informações colhidos através de pesquisas doutrinárias, legais e jurisprudenciais demonstram que a nova curatela merece um “sinal vermelho” na maior parte de suas inovações que precisa de reparos e da transformação em lei do Projeto nº 757/15 se torna indispensável.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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