Divergencia doutrinaria sobre crimes de trânsito no ordenamento jurídico.

Resumo:


  • Crimes de trânsito referem-se a condutas ilegais de motoristas que podem resultar em danos materiais, lesões corporais ou mortes, com penalidades que variam de multas a prisão.

  • A distinção entre dolo eventual e culpa consciente é crucial em acidentes de trânsito, especialmente em casos de embriaguez ao volante, onde a aplicação jurídica depende da análise de cada situação concreta.

  • Legislação brasileira, incluindo o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), passou por mudanças para tornar as punições mais severas, como a Lei Seca, visando reduzir acidentes e mortes no trânsito causados por embriaguez.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO

Este artigo tem como objetivo geral discorrer sob a temática dos crimes de trânsitos no âmbito jurídica, condutas ilegais cometidas por motoristas no contexto viário, resultados em danos matérias, lesões corporais ou até mesmo morte. O objetivo desse artigo é discutir sobre a aplicação do dolo eventual ou culpa consciente em casos de acidentes de trânsito, tipos de crimes de trânsito que tem suas consequências legais e sociais, bem como possíveis medidas de prevenção e conscientização. Trago analise das mudanças do Institui o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) da lei nº 9.503 e Lei nº 12.760/12, a qual sofreram várias modificações; nesse contexto, serão estudados os outros critérios objetivos temperados em tal análise pelo Supremo Tribunal Federal, além da embriaguez ao volante.

Palavras-Chave: Código de trânsito brasileiro. Culpa consciente. Dolo eventual. Homicídio no trânsito. Embriaguez ao volante.

INTRODUÇÃO

A quantidade de óbitos anuais no trânsito brasileiro cresce pelo segundo ano consecutivo. Segundo DataSUS (Sistema de Informações de Mortes), o Brasil apresentou um aumento de 3,35% no total de óbitos registrados no trânsito, totalizando 33.813 mortes por sinistros de trânsito no ano de 2021, um aumento de 1.097 óbitos em comparação com os dados de 2020. A variação percentual de 3,35% em 2021 foi similar aos aumentos ocorridos em 2014 e 2012. (ONSV. 2023). Sabemos que, os crimes de trânsitos se referem a condutas ilícitas cometidas no viés direcionado ao tráfego de veículos, como dirigir sob efeito de álcool ou substancias psicotrópica, excesso de velocidade, omissão de socorro em acidentes, direção perigosa, entre outros.

Essas infrações podem resultar em penalidades legais, como multas, suspensão da carteira de motorista e até mesmo prisão, como é o caso da embriaguez, ou dependendo do delito. Por isso é importante seguir as leis de Trânsito Brasileira para garantir a segurança individual e coletiva nas vias públicas. Diante do exposto, muito se discute, se quem causa a morte de alguém por ocasião de uma conduta inicial de embriaguez ao volante, age sob o domínio de dolo eventual ou culpa consciente, existindo julgados e posições doutrinárias em ambos os sentidos. Nos delitos de trânsito, com destaque para os casos em que ocorrem homicídios por influência de álcool ou de outra substancia psicoativa que determine dependência.

Nesse viés, vale frisar que não é possível afirmar, como querem alguns aplicadores do direto do nosso Estado, que da conduta daquele que se embriaga, dirige em velocidade elevada e fere ou mata mais de uma pessoa, que estaria agindo com dolo eventual, visto que tal conduta não há manifestação de vontade do agente em relação ao resultado. É evidente a generalização do dolo eventual, pois se cria uma responsabilização penal objetiva por parte daquele que comete um delito de trânsito, estando embriagado. Isso porque não bastaria o elemento psíquico do agente, bastando apenas que esse estivesse em velocidade excessiva, embriagado ou tivesse vitimado considerável número de pessoas.

Ocorre que isso não configura o dolo eventual, pois o que é determinante é a postura psicológica do agente em relação ao fato, ou seja, somente se configura o dolo eventual, se mesmo prevendo o resultado, o agente anuir para que ele ocorra e continuar com sua execução, sendo indiferente quanto à ocorrência do resultado lesivo. Assim, para esse autor, tal fato é justamente o inverso dos que ocorrem nos delitos de Trânsito, já que nesses não há essa manifestação.

Para Damásio de Jesus (1999, p.77) diz que “o legislador não restringiu o local da ocorrência. Pode ser, pois, em qualquer lugar. Por exemplo: homicídio culposo cometido no ato de tirar o veículo da garagem”. Ademais, ocorrendo o acidente com resultado morte, o agente será punido de acordo com o artigo 121, parágrafo 3º do Código Penal Brasileiro. Entretanto, se o fato típico for ocasionado no trânsito, previstos na Lei 9.503/97, será este o diploma legal utilizado para penalizar o agente. (CALAND. 2021)

Dessa maneira, contrário ao posicionamento de se classificar como dolo eventual os homicídios no trânsito, Callegari (1996, p.516) estabelece uma crítica que merece ser repassada: esse mesmo sentido vêm os ensinamentos de Ferracini (2000, p.50): Nos homicídios de Trânsito, não há manifestação positiva de vontade dos agentes em relação ao resultado morte. Não existe uma perseguição a este resultado. A finalidade da conduta não é matar, os condutores manifestamente imprudentes, não estão buscando o pior resultado. (CALAND. 2021)

A Priore, nesse contexto vale ressaltar a crítica de alguns doutrinadores, no entanto é inequívoco adentar na mente do condutor para saber o que pensavam de fato no momento do ocorrido para que venham assumir os riscos dos resultados e sejam comprovadas tais práticas, é impossível. No entanto, a crítica quanto ao dolo eventual, dizendo ser inócuo, pois sua prova residiria exclusivamente na mente do autor.” Ou seja, é inverossímil. (MASSON, 2010, p. 252)

Esta também é a atual posição dos tribunais pátrios: salientou-se que, no Direito Penal contemporâneo, além do dolo direto – em que o agente que o resultado como fim de sua ação e considera unido à esta última – há o dolo eventual, em que o sujeito não deseja diretamente a realização do tipo penal, mas a aceita como possível ou provável (CP, art. 18, I, in fine). Relativamente a este ponto, aduziu-se que, dentre as várias teorias que buscam justificar o dolo eventual, destaca-se a do assentimento ou da assunção, consoante a qual o dolo exige que o agente aquiesça em causar o resultado, além de reputá-lo como possível.

A quantidade de acidentes fatais se deve, principalmente, pela conduta de motoristas que, num rompante de audácia e arrojo, dirigem seus veículos embriagados em velocidades excessivas pelas vias públicas. Nesse caso, quando há acidente com morte, há um clamor popular para submeter o autor a julgamento perante o tribunal popular. No entanto, a visão dos leigos, na grande maioria das vezes, é a técnica.

Dessa forma, existe uma preocupação em relação à distorção dos princípios jurídicos e a utilização do julgamento perante o Tribunal do Júri como um recurso para contornar a brandura da legislação penal. É importante garantir que as decisões sejam baseadas nos fundamentos legais. Dessa forma, tal postura jurídica de submeter o condutor, na condição de réu, a julgamento perante o Tribunal do Júri não é a mais acertada, pois visa somente classificar a conduta como dolo eventual, através da exploração do inconformismo popular ante a brandura de nossas leis, e sob o pálio da soberania constitucional que as decisões do tribunal popular usufruem.

Bitencourt (1998, p. 114) chama atenção para o problema:

os tribunais pátrios não têm realizado uma reflexão adequada, decidindo quase que mecanicamente: se a embriaguez não é acidental, pune-se o agente. Se houve ou não previsibilidade do fato no estágio anterior à embriaguez não tem sido objeto de análise. É muito fácil: o Código diz que a embriaguez voluntária ou culposa não isenta de pena, ponto final. O moderno Direito Penal há muito está a exigir uma nova e profunda reflexão sobre esse aspecto, que os nossos tribunais não têm realizado.

Tavares adverte (2003, p.352):

esse mesmo raciocínio vale para a conhecida hipótese de embriaguez volante, associada à velocidade excessiva, à qual a jurisprudência brasileira tem assinalado, sem outras condições, as características do dolo eventual. Neste caso, para configurar-se o dolo eventual não basta, exclusivamente, a constatação de embriaguez e da velocidade. Será preciso demonstrar que as condições concretas do evento eram, igualmente, desfavoráveis ao agente, de modo que este não pudesse objetivamente invocar a expectativa de que o resultado não ocorreria ou poderia ser evitado.

Entretanto, tal situação configura, na realidade, culpa consciente. É inconcebível distorcer os princípios jurídicos (diferença entre dolo eventual e culpa consciente), dogmas que servem de diretrizes para solucionar casos concretos como recurso para superar a brandura da legislação penal. (CALAND. 2021)

DESENVOLVIMENTO

Vale salientar, que para o operador do direito que atua na seara criminal na situação supramencionado, existe uma árdua problematização dogmática na teoria da tipicidade praticado por aquele que, na pratica se torna ainda mais difícil na classificação para tipificar tal ato. Sendo de grande dificuldade a dúvida em como classificar a conduta praticada pelo agente. Nesse âmbito vale frisar a análise da diferenciação entre dolo eventual e culpa consciente.

Nesse sentido, a aplicabilidade do dolo eventual ou culpa consciente em acidentes de trânsito decorrentes de embriaguez ao volante dependerá de cada caso concreto. Pois, o dolo eventual pode ser aplicado em situações em que o agente além de ter ingerido bebida alcoólica, tenha tido outros fatores que influenciaram no resultado, como por exemplo, conduzir o veículo acima da velocidade permitida, aceitando, dessa forma, as possíveis consequências. Já a culpa consciente existindo dúvidas sobre o elemento subjetivo, a infração penal deve ser classificada para a modalidade culposa. (FRANÇA. 2022)

Nesse contexto, o dolo eventual é caracterizado quando o motorista é capaz de prever o resultado que seu comportamento pode ocasionar e quando esse se mostra indiferente a este resultado. No entanto, para o sujeito infrator ser enquadrado nesta modalidade de dolo é necessária uma análise da abordagem de seu estado de ânimo, de sua subjetividade, exige-se, nestes casos, que ele tenha assumido o risco de produzir os resultados lesivos. Dessa forma, faz-se necessário, na maioria dos casos, tentar entender o que o sujeito pensava na hora que praticava a conduta. Já, quanto ao dolo o eventual, Bitencourt (2011, p. 321), afirma que:

haverá dolo eventual quando o agente não quiser diretamente a realização do tipo, mas aceitá-la como possível ou até provável, assumindo o risco da produção do resultado, (art.18, I in fine, do CP). No dolo eventual o agente prevê o resultado como provável ou, ao menos, como possível, mas apesar de prevê-lo age aceitando o risco de produzi-lo. Como afirma Hungria, assumir o risco é alguma coisa mais que ter consciência de correr o risco: é consentir previamente no resultado, caso este venha efetivamente a ocorrer. (FRANÇA. 2022)

Sendo assim, é denotado que o dolo eventual em acidente de trânsito ocorre quando o motorista assume de forma consciente o risco de causar danos ou lesão a outras pessoas, embora que não tenha intenção direta. É considerado um crime grave e podendo resultar em penalidades severas. Na concepção de Greco (2020), o dolo é toda vontade humana causadora de um resultado, já a culpa é a ausência de uma vontade que causou o resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Aliás, a vontade é um item que sem ela não se pode configurar como dolo. Basta que a agente queira, tenha a vontade de desempenhar aquela conduta e saiba o que faz e que aquilo é lesivo, para a configuração do dolo.

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Nesse contexto, o dolo se detém a uma manifestação de uma vontade, abrangendo assim a intenção e o objetivo do indivíduo. No entanto, um crime doloso visa a ser mais grave do que um crime culposo. Ou seja, um homicídio que alguém quis matar outrem e assim o fez, nesse viés se classifica como homicídio doloso. Já no homicídio culposo, o agente acabou matando alguém em detrimento de uma ação que não tinha a finalidade daquele resultado, esses são exemplos nítidos. Desse modo, a distinção entre dolo e culpa torna-se ainda mais compreensível quando se entende o que é culpa, pois um crime culposo não ocorre meramente porque alguém não tinha a intenção de que ele ocorresse.

O artigo 18, do Código Penal, traz a diferenciação desses dois institutos no crime, denominando de crime doloso (inciso I) “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo” e crime culposo (inciso II) “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”. A negligência é a ausência de cuidado ou desatenção no que se refere ao ato realizado. Já na negligência o agente deixa de desempenhar certa ação que a prudência estabelece, na imprudência ele efetua uma conduta na qual a cautela indica que não deve ser realizada (JESUS, 2015). Quanto à imperícia, é quando ocorre uma inaptidão breve ou não do agente, para a atuação de sua profissão ou ofício. A imperícia está atrelada ao exercício de sua função (GRECO, 2020).

Sendo assim, podemos avaliar a espécie de culpa como uma constante conduta consciente e inconsciente. Desse modo, a culpa consciente, por sua vez, o agente prevê o resultado, mas não o aceita. Assim, existe a previsibilidade do resultado pelo agente, mas ele a afasta de pronto, por entender que evitará com sua habilidade, impedindo o evento lesivo previsto. Damásio relata, vejamos:

A culpa consciente, ou culpa com representação, culpa exlascívia, surge quando o sujeito é capaz de prever o resultado, o prevê, porém, crê piamente em sua não produção; ele confia em que sua ação conduzirá tão somente ao resultado que pretende, o que só não ocorre por erro no cálculo ou erro na execução. (DAMÁSIO 2002, p.19)

Logo, a culpa consciente no crime de trânsito ocorre quando o motorista sabe dos riscos de as condutas, no entanto assume o risco de produzir o resultado, como um acidente de trânsito grave por exemplo. Então, cabe citar o entendimento sobre culpa consciente do Bittencourt (1995, p.250), que afirma: “Há culpa consciente, também chamada culpa com previsão, quando o agente, deixando de observar a diligência a que estava obrigado, prevê um resultado, possível, mas confia convictamente que ele não ocorra”.

Vale frisar, que assumir um risco não é somente prever o resultado, pois deve o agente, além de prevê-lo, aceitar ou, pelo menos, tolerar, e não se importar com esse. Assim, o agente não quer o resultado, quando age com culpa consciente, mas, por erro, excesso de confiança (imprudência), negligência ou falta de preparo para concretizar seu intento, acaba por ocasioná-lo. Já no dolo eventual, ocorre uma aceitação do resultado, pois o agente não se interessa pelo que pode vir a ocorrer, sendo indiferente ao resultado de sua conduta.

Nesse viés, é correto dizer que a culpa consciente tem elementos parecidos com o dolo eventual, pois também exige do agente a previsão do resultado. Nos dois institutos o sujeito tem o conhecimento que seu comportamento pode ocasionar um resultado lesivo. No entanto, embora parecidos, tais institutos são diferentes. Isso está no fato de que a culpa consciente o agente acredita que suas habilidades evitarão o resultado, ou seja, ele acredita que tem plenas condições de evitar o resultado. Logo, para evitar esse tipo de dúvida, deve-se interpretar o Código Penal em consonância com algumas teorias expostas a seguir. (CALAND. 2021).

O Código de Trânsito Brasileiro (CTB), Lei nº 9.503/97, estabelece que, cometer homicídio culposo em direção de veículo automotor com a capacidade psicomotora alterada por consumo de bebidas alcoólicas implica em suspensão ou proibição de se obter permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, além de pena de reclusão. Uma década depois, ocorreram alterações significativas no Código de Trânsito Brasileiro, na esfera administrativa e penal sobre a conduta de dirigir sob influência de álcool, tratando-a com maior severidade. Com o advento da Lei n° 11.705/08, conhecida popularmente como “Lei Seca”, além da Lei nº 12.760/2012, estas sanaram algumas dúvidas e lacunas legais que dificultavam uma punição efetiva do crime de embriaguez ao volante. Desta feita, a Lei Seca surgiu com a finalidade de dedicar um tratamento mais rigoroso aos motoristas que dirigissem embriagados. Além do mais, a referida lei foi criada com o objetivo de diminuir os inúmeros acidentes de trânsito causados sob a influência de álcool em nosso país. (FRANÇA.2022)

Ressalta que a mudança introduzida pela Lei Seca está instituída na criminalização da embriaguez ao volante, estabelecida por meio do artigo 306 do CTB. Anterior a sua vigência a redação desse dispositivo presumia ser necessário o perigo concreto para caracterizar o crime. E, o fato de dirigir embriagado era considerado como contravenção penal. (FRANÇA. 2022).

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

Nesse sentido, Gonçalves relata:

Antes do advento da Lei nº. 11.705/2008, o tipo penal do crime de embriaguez ao volante expressamente exigia que o agente dirigisse o veículo de forma a expor a dano potencial a incolumidade de outrem. Assim, se o sujeito estivesse dirigindo corretamente ao ser parado por policiais, não incorreria em crime. A tipificação pressupunha uma direção anormal em razão da influência de álcool: em zigue-zague ou na contramão, dando “cavalo de pau”, empinando motocicleta etc [...]. (GONÇALVES, 2012, p. 204).

Desse modo, é nítido que tais mudanças não foram satisfatórias no que tange o caput do artigo 306 sofreu novas mudanças por intermédio da Lei n° 12.760/12, passando a estabelecer que:

Art. 306 Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Com a mudança ocasionada pela Lei nº 12.760/12, o crime passou a incidir pela condução de veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em detrimento da influência de álcool ou de outra substância psicoativa, pouco importando a quantidade de substância no organismo, nesse viés, a mudança do CTB, pela Lei nº 12.760/12, teve como finalidade principal rebater o posicionamento dos Tribunais Brasileiro, que vinham se manifestando no sentido da obrigatoriedade de determinação da quantidade de álcool no organismo do motorista, uma vez que, a redação anterior do artigo 306 estabelecia a quantidade mínima de seis decigramas de álcool por litro de sangue.

Com isso, a pretendida diminuição dos acidentes causados pela ingestão de álcool também não se verificou e foi totalmente frustrada. Esses foram os principais motivos que ensejaram nova reformulação do tipo penal inscrito no art. 306 do Código de Trânsito, promovida pela referida Lei nº 12.760/12. A atual redação deste artigo é esta: “Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor”.

Observa-se, portanto, que o elemento central do tipo penal deixou de ser a quantidade de álcool por litro de sangue e passou a ser a “capacidade psicomotora alterada”, determinada pela “influência de álcool ou de substância psicoativa que determine dependência”. Com a nova redação, passou a ser possível punir criminalmente os condutores que são flagrados com visível influência de álcool, mas rejeitam a submeter aos testes de alcoolemia, sendo possível, de acordo com o seu § 2º, a configuração do crime inclusive através de vídeo e prova testemunhal da condição do motorista acusado

Não obstante as alterações sofridas no Código de Trânsito Brasileiro no que se refere ao crime de embriaguez ao volante, recentemente o CTB passou por alterações por meio da Lei n° 13.546/17, a qual foi criada com a finalidade de tornar o Código de Trânsito Brasileiro mais rigoroso.Com o intuito de diminuir o número de acidentes, a Lei n° 13.546/17 majorou a punição para condutores alcoolizados que se envolvessem em acidentes de trânsito e causasse consequentemente à morte. A pena prevista, que antes era de 2 a 4 anos de detenção, passou a ser de 5 a 8 anos de reclusão, consoante artigo 302, §3°.

Nesse sentido, o artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro com as seguintes alterações:

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:

Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 1º No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente:

 I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;

II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;

III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente;

IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.

V - (Revogado pela Lei nº 11.705, de 2008)

§ 2º (Revogado pela Lei nº 13.281, de 2016)

§ 3º Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Incluído pela Lei nº 13.546, de 2017) (Vigência)

Penas - reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. (Incluído pela Lei nº 13.546, de 2017) (Vigência) (BRASIL, 1997)

Analisando as decisões dos Tribunais, há uma tendência majoritária em configurar o dolo eventual em caso de embriaguez correlacionados com outros fatores que são determinantes para configuração do dolo como, por exemplo, a velocidade excessiva do condutor. Essa linha de pensamento produziu resultados desastrosos no âmbito de incidência da norma penal em questão, frustrando a intenção do Legislador com a edição da Lei nº 11.705/08. Aliás, este próprio foi corresponsável pelo desastre, quando previu que a embriaguez somente poderia ser comprovada pelo uso do bafômetro ou pela realização de exame de sangue.

Na realidade, ocorreu a conjugação da ineficiência legislativa com a afirmação, pelo Poder Judiciário, de um garantismo penal míope e parcial e, por isso, não razoável, notadamente com milhares de vítimas de acidentes provocados por condutores embriagados, que lograram, com o citado mecanismo, solene impunidade. De fato, o reconhecimento do absoluto direito ao condutor de não se submeter ao teste do bafômetro e ao exame de sangue passou a funcionar como barreira intransponível aos órgãos de fiscalização de trânsito no trabalho de comprovação da embriaguez ao volante.

E o efeito prático que se produziu foi a absolvição da grande maioria dos condutores contra os quais foi instaurada ação penal pela prática do crime, ensejando uma inaceitável situação fomentadora da impunidade. Efetivamente, os poucos condutores condenados pela Justiça criminal foram os incautos que se submeteram a um dos exames mencionados; em síntese, criou-se um patético mecanismo em que a decisão em responder ou não à ação penal estava na mão do condutor suspeito de embriaguez, pois, bastava exercer o direito referido que estaria totalmente inviabilizada a perspectiva de sucesso na persecução penal.

Pelo exposto, nota-se a dificuldade de se aplicar os institutos de dolo eventual e culpa consciente no caso concreto. Dessa forma, é necessário averiguar de maneira individualizada, caso a caso, para conseguir demonstrar se este de fato, agiu de dolo eventual ou de culpa consciente, para assim identificar qual dos institutos supracitados aplicar no caso de homicídio, num eventual acidente de trânsito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por tanto, observa-se neste cerne que há divergências de entendimentos jurídicos quanto aplicabilidade doutrinaria entre dolo eventual e culpa consciente nos crimes de trânsitos brasileiro. Diante disso, vale frisas a analise da evolução da Lei nº 9.503/1997, a qual sofreu várias modificações com o intuito de deixar a norma penal mais rígida, majorando a punição para condutores alcoolizados que se envolvessem em acidentes de trânsito e causasse consequentemente à morte.

No entanto, é importante observar os elementos necessários para configurar a culpa consciente e o dolo eventual em casos de acidentes de trânsito. É de suma importância considerar a negligência, imprudência ou imperícia para a culpa consciente e fatores como embriaguez ao volante e excesso de velocidade para o dolo eventual. Em razão disso, é perceptível que há dificuldade em distinguir entre dolo eventual e culpa consciente, sendo necessário analisar cada caso individualmente. Se houver dúvidas sobre o elemento subjetivo, a infração penal deve ser desclassificada para a modalidade culposa. O dolo eventual deve ser aplicado em casos específicos em que o condutor estava alcoolizado e envolveu outros fatores, como velocidade excessiva e fuga.

Ademias, é conhecido, amplamente divulgado, que o trânsito é uma das principais causas de mortes violentas no Brasil, sendo que muitos acidentes automobilísticos são causados pela ingestão de álcool ou substâncias psicoativas pelos condutores. Os efeitos prejudiciais desses acidentes são sentidos em várias áreas, desde a dor causada pela perda de entes queridos e provedores familiares, até o impacto nos sistemas de saúde e previdência pública, que devem lidar com os custos econômicos dos acidentes ao tratar traumas físicos e compensar a perda da capacidade de trabalho ou invalidez.

Considerando esse fenômeno, é justificável o uso do Direito Penal, com suas medidas coercitivas e punitivas, para proteger a segurança pública e individual. Além disso, é necessário que a legislação penal seja racional e efetivamente aplicável, a fim de ser um instrumento eficaz na proteção dos direitos envolvidos. Nesse sentido, a legislação que criminaliza a embriaguez ao volante passou por melhorias significativas, como a ampliação dos meios de comprovação da embriaguez e a mudança para um tipo penal de perigo abstrato.

Pelo exposto, conclui-se que, há legislação em questão cumpra sua finalidade de reduzir o número de acidentes automobilísticos causados pelo consumo de álcool prévio, garantindo assim o princípio da segurança viária ou o direito a um trânsito seguro, conforme estabelecido no § 2º do art. 1º do Código de Trânsito. Além disso, é importante buscar essa medida por meio de outras formas, como medidas administrativas e educação contínua para o trânsito.

REFERENCIAS:

BRASIL, Decreto Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 08 de nov. 2023

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2011

CALAND. Lucas Alves da Silva, 2021. Homicídio no Trânsito: dolo eventual ou culpa consciente? Disponível: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/homicidio-no-transito. Acessado em 08 de nov de 2023

FRANÇA, Elisvalter Brito, 2022. Crimes de Trânsitos causados por embriagues, dolo eventual ou culpa. Disponível:

https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58813/crimes-de-trnsito-causados-por-embriaguez-dolo-eventual-ou-culpa. Acessado em 08 de nov de 2023

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I. 22. Ed. Niterói, RJ. Impetus, 2020.

KIST, Dário José. A configuração atual do crime de embriaguez ao volante - art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro. Disponível: https://www.mpba.mp.br/sites/default/files/biblioteca/a_configuracao_atual_do_crime_de_embriaguez_ao_volante_-_art._306_do_codigo_de_transito_brasileiro_-_dario_kist_0.pdf. Acesso em 09 de nov de 2023.

JESUS, Damásio. Direito penal – parte geral, ed 36, Saraiva. 2015.

Lei nº 9.503, de 23 de novembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro.  Disponível:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20112014/lei/l12971.htm%2Lei+n+12.971+2014>. Acesso em: 08 de nov. 2023.

ONSV, Portal. Brasil tem aumento de mortes em 2021. DataSUS (Sistema de Informações de Mortes), 2023. Disponível: https://www.onsv.org.br/comunicacao/brasil-tem-aumento-de-mortes-no-transito-em-2021#:~:text=Em%202021%2C%20o%20Brasil%20apresentou,ocorridos%20em%202014%20e%202012. Acesso em 09 de nov. 2023

Sobre os autores
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Claudia Varlene da Silva

Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade Católica Santa Teresinha - Caicó/RN.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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