A prisão preventiva prevista na Lei nº 11.101/2005

Análise do instrumento e breve estudo do caso Genil Araújo Camelo

08/11/2023 às 15:44

Resumo:


  • A Lei de Recuperações e Falências (Lei nº 11.101/2005) prevê a possibilidade de prisão preventiva do devedor em caso de prática de crimes falimentares, desde que haja requerimento fundamentado em provas.

  • A prisão preventiva no direito falimentar não pode ser decretada de ofício e depende da existência de um processo penal em curso, seguindo os requisitos do Código de Processo Penal.

  • O caso de Genil Araújo Camelo, proprietário do Grupo Parque Recreio, ilustra a aplicação do instituto da prisão preventiva na prática, destacando a importância da observância dos procedimentos legais e da competência do juízo para o decreto da prisão.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO: A lei de recuperações e falências (Lei nº 11.101/2005) prevê várias condutas realizadas por uma empresa tipificadas como crimes, entre seus artigos 168 a 178, visando a defesa da ordem econômica. Desta feita, o empresário devedor que praticar algumas daquelas condutas será responsabilizado penalmente por seus atos. Além disso, a referida lei prevê também, em seu artigo 99, inciso VII, a possibilidade de decretação da prisão preventiva do devedor quando declarada a falência ou a recuperação judicial da empresa. Tal instrumento é aplicável como meio de defesa da ordem pública ou econômica, da correta aplicação da lei penal e como garantia da instrução criminal, assim como nos termos que determina o Código de Processo Penal brasileiro, não devendo ser confundida com a prisão decorrente da pena. No presente trabalho, procuramos analisar o instituto da prisão preventiva descrito na lei de recuperações e falências, examinando ainda aspectos relevantes na seara falimentar e processual penal, tais como a competência para a decretação da prisão preventiva, abordando a possibilidade ou não do juízo cível da falência decretar a prisão preventiva; a necessidade ou não de requerimento para que seja decretada tal prisão; sem olvidar do breve estudo da obrigatoriedade ou não de instauração da persecução penal para que haja o decreto cautelar e das considerações acerca da antiga prisão administrativa. Finalmente, verificando os procedimentos corretos a serem seguidos para que a prisão preventiva esteja de acordo com o direito nacional, apreciamos um caso concreto brevemente: a decretação da prisão preventiva de Genil Araújo Camelo, proprietário do Parque Recreio, o qual fora decretada falência.

Palavras-chave: falência, crime, prisão preventiva.


INTRODUÇÃO

O conceito de empresa, ou mesmo de atividade empresária, tal qual como conhecemos hoje, é fruto de processos históricos, culturais, econômicos e sociais pelo quais passaram as atividades de subsistência e comercial desde as primeiras civilizações, aos quais serão brevemente deslindados.

Sendo desenvolvidas desde as origens pré-históricas da humanidade, as primeiras ocupações do homem nômade baseavam-se no necessário para a garantia de sua sobrevivência, sem qualquer aspecto que atualmente pudesse ser considerado comercial. Em síntese, os indivíduos, desde muito antes, já se organizavam em grupos, visando sua sobrevivência, para a caça, a pesca e a coleta daquilo que, essencialmente, era necessário para a manutenção da vida, sem praticar nem mesmo ações de troca. Daí, dado o nomadismo da época, quando esgotados os principais recursos naturais de uma determinada região, o grupo migrava para uma outra, a fim de satisfazer o necessário para sua subsistência.

Todavia, o domínio da lógica da agricultura, observando os ciclos de fertilidade da terra, que foi um importante fator que possibilitou o sedentarismo do homem, e, sobretudo, o aumento dos grupos de indivíduos, que, outrora, eram menos numerosos, bem como a atividade pecuária, que surgiu no encalço da agricultura, permitiu que tais grupos, agora também mais ágeis, produzissem o excedente daquilo que era necessário à manutenção da sobrevivência.

Por isso, passou-se a troca dos excedentes desnecessários a determinado grupo, mas úteis a outros. Mais tarde, essas atividades de troca, antes de bens por bens, que muitas vezes não se realizavam por falta de equivalência de utilidade para as partes interessadas, ganhariam um bem padrão, que serviria para qualquer permuta: a moeda. Basicamente, conforme interessa ao nosso estudo, foi o desenvolvimento dos grupos de humanos, a origem das primeiras cidades e, sem dúvida, o surgimento da moeda, que deu azo à atividade comercial. Inclusive, posteriormente, além da troca de moeda pela disposição de bens, passou-se a cobrar também pela prestação de serviços.

Logicamente, a atividade dos então chamados comerciantes ou mercadores ganha corpo ao longo do desenvolvimento humano e tecnológico, o que passou a demandar a intervenção Estatal. Acerca disso, assevera Martins (2017):

Inicialmente, essa interferência visava quase que unicamente a receber impostos dos comerciantes; afora isso os próprios comerciantes estabelecendo as regras que deveriam regular a sua profissão. Com o correr dos tempos, a interferência estatal se fez sentir com maior intensidade, não apenas regulando as atividades comerciais, como também estabelecendo normas limitativas ou mesmo impeditivas dessas atividades. De tal modo cresceu a influência estatal que, nos dias atuais, o exercício regular do comércio depende quase que inteiramente da vontade do Estado, que orienta e limita as atividades mercantis de forma soberana. Essa manifestação da vontade estatal se faz através de leis, decretos, regulamentos, normas especiais que levam a uma fiscalização rigorosa dos atos considerados comerciais, inclusive daqueles que têm essa característica em virtude de sua categorização como tais por força de lei e, assim sendo, são considerados mercantis, qualquer que seja a pessoa que os pratique e não, como seria de se esperar, quando praticados apenas pelos comerciantes, qualquer que seja a pessoa que os coloque em prática ou não, como acontecia, quando realizados exclusivamente pelos comerciantes.

No Brasil, o primeiro, e até então único, Código Comercial é datado de 1850, em vigência até os dias atuais no que se refere ao Direito Comercial Marítimo. No mais, tendo em vista, principalmente, as alterações legislativas pelas quais passou o país, seja com a promulgação da Constituição Federal de 1988, seja com o Código Civil de 2022, o mencionado Código Comercial tornou-se, paulatinamente, defasado.

No que toca o Código Civil de 2002, o diploma passou a definir um conceito essencial ao Direito Comercial e ao nosso estudo, qual seja, a definição de empresa. O dispositivo do Código Civil define da seguinte forma a atividade empresária:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Vários são os interesses envolvidos ao redor de determinada empresa: dos empresários, dos trabalhadores, dos credores, entre outros. E, por isso, assim como coube ao direito regulamentar, da melhor maneira possível, as atividades comerciais desde sua origem, conforme exposto, a atividade empresária, na sua mais nova acepção, também recebeu atenção do legislador em todas as etapas de suas atividades, desde a constituição até, se for o caso, a recuperação judicial ou a falência. Neste último caso, no Brasil, a lei nº 11.101/2005 é a responsável por disciplinar os institutos da recuperação e da falência.

Além do mais, na própria lei de falências e recuperação de empresas estão disciplinados os crimes falimentares, entre os artigos 168 a 178 daquele diploma. Desta feita, o legislador pátrio, visando coibir ações do empresário devedor que possam levar ao enriquecimento ilícito ou desregulamento da falência então decretada, tipificou condutas que, se praticadas, podem macular o processo falimentar.

Ademais, o legislador, visando inibir a continuidade de determinadas condutas, a sensação de impunidade, entre outros fatores, fez previsão expressa na lei de falências, em seu artigo 99, inciso VII, da possibilidade de prisão preventiva do falido em caso de indícios de prática de crime falimentar.

Contudo algumas questões sobre o instituto da prisão preventiva necessitam ser analisados com maior cautela, visto ser a prisão medida última de sanção, devendo somente ser aplicada em casos extremos. E a prisão do falido não foge a esta regra. Nosso estudo visa exatamente avaliar tal instituto. Assim, este trabalho tem por escopo analisar a constitucionalidade de tal prisão, os requisitos necessários à validade do decreto provisório, suas semelhanças com a prisão preventiva prevista no Código de Processo Penal Brasileiro, a posição jurisprudencial brasileira a respeito do tema, dentre outras questões de relevo, e examinar brevemente, depois do estudo, um caso concreto, qual seja, a prisão de Genil Araújo Camelo, proprietário do Parque Recreio, o qual fora decretada falência.

1 FALÊNCIA, CRIMES FALIMENTARES, AÇÃO PENAL E EFEITOS DA CONDENAÇÃO

1.1 O instituto da falência

Trata-se a falência de um instituto que visa a satisfação dos credores, por meio de uma execução coletiva contra o empresário, sociedade empresária e assemelhados, e, se possível, a manutenção da atividade empresária.

Ao longo da história, o empresário falido passou por sanções bastante severas, que iam desde a escravidão por dívidas que não podiam ser sanadas, até a própria condenação à morte, tendo em vista ser, àquela época, o falido visto como um criminoso.

Com o passar dos anos, a falência passou a ter novos objetivos que não fossem a morte ou banimento do falido, hoje definidos no artigo 75 da lei nº 11.101/2005, sendo um deles promover, inclusive, o retorno célere do empreendedor falido à atividade econômica. Embora, ainda nos tempos atuais, seja a falência ainda vista pela sociedade de forma repreensiva, transformando o insolvente em alvo de críticas pelos cidadãos, sendo muitas vezes considerados como desonestos, entre outras características desabonadoras.

No entanto, ainda que possa ser a falência resultado de um desvio de conduta do empresário, não é esta a regra. Pelo contrário, o insucesso do negócio pode se dá por diversas outras razões, inclusive o risco faz parte da atividade empresária, e, por isso, seria injustificada a aplicação, além da sanção moral, de sanções penais ao falido que chegou a esta condição através de condutas não eivadas de dolo ou culpa.

Atualmente, antes da decretação da falência, há uma opção para as empresas viáveis, qual seja, a recuperação judicial. Há razões pelas quais o legislador se preocupou em tornar a falência uma alternativa subsidiária à recuperação: a primeira é que a empresa possui uma função social, empregando diversos trabalhadores e gerando emprego e renda, daí porque seria contraproducente aniquilar a atividade empresarial sumariamente se houvesse meios para tentar salvá-la; a segunda é que uma empresa em desequilíbrio pode afetar negativamente e em grande escala a economia e o mercado de capitais, motivo pelo qual o Estado tem interesse em fazer dos processos de recuperação judicial e falência os mais tranquilos, seguros e estáveis possíveis.

Entretanto, tratando-se de empresa inviável, não há outro caminho a não ser a decretação de sua falência.

Sendo assim, são três os pressupostos básicos deverão ser cumpridos, de acordo com a Lei 11.101/2005, para a decretação de falência: um é pressuposto material subjetivo, que corresponde a ser o devedor empresário, sociedade empresária ou assemelhados; outro um pressuposto material objetivo, que é está caracterizada uma das condutas descritas nos incisos do artigo 94 da lei de recuperações e falências e, por fim, um pressuposto formal, qual seja, a existência de uma sentença declaratória de falência deverá ser emitida pelo juízo competente.

1.2 Os crimes falimentares

Conforme exposto anteriormente, fora abandonado o objetivo de sancionar penalmente o falido com base apenas em ter sido decretada sua falência. No entanto, várias outras condutas do falido, bem como do devedor em recuperação, tipificadas na lei como crimes falimentares ou falenciais, ensejarão a punição, exatamente para punir os devedores que agiram de má fé, coibindo o dolo ou a culpa.

São, portanto, crimes falimentares: fraude a credores; violação de sigilo empresarial; divulgação de informações falsas; indução a erro; favorecimento de credores; desvio, ocultação ou apropriação de bens; aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens; habilitação ilegal de crédito; exercício ilegal de atividade; violação de impedimento; e omissão dos documentos contábeis obrigatórios. A seguir, teceremos rápidos comentários acerca desses crimes.

1.2.1 Dos crimes falimentares em espécie

a) Fraude contra credores

Está tipificado no artigo 168 da lei de recuperações e falências e seu núcleo consiste na prática de ato que extingue, modifica ou cria direitos de forma ardilosa, pressupondo alguns elementos: o dolo de fraudar, que é elemento subjetivo imprescindível do tipo, o objetivo de lucro em benefício do próprio devedor ou de terceiro e o prejuízo ou perigo de prejuízo a terceiros.

Note-se que o efetivo prejuízo não é necessário para a consumação do delito, assim ensina Marcelo Barbosa Sacramone (2021):

O prejuízo efetivo aos credores não é requisito do tipo. A consumação do crime ocorre com a realização do ato fraudulento, ainda que o prejuízo aos credores não tenha efetivamente ocorrido. Trata-se de crime de perigo, em que o dano efetivo ao bem jurídico protegido é desnecessário.

Portanto, não se admite a modalidade tentada, configurado o perigo do resultado com a prática do ato fraudulento está caracterizado o tipo penal.

Há quem sustente, doutrinariamente, que o crime de fraude contra credores não seria um crime próprio, embora seja, por via regra, cometido pelo devedor, sustentando para isso a ausência de limitação legal. Neste interim, nada obstaria que o devedor, junto da coletividade de credores, sujeitos passivos do tipo, fosse também vítima do delito.

Ademais, o parágrafo terceiro do artigo 168 traz a possibilidade de concurso de agentes, seguindo a lógica da teoria monista adotada pelo Código Penal. Assim leciona Elizabeth Vido (2020):

A Lei de Falência não destoou do Código Penal ao adotar a teoria unitária ou monista, segundo a qual todos os que colaboram com a conduta típica respondem pelo mesmo crime, na medida de sua culpabilidade. Tal teoria pode ser encontrada no art. 168, § 3º, que diz: “nas mesmas penas incidem os contadores, técnicos contábeis, auditores e outros profissionais que, de qualquer modo, concorrerem para as condutas criminosas descritas neste artigo, na medida de sua culpabilidade.

b) Violação de sigilo empresarial

É descrito pelo artigo 169 da LRF, não era previsto no decreto 7.661/45. O sigilo empresarial e os dados confidenciais aos quais podem ser objeto de violação, exploração ou divulgação, podem ser conceituados da seguinte forma: o sigilo empresarial “é a informação confidencial necessária para garantir ao empresário uma vantagem competitiva sobre os seus concorrentes” e os dados confidenciais dizem respeito as “informações sobre os contratos celebrados pelo empresário, seus parceiros, fornecedores etc.”

Quando violada, explorada ou divulgada a confidencialidade dessas informações podem ocorrer prejuízos à atividade da empresa, tais como o aumento de concorrência, a alteração da vantagem econômica sobre determinado produto ou serviço ou a diminuição de lucros. Ou seja, a prática deste crime pode impactar diretamente sobre a situação de crise do devedor, agravando-a ou a tornando de difícil superação, e, por isso, deve ser reprimida.

O sujeito ativo do crime pode ser qualquer detentor da informação confidencial e o sujeito passivo é a coletividade de credores. Diferente do primeiro crime falencial aqui tratado, neste o prejuízo é essencial, embora a falência do devedor não precise ser decretada. Assim, trata-se de um crime material, cujo resultado é imprescindível a sua consumação.

c) Divulgação de informações falsas

O núcleo do tipo se traduz na revelação a terceiro de informação falsa ou mesmo dar curso a uma informação falsa já divulgada, junto ao elemento subjetivo que é o dolo específico de levar o devedor à falência ou obter vantagem, conforme prescreve o artigo 170 da LRF, embora não seja um crime cujo resultado seja necessário para sua consumação.

Aqui pretendeu-se proteger o devedor em estado de recuperação judicial, uma vez que é também sujeito passivo do crime, junto à comunidade de credores e a própria administração da justiça, evitando a propagação de informações, por qualquer pessoa que as detenha, que levem terceiros a achar que a empresa já está falida, dificultando desta forma sua recuperação.

d) Indução a erro

É essencial que nos processos de falência e recuperação judicial e extrajudicial sejam prestadas com verdade, para que se assegure a melhor condução para a superação da crise pela qual o devedor, não à toa, coube ao legislador prever uma sanção para aquele que, tendo sido dele exigida a prestação da informação no processo falimentar ou recuperacional, sonega, omite ou presta informações falsas.

Deve haver nestes casos, por parte do sujeito ativo, que pode ser qualquer pessoa instada a prestar informações, o dolo específico de induzir a erro o juiz, o Ministério Público, os credores, a Assembleia Geral de Credores, o Comitê ou o administrador judicial, embora não sejam estes efetivamente induzidos a erro, desde que a conduta praticada seja relevante o suficiente para o fazê-lo.

e) Favorecimento a credores

Trata-se de um tipo próprio, no qual exige-se a qualidade de ser o sujeito ativo devedor, que, conforme prescreve o núcleo do artigo que transferir ou onerar ativos ou contrair obrigações com o objetivo de beneficiar alguns credores em prejuízo dos demais, seja antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar plano de recuperação extrajudicial.

O objetivo do legislador, sobretudo, foi preservar o princípio da igualdade entre os credores ou par conditio creditorium, pois sabe-se que a ordem de pagamento dos credores é estabelecida legalmente e que, portanto, devem ser tratados da mesma forma credores de mesma classe, no momento adequado. Assim, não pode o empresário devedor, ao seu alvedrio, efetuar pagamentos a credores usando de sua conveniência.

Embora seja o empresário devedor o sujeito ativo, conforme dispõe o parágrafo único do artigo, o credor que em conluio se beneficiar do ato incorre nas mesmas penas. Ademais, os demais credores e, secundariamente, a administração da justiça são os sujeitos passivos. Finalmente, o dolo é elemento imprescindível e a não é necessário o efetivo resultado de prejuízo aos outros credores para que o crime se consuma.

f) Desvio, ocultação ou apropriação de bens

Este é um tipo penal pelo qual qualquer pessoa, seja o falido, credores ou terceiros que praticarem as condutas descritas no núcleo do tipo, quais sejam, “apropriar-se, desviar ou ocultar bens pertencentes ao devedor sob recuperação judicial ou à massa falida, inclusive por meio da aquisição por interposta pessoa”.

Embora o elemento subjetivo do dolo seja exigido, não se exige o ânimo de prejudicar os demais credores, que são, junto da administração da justiça, os sujeitos passivos do crime. E, por fim, por tratar-se de crime de mera conduta, só a simples prática dos verbos nominais do núcleo do tipo ensejam sua consumação.

g) Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens

Quanto a este crime, que diz respeito, literalmente, à aquisição, recebimento ou utilização de bens que sabe pertencer à massa falida ou influir para que terceiro, de boa-fé o faça, pode ser comparado ao crime descrito de receptação, previsto no artigo 180 do Código Penal, exceto pela conduta de uso.

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Aliás, pune-se aqui o terceiro que corrobora com o crime de desvio, ocultação ou apropriação de bens, analisado anteriormente, praticando alguma das condutas tipificadas e que poderia estar descrito em um parágrafo em extensão àquele tipo, inclusive pela mesma cominação de multa. No entanto, preferiu o legislador dar destaque especial ao tipo.

Não se exige qualquer qualidade especial do sujeito ativo para sua consumação e os sujeitos passivos são os credores e administração da justiça. Por último, o dolo direto é elemento essencial do tipo, exigindo--se a consciência de que bem deveria integrar a massa falida.

h) Habilitação ilegal de crédito

São condutas puníveis por meio deste tipo a de apresentar a relação de créditos falsos em juízo, a de habilitar créditos falsos no processo, a de realizar reclamação de crédito falso ou a de juntar a esta documento falso ou simulado, ainda que, neste último caso, sejam o crédito verdadeiro.

Acerca das condutas previstas no núcleo do tipo penal, Sacramone (2021) assevera:

A habilitação de crédito é o requerimento realizado pelo credor para inclusão de crédito no quadro-geral credores da Massa Falida ou do devedor em recuperação. Por habilitação deverá ser entendida não apenas a habilitação tempestiva como a retardatária, mas também a impugnação judicial do credor, realizada à lista apresentada pelo administrador judicial, e que não tenha contemplado o crédito ou o tenha incluído com natureza ou valor diversos do pretendido.

A reclamação, por seu turno, não é instrumento previsto formalmente no procedimento falimentar. Deve ser entendida como tal qualquer pedido apresentado no procedimento para obter a satisfação de um crédito, como o é o pedido de reserva de valores, o pedido de restituição, embargos de terceiro.

Podem ser sujeitos ativos do delito o devedor, os credores ou o administrador judicial e sujeitos passivos, a administração da justiça, a coletividade de credores e o próprio devedor. Ademais, o dolo direto é elemento essencial do tipo, exigindo-se a consciência da falsidade.

i) Exercício ilegal de atividade

Sabe-se que um dos efeitos da condenação por crime falimentar é a inabilitação ou incapacidade de exercer atividade empresarial por certo período, no caso de inabilitação desde a sentença declaratória da falência até a sentença que extingue suas obrigações e, se empresário individual de responsabilidade ilimitada, afastado do exercício de sua atividade nas hipóteses do artigo 64 da LPF, poderá perdurar até cinco anos após a extinção da punibilidade ou até a cessação pela reabilitação penal (artigo 181, inciso I).

Não há dúvida que o falido, a quem é o qual tem a inabilitação imposta, é sujeito ativo do crime. Entretanto, alguns doutrinadores admitem que os sócios, diretores, gerentes, administradores e conselheiros, de fato ou de direito, bem como o administrador judicial, que equiparam--se ao devedor ou falido para todos os efeitos penais decorrentes desta Lei, na medida de sua culpabilidade, conforme o artigo 179 da LRF, sejam também sujeitos ativos do crime.

Ademais, o sujeito passivo é a administração da justiça e, secundariamente, o patrimônio dos credores, embora não seja exigido o resultado prejudicial àqueles, além do dolo genérico de desempenhar a atividade.

j) Violação de impedimento

Tratando-se de crime próprio, penaliza-se neste tipo a conduta de todos os envolvidos diretamente com o trâmite processual, os quais são descritos no próprio caput do artigo: o juiz, o representante do Ministério Público, o administrador judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro, tanto se agirem por si como por interposta pessoa, visando-se impedir que se utilizem de informações obtidas em razão da função exercida no processo para se beneficiarem de alguma forma.

O bem tutelado é a própria administração e regularidade da justiça e exige-se o dolo do agente de adquirir ou obter o lucro com a negociação dos bens do devedor, embora não seja necessário o resultado efetivo para sua consumação.

h) Omissão dos documentos contábeis obrigatórios

A falta de escrituração contábil obrigatória (não elaboração, escrituração e autenticação de documentos contábeis) é tipificada como crime falimentar, pois é um documento de essencial importância, uma vez que a partir dela que que os credores têm acesso ao montante do passivo e do ativo da recuperanda, bem como podem verificar quais são os ativos a serem arrecadados pela Massa Falida.

Como a obrigação de escrituração é do próprio empresário devedor, só ele pode ser sujeito ativo do crime ora tipificado. Já o sujeito passivo são a administração da justiça e a coletividade de credores. Além disso, é imprescindível que haja dolo, mas é prescindível que haja resultado.

1.3 A ação penal e dos efeitos da condenação por crime falimentar

1.3.1 Ação penal

Conforme previsto no artigo 184 da LRF, a ação quanto aos crimes falimentares é pública incondicionada. De início, a denúncia deverá ser oferecida com as informações constantes dos autos do próprio processo até então, mas seja necessário, poderá ser requerida ao Ministério Público, antes de imediatamente oferecer a denúncia, a instauração de inquérito policial para a investigação sobre a existência ou não dos crimes falimentares.

Anteriormente, o Decreto--lei nº 7.661/45 previa o inquérito judicial, o qual era presidido pelo juiz falimentar, diante da exposição dos fatos pelo síndico, e permitia requerimentos de produção de provas pelos credores, pelo Ministério Público e pelo falido. Entretanto, a atual LRF não reproduziu a ferramenta, ora a coleta de provas perante o julgador deve ser realizada apenas mediante contraditório, o qual, no inquérito judicial que também era meramente investigatório, não se exigia majoritariamente. Portanto, a nova sistemática da nova lei se deu em atenção aos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como do devido processo legal e do juiz natural, ao qual não compete a investigação inicial e deve se manter equidistante da acusação e da defesa.

O prazo para oferecimento da denúncia é o mesmo regido pelo artigo 46 do Código de Processo Penal, ou seja, de 5 (cinco) dias estando o réu preso, contados da data em que o Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 (quinze) dias, se o réu estiver solto ou afiançado. E, neste último caso, o representante do Ministério Público poderá ainda oferecer a denúncia 15 dias após a exposição circunstanciada de que trata o artigo 186 da LRF, a qual apresenta informações detalhadas a respeito da conduta do devedor e de outros responsáveis acerca de atos que possam constituir crime relacionados à recuperação ou a falência.

Assim como nas ações penais tradicionais que conhecemos, admite-se, no caso de omissão do Ministério Público, a apresentação de ação penal subsidiária por parte de qualquer credor habilitado ou do administrador judicial, no prazo decadencial de 6 meses, assim prescreve o parágrafo único do artigo 184 da LRF.

Importante destacar que, com as mudanças ocorridas a partir do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), considerando que os crimes falimentares, ao menos as condutas descritas no caput de cada artigo, possuem todos pena mínima inferior a 4 (quatro anos), se atendidos os demais requisitos exigidos pelo artigo 28-A do Código de Processo Penal, poderá o Ministério Público, ao invés de oferecer a denúncia, propor o acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, através de condições pré-determinadas.

1.3.2 Efeitos da condenação por crime falimentar

Aquele que é condenado por crime falimentar sofre, além das consequências penais advindas da aplicação da pena privativa de liberdade, outros efeitos específicos, se empresário devedor, que são previstos na LRF no artigo 181.

São esses efeitos: a inabilitação para o exercício da atividade empresarial; o impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de administração, diretoria ou gerência de sociedades passiveis de processo falimentar ou de recuperação e a impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio. Assim, o legislador procurou evitar que o falido volte a exercer qualquer tipo de atividade empresarial, até para que não haja risco de cometimento de crimes de mesma natureza.

Esses efeitos, conforme dispõe o parágrafo primeiro do artigo 181, não serão automáticos e, portanto, devem ser declarados na sentença por decisão fundamentada do juiz. Seu prazo é de cinco anos, a contar da extinção da punibilidade do agente, exceto pela possiblidade de cessar antes, se houver pedido de reabilitação penal, a qual segue a regra geral prevista nos artigos 93 a 95 do Código Penal.

2 A PRISÃO PREVENTIVA PREVISTA NO DIREITO PROCESSUAL PENAL PÁTRIO

Trata-se de uma medida cautelar prevista no Código de Processo Penal Brasileiro, prevista no artigo 312 do referido diploma, a qual, diante da presença dos requisitos autorizadores, será decretada “quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”, a qualquer tempo da fase de investigação policial ou da ação penal, antes do trânsito em julgado da sentença.

Eugênio Pacelli de Oliveira (2021) ensina:

{...} a prisão preventiva revela a sua cautelaridade na tutela da persecução penal, objetivando impedir que eventuais condutas praticadas pelo alegado autor e/ou por terceiros possam colocar em risco a efetividade da fase de investigação e do processo.

Em síntese, sabe-se que a liberdade do indivíduo deve ser assegurada até que haja uma sentença pena condenatória transitada em julgado em que seja estipulada a sua restrição, portanto, deve haver necessidade fundamentada para a restrição cautelar da liberdade do investigado. Assim se manifesta acertadamente a jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. 157, §2º, INCISO II, C/C ART. 14, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL E ART. 14, DA LEI Nº 10.826/03, NA FORMA DO ART. 69, DO CP. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. MEDIDA EXCEPCIONAL. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA DE POSSE ILEGAL DE MUNIÇÕES. INOCORRÊNCIA. PRISÃO PREVENTIVA FUNDAMENTADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO VERIFICADO. FUNDAMENTOS IDÔNEOS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Consolidou-se, nesta Superior Corte de Justiça, entendimento no sentido de que o trancamento da persecução penal ou de inquérito policial, em sede de habeas corpus, constitui medida excepcional, somente admitida quando restar demonstrado, sem a necessidade de exame do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a ausência de indícios suficientes da autoria ou prova da materialidade. 2. Não há se falar em atipicidade em virtude da apreensão da munição desacompanhada de arma de fogo, porquanto a conduta narrada preenche não apenas a tipicidade formal mas também a material, uma vez que "o tipo penal visa à proteção da incolumidade pública, não sendo suficiente a mera proteção à incolumidade pessoal" (AgRg no REsp n. 1.434.940/GO, Sexta Turma, Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, DJe de 4/2/2016). 3. Nada obstante, tem-se admitido a aplicação do princípio da insignificância na hipótese de posse de pequena quantidade de munição, desacompanhada de armamento capaz de deflagrá-la, em situação que denote a inexpressividade da lesão jurídica provocada, desde que não se trate de contexto que envolva a prática de outros delitos. De fato, "não se reconhece a incidência excepcional do princípio da insignificância ao crime de posse ou porte ilegal de munição, quando acompanhado de outros delitos, tais como o tráfico de drogas". (HC n. 206977 AgR, Relator ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 18/12/2021, DJe 7/2/2022 PUBLIC 8/2/2022). 4. Na hipótese dos autos, os recorrentes foram presos com 4 munições calibre .40, no mesmo contexto em que presos em flagrante pelo delito de roubo tentado, não havendo que se falar em insignificância da conduta. 5. A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF). Exige-se, ainda, na linha inicialmente perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal e agora normatizada a partir da edição da Lei n. 13.964/2019, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime. 6. No caso, a gravidade concreta do crime como fundamento para a decretação ou manutenção da prisão preventiva foi aferida a partir de dados colhidos da conduta delituosa praticada pelos agentes, que revelam uma periculosidade acentuada a ensejar uma atuação do Estado cerceando sua liberdade para garantia da ordem pública, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. 7. As circunstâncias que envolvem o fato demonstram que outras medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal são insuficientes para a consecução do efeito almejado. Ou seja, tendo sido exposta de forma fundamentada e concreta a necessidade da prisão, revela-se incabível sua substituição por outras medidas cautelares mais brandas. 8. Agravo regimental não provido. (grifos nossos) (AgRg no HC n. 770.592/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 4/10/2022.)

Logo, a prisão preventiva é medida última que se impõe em casos específicos, seguindo requisitos previstos na lei, inclusive porque afeta a dignidade da pessoa humana, com a privação da liberdade, que é garantia individual máxima.

Não à toa, deve ser a decisão que decreta a prisão preventiva do indivíduo devidamente fundamentada, como dispõe o artigo 312, § 2º do Código de Processo Penal e a própria Carta Maior em seu artigo 93, inciso IX. Se decretada com base em requerimento apresentado pelo Ministério Público, desde este esteja bem estruturado, demonstrando a necessidade de prisão preventiva, pode o juiz decidir por pertinentes as alegativas e decretar a segregação cautelar.

2.1 Requisitos para o decreto de prisão preventiva

São três os requisitos os quais devem observados para a decretação da prisão preventiva, quais sejam: a prova da existência do crime, indício suficiente de autoria e uma das situações descritas no artigo 312 do Código de Processo Penal.

Note que quanto a existência do crime, ou seja, a materialidade delitiva, fala-se em prova, e quanto a autoria delitiva fala-se em indícios. Ou seja, deve haver certeza de que ocorreu uma infração penal, seja por laudo pericial, provas testemunhais, etc., mas quanto a autoria, basta a fundada suspeita de que o réu foi o autor da infração penal, não a certeza absoluta. Aqui, pois, não necessita a existência de provas cabais, contundentes, robustas de autoria do acusado. É necessária a presença de elementos que apontem no sentido de que o acusado é autor do ilícito penal que se apura.

Já quanto as situações descritas no artigo 312 do Código de Processo Penal, que são condições autorizadoras do decreto da prisão preventiva, quais sejam, a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, daremos especial atenção a seguir.

2.1.1 Garantia da ordem pública

É uma hipótese abrangente para o decreto da segregação cautelar, inclusive, a doutrina chega a considerar que o legislador foi infeliz ao escolher o termo “ordem pública”. Isto porque a garantia da ordem pública é bastante imprecisa, sendo que coube às fontes formais mediatas do direito, especialmente a doutrina e a jurisprudência, assinalar o significado da expressão. Neste sentido, explica Nucci (2020):

Entende-se pela expressão a necessidade de se manter a ordem na sociedade, que, como regra, é abalada pela prática de um delito. Se este for grave, de particular repercussão, com reflexos negativos e traumáticos na vida de muitos, propiciando àqueles que tomam conhecimento da sua realização um forte sentimento de impunidade e de insegurança, cabe ao Judiciário determinar o recolhimento do agente.

Extraímos a partir dos ensinamentos do sublime doutrinador que o perigo à manutenção da ordem pública pode ser auferido por meio da gravidade concreta do delito e da repercussão deste.

Assim, por exemplo, analisando a gravidade de um crime, um furto simples não seria razão para o decreto da segregação cautelar, ao passo que um latrocínio repercute negativamente e impõe medo à população inocente que, a qualquer tempo, pode, além de ter seus pertences levados, ter a vida ceifada.

Quanto à repercussão social e midiática do delito cometido, é necessário bom senso por parte do juiz ao avaliar se a repercussão não é apenas histeria e sensacionalismo, cabendo a prisão preventiva quando a notícia divulgada se tratar da demonstração real da intranquilidade da população.

Finalmente, outro critério que deve ser levado em consideração pelo juiz quando do decreto da prisão preventiva é a periculosidade do agente. Isto porque se àquele já cometeu outros crimes, principalmente de mesma natureza, que demonstrem alta gravidade e que seu estado de liberdade possa levá-lo a permanecer a praticar tais condutas, tornando o crime sua profissão, deve o juiz fazer cessar ou prevenir que tais práticas sejam reiteradas. Assim tem decidido a jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. INSURGÊNCIA CONTRA DECISÃO DA ORIGEM QUE INDEFERIU O PLEITO LIMINAR. NÃO CABIMENTO. SÚMULA 691/STF. DISPARO DE ARMA DE FOGO. AMEAÇA. DANO. DIFAMAÇÃO. INDÍCIOS DE AUTORIA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. CUSTÓDIA MANTIDA. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. 1. "Os fatos são concretamente graves. De acordo com as declarações da vítima, somadas aos depoimentos dos Policiais Militares, há indícios, em tese, da prática de crime de extorsão ou até mesmo de homicídio tentado. Com efeito, o ofendido asseverou que o autuado efetuou cinco disparos de arma de fogo em sua direção, que acabaram atingindo vidros e paredes de sua residência. Ainda, a vítima expôs que se sente ameaçada e que teme por sua vida pelo fato de ter recebido inclusive mensagem do autuado que lhe ordenava a realização de um depósito de quarenta mil reais". (decreto prisional). 2. Foi apresentada fundamentação idônea para a decretação da prisão preventiva, com indicação de que o agravante descumpriu medidas cautelares anteriormente impostas, o que demonstra o desrespeito e descaso com a lei. O descumprimento de medida cautelar imposta para a concessão da liberdade provisória justifica a custódia cautelar. 3. A periculosidade do acusado, evidenciada na reiteração delitiva, constitui motivação idônea para o decreto da custódia cautelar, como garantia da ordem pública. Registros criminais anteriores, anotações de atos infracionais, inquéritos e ações penais em curso, e condenações ainda não transitadas em julgado são elementos que podem ser utilizados para amparar eventual juízo concreto e cautelar de risco de reiteração delitiva, de modo a justificar a necessidade e adequação da prisão preventiva para a garantia da ordem pública. 4. Ausência de violação do art. 7º, inciso V, da Lei n. 8.906/94. Consta da decisão que indeferiu a liminar, proferida pelo Tribunal a quo, que "o paciente está em sala isolada dos detentos comuns, com preservação da sua integridade, além de ser possível o atendimento de eventuais necessidades médicas." 5. Havendo a indicação de fundamentos concretos para justificar a custódia cautelar, não se revela cabível a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão, visto que insuficientes para resguardar a ordem pública. 6. Agravo regimental improvido. (grifos nossos) (AgRg no HC n. 755.801/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 4/10/2022, DJe de 7/10/2022.)

2.1.2 Garantia da ordem econômica

A garantia da ordem pública é um gênero, do qual faz parte a espécie garantia da ordem econômica. São analisados aqui os mesmos critérios para a segregação com base na garantia da ordem pública, mas com especial atenção ao abalo causado ao meio econômico-financeiro pelo crime cometido e ao perigo de novas condutas no mesmo sentido.

Brilhantemente, assevera Nucci (2020):

Nesse caso, visa-se, com a decretação da prisão preventiva, a impedir possa o agente, causador de seríssimo abalo à situação econômico-financeira de uma instituição financeira ou mesmo de órgão do Estado, permanecer em liberdade, demonstrando à sociedade a impunidade reinante nessa área. Equipara-se o criminoso do colarinho branco aos demais delinquentes comuns, na medida em que o desfalque em uma instituição financeira pode gerar maior repercussão na vida das pessoas, do que um simples roubo contra um indivíduo qualquer.

2.1.3 Conveniência da instrução criminal

Quando decretada por conveniência da instrução criminal, a prisão preventiva visa a garantia de que o processo penal seja conduzido de forma lisa, sem vícios nos procedimentos. Assim, trata-se aqui de uma prisão instrumental, porquanto é decretada em face da tutela do próprio processo.

Pacelli (2021) explica seu sentido e exemplifica:

Por conveniência da instrução criminal há de se entender a prisão decretada em razão de perturbação ao regular andamento do processo, o que ocorrerá, por exemplo, quando o acusado, ou qualquer outra pessoa em seu nome, estiver intimidando testemunhas, peritos ou o próprio ofendido, ou ainda provocando qualquer incidente do qual resulte prejuízo manifesto para a instrução criminal.

2.1.4 Assegurar a aplicação da lei penal

Basicamente, neste caso, estão contempladas as hipóteses em que risco de fuga do acusado ou que este, em liberdade, possa se desfazer dos seus bens, ou seja, tentará livrar-se do seu patrimônio com o escopo de evitar o ressarcimento dos prejuízos causados pela prática do crime.

Muito se discute na jurisprudência se a fuga é suficientemente hábil a fundamentar a segregação cautelar, uma vez que seria assegurado ao indivíduo o direito de fuga, que pode se achar injustiçado pelo Estado. No entanto, existem julgados que entendem ser perfeitamente possível.

3 A PRISÃO PREVENTIVA PREVISTA NA LEI Nº 11.101/2005

A Lei de Recuperações e Falência traz a expressa previsão, em seu artigo 99, da possibilidade de decretação de prisão preventiva quando da sentença de decretação de falência. Dispõe o artigo, in verbis:

Art. 99 – A sentença que determinar a falência do devedor, dentre outras determinações:

(....) VII – determinará as diligências necessárias para salvaguardar os interesses das partes envolvidas, podendo ordenar a prisão preventiva do falido ou de seus administradores quando requerida com fundamento em provas da prática de crime definido nesta lei. (destaque nosso)

Pelo exposto até aqui, é de essencial importância a análise desta previsão na Lei de Recuperações e Falências, visto ser a segregação da liberdade individual medida extrema, somente admita em hipóteses excepcionais. Em razão disso, analisaremos a seguir pontos importantes da prisão preventiva prevista na LRF, que ainda causam dúvidas acerca constitucionalidade e aplicação prática do instituto.

3.1 O Juízo competente para o decreto da prisão preventiva

Importante, antes de analisar qual o juízo competente para o decreto da prisão preventiva do falido, é importante analisar qual o juízo competente para o conhecimento da ação penal. Neste ínterim, o artigo 183 da Lei nº 11.101/2005 assim dispõe, in verbis:

Art. 183. Compete ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial, conhecer da ação penal pelos crimes previstos nesta Lei.

Ou seja, o legislador foi explícito ao afirmar que a competência para apurar o cometimento dos crimes falimentares foi atribuída ao juízo criminal do foro onde tenha sido decretada a falência, tenha sido concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial. No entanto, esta previsão causou dúvida acerca dos estados que preveem, em suas normas de organização judiciária a cumulação em uma única vara de competência geral, uma vez que a expressão “juízo criminal” não significaria necessariamente uma vara especializada.

Importante para a análise mais profunda da problemática, que a Constituição Federal, em seu artigo 96, inciso I, alínea “a”, dispõe:

Art. 96. Compete privativamente: I - aos tribunais: a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

E o Código de Processo Penal, em seu artigo 74, também prescreve:

Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.

Assim, é plenamente possível que a lei de organização judiciária dos tribunais indique a vara que irá julgar os crimes falenciais, podendo, portanto, eleger como competente a vara de falências. Ademais, o legislador teria fixado no artigo 183 da LRF a competência territorial do processo falencial e não a competência pela natureza da infração, que também caberia à lei de organização judiciária dos tribunais de cada estado.

Entretanto, embora nos pareça claro que pode a lei de organização judiciária de cada estado definir a competência para o conhecimento da ação penal, há doutrinadores que defendem não ser conveniente que um juízo de competência geral reconheça a ação, assim se posiciona Sacramone (2021):

De fato, o envolvimento do Juiz Universal com a crise econômico-financeira do devedor, com a insatisfação dos créditos e com a regularidade do procedimento para a qual deveria zelar poderia comprometer sua neutralidade. O juiz da falência ou da recuperação poderá não ter a imparcialidade necessária para o julgamento dos crimes falimentares.

De qualquer maneira, é certo que haverá exceções quanto à possibilidade de conhecimento da ação e julgamento por parte de um Juízo Universal: se há delito conexo ou continente ao crime falimentar que seja atribuído à competência da jurisdição militar; tiver sido praticado por menor, cuja competência é atribuída ao juízo da Infância e Juventude (art. 79, I e II, do CPP), ou for de competência da Justiça Federal (art. 109 da CF), quando serão separados obrigatoriamente.

Isto posto, analisada a competência para conhecimento da ação penal decorrente da prática de crime falimentar, a quem compete decretar a prisão preventiva do agente do delito?

De igual modo, se cabe a lei de organização judiciária definir a quem compete o conhecimento da ação penal conforme vimos, e, definida a competência do juízo falimentar para tal, pode o juízo falimentar decretar a prisão preventiva do agente acusado pelo crime falencial, sem qualquer afronta constitucional.

Mas, e se não houver previsão acerca de um juízo universal de falência, competente para conhecer a ação penal por crime falimentar na lei de organização judiciário de determinado estado? Neste caso deverão existir dois processos: o cível que terá tramitação neste juízo e o criminal, competente para as matérias penais. Pode o juízo cível decretar a segregação cautelar? Analisaremos.

É sabido que há somente uma hipótese de prisão civil no país, excepcionada pela própria Constituição Federal (artigo 5º, inciso LXVII), qual seja, a prisão do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia.

Assim, somente haverá prisão na esfera penal, não podendo a prisão do falido ser decretada na esfera cível, pois seria esta inconstitucional. Destaca-se que, será inconstitucional se decretada por juízo falencial o qual não foi atribuída competência geral pela lei de organização judiciário dos tribunais. Sendo do contrário, um juízo falencial universal, conforme a lei de organização dos tribunais daquele estado, entendemos ser possível a decretação da segregação cautelar por aquele juízo.

3.2 Necessidade de requerimento para o decreto da prisão preventiva

Importante notar que prevê o art. 99, VII, da LRF que ao prolatar a sentença declaratória de falência do devedor, o juiz, dentre outras determinações poderá “ordenar a prisão preventiva do falido ou de seus administradores quando requerida com fundamento em provas da prática de crime definido nesta Lei”. Assim sendo, o legislador expressamente não previu a possibilidade de decreto da prisão preventiva com base na LRF de ofício.

Logo, existindo um inquérito policial, pode a autoridade policial requerer a segregação cautelar. Ou caberá ao representante do Ministério Público realizar o pedido, jamais restando ao juiz decretar a prisão preventiva ex officio. Esta era uma diferença entre as previsões da prisão preventiva no Código de Processo Penal e na Lei de Falências, vez que essa última havia sido mais rígida quanto a sua aplicação. No entanto, as mudanças trazidas pela Lei nº 13.964/2019 também aboliu do Código de Processo Penal a possibilidade de decreto de prisão preventiva de ofício pelo juiz. Tal mudança não se mostra menos acertada, vez que não pode o juiz abandonar o princípio da inércia da jurisdição e sua imparcialidade para restringir a liberdade do indivíduo preventivamente.

Atualmente, desde que haja inquérito policial ou ação penal em curso e sobrevenha um dos motivos autorizadores da prisão cautelar, pode o magistrado decretar a requerimento do representante do Ministério Público, do querelante ou por representação da autoridade policial, a segregação preventiva do investigado ou acusado, conforme dispõe o Código de Processo Penal.

Saliente-se mais uma vez: desde que haja inquérito policial ou ação penal em curso. Ou seja, no curso de processo falimentar, se não iniciado o processo no juízo criminal competente, tornar-se-ia impossível a decretação da prisão preventiva.

4 ANÁLISE DE CASO CONCRETO: A PRISÃO PREVENTIVA DE GENIL DE ARAÚJO CAMELO, PROPRIETÁRIO DO GRUPO PARQUE RECREIO

Nos autos do processo nº 0120952-70.2017.8.06.0001, distribuído por dependência ao processo nº 0160513-38.2016.8.06.0001, o Ministério Público, através da 1ª Promotoria de Justiça de Recuperação de Empresas e Falências da comarca de Fortaleza, denunciou Genil Araújo Camelo, empresário conhecido por ser proprietário do Grupo Parque Recreio, além de Luis Denísio Lima dos Santos, pela prática de crimes previstos nos artigos 168 e 173 da LRF, e Maria Sandra Correia Lima, pela prática de crime previsto no artigo 168 do mesmo diploma legal.

Por decisão do Juízo da 2ª Vara de Recuperação de Empresas e Falências da Comarca de Fortaleza, nos autos do processo de nº 0160513-38.2016.8.06.0001, em 20 de fevereiro de 2017, a empresa M.M. Araújo Comércio de Alimentos Ltda./LD Comércio teve sua falência decretada, a qual foi requerida por Adega Alentejana Comércio Importação e Exportação Ltda., com esteio no artigo 94, inciso I, da LRF.

Em síntese, foi verificado que a empresa ora referida mantinha estreitas relações com as empresas do Grupo Parque Recreio, em especial a GAC Importação e Exportação Ltda. Tanto que, a dependência econômica, financeira, administrativa e contábil da M.M. Araújo Comércio de Alimentos Ltda. em relação à empresa GAC Importação e Exportação Ltda. fazia com que a primeira fosse melhor identificada como uma filial da segunda do que como uma empresa autônoma.

Em razão da interação injustificada entre a empresa falida e as empresas do Grupo Parque Recreio, consistentes na coincidência de endereços entre sedes e filiais; no guarnecimento de documentos nos endereços das empresas; na utilização irregular de maquinetas; na utilização da mesma marca, que revelavam a confusão patrimonial entre aquelas, com todas as provas que foram reunidas, a Massa Falida protocolou pedido de extensão da falência para outras empresas do Grupo Parque Recreio, vindo a ser deferida posteriormente às seguintes empresas: GAC Importação e Exportação Ltda., MKG Alimentos Ltda., União Bares Restaurantes e Churrascarias Ltda. e Maria Wuela Sousa Cunha (Wiskeria).

Ademais, os autos daquele processo de nº 0160513-38.2016.8.06.0001 demonstraram, para além da confusão patrimonial, a prática de crimes falimentares pelos então denunciados. A Massa Falida, nos autos daquele processo, expõe que, por exemplo, foi flagrado o carregamento de um caminhão que transportaria mercadoria (bebidas) de um estabelecimento pertencente à Massa Falida a um outro de propriedade da GAC Importação e Exportação Ltda. O motorista do mencionado caminhão, ao ser questionado pelo Oficial de Justiça respondeu que estaria realizando o transporte por conta e ordem do Sr. Genil Araújo Camelo.

Além disso, o próprio sistema de filmagens interno teria capturado uma intensa movimentação de pessoas retirando mercadorias e colocando-as em um caminhão no dia 23/02/2017, fato este ocorrido após a publicação da decisão que decretou a falência.

Também, o Sr. Genil Araújo Camelo, embora não figurasse como sócio da empresa M.M. Araújo Comércio de Alimentos Ltda., era, ocultamente, responsável pela administração da empresa.

Os proprietários da referida empresa, primeiro a Sra. Maria Sandra Correia Lima, a qual foi cedida, em 2015, as quotas da empresa por Michele Mororó Araújo Elias, filha do Sr. Genil, depois o Sr. Luis Denísio Lima dos Santos, o qual em 2016 adquiriu todas as quotas e passou a ser o único proprietário, não passavam de “laranjas” de Genil Araújo Camelo.

Um dos fatos narrados no processo falencial que merece destaque é que despesas pessoais do Sr. Genil Araújo Camelo e seus familiares eram pagas pela M.M Araújo Comércio de Alimentos Ltda/L.D Comércio de Alimentos Ltda., sociedade da qual o referido senhor jamais foi sócio ou sequer administrador. Outro diz respeito à completa incompatibilidade de renda da Sra. Maria Sandra Correia Lima para comprar a empresa falida, o qual somente o imobiliário foi alienado por R$ 720.000,00 (setecentos e vinte mil reais), ou a existência de uma procuração pública outorgada pela M.M Araújo Comércio de Alimentos Ltda/L.D Comércio de Alimentos Ltda, por sua “sócia administradora” Sra. Maria Sandra Correia Lima ao Sr. Genil Araújo Camelo, no dia 14/12/2015, concedendo-lhe, por prazo indeterminado, os mais amplos e irrestritos poderes para praticar qualquer ato em nome da sociedade.

Quanto a conduta de Luis Denísio Lima dos Santos, este se tornou sócio da M.M Araújo Comércio de Alimentos Ltda/L.D Comércio de Alimentos Ltda somente 8 dias antes do oferecimento de contestação ao pedido de decretação de falência de tal sociedade e, ainda, quatro dias após o Sr. Luis Denísio se tornar sócio da falida, há um contrato de compra e venda por meio do qual o Sr. Genil Camelo vendeu todos os móveis de uma das lojas da empresa. Ressalte-se: o Sr. Genil não era, formalmente, nem sócio nem administrador da empresa e, por isso, não haveria interesse de sua parte nessa alienação, se não a obtenção de vantagem indevida.

Foram estas as razões que levaram o membro do Parquet a oferecer a denúncia por prática de crimes falimentares, quais sejam, a fraude contra credores e o desvio de bens.

Antes disso, no entanto, o Juízo da 2ª Vara de Recuperação de Empresa e de Falência entendeu por oportuno apreciar, de ofício, os fatos constantes do pedido de extensão da falência sob o enfoque da matéria penal e, a partir daí, e dos fortes e incontestáveis indícios da prática de crime falimentar, decidiu pela segregação cautelar de Genil Araújo Camelo, justificando que sua liberdade inviabilizaria a arrecadação dos patrimônios das empresas e, portanto, frustraria a consecução da expropriação concursal.

Sem nem mesmo apreciar a fundamentação para o decreto da prisão preventiva de Genil, nos surgem alguns questionamentos, que a partir do estudo que fizemos anteriormente seremos capazes de responder: era o Juízo da 2ª Vara de Recuperação de Empresa e de Falência competente para o decreto de prisão preventiva? E, sendo, poderia o juiz ter o feito de ofício e sem instrução criminal?

Quanto a competência do Juízo da 2ª Vara de Recuperação de Empresa e de Falência para o decreto de prisão preventiva, sabemos que é perfeitamente possível que Lei de Organização Judiciária do Estado possa atribuir competência criminal ao juízo da falência.

No Ceará, a Lei Estadual n° 12.342/94, que instituiu o novo Código de Organização Judiciária do Estado do Ceará, assim prescreve, in verbis:

Art. 81. Aos Juízes de Direito das Varas de Falências e Concordatas compete, por distribuição, processar e julgar:

I - as falências e concordatas;

II - os feitos que, por força de lei, devam ter curso no juízo da falência ou da concordata, inclusive os crimes de natureza falimentar;

III - as causas, inclusive os processos crime, nos quais as instituições financeiras, em regime de liquidação extrajudicial, figurem como parte, vítima ou terceiro interessado;

IV - as execuções por quantia certa contra devedor insolvente, inclusive o pedido de declaração de insolvência;

V - os processos que tratem de crimes falimentares. (grifo nosso)

Portanto, se há esta previsão quanto a um Juízo Universal, sabemos que era o caso de existir dois processos: o cível que terá tramitaria neste juízo e o criminal, competente para as matérias penais e, portanto, para decretar a prisão preventiva de Genil.

Flagrante irregularidade teríamos se o Código de Organização Judiciária do Estado do Ceará não previsse a competência criminal a um juízo universal de falência.

Agora, sabendo que o Juízo da 2ª Vara de Recuperação de Empresa e de Falência agiu dentro de suas competências, devemos analisar sua atuação de ofício e sem instrução criminal.

Como já analisamos em tópicos anteriores, a prisão preventiva, no âmbito do processo penal, podia, antes das mudanças trazidas pelo Pacote Anticrime, ser decretada de ofício pela autoridade judiciária. No entanto, a LRF não tem a mesma previsão, falando apenas do instituto a partir de requerimento. A partir desse entendimento, a segregação de Genil Araújo Camelo teria sido irregular. Entretanto, o instituto da prisão preventiva previsto na LRF é o mesmo do CPP e, não sendo uma nova hipótese de prisão, segue os ditames deste último diploma, onde estava prevista àquela época o decreto de prisão preventiva ex officio, no artigo 311, in verbis:

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011) (revogado) (destaque nosso).

Válido ressaltar que, embora não tenha sido levantada essa questão no Habeas Corpus nº 0621484-87.2017.8.06.0000, o qual concedeu medida liminar afastando os efeitos do decreto prisional em face de Genil Araújo Camelo, e, por conseguinte, determinou o recolhimento do mandado de prisão; aplicação das medidas alternativas, diversas da prisão preventiva, nem mesmo havia ação penal em curso à época do decreto prisional, mais um óbice a segregação cautelar neste caso.

Finalmente, mas ainda com ligação à questão antes analisada, é sabido que atualmente, a prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, desde que requerida pelo Ministério Público, pelo querelante ou assistente, ou por representação da autoridade policial. Antes dessa previsão, estava em vigor as disposições do artigo 311 acima transcrito. Ou seja, havia decreto de prisão preventiva de ofício, se estava em curso uma ação penal, o que não era o caso quando do decreto da prisão preventiva do Sr. Genil, e, de qualquer forma, não houve também requerimento, de modo que não era legal o decreto de prisão daquele indivíduo.

CONCLUSÃO

Neste trabalho, buscamos estudar o instituto da prisão preventiva prevista na lei de falências e recuperação de empresas. Iniciou-se estudando brevemente a história do instituto da falência, bem como sua a relação com o direito penal, de certa forma, no que tange também os crimes falimentares. Após essa exposição, procurou-se dar uma visão geral do procedimento falimentar, necessária para o aprofundamento do tema aqui abordado. Em seguida, também vimos os crimes falimentares em espécie, a ação penal quanto a estes e os os efeitos da condenação por crime falimentar. Posteriormente, passamos ao estudo do instituto da prisão preventiva no direito processual penal brasileiro, onde abordamos os pontos que achamos interessantes para nosso trabalho. Por fim, fizemos uma análise crítica do instituto da prisão preventiva prevista na lei de falências e recuperação de empresas, onde procuramos aprofundar o tema. E, para isso, trouxemos pontos importantes do caso real do decreto da prisão preventiva de Genil Araújo Camelo, proprietário do Grupo Parque Recreio.

A prisão preventiva prevista na lei de falências, apesar de, em uma primeira análise, apresentar-se com algumas diferenças sutis em relação àquela prevista no Código de Processo Penal, com ela não contrasta, tendo, portanto, as mesmas características e se tratando do mesmo instituto. Ou seja, não fez o legislador a previsão de uma outra hipótese de prisão preventiva. Logo, para que seja decretada a prisão preventiva prevista na LRF, deverá obedecer aos requisitos exigidos pelo Código de Processo Penal.

Como foi analisado, convém destacar novamente que o juízo competente para conhecer da ação penal e do decreto de prisão preventiva é o criminal. O que não significa que não pode a lei de organização judiciária de cada estado estabelecer com juízo criminal o juízo universal da falência, pelo contrário, é perfeitamente possível. Assim, desde que prevista na lei de organização judiciária do Estado, poderá o juízo da falência decretar a prisão preventiva. Contudo, para que isto ocorra é necessário que exista algum procedimento penal em andamento, bem como o requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial, assim definem os artigos 311 e 312 do CPP. Sendo estes os pontos mais controvertidos de nosso breve trabalho, analisamos ambos sob a perspectiva de um caso concreto, refletindo ainda as mudanças quanto a prisão preventiva trazidas pelo Pacote Anticrime.

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Sobre a autora
Larissa Carvalho dos Santos

Bacharelanda em Direito - 10º semestre

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