Inicialmente, cumpre analisar como a jurisprudência da Corte Constitucional tem enxergado a teoria da abstrativização do controle difuso ao longo das últimas décadas, tendo em vista tratar-se de tema bastante controverso, inclusive na doutrina. Isto posto, faz-se necessário relatar como chegou pela primeira vez ao STF a discussão acerca da abstrativização do controle difuso e o que restou decidido em primeira análise, o que se passa a demonstrar adiante.
3.2.1 Primeira análise do STF sobre a teoria da abstrativização do controle difuso
O artigo 2º, parágrafo 1º, da redação original da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990), ao determinar que os condenados pelo cometimento de crimes hediondos ou equiparados deveriam cumprir a pena fixada integralmente em regime fechado, vedava a progressão de regime no caso de tais delitos, in verbis:
Lei nº 8.072/1990, artigo 2º. Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I - anistia, graça e indulto; II - fiança e liberdade provisória. § 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado. (BRASIL, 1990)
À vista disso, foi julgado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em 23 de fevereiro de 2006, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, o Habeas Corpus (HC) nº 82.959/SP, impetrado por um único apenado, instante em que se declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do mencionado artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei dos Crimes Hediondos, para permitir a progressão de regime nos casos de condenação pelo cometimento de crimes hediondos ou equiparados, tendo em vista a cristalina violação ao princípio constitucional de individualização da pena previsto no artigo 5º, XLVI, da CRFB/88, assim como da ressocialização do preso que, mais ou menos dia, deve voltar ao convívio social (BRASIL, 2006).
Nesse sentido, questionou-se sobre a extensão dos efeitos subjetivos decorrentes da decisão proferida pelo STF que declarou inconstitucional o dispositivo legal acima referido, isto é, se possuiria eficácia inter partes ou erga omnes e vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário. Para o entendimento tradicional, como se tratou de pronunciamento proferido em sede de controle concreto de constitucionalidade, certo que a decisão não possui efeitos gerais e vinculantes, mas apenas destinados aquele impetrante específico.
Com efeito, com base na decisão proferida no julgamento do HC nº 82.959/SP, o STF editou a Súmula Vinculante nº 26, publicada em 23 de dezembro de 2009, que determinou a observância da inconstitucionalidade do artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei dos Crimes Hediondos, para fins de progressão de regime no cumprimento de pena. Esta, por sua vez, inafastavelmente possui efeitos vinculantes em relação aos demais órgãos do Judiciário e da administração pública direta e indireta, nos termos do artigo 103-A, da Constituição Federal.
Ocorre que, mesmo antes da edição de referida Súmula, a Defensoria Pública do Estado do Acre ajuizou a Reclamação Constitucional nº 4.335/AC perante o Supremo Tribunal Federal, tendo em vista o descumprimento do precedente trazido pelo HC nº 82.959/SP por decisão proferida pelo Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco/AC.
Na ocasião do julgamento da Reclamação Constitucional 4.335/AC, ocorrido em 20 de março de 2014, o Ministro Gilmar Mendes, principal entusiasta da teoria da abstrativização do controle difuso, na condição de relator, asseverou:
Assim, parece legítimo entender que, hodiernamente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de publicidade. Desta forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que este publique a decisão no Diário do Congresso. Tal como assente, não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa força normativa (BRASIL, 2014).
Desse modo, o Ministro Gilmar Mendes deixou evidente seu posicionamento favorável à aplicação da teoria da abstrativização do controle difuso, para a qual as decisões definitivas de inconstitucionalidade proferidas pelo STF em controle concreto possuem eficácia geral e vinculante. No mesmo sentido foi o voto do Ministro Eros Grau, para quem
A resposta é óbvia, conduzindo inarredavelmente à reiteração do entendimento adotado pelo Relator, no sentido de que ao Senado Federal, no quadro da mutação constitucional declarada em seu voto – voto dele, Relator – e neste meu voto reafirmada, está atribuída competência apenas para dar publicidade à suspensão da execução de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. A própria decisão do Supremo contém força normativa bastante para suspender a execução da lei declarada inconstitucional (BRASIL, 2014).
No entanto, em que pese a militância em favor da abstrativização do controle incidental pelos Ministros acima mencionados, cumpre destacar que essa tese foi rejeitada e, consequentemente, não foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal à época.
Com efeito, a Reclamação Constitucional foi conhecida e julgada procedente em 20 de março de 2014, mas não em razão da suposta eficácia geral e vinculante conferida ao HC nº 82.959/SP, mas sim pela violação superveniente ao enunciado da Súmula Vinculante nº 26, em cristalina hipótese de cabimento de reclamação constitucional, nos termos do artigo 103-A, parágrafo 3º, da Constituição Federal.
Frisa-se, ainda, o posicionamento do Ministro Teori Zavascki na ocasião do julgamento da Reclamação Constitucional nº 4.335/AC, que rejeitou a teoria da abstrativização do controle difuso para afirmar que o artigo 52, X, da Constituição não sofreu mutação constitucional, uma vez que o Senado Federal permanece competente para suspender a eficácia de lei ou ato estatal declarado inconstitucional em definitivo pelo STF em controle incidental.
Ressalvou, contudo, que algumas decisões proferidas pelo Supremo em controle concreto de constitucionalidade possuem a chamada eficácia expansiva, ainda que não por meio da exclusiva atuação da Casa Legislativa mediante resolução. Na lição do Ministro Teori Zavascki:
Não se pode deixar de ter presente, como cenário de fundo indispensável à discussão aqui travada, a evolução do direito brasileiro em direção a um sistema de valorização dos precedentes judiciais emanados dos tribunais superiores, aos quais se atribui, com cada vez mais intensidade, força persuasiva e expansiva em relação aos demais processos análogos. Nesse ponto, o Brasil está acompanhando um movimento semelhante ao que também ocorre em diversos outros países que adotam o sistema da civil law, que vêm se aproximando, paulatinamente, do que se poderia denominar de cultura do stare decisis, própria do sistema da common law. (BRASIL, 2014).
Portanto, concluiu que o sistema normativo brasileiro atribui eficácia ultra partes, isto é, eficácia expansiva a determinadas decisões proferidas pelos tribunais superiores e pelo Supremo, inclusive em sede de controle de constitucionalidade, mas que isso não implica, por si só, na possibilidade de ajuizamento de reclamação em caso de violação ao conteúdo decisório manifestado pelo STF por parte estranha ao processo no qual foi proferida decisão cuja autoridade se busca preservar, em razão da interpretação estrita conferida ao artigo 102, I, alínea “l”, da Constituição Federal.
O que se pode afirmar, então, é que a força expansiva das decisões do STF não é sinônimo direto de efeito vinculante e erga omnes. Desse modo, o ajuizamento de reclamação é cabível somente nos casos de descumprimento de decisões do Supremo que gozem de efeito subjetivo vinculante e erga omnes, tais como no controle concentrado de constitucionalidade e Súmula Vinculante, o que não é possível em hipótese de violação a decisões que tenham tão somente eficácia expansiva, em se tratando de parte alheia à relação processual sobre a qual recaiu a decisum.
Diante disso, no caso específico da Reclamação Constitucional nº 4.335/AC, acaso tivesse sido analisada exclusivamente sob o prisma do precedente trazido pelo HC nº 82.959/SP, certo que não teria sido conhecida, pois ajuizada fora das hipóteses previstas pelo ordenamento jurídico. Entretanto, foi reconhecida a violação superveniente ao enunciado da Súmula Vinculante nº 26, cujo descumprimento enseja a propositura de reclamação e, em razão disto, referida ação foi julgada procedente.
3.2.2 Segunda análise do STF sobre a teoria da abstrativização do controle difuso
Avançando no tempo, em 19 de dezembro de 2017 foram julgadas as ADIs 3.406/RJ e 3.470/RJ, que foram ajuizadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), com a finalidade de que fosse declarada a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 3.579, de 07 de junho 2001, do Estado do Rio de Janeiro. Referida lei dispõe sobre a substituição progressiva da produção e da comercialização de produtos que contenham asbesto/amianto, de modo que vedou a extração da substância e a sua utilização em todo o território daquele Estado.
Nesse sentido, apontou-se que a lei mencionada supostamente ofendeu os valores da livre iniciativa e violou a competência privativa da União para legislar sobre matéria relativa ao direito do trabalho, direito comercial e recursos minerais, bem como, estabeleceu normas gerais sobre a produção e consumo de materiais contendo amianto, o que iria de encontro às disposições da Lei Federal nº 9.055, de 1 de junho de 1995 (norma que estabeleceu normas de caráter geral sobre a matéria), mormente porque esta última permitia, em seu artigo 2º, a extração, industrialização, utilização e comercialização do asbesto/amianto em sua variação crisotila (asbesto branco), do grupo dos minerais das serpentinas.
Com efeito, ao decidir sobre a adequação do referido texto legal estadual para com a Constituição Federal, considerando a repartição de competências preconizada pelo ordenamento jurídico brasileiro, a relatora das ADIs mencionadas, Ministra Rosa Weber, asseverou em seu voto pela improcedência da referida impugnação:
Nessa ordem de ideias, entendo que, ao regular aspectos da exploração do amianto relacionados a produção e consumo, proteção do meio ambiente e controle da poluição e proteção e defesa da saúde, a Le nº 3.579/2001, do Estado do Rio de Janeiro em absoluto excede dos limites da competência suplementar dos Estados, no tocante a essas matérias. (BRASIL, 2017).
Desse modo, afirmou que não seria caso de inconstitucionalidade formal pela invasão à competência privativa da União, pois, neste caso, a Lei Estadual nº 3.579/2001 reservou-se a disciplinar normas de caráter específico, no legítimo exercício de sua competência concorrente suplementar para tratar de assuntos locais relativos ao meio ambiente e proteção da saúde, em consonância com o artigo 24, parágrafo 2º, da Constituição Federal. Na lição da Ministra Rosa Weber:
A Lei federal nº 9.055/1995 e a Lei nº 3.579/2001 do Estado do Rio de Janeiro estão orientadas na mesma direção e sentido, tendo a legislação estadual complementar, no caso, apenas avançado onde o legislador federal preferiu se conter. Ao assegurar nível mínimo de proteção a ser necessariamente observado em todos os Estados da Federação, a Lei nº 9.055/1995 não pode ser interpretada como obstáculo à maximização dessa proteção, conforme escolha dos Estados, individualmente considerados. A proibição progressiva encartada na legislação estadual em apreço está alinhada à diretriz norteadora e à teleologia do regime previsto na Lei federal nº 9.055/1995. (BRASIL, 2017).
Nesta toada, o entendimento da relatora consagrou-se vencedor, instante em que o Plenário do Supremo Tribunal Federal proclamou a constitucionalidade da Lei estadual nº 3.579/2001, do Estado do Rio de Janeiro, com a consequente improcedência dos pedidos formulados nas ADIs 3.406/RJ e 3.470/RJ, tendo em vista o caráter dúplice das ações diretas de inconstitucionalidade, nos moldes previstos no artigo 24, da Lei nº 9.868/1999.
Contudo, destaca-se que o Supremo não perdeu a oportunidade para, no exercício do controle difuso de constitucionalidade, declarar incidentalmente a inadequação constitucional do artigo 2º, da Lei nº 9.055/1999, que permitia a extração, industrialização, utilização e comercialização do asbesto/amianto em sua variação crisotila (asbesto branco), do grupo dos minerais das serpentinas, uma vez que tal permissivo legal atentava contra os direitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente equilibrado, senão vejamos:
EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 3.579/2001 DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. SUBSTITUIÇÃO PROGRESSIVA DA PRODUÇÃO E DA COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS CONTENDO ASBESTO/AMIANTO. [...] DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 2º DA LEI Nº 9.055/1995. EFEITO VINCULANTE E ERGA OMNES. [...] 7. Constitucionalidade material da Lei fluminense nº 3.579/2001. À luz do conhecimento científico acumulado sobre a extensão dos efeitos nocivos do amianto para a saúde e o meio ambiente e à evidência da ineficácia das medidas de controle nela contempladas, a tolerância ao uso do amianto crisotila, tal como positivada no artigo 2º da Lei nº 9.055/1995, não protege adequada e suficientemente os direitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente equilibrado (arts. 6º, 7º, XXII, 196, e 225 da CF), tampouco se alinha aos compromissos internacionais de caráter supralegal assumidos pelo Brasil e que moldaram o conteúdo desses direitos, especialmente as Convenções nºs 139 e 162 da OIT e a Convenção de Basileia. Inconstitucionalidade da proteção insuficiente. Validade das iniciativas legislativas relativas à sua regulação, em qualquer nível federativo, ainda que resultem no banimento de todo e qualquer uso do amianto. 8. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente, com declaração incidental de inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei nº 9.055/1995 a que se atribui efeitos vinculante e erga omnes. (STF – ADI: 3406 RJ – RIO DE JANEIRO 0000437-79.2005.1.00.0000, Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 29/11/2017, Data de Publicação: 01/02/2019)
Ora, no caso das ADIs 3.406/RJ e 3.470/RJ, por tratar-se de controle concentrado de constitucionalidade, certo que a impugnação da Lei Estadual nº 3.579/2001 foi requerida como pedido principal das ações, ao passo que a decisão de mérito resultante possui efeitos subjetivos erga omnes e vinculantes em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, por força expressa do artigo 102, parágrafo 2º, da Constituição Federal.
Por conseguinte, no que concerne à decisão que declarou a inconstitucionalidade relativa ao artigo 2º, da Lei nº 9.055/1999, realizada incidentalmente no bojo das ADIs mencionadas, cumpre mencionar que deveria possuir, em regra, tão somente efeitos inter partes. Essa afirmativa quanto aos efeitos é oriunda da própria concepção tradicional sobre o controle difuso, caso em que o Supremo deveria comunicar sua decisão ao Senado Federal para que este, ao avaliar a conveniência e oportunidade em juízo puramente discricionário, suspendesse a execução, no todo ou em parte, do dispositivo declarado inconstitucional em definitivo pela Suprema Corte, assim ampliando a eficácia dos efeitos em controle difuso, nos termos do artigo 52, X, da Constituição.
No entanto, rompendo com a tradição da jurisdição constitucional, pelo exposto acima, a decisão de mérito proferida no julgamento das ADIs atribuiu expressamente efeitos subjetivos erga omnes e vinculantes à declaração incidental de inconstitucionalidade do mencionado dispositivo legal, pois o Supremo entendeu que à decisão proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade se deve dar a mesma eficácia destinada àquela tomada em sede de controle abstrato.
Diante disso, resta evidenciado que, nesta segunda oportunidade, qual seja, no julgamento das ADIs 3.406/RJ e 3.470/RJ, noticiado por meio do Informativo nº 886, o Supremo Tribunal Federal evoluiu em sua jurisprudência para acolher, de forma inédita, a teoria da abstrativização do controle difuso, em consonância com a interpretação adotada pelo Ministro Gilmar Mendes (2004), que propôs uma releitura (mutação constitucional) do artigo 52, X, da CRFB/88, para afirmar que o papel do Senado Federal deve limitar-se a tornar pública, no Diário do Congresso, a decisão tomada pelo Supremo de forma incidental que, bastante em si, já possui efeitos subjetivos vinculantes e contra todos, de forma semelhante ao que ocorre no controle concentrado.
Por conseguinte, Lenza (2019) confirma que o STF adotou a tese da mutação constitucional sofrida pelo artigo 52, X, da Constituição, de modo que o papel da Casa Alta do Congresso Nacional seria apenas o de dar publicidade à decisão que reconhece a incompatibilidade entre a norma impugnada e a Lei Maior de forma incidental, como questão prejudicial de mérito, uma vez que a eficácia vinculante e erga omnes decorre da própria decisão judicial, dispensando-se a atuação do Senado via resolução. No entanto, ressalva que, no seu entender, para que a declaração incidental de inconstitucionalidade possua os mesmos efeitos subjetivos do controle abstrato, faz-se necessária a expressa determinação nesse sentido, inclusive como tese de julgamento e na ementa do acórdão.
Assim, para Cavalcante (2017), pela via da teoria da abstrativização do controle difuso, em consonância com o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal, correto afirmar que, em relação aos seus efeitos subjetivos, o controle concreto de constitucionalidade em nada difere do controle abstrato, pois ambos produzem eficácia contra todos e de forma vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da administração pública direta e indireta.
Destaca-se que a tese da abstrativização divide opiniões na doutrina, pois para Masson (2017), apesar do reconhecimento de que a competência do Senado Federal na ampliação dos efeitos subjetivos do controle difuso está cada vez mais ultrapassada e sem sentido, não se pode ignorar que é inadequado combater essa atribuição por meio de esforços interpretativos que contrariam a literalidade do texto constitucional. Em primeira análise, pois a forma correta de se promover a alteração no documento constitucional é a via do poder constituinte derivado reformador previsto no artigo 60, da Constituição Federal e, em segunda análise, porque o STF dispõe de mecanismos que dispensam a resolução senatorial, mormente no que tange à edição de súmulas vinculantes, que gozam de eficácia erga omnes e efeitos vinculantes, tal qual no controle abstrato.
Por fim, não se pode olvidar que a publicação integral do julgamento das ADIs 3.406/RJ e 3.470/RJ, em 01 de fevereiro de 2019, possibilitou o acesso ao inteiro teor dos votos lançados, instante em que surgiram discussões acerca da adoção ou não do entendimento que concluiu pela mutação constitucional do artigo 52, X, da Constituição. Nesse sentido, Belo (2019) aponta que o STF não adotou a teoria da abstrativização do controle difuso nessa ocasião, pois não se tratou de hipótese em que foi possível invocar o disposto no artigo 52, X, da CRFB/88, uma vez que o controle de constitucionalidade em apreço foi o concentrado ou abstrato, e não controle difuso, exercido em casos concretos. Isto posto, afirma também que a tese da mutação constitucional não foi acolhida pela maioria dos ministros que participaram do julgamento, porque apenas os ministros Luiz Fux e Dias Toffoli aderiram à releitura proposta pelo Ministro Gilmar Mendes de forma expressa.
Diante de todo o exposto, conclui-se que a teoria da abstrativização do controle difuso conferiu ao controle concreto características tipicamente dispensadas ao controle concentrado de constitucionalidade no que se refere aos seus efeitos subjetivos, uma vez que as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal que declaram incidentalmente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estatal passaram a produzir eficácia erga omnes e vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da administração pública direta e indireta, tal qual ocorre no controle abstrato de constitucionalidade.