A Lei nº 14.454/2022 trouxe alterações substanciais à Lei nº 9.656/98, na medida que buscou modificar a interpretação dada pelo STJ, tornando o rol de procedimentos e eventos da ANS exemplificativo.
Como se sabe, a ANS, como agência reguladora, tem a competência de elaborar o rol de procedimentos obrigatórios para os planos de saúde, conforme estabelecido na Lei nº 9.961/2000. Esse rol é obrigatório para os planos de saúde, e sua atualização está sob a responsabilidade da ANS, atualmente regida pela Resolução Normativa RN nº 465/2021.
Diante disso, a nova legislação incluiu o § 12 no art. 10 da Lei dos Planos de Saúde, esclarecendo que o rol da ANS, atualizado periodicamente, serve como referência básica para os planos de saúde, mas com caráter exemplificativo.
A Lei nº 14.454/2022 trouxe consigo novos critérios para a cobertura de tratamentos não listados no rol da ANS. O legislador determinou que, para serem cobertos, tais tratamentos deveriam atender a pelo menos um dos seguintes critérios:
Ser comprovadamente eficaz, respaldado por evidências científicas e plano terapêutico;
Contar com recomendação positiva da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec);
Ter a recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde com renome internacional.
Além disso, a Lei nº 14.454/2022 reforçou que a relação entre planos de saúde e usuários é regida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), alterando o art. 1º da Lei nº 9.656/98. Essa mudança está em consonância com o entendimento já sumulado pelo STJ.
Vale mencionar que essa alteração foi motivada pela mobilização popular, especialmente de familiares de pessoas com deficiência e doenças raras, cujos tratamentos muitas vezes não estão incluídos no rol da ANS.
Desse modo, essa mudança tem o potencial de impactar significativamente a relação entre usuários de planos de saúde e as operadoras, oferecendo mais possibilidades de acesso a tratamentos essenciais.
Contudo, o que se tem visto, na prática, é que as operadoras de planos de saúde ignoram a inovação legal e continuam negando a realização de procedimentos alegando a taxatividade do Rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), mesmo que os requisitos acima dispostos estejam presentes no caso concreto, o que reforça a abusividade das negativas.
A seguir, serão citados, de modo exemplificativo, diversos tratamentos que mesmo com a eficácia comprovada, continuam sendo negados por não constarem expressamente no rol da ANS, o que aponta para um descompasso entre a legislação e a prática, indicando a necessidade de uma análise mais profunda dos impactos reais dessa legislação.
A negativa em custear tratamento alegando a taxatividade do Rol, após a lei 14.454, se deve à ausência de Regulamentação Detalhada pela ANS
As operadoras de planos de saúde apresentam diversas justificativas para a recusa de cobertura de procedimentos cirúrgicos e outros tratamentos. Nosso foco será as negativas fundamentadas na ausência do procedimento no Rol da ANS, uma lista que estipula os tratamentos de cobertura obrigatória.
O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, apesar de ser referência básica para os planos de saúde, carece de regulamentação detalhada por parte da ANS. O caráter exemplificativo da lista não é suficiente para inibir interpretações restritivas por parte das operadoras, resultando em prejuízos para os beneficiários. Mesmo com a clareza da legislação quanto ao papel exemplificativo do rol, sua aplicação prática ainda enfrenta desafios.
Desse modo, o que se tem visto na prática é que as operadoras continuam negando procedimentos com base na taxatividade do rol, evidenciando a falta de fiscalização efetiva e regulamentação por parte da ANS, que acaba permitindo interpretações arbitrárias, prejudicando os beneficiários e comprometendo o propósito da legislação.
Cita-se, alguns exemplos de procedimentos cirúrgicos frequentemente negados pelas operadoras, mesmo após a Lei nº 14.454/2022:
Cirurgia bucomaxilofacial;
Cirurgia de correção de hipertrofia mamária – gigantomastia;
Cirurgia para retirada de tumor intracraniano;
Cirurgia para retirada de gordura de linfedema;
Cirurgia de transplante hepático;
Procedimento cirúrgico - implante de cardiodesfibrilador interno (cdi) com placas e eletrodos;
Procedimento TAVI - troca valvar aórtica;
Procedimento de inclusão ou troca de órtese craniana;
Procedimentos de palatoplastia com excerto;
Osteotomia da maxila e osteotomia alvéolo palatina;
Cirurgia de ampliação do anel valvar;
Cirurgia multivalvar;
Comissurotomia valvar;
Plastia valvar e troca valvar;
Cirurgia reparadoras pós bariátrica;
Cirurgia intraútero para correção na abertura da coluna do feto para garantir o desenvolvimento cognitivo da criança;
Procedimento médico para tratamento de varizes e microvarizes em ambos os membros inferiores com laser e escleroterapia ampliada;
Cirurgia de prostatectomia radical;
Cirurgia a laser (femtolaser);
Cirurgia de reconstrução das articulações temporomandibulares;
Cirurgia para tratamento de arritmia cardíaca;
Cirurgias refrativas;
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Cirurgia para correção de assimetria craniana - plagiocefalia posicional, com a inclusão de órtese craniana;
Implante transcateter de prótese valvar pulmonar;
Cirurgia para implante de órtese e prótese (de alto custo) nos joelhos.
(...)
Essa lista, embora extensa, representa apenas uma pequena parcela dos casos em que os planos de saúde se recusam a cobrir procedimentos cirúrgicos necessários e prescritos por médicos. A prática de negar coberturas com base na falta de inclusão no rol persiste, destacando a urgência de uma regulamentação mais detalhada pela ANS.
O absurdo é que, todos os procedimentos acima listados possuem eficácia comprovada, razão pela qual estão de acordo com o disposto na lei 14.454/2022 atendendo os critérios para a cobertura de tratamentos não listados no rol da ANS.
O Papel da ANS e a Necessidade de Regulamentação Efetiva
A falta de regulamentação e a não atuação efetiva da ANS têm contribuído para um aumento expressivo da judicialização na Saúde Suplementar.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar tem o papel fundamental de regulamentar e fiscalizar o setor, garantindo a efetiva aplicação da legislação em benefício dos usuários. A falta de regulamentação detalhada, especialmente após a Lei nº 14.454/2022, permite interpretações inadequadas por parte das operadoras, resultando em recusas injustificadas de cobertura.
A regulamentação precisa estabelecer critérios claros para a comprovação da eficácia de tratamentos e procedimentos cirúrgicos. Além disso, deve definir diretrizes específicas para casos em que a legislação é omissa, evitando interpretações que possam prejudicar os beneficiários.
A ausência de diretrizes claras da ANS tem levado os beneficiários a recorrerem ao judiciário como última alternativa para garantir o acesso a tratamentos essenciais. Mesmo quando há respaldo legal para a cobertura, as operadoras continuam a negar procedimentos, agravando a necessidade de intervenção judicial para assegurar direitos previstos em lei.
Assim, a insegurança jurídica resultante desse vácuo regulatório prejudica diretamente os beneficiários, que, apesar da proteção legal, enfrentam dificuldades em garantir o acesso a tratamentos fundamentais.
O que fazer caso o convênio negue a cobertura de um tratamento?
Diante da recusa do plano de saúde com base na ausência do procedimento no rol da ANS, os usuários têm alguns passos importantes a seguir:
Confirmação da Necessidade do Procedimento: Consulte seu médico para confirmar a necessidade do procedimento e obtenha documentação médica que comprove a urgência e importância da cirurgia.
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Análise do Contrato: Verifique o contrato do plano de saúde para identificar possíveis cláusulas ou exclusões relacionadas ao procedimento em questão, as quais, muitas vezes, são consideradas abusivas por ferirem a legislação de regência.
Comunicação Oficial com o Plano: Envie uma comunicação oficial ao plano de saúde, solicitando por escrito a justificativa da recusa e fornecendo toda a documentação necessária.
Registro de Reclamação na ANS: Caso a negativa persista, registre uma reclamação na ANS, agência responsável por regular o setor de planos de saúde no Brasil.
Busca de Orientação Jurídica: Consulte um advogado especializado para orientações legais. Considere a possibilidade de entrar com uma ação judicial se necessário, esteja atento aos prazos legais e assegure-se de documentar todo o processo.
Conclusão
A recusa de planos de saúde em cobrir procedimentos cirúrgicos com base na não inclusão no rol da ANS é um desafio enfrentado por muitos beneficiários. A Lei nº 14.454/2022 trouxe avanços ao esclarecer o caráter exemplificativo do rol, porém, sua eficácia depende da regulamentação adequada por parte da ANS.
A ausência de regulamentação detalhada permite que operadoras continuem negando cobertura com base na taxatividade do rol, prejudicando a saúde e os direitos dos beneficiários. É fundamental que a ANS atue de forma proativa na regulamentação, estabelecendo critérios claros para a comprovação da eficácia dos tratamentos e procedimentos cirúrgicos.
Os usuários, por sua vez, devem estar cientes de seus direitos, buscar respaldo médico e documentar a necessidade dos procedimentos, recorrendo a via judicial para se insurgirem contra essas negativas injustificadas, uma vez que a saúde e a vida dos beneficiários devem prevalecer sobre interpretações restritivas e ilegais feitas pelas operadoras de planos de saúde.
Referências:
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