A IGUALDADE DE GÊNERO POSITIVADA COMO FUNÇÃO INCENTIVADORA DE UMA SOCIEDADE JUSTA E O COMBATE JURISPRUDENCIAL DE SUA FRAUDE
Wilkson Vasco Francisco Lima Barros1
RESUMO:
Esse estudo analisa as políticas públicas de igualdade de gênero. Trata-se de um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. É essencial o avanço desta igualdade, tanto na Constituição e na legislação infraconstitucional, quanto faticamente – o resultado obtido concretamente nas eleições brasileiras. Estuda os dispositivos legais que incentivam a participação feminina. O inventivo decorre pelo aspecto financeiro (percentual dos fundos) e pelo aspecto de cota de candidaturas de cada sexo. Destrincha os dois grandes empecilhos para alcançar uma sociedade igualitária em gêneros: o longo processo a ser percorrido e as fraudes. Demonstra as formas de superar as duas dificuldades e o papel dos três Poderes na transformação social. A forma legal de combater as fraudes. Somente analisando o contexto como um todo e aplicando os aprendizados, conseguiremos um futuro verdadeiramente melhor.
Palavras-chave: Igualdade de Gêneros; Princípio da Igualdade. Igualdade formal; Igualdade material; Igualdade como reconhecimento; Minorias; Fundo Partidário; Fundo Especial de Financiamento de Campanha; Cota de Gênero.
A sociedade global como um todo, nessa incluída a brasileira, vem avançando em efetivar a igualdade de gêneros. Já se foram os tempos de acreditar nas falsas e distorcidas teorias de submissão da mulher ao homem. É como diz a máxima: lugar de mulher é onde ela quiser.
O STF, no julgamento da constitucionalidade das cotas em concursos públicos, já decidiu que a igualdade se divide em três: a formal, a material e a de reconhecimento.
A primeira significa em ausência de privilégios e preconceitos, com igualdade na lei (endereçado ao legislador) e perante a lei (dirigido ao aplicador da lei).
A material é tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, nas medidas de suas desigualdades. Tal aspecto é brilhantemente defendido pelo mestre Rui Barbosa2:
A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade...Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.
A igualdade como reconhecimento tem a perspectiva de eliminar as discriminações às minorias, respeitando suas diferenças e características. A sociedade é plural, não cabendo preconceitos de qualquer tipo. Inclusive, cabe ao Poder Judiciário, juntamente com os demais órgãos de accountability (a exemplo do Ministério Público e da Defensoria Pública), atuar em sua função contramajoritária, ou seja, impedir discriminações às minorias mesmo que seja por vontade da maioria (diretamente ou por seus representantes eleitos – por leis ou outras formas).
Márcio Calvacante3 explica brilhantemente a igualdade como reconhecimento:
A igualdade como reconhecimento significa o respeito que se deve ter para com as minorias, sua identidade e suas diferenças, sejam raciais, religiosas, sexuais ou quaisquer outras.
A injustiça a ser combatida nesse caso tem natureza cultural ou simbólica. Ela decorre de modelos sociais de representação que, ao imporem determinados códigos de interpretação, recusariam os “outros” e produziriam a dominação cultural, o não reconhecimento ou mesmo o desprezo.
Determinados grupos são marginalizados em razão da sua identidade, suas origens, religião, aparência física ou orientação sexual, como os negros, judeus, povos indígenas, ciganos, deficientes, mulheres, homossexuais e transgêneros.
O instrumento para se alcançar a igualdade como reconhecimento é a transformação cultural ou simbólica.
O objetivo é constituir um mundo aberto à diferença (“a difference-friendly world”).
A igualdade como reconhecimento encontra-se também prevista no art. 3º, IV, da CF/88, que determina que um dos objetivos fundamentais da República é o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Vale ressaltar que, em muitos casos, alguns grupos sofrem tanto uma desigualdade material como uma desigualdade quanto ao reconhecimento. As mulheres e os negros, por exemplo, sofrem injustiças cujas raízes se encontram tanto na estrutura econômica, quanto na estrutura cultural-valorativa, exigindo ambos os tipos de remédio.
Neste sentido, a ciência jurídica e as normas positivas se adequam a realidade social e incentivam a igualdade de gêneros. No brasil, percebemos grandes avanços positivados objetivando efetivar a igualdade em sua vertente de reconhecimento.
Uma das vertentes mais positivadas em busca da igualdade neste aspecto é a de gêneros.
O objetivo é aumentar a presença feminina na política brasileira. Ora, o Brasil é um país com maioria de mulheres na população, porém, é a minoria em assentos políticos. Esse contexto reforça a sociedade patriarcal brasileira. Além disso, assim como outras desproporções entre a realidade populacional e a representatividade política, resulta em uma situação que somente a visão de mundo masculina prepondera durante a formulação de leis e políticas públicas.
Pensando em alterar tal situação, o constituinte derivado definiu que ao menos cinco por cento do fundo partidário deve ser usado em incentivo à participação das mulheres:
CF
Art. 17
(...)
§ 7º Os partidos políticos devem aplicar no mínimo 5% (cinco por cento) dos recursos do fundo partidário na criação e na manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, de acordo com os interesses intrapartidários.
Antes da introdução de tal dispositivo na Carta Magna, o legislador ordinário já havia previsto igual determinação:
Lei 9.096/95
Art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados:
V - na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, criados e executados pela Secretaria da Mulher ou, a critério da agremiação, por instituto com personalidade jurídica própria presidido pela Secretária da Mulher, em nível nacional, conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total;
Também foi definido trinta por cento do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e da parcela do fundo partidário para as campanhas eleitorais e para o tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão a ser distribuído pelos partidos às respectivas candidatas:
CF
Art. 17
(...)
§ 8º O montante do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e da parcela do fundo partidário destinada a campanhas eleitorais, bem como o tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão a ser distribuído pelos partidos às respectivas candidatas, deverão ser de no mínimo 30% (trinta por cento), proporcional ao número de candidatas, e a distribuição deverá ser realizada conforme critérios definidos pelos respectivos órgãos de direção e pelas normas estatutárias, considerados a autonomia e o interesse partidário.
Também foi uma constitucionalização de uma regra já prevista em legislação infraconstitucional:
Lei 9.504/97
Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 100% (cem por cento) do número de lugares a preencher mais 1 (um).
(...)
§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.
O legislador ordinário foi além e definiu a propaganda eleitoral gratuita tanto para a igualdade de gênero, quanto para a igualdade com os jovens e os negros - expandindo a política de igualdade para além do gênero:
Lei 9.096/95
Art. 50-B. O partido político com estatuto registrado no Tribunal Superior Eleitoral poderá divulgar propaganda partidária gratuita mediante transmissão no rádio e na televisão, por meio exclusivo de inserções, para:
(...)
V - promover e difundir a participação política das mulheres, dos jovens e dos negros.
A lei das Eleições também trouxe (após reforma em 2022) a determinação que, do tempo total disponível para o partido político, no mínimo, 30% (trinta por cento) deverão ser destinados à promoção e à difusão da participação política das mulheres:
Lei 9.096/95
Art. 50-B. O partido político com estatuto registrado no Tribunal Superior Eleitoral poderá divulgar propaganda partidária gratuita mediante transmissão no rádio e na televisão, por meio exclusivo de inserções, para:
(...)
§ 2º Do tempo total disponível para o partido político, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser destinados à promoção e à difusão da participação política das mulheres.
Desta forma, percebem-se vários dispositivos no sentido de promover a igualdade de gênero. Todavia, existem dois grandes empecilhos na transformação social efetiva: o longo processo a ser percorrido e as fraudes.
A mudança social sempre leva vários e difíceis anos. Uma lei ou norma constitucional pode incentivar a transformação social, porém, nunca mudará a realidade assim que publicada. Tal mudança exige a participação da sociedade, com sua conscientização e mudanças concretas – não somente nas ideias e em normas abstratas.
Como prova disso, temos que, apesar das várias mudanças legislativas, o percentual de mulheres eleitas continua muito baixo.
Débora do Carmo Vicente4, Chefe da seção de programas institucionais da Escola Judiciária Eleitoral do Rio Grande do Sul, ao apresentar os dados de mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados, descreve a evolução após tantos dispositivos incentivadores. Contudo, a melhora ainda é tímida:
“A inclusão de mais mulheres é uma questão não só de justiça, mas de interesse público. Na tecnologia e na política, a sub-representação feminina afeta negativamente o desenvolvimento e avanço da sociedade, que perde por não se valer de um aporte vital e significativo de contribuições”, disse Débora. Conforme aponta a palestrante, apesar das mulheres comporem a maioria do eleitorado brasileiro, e de uma legislação de cota de 30% para candidatas femininas, até 2018 as mulheres nunca haviam ultrapassado a marca de 10% na Câmara dos Deputados. Naquele ano, a eleição de 77 parlamentares elevou a 15% a participação feminina. “Em 2022, a situação melhorou um pouco. Temos hoje 91 mulheres na bancada federal da Câmara, sendo seis deputadas gaúchas. Na Assembleia Legislativa, temos 11 deputadas estaduais. Ambos números representam cerca de 20%, aquém da cota de 30%, a qual deveria ser o mínimo aceito por nossa sociedade – o ideal seria 50%”, destacou.
Mesmo após esse avanço, o Brasil encontra-se na posição 130 (entre 193 países) em presença feminina nos parlamentos – demonstrando o quanto ainda precisa ser avançado.
Em outro giro, vários partidos ainda usam de fraudes para burlar a regra dos trinta por cento de candidatas mulheres (de cada sexo). Colocam mulheres para concorrer aos cargos, mas sem pretensão nenhuma de vitória ou fazer campanha. Após a eleição, as “mulheres laranjas” tem zero voto ou quase zero, não fazem campanhas ou outras condutas que demonstram o auto descrédito na sua campanha - circunstâncias que conduzem à conclusão de registro de candidaturas inviáveis, com o único propósito de atender formalmente a cota de gênero.
Vale ressaltar que, para brecar as fraudes, o Tribunal Superior Eleitoral entende pela legalidade da propositura de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) para investigar a fraude nas cotas de gêneros:
3. No caso, a moldura fática do acórdão Regional, delineada a partir de conteúdo probatório contundente (documentos, oitiva de testemunhas e o depoimento pessoal das requeridas), é incontroverso que: (i) 4 (quatro) das cinco candidatas não obtiveram nenhum voto (percentual que corresponde a 80% das candidaturas femininas registradas); (ii) não realizaram nenhum ato de campanha; (iii) apresentaram prestações de contas zeradas; (iv) não tiveram os nomes mencionados nos atos de propaganda eleitoral dos candidatos da coligação e (v) há parentesco entre uma delas e candidato da Coligação. Diante do quadro retratado, está bastante claro que as candidatas foram cooptadas para compor a cota mínima legal.
(TSE - 0000001-90.2017.6.09.0046 - REspEl - Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 190 - GOUVELÂNDIA – GO - Acórdão de 16/12/2021 - Rel. Min. Alexandre de Moraes – Publicação: 04/02/2022).
Sendo comprovada a fraude, a consequência da procedência da AIJE é a desconstituição do registro e anulação dos votos atribuídos a todos os candidatos do partido, independente de prova da sua participação ou anuência no evento fraudulento. O registro de candidaturas “laranjas” contradizem às finalidades da política afirmativa (grifo meu):
8. Caracterizada a fraude e, por conseguinte, comprometida a disputa, não se requer, para fim de perda de diploma de todos os candidatos beneficiários que compuseram as coligações, prova inconteste de sua participação ou anuência, aspecto subjetivo que se revela imprescindível apenas para impor a eles inelegibilidade para eleições futuras. Precedentes.
9. Indeferir apenas as candidaturas fraudulentas e as menos votadas (feito o recálculo da cota), preservando-se as que obtiveram maior número de votos, ensejaria inadmissível brecha para o registro de "laranjas", com verdadeiro incentivo a se "correr o risco", por inexistir efeito prático desfavorável.
10. O registro das candidaturas fraudulentas possibilitou maior número de homens na disputa, cuja soma de votos, por sua vez, contabilizou-se para as respectivas alianças, culminando em quociente partidário favorável a elas (art. 107 do Código Eleitoral), que puderam então registrar e eleger mais candidatos.
11. O círculo vicioso não se afasta com a glosa apenas parcial, pois a negativa dos registros após a data do pleito implica o aproveitamento dos votos em favor das legendas (art. 175, §§ 3º e 4º, do Código Eleitoral), evidenciando-se, mais uma vez, o inquestionável benefício auferido com a fraude.
12. A adoção de critérios diversos ocasionaria casuísmo incompatível com o regime democrático.
(TSE - RESPE - Recurso Especial Eleitoral nº 19392 - VALENÇA DO PIAUÍ – PI - Acórdão de 17/09/2019 - Relator(a) Min. Jorge Mussi).
Como se percebe do julgado, entendimento diverso seria antidemocrático. Seria convalidar uma fraude à uma política de igualdade tão cara e privilegiar o violador – no caso o partido e seus parlamentares eleitos e mantidos nos cargos favorecidos.
Sendo sólida tal jurisprudência, o TSE a materializou em dispositivo:
Resolução TSE 23.609/2019:
Art. 20. Os pedidos de registro serão compostos pelos seguintes formulários gerados pelo CANDEX:
(...)
§ 5º A conclusão, nas ações referidas no § 1º deste artigo, pela utilização de candidaturas femininas fictícias, acarretará a anulação de todo o DRAP e a cassação de diplomas ou mandatos de todas as candidatas e de todos os candidatos a ele vinculados, independentemente de prova de sua participação, ciência ou anuência, com a consequente retotalização dos resultados e, se a anulação atingir mais de 50% (cinquenta por cento) dos votos da eleição proporcional, a convocação de novas eleições. (Incluído pela Resolução nº 23.675/2021).
Ressalte-se que, se favorecida por fraude à cota de gênero, cassa-se a candidatura mesmo sendo candidata do sexo feminino a eleita pelo partido fraudulento. São atingidos todos os registros ou diplomas vinculados à fraude, independente do sexo do candidato.
O Supremo Tribunal Federal referendou o entendimento do TSE, seguindo a mesma orientação:
É constitucional o entendimento jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) segundo o qual é:
i) cabível a utilização da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) para apuração de fraude à cota de gênero; e
ii) imperativa a cassação do registro ou do diploma de todos os candidatos beneficiados por essa fraude.
STF. Plenário. ADI 6338/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 03/04/2023 (Info 1089).
Vale destacar um ponto essencial nessa política de cotas. Uma mulher ou um homem trans ou travestis são considerados na cota ou não a partir do seu gênero e não do seu sexo biológico original. A política é de igualdade de gênero e entendimento diverso seria burlar a vontade do legislador e a Dignidade da Pessoa Humana (grifo meu):
“[...] Cotas feminina e masculina. Contabilização. Percentuais. Art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97. Pedido de registro de candidatura. [...] 1. A expressão ‘cada sexo’ mencionada no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97 refere-se ao gênero, e não ao sexo biológico, de forma que tanto os homens como as mulheres transexuais e travestis podem ser contabilizados nas respectivas cotas de candidaturas masculina ou feminina. Para tanto, devem figurar como tal nos requerimentos de alistamento eleitoral, nos termos estabelecidos pelo art. 91, caput, da Lei das Eleições, haja vista que a verificação do gênero para o efeito de registro de candidatura deverá atender aos requisitos previstos na Res.-TSE nº 21.538/2003 e demais normas de regência. [...]” (Ac. de 1.3.2018 na Cta 060405458, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.)
Outro destaque é que o partido e os eleitos somente serão prejudicados pelo descumprimento da cota se houver possibilidade de cumprir o mandamento constitucional e legal. Do contrário, seria criar uma responsabilização objetiva, sem a intenção de fraudar (grifo meu):
“Representação. Eleição proporcional. Percentuais legais por sexo. Alegação. Descumprimento posterior. Renúncia de candidatas do sexo feminino. 1. Os percentuais de gênero previstos no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97 devem ser observados tanto no momento do registro da candidatura, quanto em eventual preenchimento de vagas remanescentes ou na substituição de candidatos, conforme previsto no § 6º do art. 20 da Res.-TSE nº 23.373. 2. Se, no momento da formalização das renúncias por candidatas, já tinha sido ultrapassado o prazo para substituição das candidaturas, previsto no art. 13, § 3º, da Lei nº 9.504/97, não pode o partido ser penalizado, considerando, em especial, que não havia possibilidade jurídica de serem apresentadas substitutas, de modo a readequar os percentuais legais de gênero [...]”. (Ac. de 23.5.2013 no REspe nº 21498, rel. Min. Henrique Neves da Silva.)
Ante o exposto, fica nítido a intenção do constituinte derivado e do legislador infraconstitucional em promover e incentivar a igualdade de gêneros.
Em outro giro, há clareza no papel constitucional e legal do Poder Judiciário em defender às referidas normas e cumprir, inclusive, seu papel iluminista de empurrar a sociedade para frente. Nas palavras do mestre Barroso5 (grifo meu):
IV. O PAPEL ILUMINISTA
Por fim, em situações excepcionais, com grande autocontenção e parcimônia, cortes constitucionais devem desempenhar um papel iluminista. Vale dizer: devem promover, em nome de valores racionais, certos avanços civilizatórios e empurrar a história. São decisões que não são propriamente contramajoritárias, por não envolverem a invalidação de uma lei específica; nem tampouco são representativas, por não expressarem necessariamente o sentimento da maioria da população.
Ainda assim, são necessárias para a proteção de direitos fundamentais e para a superação de discriminações e preconceitos. Situa-se nessa categoria a decisão da Suprema Corte americana em Brown v. Board of Education, deslegitimando a discriminação racial nas escolas públicas, e a da Corte Constitucional da África do Sul proibindo a pena de morte. No Brasil, foi este o caso do julgado do Supremo Tribunal Federal que equiparou as uniões homoafetivas às uniões estáveis convencionais, abrindo caminho para o casamento de pessoas do mesmo sexo.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal começou a julgar um caso envolvendo o direito de transexuais serem tratados socialmente de acordo com a sua identidade de gênero. O que inclui nome social, pronome de tratamento e uso de banheiros de acesso público, para citar algumas das questões relevantes. Quem pode proteger os direitos de uma minoria assim estigmatizada se não a Suprema Corte? Neste caso, de que sou relator, também houve um pedido de vista e o julgamento está suspenso.
Assim, esse estudo buscou demonstrar a importância do trabalho conjunto dos Poderes Legislativo (normatizando as políticas de igualdade), Executivo (realizando-as) e Judiciário (protegendo-as juntamente com os demais órgãos fiscalizadores, como o Parquet e a Defensoria Pública) para termos uma sociedade efetivamente justa e igualitária.
A partir do conhecimento dos avanços (ainda que pequenos) e dos empecilhos das políticas de igualdade de gênero, pode-se evoluir (jurídica e faticamente) ainda mais, inclusive em outras vertentes da igualdade.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. Contramajoritário, Representativo e Iluminista: os papéis das Cortes Constitucionais nas democracias contemporâneas. https://www.conjur.com.br/dl/notas-palestra-luis-robertobarroso.pdf. Acesso em: 24/10/23.
Palestrante destaca a importância da participação feminina na política e nas instituições. 2023. https://portal.camaranh.rs.gov.br/pm3/informacao_e_conhecimento/noticias/palestrante-destaca-a-importancia-da-participacao-feminina-na-politica-e-nas-instituicoes#:~:text=%E2%80%9CNos%20156%20pa%C3%ADses%20avaliados%2C%20as,paridade%20de%20g%C3%AAnero%20na%20pol%C3%ADtica. Acesso em 24/10/2023.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Constitucionalidade do sistema de cotas raciais em concursos públicos. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/3202111cf90e7c816a472aaceb72b0df>. Acesso em: 24/10/2023.
BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa.Nota: Trecho de discurso no Largo de São Francisco, em São Paulo, intitulado de Oração aos Moços.
VELLOSO, Carlos Mário da Silva e AGRA, Walber de Moura Agra. Elementos de Direito Eleitoral. São Paulo: Saraiva, 2014.
ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. São Paulo: Juspodium, 2023.
CUNHA, Amanda Guimarães da. BASTOS JR, Luiz Magno Pinto. Fraudes à cota de gênero na perspectiva do direito eleitoral sancionador. Resenha Eleitoral. Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, v. 24.
Delegado de Polícia Civil de Sergipe. Ex Delegado de Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, ex Agente de Polícia Civil de Sergipe e ex Guarda Municipal de Aracaju. Pós-graduado em direito penal e direito constitucional pela Faculdade Damásio.︎
BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa.Nota: Trecho de discurso no Largo de São Francisco, em São Paulo, intitulado de Oração aos Moços.︎
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CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Constitucionalidade do sistema de cotas raciais em concursos públicos. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/3202111cf90e7c816a472aaceb72b0df>. Acesso em: 24/10/2023.︎
Palestrante destaca a importância da participação feminina na política e nas instituições. 2023. https://portal.camaranh.rs.gov.br/pm3/informacao_e_conhecimento/noticias/palestrante-destaca-a-importancia-da-participacao-feminina-na-politica-e-nas-instituicoes#:~:text=%E2%80%9CNos%20156%20pa%C3%ADses%20avaliados%2C%20as,paridade%20de%20g%C3%AAnero%20na%20pol%C3%ADtica. Acesso em 24/10/2023.︎
BARROSO, Luís Roberto. Contramajoritário, Representativo e Iluminista: os papéis das Cortes Constitucionais nas democracias contemporâneas. https://www.conjur.com.br/dl/notas-palestra-luis-robertobarroso.pdf. Acesso em: 24/10/23.︎