O sistema prisional funciona com a finalidade de reformar o indivíduo criminoso mantendo-o longe da sociedade, bem como proteger o processo e seus atos investigatórios. Neste último caso, usando das prisões cautelares e pré-cautelares, não menos gravosas que a prisão pena.
Desde o momento no qual o Estado, usando de sua força, retira o indivíduo da comunidade em que vive passa a ser o responsável pela integridade deste. Isto porque quando toma para si a prerrogativa de punir traz como obrigação à proteção dos direitos do preso, mormente sua integridade, seja física ou mental.
Como já mencionado em artigo anterior, o sistema prisional brasileiro encontra-se em verdadeiro estado inconstitucional de coisas, declarado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) n° 347, isto é, em situação deplorável das condições de encarceramento, o que deixa ainda mais claro a responsabilidade dos entes estatais.
Ora, sabendo que o Estado tem o dever de cuidar dos indivíduos sob sua custódia e que o próprio sistema prisional está nitidamente falido, é de se concluir que sobre ele recairá as consequências por sua omissão ou atuação falha. Mas não apenas por esses dois fatos, há de se ter em conta o que é chamado por Di Pietro (2021, p. 807) de Responsabilidade Extracontratual do Estado, vejamos,
“Pode-se, portanto, dizer que a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos.” (destaque da autora)
Portanto, em qualquer caso que seja, mesmo que tenha agido inteiramente dentre as determinações da lei, deverá responder pelos prejuízos causados quando responsável por determinada situação. Inclusive quanto às pessoas pressas sob sua custódia, devendo reparar o dano sofrido dentro dos estabelecimentos prisionais.
Exemplo claro de situação na qual deve o dano ser reparado pelos órgãos estatais são os fatos ocorridos no lamentável massacre de Alcaçuz no ano de 2017, onde, segundo matéria do G1 RN, publicada em 2019, foram feitas 27 vítimas fatais e diversos feridos. Como bem destacado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial n° 1888695/MG,
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO POR MORTE DE DETENTO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL. MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. VALOR IRRISÓRIO. POSSIBILIDADE.
1. É objetiva a responsabilidade do Estado (art. 37, § 6º, da CF) em indenizar a família do detento que estava sob sua custódia e foi assassinado dentro da carceragem, visto que não cumpriu o dever constitucional de assegurar a integridade física do preso, conforme disposto no art. 5º, XLIX, da Constituição Federal. (destaque nosso)
2. A indenização por dano moral não é preço matemático, mas sim compensação parcial, aproximativa, pela dor injustamente provocada. É mecanismo que visa minorar o sofrimento da família diante do drama psicológico da perda afetiva e humilhação social à qual foi submetida, na dupla condição de parente e cidadã. Objetiva também dissuadir condutas assemelhadas, seja pelos responsáveis diretos, seja por terceiros em condição de praticá-las futuramente. [...]
Isto é, independentemente das causas do resultado morte, ou mesmo da ação ou da falta desta por parte dos agentes estatais, a família do indivíduo morto dentro do ambiente prisional terá direito a indenização pelos danos causados. Não sem razão, pois não pode a sociedade estar sujeita a condições de encarceramento deplorável e ninguém ser responsabilizado.
Cumpre ainda destacar que, mesmo não sendo o caso de morte, poderá o indivíduo ser indenizado quando da ocorrência de outros danos, como por exemplo os psicológicos adquiridos no cárcere e aqueles que impedem, de modo geral, o indivíduo de ingressar no mercado de trabalho quando posto em liberdade.
Diante disto, existindo qualquer dessas situações é da maior importância que um advogado seja procurado para que requeira a reparação do dano pelo Estado. Somente ele saberá qual a melhor estratégia a ser adotada para que, mesmo não podendo remover as marcas causadas pela prisão, possa diminuir suas dores.
Publicado originalmente em: https://kawanikcarloss.com.br/a-integridade-do-preso-no-estabelecimento-penal-e-a-reparacao-do-dano-sofrido