A decisão do supremo sobre a mudança de nome e gênero no registro civil de transexuais e transgêneros

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A DECISÃO DO SUPREMO SOBRE A MUDANÇA DE NOME E GÊNERO NO REGISTRO CIVIL DE TRANSEXUAISE TRANSGÊNEROS.

Tatiana Conceição Fiore de Almeida1

RESUMO: Transexuais e transgêneros poderão solicitar a mudança de prenome e gênero em registro civil sem a necessidade de cirurgia de mudança de sexo e decisão judicial autorizando o ato ou laudos médicos e psicológicos, assim julgaram os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), dando procedência a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275, para que seja dada interpretação conforme a Constituição ao artigo 58 da Lei 6.015/73, na redação dada pela Lei 9.708/98, isto é, o interessado poderá se dirigir diretamente a um cartório para solicitar a mudança e não precisará comprovar sua identidade psicossocial, que deverá ser atestada por auto declaração. A decisão da Corte Suprema ainda encontra resistência de aplicabilidade e por ser questão social, muitos debates e pedidos judiciais para resguardar o direito ao nome social.

Palavras-Chaves: transexuais e transgêneros, auto identificação, transgenitalização, dignidade da pessoa humana, ordem jurídica inclusiva, controle de constitucionalidade, restrição de eficácia, princípio de Yogyakarta.

INTRODUÇÃO

Por tratar nesse artigo da decisão da Corte Constitucional, na Ação Direta de Inconstitucionalidade que foi apresentada pela Procuradoria-Geral da República, com base no artigo 58 da Lei 6.015/1973, segundo o dispositivo, qualquer alteração posterior de nome deve ser motivada e aguardar sentença do juízo a que estiver sujeito o registro; contrapondo ao Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que manteve decisão de primeiro grau que permitia a mudança de nome no registro civil, mas determinando que a parte passasse por cirurgia de transgenitalização, contrariando a decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já reconhecia que a identidade psicossocial prevalece em relação à identidade biológica, não sendo a intervenção médica nos órgãos sexuais um requisito para a alteração de gênero em documentos públicos.

É certo que analogias jurídicas devem aproximar-se da realidade social contemporânea para regulá-la de com eficácia. A sociedade mostrar-se em constante evolução, e o direito não se devem quedar imutável, atemporal, disforme com essas transformações.

Partindo do conceito de transexualidade tecerei considerações aà interpelação que foi proposta, com foco no direito previdencial, sem negligenciar outros ramos e disciplinas afetas a temática, por serem igualmente relevantes no universo que vamos adentrar.

1. LIMITES DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

O texto constitucional de 1988 consagrou expressamente a obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais, prescrevendo que todos os julgamentos dos órgãos do poder judiciário serão públicaos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, encesta a transformação na concepção do papel do Juiz alargada ainda mais com a Lei 13.105/2015, que descontrói a imagem iluminista de um burocrata incumbido de ser simples aplicador de regras estabelecidas pelo legislativo, para exercer a função de importante ator político, na medida a solução judicial das controvérsias supõe inevitavelmente um trabalho de verdadeira criação do direito, com o suprimento das omissões legislativas, a superação de antinomias e a integração do conteúdo do texto legislativo pelo seu aplicador.

Partindo desse prisma, as motivações das decisões judiciais adquiriram uma conotação que transcende o âmbito do próprio processo para situar-se no plano mais elevado da política, e como bem sintetizou Brüggemann, ao ser citado por NicolòTrocker , “o estado de direito é o Estado que se justifica”, ressaltando que essa motivação concorre para propiciar a efetividade de um ideal basilar do sistema democrático, qual seja o de participação popular nos assuntos do governo.

Dentro da realidade atual, não pode conter a máxima da certeza, como esteio a segurança jurídica necessária aos limites da interpretação; mas surge como premissa para estabelecer parâmetros objetivos e critérios firmes para a criação judicial do direito.

Por certo o STF, enquanto corte constitucional deveria apenas ter o papel de declarar a constitucionalidade, ou a inconstitucionalidade, desta ou daquela lei, sem, contudo, invadir a esfera do Poder Legislativo, e editar norma reguladora de determinada situação, ao menos é o que remonta à concepção Kelseniana baseada na antiga visão de que o princípio da separação dos poderes, pedra angular de qualquer democracia, não permite a qualquer dos poderes exercerem funções que não lhe são próprias, e calcadas nessa visão, caberia à corte constitucional agir, frente a situações de desrespeito ao texto constitucional, como mero legislador negativo.

O eminente autor português José Joaquim Gomes Canotilho , registra duas dimensões sobre a natureza do Tribunal Constitucional, a dimensão política e a dimensão jurídicas ambas necessárias e incindíveis das questões constitucionais (Ridder), sendo tão unilateral classificar as funções exercidas por um tribunal constitucional como funções políticas em forma jurisdicional, como qualificá-las de funções jurisdicionais sobre matérias políticas. O que caracteriza decisivamente a função de um tribunal constitucional é a sua jurisdicionalidade (Gerichtsformigkeit) e a sua vinculação a uma medida constitucional material de controle (Schlaich), pois, os problemas constitucionais, num Estado de direito democrático, são irredutíveis a questões jurídicas puras ou a questões políticas juridicamente disfarçadas.

Todavia, a evolução do pensamento constitucional, e as próprias demandas postas pela sociedade contemporânea, conduziram a uma revisão dessa postura tradicional.

Importa fazer uma breve digressão sobre a natureza jurídica do STF, ou seja, investigar se este se enquadra, ou não, como um autêntico tribunal constitucional.

No Brasil, em conformidade com o artigo 92, inciso I da Constituição, o STF integra a estrutura do Judiciário, e não possui competência exclusiva para analisar a constitucionalidade de leis e demais atos normativos, funciona como uma corte com competência para assuntos variados, e não necessariamente constitucionais, é que determinou a Carta Magna, quando adotou um sistema híbrido de controle de constitucionalidade, misto do modelo europeu com o modelo americano, e este controle de constitucionalidade pode ser realizado tanto pela via difusa, ou seja, pelos juízes e tribunais, como pela via concentrada, neste último caso pelo Supremo. E ainda tem as matérias que, a rigor, não possuem fundo constitucional e os magistrados estejam interessados, e aquelas em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos, ou seja, direta ou indiretamente interessados, porém, tratando-se de normas constitucionais, cabe ao Supremo Tribunal Federal dar a última palavra, e embora se reconheça a existência do que se convenciona chamar de “jurisdição administrativa”, somente o Poder Judiciário tem a palavra final em relação à aplicação das normas.

No caso em tela, sobre a mudança de nome e gênero no registro civil de transexuais e transgêneros, a análise será centrada apenas na postura do Supremo Tribunal Federal, pois, sua jurisprudência vem progressivamente reconhecendo a característica mais essencial da teoria dos princípios, qual seja, a força normativa dos princípios jurídicos, assim entendida a noção de que os princípios constitucionais são normas jurídicas, imperativas aos três poderes e judicialmente sindicáveis, e que se aplicam mediante ponderação.

Portanto, sobressai a contradição entre o emprego do conceito kelseniano de “legislador negativo” e a aceitação de princípios constitucionais abertos como parâmetros de controle de constitucionalidade. Porém mais grave do que equívocos conceituais, é o fato de o dogma do legislador negativo obscurecer a atuação criativa do Judiciário quando aplica diretamente princípios constitucionais, para a criação judicial de decisão manipulativa (decisionimaniopolative), onde a Corte Constitucional não se limita a declarar a inconstitucionalidade das normas que lhe são submetidas, mas, agindo como legislador positivo modifica diretamente o ordenamento jurídico, adicionando-lhe ou substituindo-lhe normas, a pretexto ou com propósito de adequá-lo à Constituição, formando uma subespécie de decisão chamada de sentenças aditivas e substitutivas.

Portanto, o Tema 761, Leading Case ADI 4275 e RE 670.422 e uma típica sentença manipulativa de efeito aditivo, isto é, a Corte Constitucional julgou procedente a ação para dar interpretação conforme a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica ao art. 58 da Lei 6.015/73, de modo a reconhecer aos transgêneros que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à substituição de prenome e sexo diretamente no registro civil; e por ter Repercussão Geral, atribuiu eficácia erga omnes e vinculativa, porém eficácia prospectiva, por não definir a partir de quando a alteração estará disponível nos cartórios, e além da referida restrição de eficácia necessita programar outras situações, por motivo de ordem pública, bons costumes e paz social, conceitos vagos que dá margem à atuação restritiva será por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos conceitos gerais nelas enunciados.

2. RELEMBRANDO O JULGAMENTO NA CORTE SUPREMA

Creio ser importante rememorar o histórico de tramitação deste julgamento. Dois processos chegaram ao STF sobre o tema. O Recurso Extraordinário (RE) n.º 670.422/RS, com repercussão geral reconhecida em 2014 (Rel. Min. Dias Toffoli), e a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4275 (Rel. Min. Marco Aurélio), proposta em 2009.

Na ADI 4275, a PGR pleiteou a mudança de nome e sexo de pessoas transexuais, independente de cirurgia, mas condicionadas a laudos de psicólogo e psiquiatra, atestando sua transexualidade. Sobre o tema, é preciso compreensão histórica para entender esse condicionamento com justiça. A tese de dispensa de cirurgias, mas com laudos, era a vanguarda da época, pois em 2009, não havia sido aprovada a Lei de Identidade de Gênero da Argentina, nem na Espanha, e aqui quase não se falava em despatologização das identidades trans.

No RE 670.422/RS, discutia-se a desnecessidade de cirurgia de transgenitalização para mudança de sexo no registro civil, bem como o descabimento de se colocar a expressão “transexual” na certidão de nascimento por ser algo discriminatório e violador da dignidade humana dos transgêneros.

Com essa paradigmática decisão, que tem força de lei pelo efeito vinculante e eficácia erga omnes de ação de controle concentrado de constitucionalidade, o Brasil se equipara à Argentina, em sua Lei de Identidade de Gênero, ao possibilitar a retificação do registro civil de pessoas transexuais e travestis diretamente em cartório e por soberana autonomia da vontade, obviamente firmada em declaração escrita.

3. RESUMO DOS VOTOS

O Relator da ADI 4275, Ministro Marco Aurélio, entendeu ser necessário todos os requisitos do artigo 3º da Resolução CFM 1955/2010, laudo de equipe multidisciplinar, por no mínimo dois anos, para que seja válida a cirurgia de transgenitalização, além de idade mínima de 21 anos, e limitou seu voto a transexuais, sem incluir travestis, sob o fundamento de que a ADI (e mesmo o RE 670.422/RS) se limitavam a tratar de transexuais.

O voto do Ministro Alexandre de Moraes estendeu o julgamento para transgêneros (abraçando aqui transexuais e travestis), dispensava quaisquer laudos, embora exigisse ação judicial, por entender isso seria benéfico às pessoas trans., porque na via administrativa elas teriam que levar a nova certidão de nascimento em todos os órgãos que tivesse cadastro, aparentemente presumindo que na via judicial isso não ocorreria.

Ministro Edson Fachin, que redigiu o acórdão, dispensou cirurgia, laudos e ação judicial, com base na histórica decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos na qual ela afirmou, na síntese do essencial, “o direito humano (e constitucional) ao livre desenvolvimento da personalidade das pessoas transgêneros resta violado ao se condicionar a mudança de seu nome e sexo no registro civil à realização de cirurgia de transgenitalização, bem como de laudos de terceiros. [...] identidade de gênero não se prova, devendo ser reconhecida pelo Estado consoante soberana autonomia da vontade da pessoa transgênero (travesti ou transexual).”.

No mesmo sentido votaram o Ministro Roberto Barroso, a Ministra Rosa Weber, e o Ministro Luiz Fux,“A pessoa transgênero que comprove sua identidade de gênero dissonante daquela que lhe foi designada ao nascer, por auto identificação firmada em declaração escrita desta sua vontade, dispõe do direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil, pela via administrativa (art. 110 da Lei 6.015/73) ou judicial, independente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade”.

O Ministro Lewandowski votou pela dispensa de cirurgia e laudos, mas condicionando o direito de retificação de registro civil de transexuais à ação judicial.

O decano Ministro Celso de Mello, em erudito voto, afirmou a necessária proteção de minorias e grupos vulneráveis contra ações e omissões de maiorias que prejudiquem seus direitos fundamentais, no exercício da função contra majoritária inerente à jurisdição constitucional, em uma compreensão substantiva da democracia. Demonstrou os Princípios de Yogyakarta, a respeito de aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos nas demandas atinentes à orientação sexual e à identidade de gênero, os quais repelem procedimentos cirúrgicos e médicos em geral para mudança do registro civil das pessoas transgênero, e asseverou que o direito fundamental à felicidade, subentendido ao princípio da dignidade da pessoa humana, resta prejudicado relativamente às pessoas transgênero quando o Estado exige-lhes cirurgia e/ou laudos para retificação de seu registro civil. Aderiu à corrente da via administrativa, bem destacando que, caso o Oficial de Registro tenha alguma hesitação no caso concreto, pode perfeitamente provocar procedimento de dúvida ao Juízo de Registros Público competente, bem como, e isso é muito importante, afirmou que “Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser discriminado em razão de sua identidade de gênero ou orientação sexual”, repelindo assim quaisquer manifestações transfóbicas, adversas aos direitos e à plena cidadania das pessoas transgênero. E encontrando repouso nos direitos fundamentais à liberdade, à autodeterminação, à alteridade, ao pluralismo, à intimidade e, especialmente, à busca da felicidade e ao princípio da dignidade da pessoa humana para dispensar cirurgia, laudos e ação judicial para a retificação do registro civil das pessoas transexuais e travestis.

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O Ministro Gilmar Mendes, em conciso voto, aquiesceu com a dispensa de cirurgia e laudos, com base no direito humano e constitucional ao livre desenvolvimento da personalidade, mas exigiu ação judicial.

Seguindo o voto do Ministro Dias Toffoli, limitou seu voto a transexuais, sem incluir travestis, e rejeitou a possibilidade de retificação via administrativa, com base no art. 110 da Lei de Registros Públicos que é objeto de Pedido de Providências n.º 0005184-05.2016.2.00.0000, proposto pela Defensoria Pública da União, no Conselho Nacional de Justiça, para possibilitar a mudança na via administrativa, o qual ficou suspenso até o julgamento do STF nos processos em questão.

A Presidente do STF, Ministra Cármen Lúcia, citando a poetiza Cecília Meirelles, quando esta escreveu: “Já fui loira, já fui morena, já fui Margarida e Beatriz, já fui Maria e Madalena, só não pude ser como quis”, ponderou de forma metafórica sobre a transfobia cissexista fundando seu voto nos direitos fundamentais à dignidade, à igualdade material, à honra, à imagem, à intimidade e à liberdade, para, ao final julgar procedente o pedido, para a retificação do registro civil de pessoas transgênero, independente de cirurgia, de laudos e de ação judicial.

4. REGISTRO CIVIL

O ser humano, ao nascer é constatado a partir do seu gênero biológico como sendo o sexo exteriorizado, especificados como macho ou fêmea, homem ou mulher, etc., e é através do registro civil de nascimento que faz prova do inicio dessa personalidade civil (que tem como fundamento constitucional a dignidade da pessoa humana), e lhe confere a qualidade de pessoa, sujeito a quem o direito confere capacidade jurídica para adquirir direitos e contrair obrigações.

Pessoa é o primeiro conceito fundamental do direito privado, que o torna titular de direito (Rechtssubjekt) e destinatário de obrigação; o segundo conceito é o de relação jurídica (Rechtsverhältins). Logo, todo o direito objetivo, e, portanto todo o direito subjetivo foi criado para satisfazer interesses humanos, daí a relevância do conceito sujeito de direito, pois deste derivam importantes termos conceituais do sistema jurídico (direitos subjetivos, direitos fundamentais, direitos inatos, direitos do homem, direitos da pessoa, direitos personalíssimos, direitos de personalidade).

O Nome é um dos atributos da personalidade, por ser a maneira mais conhecida e vulgar de alguém ser identificado, sendo o nome algo que revela a um só tempo o sujeito específico de que se trata e o tronco familiar do qual ele provém, bem como as características pessoais do sujeito.

O reconhecimento do direito do direito de adequação do nome e sexo deve ser interpretado de acordo com os princípios e normas gerais de respeito aos direitos da personalidade e em harmonia com a Constituição Federal, especialmente em relação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Também não podem ser esquecidos os progressos da medicina e psicologia acerca do assunto homem, dada a natureza psicossomática.

A referida substituição é possível com base na inteligência do parágrafo único, do artigo 55, combinado com o artigo 58, da Lei 6.015/73, corroborada com a construção doutrinária majoritária e a ampla jurisprudência existente acerca do tema em testilha, isso porque a Lei 9.708/98, que alterou a redação do artigo 58 da Lei de Registros Públicos, promoveu verdadeira relativização do princípio da imutabilidade do nome, confirmando o entendimento traçado não apenas pela doutrina, como também pelo Superior Tribunal de Justiça e tribunais de justiça pátrios.

A alteração legal ampliou, portanto, a aplicação do artigo 58 e conferiu ao Magistrado a prerrogativa de analisar o caso concreto de forma individualizada e desprovida de convicções legais pré-estabelecidas, atendo-se tão apenas a eventuais afrontas relevantes à segurança jurídica.

O respeito ao princípio constitucional da segurança jurídica é o grande cerne da questão envolvendo a retificação do registro público, vez que, em tendo a pessoa irregularidades legais ou pendências perante terceiros, não poderá alterar o seu nome justamente porque deverá arcar com suas responsabilidades legais.

Depreende-se que a juntada de certidões e documentos tem o condão de comprovar que aquele que pleiteia a retificação de registro jamais se eximiu do cumprimento de suas obrigações como cidadão e não possui pendências judiciais ou comerciais.

Justifica-se a evidente intenção de ter o autor recorrido à tutela jurisdicional por não suportar mais os constrangimentos advindos de seu prenome, evitar que o problema se perpetue, bem como para visar a consolidação oficial do nome com o que vem se identificando ao longo dos anos.

Ocorre que a decisão em comento, julgou procedente o pedido, para a retificação do registro civil de pessoas transgênero, independente de cirurgia, de laudos e de ação judicial, cumprindo a finalidade do artigo 5º da LINDB, que diz: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.", em contrapartida, a ausência de critérios ou requisitos a este deferimento de retificação do nome, forjam a segurança jurídica do registro público, pois deixam de existir a demonstração da probabilidade de fraude, o que muito preocupa por ainda estar em pendente de julgamento no STF.

Como fonte de precedente judicial, e por nossa corte ter clamado pelos Princípios de Yogiakarta, sobre a aplicação do direito internacional humanitário em relação à orientação sexual e identidade de gênero, o Tribunal Constitucional Federal alemão, corte em Karlsruhe, decidiu em 08 de novembro de 2017,por sete a um, que uma nova legislação deverá ser criada até o final de 2018 para permitir "designações positivas de gênero", do chamado terceiro gênero, podendo ser registradas como intersexuais ou ter a definição de gênero omitida em suas certidões de nascimento.

4.1 DIFERENÇA ENTRE OS TRANS E A AUSENCIA DE LAUDOS E CIRURGIA

Trans vem do latim e significa "do outro lado", portanto, transgênero significa: pessoa cujo gênero DIFERE do gênero designado ou imposto

Durante o julgamento no STF, logo após o voto do Ministro Toffoli, a advogada do Recurso Extraordinário subiu à Tribuna e, em questão de ordem, requereu que a tese de repercussão geral falasse em transgênero, por ser termo que abarca tanto transexuais quanto travestis, destacando haver decisões judiciais em favor de travestis retificarem seu registro civil, da mesma forma que transexuais.

O artigo 3º da Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.652/2002, traz a definição de transexualismo, e diz que obedecerá a critérios mínimos, como: desconforto com o sexo anatômico natural; desejo de transformação do fenótipo; permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo dois anos; ausência de outros transtornos mentais.

O psiquiatra Alexandre Saadeh, coordenador do Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) é defensor do diagnóstico e da categoria exclusiva e restrita dos transexuais, que está intimamente relacionada ao desejo por mudança corporal, especialmente o anseio pela readequação do órgão genital, a neocolpovulvoplastias (homem em mulher), e a neofaloplastias (feminino em masculino), destacando que existem outros transtornos de identidade de gênero ou o que a população chama de transgêneros, mas não são transexuais.

Em análise a nossa jurisprudência pátria, observo que as dúvidas no tocante a capacidade jurídica afeta as diversas áreas do direito, porém até esse momento, a averbação nos assentos civis, sempre foram respaldadas em “tratamentos” por equipe multidisciplinar.

Em outubro de 2009, o Superior Tribunal de Justiça autorizou a mudança do nome e gênero na certidão de nascimento de um transexual sem que conste anotação no registro, na ocasião o autor tinha realizado uma cirurgia de mudança de sexo, o que motivou a relatora, Min. Nancy Andrighi, determinar que a alteração constasse apenas nos livros cartorários.

No que tange a cirurgia de transgenitalismo (Res, CFM n.º 1.482/1997) sofreu alterações da Res. N.º 1.652/2002, estabelecendo regras e procedimentos, máxime diante dos custos e da impossibilidade física desta cirurgia para alguns, é uma demonstração de verdadeira atividade legislativa heterônoma, conforme leciona Riccardo Guastani.

A Min. Ellen Gracie, em 12 de dezembro de 2007, proferiu decisão monocrática contra ato da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que confirmou decisão de juízo de primeira instância, determinando que o SUS realizasse todas as cirurgias de transgenitalização, em seu voto esclarece que não afasta a realidade dos transexuais; muito pelo contrário: a reconhece. E pelos argumentos expostos, também entende que o SUS deva arcar com custos do tratamento multidisciplinar, porém, na medida em que a decisão dada na ação civil pública repercutiria sobre a programação orçamentária federal, geraria impacto nas finanças públicas, o que motivou seu posicionamento concedendo Suspensão de Tutela Antecipada (STA 185).

Em 2017, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, acolheu pedido de modificação de prenome e de gênero de transexual que apresentou avaliação psicológica pericial para demonstrar identificação social como mulher, independentemente da realização de cirurgia de adequação sexual (no caso realizou tratamentos hormonais e cirurgias para adequação física, porém não realizou a transgenitalização, por riscos a saúde como necrose, incontinência urinária, e inclusive de perda completa da estrutura genital). Assim, a corte da cidadania entendeu ser possível a alteração do sexo constante no registro civil de transexual que comprove judicialmente a mudança de gênero. Nesses casos, concluiu que o chamado “sexo jurídico” – constante do registro civil com base em informação morfológica ou cromossômica – não poderia desconsiderar o aspecto psicossocial advindo da identidade de gênero auto definida pelo indivíduo, a averbação deve ser realizada no assentamento de nascimento original com a indicação da determinação judicial, proibida a inclusão, ainda que sigilosa, da expressão “transexual”, do sexo biológico ou dos motivos das modificações registrais.

No Reino Unido, por exemplo, é possível obter a certidão de reconhecimento de gênero, documento que altera a certidão de nascimento e atesta legalmente a troca de identidade da pessoa. Iniciativas semelhantes foram adotadas na Espanha, na Argentina, em Portugal e na Noruega, porém todos definiram que se mudarem de opinião sobre a alteração nos registros civis devem ingressar com ação judicial.

4.2 O DILEMA DO CONCEITO E PROJEÇÕES DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A explicitação da dignidade da pessoa humana, como fundamento da República Federativa do Brasil na Constituição de 1988, ocasionou indagações sobre o conceito e projeções da figura enquanto princípio informador da ordem jurídica, não apenas no plano legislativo, mas também no da aplicação prática da lei, sem falar, evidentemente, de dever ser o núcleo das políticas públicas.

No Julgamento da ADI 4275, e RE 670.422/RS, os Ministros do STF recorreram ao princípio supralegal para alcançar uma decisão justa sem solução legal, ou quando a interpretação técnica da lei não seria suficiente para isso, clamaram até os Princípios de Yogyakarta, que reflete o estado atual do direito humanitário internacional no que diz respeito à orientação sexual e identidade de gênero.

Todas as consignações constitucionais dos direitos individuais conjecturam a existência de alguns direitos básicos da pessoa humana, os quais pairam inclusive, acima do Estado, porquanto este tem como um de seus fins principais a garantia desses direitos.

Tal concepção, porém, tem sido objeto de críticas tanto pelos positivistas quanto pelos que sustentam o direito puramente formal; os primeiros porque não admitem no direito nenhuma estimativa de valor ou Direito Natural, e os outros, porque afirmam não existir direitos fora ou acima do Estado ou da ordem jurídica estabelecida, já que os direitos individuais seriam apenas aqueles garantidos por um ordenamento constitucional em dado momento histórico e lugar. Ambas as posições, porém, são extremadas e unilaterais, e, portanto, inaceitáveis.

O direito quiçá, cronologicamente, coincida com o homem e a sociedade, mas não pode ser percebido senão em cargo da efetivação de valores, no cerne dos quais se depara o valor da pessoa humana. Aliás, toda ordem jurídica não teria sentido se não tivesse por fim ou conteúdo a concretização desses valores. Logicamente, portanto, o valor da pessoa humana antecede o próprio Direito Positivo, condiciona-o e dá-lhe razão de existir.

Rudolf Stammler, admite na obra Filosofía del Derecho, p. 257, que os princípios e máximas, no fundo são princípios éticos, amparados pelo princípio de respeito e princípio de solidariedade, e que seriam apenas a significação de pensamentos metódicos que ajudam a escolher a norma justa, dentre as normas jurídicas concretas que se ofereçam como decisiva e apareçam no curso histórico.

A restrição dos direitos individuais, portanto, tem sentido e conteúdo quando a prevalência da vontade de um indivíduo pode representar a destruição ou perigo de destruição de outras vontades individuais legítimas.

Nesse aspecto, é certo que a concepção filosófica de determinada grupo da sociedade, e, portanto, de determinado direito pode influenciar na maior ou menor dosagem de faculdades individuais, mesmo porque pode variar a própria concepção que se faça da pessoa humana, seu destino, suas necessidades, sua essência espiritual ou material, e não há dúvidas de que o conceito e a projeção do aclamado conceito de dignidade da pessoa humana são histórico-culturais e variam de acordo com as convicções sociais de cunho religioso, e ideológico.

Corrobora com esse pensamento filosófico, o entendimento internacional adotado como fundamento pelo decano do STF, pois trata-se de convicção de um seleto grupo de 29 especialistas de 25 países em direitos humanos da Comissão Internacional de Juristas e do Serviço Internacional para os Direitos Humanos promoveram o encontro na Universidade de GadjahMada, em Yogyakarta, Indonésia, em novembro de 2006, e a partir de diferentes disciplinas relevantes para o campo da experiência direito humanitário, elaboraram, desenvolveram, discutiram, refinaram e por fim aprovaram por unanimidade os Princípios de Yogyakarta sobre aplicação do direito Internacional Humanitário em relação à orientação sexual e identidade de gênero.

Esses princípios impõem obrigações primárias dos Estados para programar os direitos humanos, o que implica graves e difíceis dilemas, entre eles o conflito entre a natureza humana e a condição humana, o que é mais importante para o desenvolvimento da humanidade, a evolução do individuo como espécie, ou a evolução dos indivíduos como sociedade?

Habermas , aponta que é fundamental estabelecer uma discussão entre, de um lado, a dignidade humana e de outro a dignidade da vida humana. Essa diferenciação é básica para se situar os riscos por que passa a nossa capacidade de autocompreensão como membros de uma mesma espécie e por tanto situados em um mesmo contexto discursivo entre pessoas iguais.

Nesse aspecto, a dignidade da pessoa humana, não resguarda o grau de certeza quanto ao fato dependente da credibilidade do meio e da credibilidade da regra, de modo que a autoidentificação, ou autodeterminação, apenas com declaração da parte interessada, a meu ver não gera segurança jurídica, será duvidosa, pela inconsistência, pois desapoiada da realidade das coisas, do que ordinariamente acontece na medicina e na psicologia humana.

5. USO DE NOME SOCIAL

O reconhecimento do direito de todos os cidadãos adotarem o nome do tipo social, sem necessidade de comprovação de realização de cirurgia para a adequação de sexo. Foi isso que decidiu o Supremo Tribunal Federal em 2018.

A cirurgia não é o que define a identidade de uma pessoa e seu conforto e adequação consigo mesma, mesmo em casos que envolvam gênero. E a partir desse reconhecimento, tornou-se possível registrar documentos civis com nome social.

Esse foi um importante passo que se deu a partir da decisão do STF em 2018. À época, a Ministra Carmen Lúcia declarou: que marcava “mais um passo na caminhada pela efetivação material do princípio da igualdade, no sentido da não discriminação e do não preconceito”.

Ela finalizou declarando que “Cada ser humano é único, mas os padrões se impõem”, afirmou. “O Estado há que registrar o que a pessoa é, e não o que acha que cada um de nós deveria ser, segundo a sua conveniência”.

A partir disso as pessoas transgênero e transexuais passaram a poder registrar-se, em documentos oficiais como Registro Geral (RG) e Cadastro de Pessoas Físicas (CPF), o nome com o qual se identificam, aquele social.

5.1 NO DIREITO DO TRABALHO

É importante destacar que até hoje não há uma lei que obrigue às empresas à adoção dos nomes sociais de seus colaboradores. Isso não significa que não seja importante fazê-lo. Adotá-lo é um exercício de cidadania e reconhecimento da existência do outro e de seus direitos.

Ao negar o uso dos nomes sociais a empresa deixa de lado qualquer esforço no sentido de promover a diversidade e a inclusão no seu ambiente. E isso não é apenas defasado, como também é vil.

Apesar da inexistência de uma lei, o Ministério Público do Trabalho, representado pela Coordenadoria de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho soltou uma nota técnica que orienta à adoção do nome.

A Nota Técnica 02/2020 trouxe orientações para que as empresas efetivamente utilizassem medidas de inclusão de grupos minoritários e que sofrem historicamente a discriminação.

Segundo o MPT a não adoção do nome é um retrocesso e a clara promoção da desigualdade e do preconceito às pessoas transexuais e travestis. Junto a isso demonstrou como tais atos são clara violência psíquica.

Trata-se de um dever do empregador assegurar a ampla possibilidade do uso do nome social às pessoas trans, travestis e transexuais, nos seus registros funcionais, sistemas e documentos, para a prestação de serviços em seu favor e no ambiente de trabalho, e contrair pode gerar indenizações na Justiça Trabalho.

Esse foi o entendimento da juíza substituta da 3ª Vara do Trabalho de São Paulo, Fórum da Zona Leste, Rhiane Zeferino Goulart, ao condenar uma empresa de telemarketing a pagar indenização de danos morais a empregado transgênero por não o autorizar a usar o nome social nos sistemas corporativos.

Segundo os autos, os colegas de empresa chamavam o profissional por seu nome social, contudo, ao realizar atendimentos ele era obrigado a usar a denominação de seu registro civil, já que assim constava no crachá pessoal, como no aplicativo que utilizava para fazer ligações. O empregado afirmou que ficava desconfortável com a situação e chegava a tapar a identificação feminina que aparecia nesses equipamentos.

Na decisão, a magistrada aponta que os próprios cartões de ponto juntados aos autos pela empresa registram o nome anterior do empregado, confirmando a respectiva permanência no sistema. A julgadora pontuou que "toda pessoa tem o direito à liberdade de opinião e expressão, o que inclui a expressão de identidade ou autonomia pessoal por meio da escolha de nome".

Diante disso, a juíza condenou a empresa a pagar R$ 10 mil a título de dano moral por entender que ficou evidenciado ato ilícito de potencial ofensivo a honra do funcionário.

5.2 NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO

No INSS, apenas em 2023, através da Portaria MPS 1.945, publicada no Diário Oficial da União em 1º de junho, é que o nome social passaou a constar nos cadastros e formulários da autarquia.

O campo destinado ao nome social deve ser destacado acima do nome civil, como uma medida para prevenir qualquer ato discriminatório. Além disso, o campo de orientação sexual deve incluir opções de marcação, como heterossexual, homossexual, transexual e outros. Essas medidas têm o objetivo de garantir a inclusão e o respeito à diversidade de identidades de gênero e orientações sexuais.

O campo de identidade de gênero deve abranger diversas identificações, como mulher cisgênero, homem cisgênero, mulher transgênero, homem transgênero, travesti e outras. Durante o preenchimento do cadastro, a pessoa terá a oportunidade de indicar o pronome pelo qual deseja ser reconhecida e que se identifica em seu meio social. Os servidores públicos têm a obrigação de tratar a pessoa de acordo com o pronome indicado.

Porém, quando pensamos em concessão de benefícios, hum?

O Projeto de Lei 684/22 determina que, na concessão dos benefícios de aposentadoria a pessoas que obtiverem mudança de gênero no registro civil, sejam observados critérios de idade e tempo de contribuição do sexo biológico de nascimento.

O texto em análise na Câmara dos Deputados insere a medida na Lei 8.213/91, que trata dos planos de benefícios da Previdência Social.

De acordo com a Emenda Constitucional 103, o segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social será aposentado aos 62 anos de idade e 15 anos de tempo de contribuição, se mulher, e 65 anos de idade e 20 anos de tempo de contribuição, no caso dos homens.

5.2.2 Decisão do TCE de Santa Catarina

O Diário Oficial do Tribunal de Contas de Santa Catarina, divulgou recentemente a aposentadoria de uma servidora transexual da prefeitura de Itajaí. A funcionária, médica da cidade, solicitou que as regras de sua aposentadoria fossem regidas pelos critérios para mulheres, cuja idade mínima de aposentadoria é de 62 anos, contra 65 para os homens.

No ano passado, o TCE-SC já havia decidido aceitar o pedido da servidora, mas a análise técnica feita pela Diretoria de Atos de Pessoal da corte só agora foi concluída, finalizando o processo.

O caso servirá de precedente para outras decisões semelhantes envolvendo servidores públicos no Brasil.

Esse entendimento atendeu a uma consulta do Instituto de Previdência de Itajaí sobre como aplicar as regras de aposentadoria nos casos de mudança de sexo/gênero.

A legislação previdenciária hoje prevê diferentes períodos de benefícios para homens e mulheres.

Ainda não há regras claras quanto à aposentadoria de pessoas trans ou não binárias.

Embora não exista uma previsão legal específica para tais situações, as regras da previdência para pessoas trans devem valer conforme o sexo de identificação e não o biológico. Para fins de aposentadoria no INSS, recomenda-se que a pessoa trans faça a alteração prévia do prenome e gênero no registro civil e nos demais documentos públicos (carteira de trabalho, CPF, RG).

Caso o servidor tenha alterado o gênero com o qual se identifica, para o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC), o cálculo da pensão deve ser feito de acordo com o registro civil de nascimento, modificado após a decisão da parte interessada. Deste modo, uma mulher transexual (pessoa que nasceu homem, mas se identifica com o gênero feminino) e que tenha solicitado a inclusão do nome social em seus documentos, poderá se aposentar cumprindo as exigências para mulheres (62 anos).

O TCE definiu que se a transição ocorrer após o pedido de aposentadoria, a concessão do benefício e a apreciação do ato, para fins de registro, deve observar a nova condição que consta no documento civil. A base para o novo entendimento está em conformidade com orientação do Supremo Tribunal Federal (STF).

Com a definição, a aplicação dos benefícios se dará ao que a lei prevê para as mulheres. A mesma orientação pode ser observada em casos semelhantes que ocorrem em outros municípios catarinenses, informou o órgão.

Se a aposentadoria for negada, mesmo com a alteração de todos os registros, é recomendado que o beneficiário ingresse na Justiça o seu justo direito à aposentadoria conforme o gênero apresentado no momento do pedido perante o órgão previdenciário responsável pela concessão.

5.3 NO DIREITO DESPORTIVO

Atletas transgêneros é polêmico e isso não é novidade, e tudo indica que ainda teremos muitos percalços.

No dia 16 de novembro de 2021, ocorreu a publicação de uma diretriz do Comitê Olímpico Internacional – COI, que atribuiu às Federações Internacionais a responsabilidade de desenvolver as pesquisas e regramentos quanto à participação de atletas transgêneros, observando a peculiaridade de cada modalidade.

Tal diretriz deixa a decisão nas mãos daqueles que têm – em tese – maior competência técnica: no caso as federações, que detém o poder de definir sobre a participação ou não dos atletas transgêneros em competições esportivas;

Importante ressaltar que tal poder também teria respaldo jurídico no inciso I, art. 217, da CF/88, que dispões que as entidades desportivas dirigentes e associações tem autonomia quanto à sua organização.

Caberia ainda avaliar possível inconstitucionalidade da diretriz publicada pelo COI, se fixarmos a discussão apenas à legislação brasileira, visto que sua aplicação acarretaria uma contradição no ordenamento previsto na Constituição Federal, tendo em vista o disposto no art. 5°, que determina que todos são iguais perante a lei, independentemente de qualquer de discriminação.

É imperioso ressaltar que desde 2015 o COI estabelece que não é necessário que o atleta tenha passado por cirurgias de redesignação de gênero, isto porque a cirurgia não vai garantir necessariamente uma competição justa, além de o tema ainda ser contraditório na legislação de alguns países, e ainda estar em discussão no que tange o desenvolvimento dos direitos humanos.

Como exemplo destas contradições, temos na transição do sexo masculino para o feminino, a exigência de que as mulheres tenham um nível de testosterona abaixo de 10 nanomols por litro de sangue, por no mínimo um ano antes de sua estreia na competição; já no caso dos atletas “trans” masculinos, não existem estas restrições, uma vez que o entendimento é de que, neste caso, não haveria o ganho de uma vantagem esportiva.

Surge então a grande discussão que gira entorno da questão: há ou não ganho de performance quando se trata de atletas transgêneros?

E diante deste questionamento e da ausência de respostas efetivas, foi criado um movimento chamado “Saves Women’s Sports” que enviou ao COI uma carta assinada por mulheres “cis” de mais de 30 países pedindo a suspensão da política de inclusão de mulheres “trans” nos esportes olímpicos.

O argumento adotado pelo movimento fundamenta o fato de que os fatores biológicos e a socialização por gênero masculino durante boa parte da vida dariam vantagens fisiológicas a atletas “trans”.

Cumpre ressaltar que, por mais que não exista uma unanimidade na área médica científica quanto às vantagens que pessoas “trans” possam ter, principalmente em esportes individuais; os resultados que alguns atletas vêm demonstrando repercutem de forma a demonstrar que utilizar apenas o parâmetro hormonal não seja o suficiente para garantir uma competição igualitária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O julgamento do STF, que julgou sobre a mudança de nome e gênero no registro civil de transexuais e Transgêneros é uma típica sentença manipulativa de efeito aditivo, erga omnes e vinculativa, que tergiversa sobre a dignidade humana, sob o prisma de uma condição moral ou jurídica que marca as relações entre sujeitos portadores de direitos e deveres, mutuamente imputáveis e circunscritos a um mesmo contexto normativo, qual seja, o registro civil de seu “nome social” e “sexo jurídico”.

Concluo que a dignidade humana faz, portanto, sentido na contingência dos acordos estabelecidos no interior de uma comunidade composta por seres morais, dotados de relações assimétricas e responsáveis, ou seja, dentro de formas concretas de vida coletiva.

As discussões ainda são neófitas, e por se tratar de uma decisão do Tribunal guardião das normas constitucionais, eclodirão pelos efeitos da decisão projeções práticas, que não podem sobrepujar o império da ordem jurídica fundado apenas no princípio da dignidade humana e no conteúdo da missão a ele reservada.

Espera-se que análise de um processo de convencimento, ou de (in)constitucionalidade de uma norma sirva para nos tranquilizar quanto a verdade jurídica ou histórica, com a relatividade da estabilidade e justiça dos homens, uma vez que o devido processo legal através de prontuários multidisciplinar resguardam a segurança jurídica em outras esferas das quais também decorrem o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.

Como observamos, não basta uma lei determinar mudanças de questões sociais para ganhar efetividade, para que direitos sejam reconhecidos, e que a aplicabilidade de regras alcance JUSTIÇA.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

CANOTILHO, J.J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Edições Almedina, 2003

GUASTANI, Ricardo. Estudios sobre la interpretación jurídica, México, Porrúa, 2000, p. 47-49.

HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana: a caminho de uma eugenia liberal?,trad. De Karina Jannini, São Paulo, Martins Fontes, 2004, p. 160.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

STAMMLER, Rudolf, Filosofía del Derecho. Madrid, 1930, p. 257 e ss.

TROCKER, Nicolò. Processo Civile e Costituizione: Problemi di Diritto Tedesco e Italiano, Milano, Giuffrè, 1974, p. 146.


  1. • Advogada Consultiva; Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires – UBA; C.E.O do Instituto Técnico e Científico Tatiana Fiore d’Almeida - ITC.TFA; Professora, Articulista, Idealizado e Organizadora de Eventos Jurídicos, Articulista/Investigadora da equipe internacional Latin-Iuris (Instituto Latinoamericano deInvestigación Y Capacitación Jurídica), e Representate Brasil Cielo Laboral.

Sobre a autora
Tatiana Conceição Fiore de Almeida

Advogada (OAB/SP 271162), Doutorando Em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires (UBA), Coordenadora do Núcleo de Direito Previdenciário da ESA.OAB/SP; Relatora da 4ª Turma de Benefícios da CAASP; Membro Efetivo das Comissões de Direito do Trabalho, Direito Previdenciário, Perícias Médicas; Membro Convidada da Comissão de Direito Desportivo da OAB/DF; Articulista/Investigadora da equipe internacional Latin-Iuris (Instituto Latinoamericano deInvestigación Y Capacitación Jurídica); Articulista e Coordenadora de Obras Jurídicas; Coautora em diversas Obras Coletivas; Professora; Membro da Comunidad para la investigación y el estúdio laboral y ocupacional-CIELO; Coordenadora do Livro Previdenciário um olhar Crítico sobre Constitucionalidade e as Reformas (2016); Um Olhar Crise além dos Direitos Sociais (2019); e Previdenciário: Novas Tecnologias e Interações entre o Direito, a Saúde e a Sociedade; Participou como membro convidado da CPI da Previdência (ano 2017).︎

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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